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– Diarreia O ritmo intestinal normal varia de três vezes por semana a três vezes por dia. O aumento da frequência por mais de três vezes ao dia, com di- minuição da consistência das fezes, que provocam urgência ou desconforto abdominal, provavelmente é um quadro de diarreia. A consistência é determinada pela relação entre água fecal e a capacidade de retenção de água dos sólidos insolúveis fecais. A maioria dos casos de diarreia são decorrentes da alteração do transporte de líquidos e eletrólitos e pouco dependente da motilidade da musculatura lisa. Normalmente, cerca de 9L penetra no trato gastrointestinal em um dia, sendo apresentado ao duodeno, cerca de 2 L. Apenas 0,2L é excretado nas fezes. Se qualquer perturbação no transporte de eletrólitos ou a presença de solutos não absorvíveis no lúmen intestinal reduzissem a capacidade de absorção do intestino delgado em 50%, o volume de liquido apresentado diariamente ao cólon normal excederia sua capa- cidade de absorção diária máxima de 4 L. Isso resultaria em uma excreção de fezes de l.000 mL, que, por definição, é diarreia. Da mesma forma, se o cólon encontra-se danificado de tal forma que não pode absorver nem mesmo o volume de 1,5 L normalmente apresentado pelo intestino delgado, restará um volume fecal superior a 200 ml/24 horas - também sendo definido como diarreia. A nível celular, ocorre excesso de líquido no lúmen intestinal quando há deficiência na capacidade de transporte de eletrólitos do intestino delgado ou grosso ou quando cria-se um gradiente osmótico desfavorável (inibição da absorção de Na+ ou se- creção ativa de Cl-) que não pode ser suplantado pelos mecanismos normais de absorção de eletrólitos. Na membrana basolateral dos enteró- citos, a atividade da bomba de Na+/ K+ ATPase mantém baixas concentrações intracelulares de Na+. Isto força um fluxo absortivo contínuo deste eletrólito junto com água. A diarreia inflamatória se caracteriza por lesão e morte de enterócitos, atrofia de vilosidades e hiperplasia de criptas. As criptas hiperplásicas preservam sua capacidade secretória de Cl-. Em inflamação grave, ocorre extravasamento linfático, além da ativação de vários mediadores inflamatórios, que promovem aumento da secreção de Cl-, contribuindo para a diarreia. A interleucina 1 (IL-1) e o fator de necrose tumoral (TNF) também são liberados no sangue, causando febre e mal-estar. ➢ CLASSIFICAÇÃO A classificação das diarreias pode ser feita com base no tempo de duração do sintoma, nas características clínicas e topográficas e na fisiopatologia. Assim, diarreias agudas são aquelas com duração menor que 2, sendo a causa mais comum por infecções. A crônica acima de 4 semanas. Por fim, a diarreia persistente, aquela de duração entre 2 e 4 semanas. Quanto ao mecanismo fisiopatológico, são categorizadas em osmótica, secretória, inflamatória, disabsortiva e funcional, sendo as 4 primeiras diarreias orgânicas e a última não orgânica. Quanto à classificação padrão: Quanto às características clínicas e topográficas: É dividida em alta (do delgado) e baixa (cólon), e diferenciada por meio do volume por evacuação, frequência, presença de tenesmo e restos alimentares/sangue e muco, conforme quadro a baixo: – Quanto a classificação fisiopatológica: • Diarreia osmótica Ocorre por acúmulo de solutos osmoticamente ativos não absorvíveis no lúmen intestinal. Assim, ocorre retenção de líquidos intraluminais e consequentemente diarreia. É a partir desse mesmo mecanismo que funcionam os laxativos. Uso de antibióticos também podem causá-la. As características desse tipo de diarreia é o fato de ter gap osmolar alto, melhora em jejum e com suspensão de substâncias osmóticas. Ex.: deficiência de dissacarídeos, alta ingestão de car- boidratos pouco absorvíveis (sorbitol, manitol, lactulose), abuso de laxativos. • Diarreia secretória Distúrbio no processo hidroeletrolítico pela mucosa intestinal, por meio do aumento de secreção de íons e água para o lúmen ou inibição da absorção, por meio de drogas ou toxinas. Diferentemente da osmótica, tem gap osmolar baixo, não melhora com jejum e é responsável por um grande volume de fezes aquosas. Esse é o tipo de diarreia provocada por E. coli enterotoxigênica, Vibrio cholerae, Salmonella sp. • Diarreia inflamatória Como o próprio nome induz, é causada por uma alteração inflamatória, levando a produção de muco, pus e/ ou sangue nas fezes. Pode ter alte- ração laboratorial da calprotectina ou lactoferrina fecal. Entre as causas, destacam-se a doença de Crohn e a retocolite ulcerativa. – • Diarreia funcional Nesse tipo de diarreia, a absorção e secreção estão normais, porém não há tempo suficiente para ocorrer a absorção desses nutrientes corre- tamente. É um diagnóstico de exclusão, ou seja, quando ausência de doença orgânica justificável. Ocorre por hipermotilidade intestinal. Exemplos: síndrome do intestino irritável e diarreia diabética (neuropatia autonômica). • Diarreia disabsortiva Também conhecido como esteatorreia. A causa dessa diarreia está associada a baixa absorção dos lipídios no intestino delgado, ou seja, pode ser causada também por uma síndrome de má absorção ou por uma síndrome de má digestão. Por exemplo doença celíaca, doença de Crohn, doença de Whipple, giardíase, estrongiloidíase e linfoma intestinal. – Diarreia aguda é a eliminação anormal de fezes amolecidas ou líquidas com uma frequência igual ou maior a três vezes por dia e duração de até 14 dias. Entretanto, neonatos e lactentes, em aleitamento materno exclusivo, podem apresentar esse padrão de evacuação sem que seja considerado diarreia aguda. Disenteria é a diarreia com a presença de sangue e/ou leucócitos nas fezes. Denomina-se diarreia persistente quando o quadro diarreico se estende além de 14 dias. ➢ ETIOLOGIA A diarreia aguda pode ter causas infecciosas e não infecciosas. Alergias, intolerâncias e erros alimentares, além de certos medicamentos, estão entre as causas não infecciosas mais frequentes. As diarreias agudas de origem infecciosa têm como principais agentes os vírus, as bactérias e os protozoários. No mundo inteiro, os vírus são os principais causadores das diarreias infecciosas, sendo os mais prevalentes os rotavírus, os calicivírus, os astrovírus e os adenovírus entéricos. Os vírus são altamente infectantes e necessitam de baixa carga viral para causar doença. • Os rotavírus têm ocorrência universal, sendo os principais responsáveis por episódios de diarreia aguda, tanto nos países desenvolvidos como naqueles em desenvolvimento, representando 40% dos casos graves com hospitalização. A infecção por rotavírus é autolimitada, com pico de incidência na faixa etária de 6 a 24 meses. • Os norovírus são os principais agentes de surtos epidêmicos de gastroenterites virais transmitidos por água ou alimentos, ocorrendo em todas as faixas etárias. Também podem ser encontrados em quadros esporádicos, e 30% dos casos são assintomáticos. • Os adenovírus causam, com mais frequência, infecção do aparelho respiratório, mas, dependendo do sorotipo, podem causar quadros de gastroenterite. • Os astrovírus são menos prevalentes. Apesar de poder ocorrer em adultos e crianças, os lactentes são os mais acometidos. A transmissão é de pessoa a pessoa e geralmente provoca casos de diarreia leve e autolimitada. As diarreias agudas de causa bacteriana e parasitária são mais prevalentes nos países em – desenvolvimento e têm pico de incidência nas estações chuvosas e quentes. Os agentes parasitários mais frequentemente envolvidos na etiologia da diarreia aguda são: Cryptosporidium parvum, Giardia intestinalis, Entamoeba histolytica e Cyclospora cayetanensis. O Cryptosporidium e a Cyclospora são agentes observados em crianças nos países em desenvolvimento e com frequência sãoassintomáticos. Casos graves de infecção por esses parasitas podem ser encontrados nos pacientes imunodeprimidos. A transmissão da maioria dos patógenos que causam diarreia é fecal-oral. ➢ FISIOPATOLOGIA E QUADRO CLÍNICO: O pH ácido gástrico, a flora bacteriana normal, o peristaltismo intestinal, as mucinas presentes na camada de muco que reveste a superfície luminal dos enterócitos, fatores antimicrobianos como lisozimas e lactoferrina e o sistema imune entérico compõem a barreira de defesa do sistema digestório potencializado em crianças que usam leite materno exclusivo. Para que ocorra diarreia aguda infecciosa, os microrganismos precisam romper essa barreira e aderir à superfície mucosa, mecanismo este comum a todos os patógenos. Depois da aderência à superfície celular, os microrganismos exercem seus fatores de virulência por meio da produção de enterotoxina, citotoxina e lesão da mucosa intestinal de intensidade variada, podendo até determinar em alguns casos infecção generalizada. Dependendo do fator de virulência do microrganismo, podem ocorrer quatro mecanismos fisiopatológicos de diarreia aguda: mecanismo osmótico, secretor, inflamatório e de alteração da motilidade. Em algumas situações, há sobreposição desses mecanismos, podendo a diarreia, nesses casos, apresentar mais de uma forma clínica. A diarreia osmótica predomina nos quadros virais. O rotavírus causa lesões focais, com infecção das células vilositárias apicais, que concentram as dissacaridases, principalmente a enzima lactase. Com a destruição desses enterócitos e a reposição por células imaturas, há diminuição da atividade enzimática, reduzindo a absorção dos carboidratos, com ênfase na lactose. Os açúcares não absorvidos aumentam a pressão osmótica na luz intestinal, o que determina a maior passagem de água e eletrólitos para o espaço intraluminal para manter o equilíbrio osmótico. Esse tipo de diarreia caracteriza-se pela eliminação de fezes líquidas e volumosas, amareladas, com caráter explosivo e com grande perda hidreletrolítica. Os vômitos são frequentes e precoces, em 80 a 90% dos casos, precedendo a diarreia e causando a desidratação, principalmente nos lactentes, faixa etária em que se concentram os quadros mais graves. A febre, geralmente alta, ocorre em aproximadamente metade dos casos. A diarreia secretora caracteriza-se por perda de grande volume de água e de eletrólitos, por ação de enterotoxinas que estimulam os mediadores da secreção, a adenosina monofosfato cíclico (AMPc), guanosina monofosfato cíclico (GMPc) e o cálcio (Ca2+), levando à diminuição da absorção de água e íons e à secreção ativa pela criptas. São exemplos típicos desse tipo de diarreia a ETEC e o Vibrio cholerae. Nesse tipo de diarreia, há poucos sintomas sistêmicos, a febre está ausente ou é baixa e os vômitos surgem com a desidratação, que é a principal complicação pela perda rápida e volumosa de água e eletrólitos pelas fezes. A diarreia inflamatória é causada por patógenos que invadem a mucosa do intestino delgado ou grosso, ocasionando resposta inflamatória local ou sistêmica, dependendo da extensão da injúria. O quadro clínico caracteriza-se por febre, mal- estar, vômitos, dor abdominal do tipo cólica e diarreia disentérica, com fezes contendo sangue, muco e leucócitos. Os sintomas sistêmicos serão tão mais intensos quanto maior for o potencial invasivo do patógeno. Em algumas situações, os microrganismos podem atingir a circulação sistêmica, afetando órgãos a distância como articulações, fígado, baço e sistema nervoso central. – A principal complicação da diarreia aguda é a desidratação, que nos casos de maior gravidade pode levar a distúrbio hidroeletrolítico e acidobásico, choque hipovolêmico e até morte. As crianças menores de 1 ano são as mais vulneráveis. Nas populações mais carentes, a diarreia aguda pode ser um fator determinante ou agravante da desnutrição, que por sua vez aumenta a predisposição à infecção, além de uso prévio recente de antibióticos. ➢ DIAGNÓSTICO: O diagnóstico da diarreia aguda é eminentemente clínico. Por meio de uma história e um exame físico detalhados, é possível levantar hipóteses quanto a determinados agentes etiológicos e orientar as medidas terapêuticas necessárias. Deve constar na anamnese: duração da diarreia, características das fezes, número de evacuações diarreicas por dia, vômitos (número de episódios/dia), febre, diurese (volume, cor e tempo decorrido da última micção), uso de medicamentos, sede, apetite, tipo e quantidade de líquidos e alimentos oferecidos após o início da diarreia, doenças prévias, estado geral, presença de queixas relacionadas a outros sistemas, viagem recente, contato com pessoas com diarreia e ingestão de alimentos suspeitos, além do uso prévio recente de antibióticos. O exame físico deverá ser completo, incluindo avaliação nutricional, pois a desnutrição é fator de risco para quadros mais graves e evolução para diarreia persistente. É importante lembrar também que a diarreia, principalmente no lactente, pode acompanhar quadros de pneumonia, otite média, infecção do trato urinário, meningite e septicemia bacteriana. Deve- se classificar o estado de hidratação do paciente. A solicitação de exames laboratoriais não é necessária rotineiramente para o tratamento da diarreia aguda, habitualmente autolimitada, ficando reservada para os casos de evolução atípica, grave ou arrastada, presença de sangue nas fezes, lactentes menores de 4 meses e para os pacientes imunodeprimidos. O hemograma completo deve ser solicitado para avaliar anemia e padrão leucocitário; ionograma, ureia e creatinina, nos casos com distúrbio hidreletrolítico grave e impacto na função renal. Nas fezes, pH fecal, substâncias redutoras, leucócitos, hemácias, sangue oculto e coprocultura, ELISA para vírus e pesquisa de toxina para Clostridium são os exames mais frequentemente solicitados. O pH fecal igual ou menor de 5,5 e a presença de substâncias redutoras nas fezes indicam intolerância aos carboidratos, normalmente de natureza transitória. A ausência de leucócitos fecais não exclui a presença de bactéria invasiva, mas a sua presença indica inflamação e organismos que invadem a mucosa intestinal. O exame de coprocultura geralmente tem uma positividade baixa. O material fecal deve ser – transportado em meio especial ou cultivado até 2 horas após a coleta, com as fezes mantidas em refrigeração a 4°C. ➢ TRATAMENTO E PREVENÇÃO: - TERAPIA DE REIDRATAÇÃO ORAL (TRO) E DIETA: A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Unicef preconizam o uso da solução de reidratação oral (SRO) hiposmolar, que, comparado com a SRO padrão antigo, mostrou- se mais eficaz, diminuindo os episódios de vômitos, o volume e a duração da diarreia em lactentes e também a probabilidade de hipernatremia. A criança com diarreia aguda sem desidratação pode ser tratada no domicílio. Outros critérios para a hidratação venosa são: vômito intratável, falha na TRO por via oral ou sonda nasogástrica, diarreia profusa, íleo paralítico, irritabilidade, sonolência ou ausência de melhora após 24 horas da administração da SRO. Recomenda-se manter a alimentação normal para a idade nos casos sem desidratação e reintroduzi-la de forma gradativa, com refeições frequentes e leves, selecionando alimentos ricos em energia e micronutrientes (grãos, ovos, carnes, frutas e hortaliças), sem a necessidade de diluir o leite ou de substituí-lo por uma fórmula sem lactose. Os lactentes em aleitamento materno devem continuar a ser amamentados, mesmo durante o período de reidratação. – - MEDICAÇÕES: Os antieméticos são desnecessários para o tratamento da diarreia aguda e não conferem benefício; além disso, têm efeitos sedativos, o que pode atrapalhar a TRO; entretanto, novas evidências indicam que crianças com vômitospersistentes, tratadas com a ondansetrona, apresentam menor risco de admissão hospitalar. – Os probióticos podem ser úteis para reduzir a gravidade e a duração da diarreia aguda infecciosa infantil, abreviando em cerca de 1 dia a sua duração, principalmente nas diarreias de etiologia viral. Os antiperistálticos, como a loperamida, não são recomendados para tratar crianças, pois aumentam a gravidade e as complicações da doença, particularmente em crianças com diarreia invasiva. As evidências são maiores com o Sacaromices bulardi e Lactobacillus GG. A racecadotrila é uma droga antissecretora que inibe a encefalinase intestinal sem reduzir o transito intestinal ou promover o supercrescimento bacteriano. A medicação reduz a duração da diarreia e o volume de fezes. Os estudos recentes de metanálises apoiam o uso da racecadotrila, associado à SRO, para a conduta terapêutica da diarreia aguda em crianças. Os quadros de diarreia aguda em geral são autolimitados e, portanto, o uso racional de antibióticos evita o aparecimento de complicações, bem como de resistência bacteriana, sendo excepcionalmente indicados. Os antimicrobianos são indicados para os casos mais graves: na diarreia com sangue, nos pacientes imunodeprimidos e em lactentes jovens, menores de 4 meses; sua escolha deve se basear nos padrões de sensibilidade das cepas dos patógenos presentes na localidade ou região. Os antimicrobianos de escolha para os principais agentes bacterianos e parasitários são: • cólera: azitromicina, ciprofloxacino; • Shigella: azitromicina, ceftriaxona e ácido nalidíxico; • ameba invasiva (presença de hematófago em microscopia de fezes ou disenteria sem outro patógeno): metronidazol seguido do uso da nitazoxanida para a total eliminação dos cistos. A nitazoxanida é um antiparasitário eficaz para o tratamento da diarreia provocada por parasitas como Giardia lamblia, Entamoeba hystolitica e Cryptosporidium parvum. Alguns estudos têm demonstrado a ação da nitazoxanida reduzindo a replicação do rotavírus no hospedeiro; • giardíase: metronidazol, tinidazol, secnidazol; • Campylobacter: azitromicina, ciprofloxacino; • E. coli enteropatogênica, enterotoxigênica e invasiva: ciprofloxacino, ceftriaxona; • Clostridium difficile: metronidazol, vancomicina. – A diarreia é caracterizada por perda de fluidos e eletrólitos nas fezes. Quando o processo em curso ultrapassa 14 dias, define-se como diarreia crônica. Alguns autores utilizam o termo “diarreia persistente” quando o processo em questão decorre de etiologia infecciosa, e denominam crônica quando não associada à infecção pregressa. ➢ DEFINIÇÃO E EXAMES: A diarreia crônica é definida como perda entérica fecal de pelo menos 10 g/kg/dia em lactentes e 200 g/dia para crianças maiores, pelo prazo superior a 14 dias de duração. A frequência evacuatória, em geral, é superior a 3 dejeções/dia, sendo o volume fecal difícil de ser mensurado em crianças. O primeiro passo nesses pacientes é usualmente excluir doença estrutural com TC do abdome e eventualmente teste sorológico para doença celí- aca. A insuficiência pancreática pode ser avaliada pelo teste da secretina e pesquisa de quimiotripsina fecal. Os principais testes para avaliação desses pacientes são descritos a seguir: Alguns outros exames podem ser solicitados. O trânsito intestinal, composto por radiografias seriadas após ingestão de sulfato de bário; enteró- clise, também por administração de bário, para detectar calcificações pancreáticas e doença inflamatória intestinal, principalmente; a endoscopia alta e/ou baixa é um exame importan- te para avaliar doenças que cursam com má absorção, como doença de Crohn e permite a coleta de biópsias de delgado para avaliar doença celíaca, síndrome da imunodeficiência, doença de Whipple. A cultura de delgado é padrão-ouro para diagnosticar supercrescimento bacteriano. Colhe o fluido intestinal diretamente do intestino delgado e em seguida é enviado rapidamente para cultura. Os testes fecais são importantes para avaliar o pH fecal, uma vez que um pH mais ácido fala mais a favor de deficiência de lactase ou disabsorção de gorduras; e a osmolaridade diferencia uma diarreia osmótica de uma secretória. – ➢ ETIOLOGIA O espectro etiológico da diarreia crônica é extremamente amplo e variável, dependendo da idade de início, estado nutricional, condições ambientais e doenças associadas. ➢ FISIOPATOLOGIA Os mecanismos determinantes de diarreia podem ser osmótico, secretor ou misto. O componente secretor caracteriza-se pelo fluxo ativo de eletrólitos e água em direção ao lúmen intestinal, resultantes da inibição de absorção neutra de NaCl nos vilos dos enterócitos e aumento da secreção de cloreto nas células das criptas. A secreção eletrogênica é estimulada basicamente pelas enterotoxinas produzidas por bactérias patogênicas, citocinas inflamatórias e substâncias endógenas endócrinas que resultam em aumento da concentração de monofosfato de adenosina (AMP) cíclico, monofosfato de guanosina (GMP) cíclico e/ou cálcio citosólico. A diarreia osmótica é causada por nutrientes não absorvidos no lúmen intestinal decorrentes dos seguintes mecanismos: dano intestinal (infecções entéricas), redução da superfície absortiva (doença celíaca), redução de enzima digestiva (déficit de lactase), aumento da velocidade do trânsito intestinal e sobrecarga osmolar. Os processos inflamatórios decorrem da liberação de citocinas, as quais, por sua vez, estimulam a secreção, aumentam a permeabilidade do epitélio com consequente adsorção de proteínas heterólogas, deflagração de mecanismos imunomediados, aumento da motilidade e extravasamento de proteínas para a luz intestinal. ➢ APRESENTAÇÃO CLÍNICA: - INFECÇÕES As infecções entéricas estão comumente relacionadas à diarreia crônica nos países em desenvolvimento. A Escherichia coli enteroaderente, variante enteroagregativa e o Criptosporidium parvum são muitas vezes determinantes de diarreia crônica pós-infecção aguda. As enteroparasitoses ainda são responsáveis por processos disabsortivos em crianças que vivem em áreas endêmicas. Protozoários como a Giardia lamblia podem determinar diarreia crônica mesmo em pacientes imunocompetentes, exigindo tratamento específico. Crianças desnutridas, imunodeficientes primárias e portadoras de HIV podem não autolimitar infecções entéricas por protozoários, como Cryptosporidium, Cyclospora, Isospora e estrongiloides. As síndromes pós-enterites apresentam-se com diarreia grave em razão do dano à mucosa intestinal, sensibilização contra proteínas heterólogas da dieta alimentar, desequilíbrio da microflora e excesso de secreção de enterotoxinas. - RESPOSTA IMUNE ANORMAL A doença celíaca ocorre em indivíduos geneticamente predispostos, após exposição ao glúten da dieta alimentar. Dependendo do grupo étnico, a doença celíaca incide em 0,5 a 1,0% da população de diferentes países. As crianças de baixo grupo etário apresentam, com mais frequência, diarreia crônica e má absorção, enquanto em outras faixas etárias predominam os casos oligossintomáticos ou atípicos. A doença inflamatória intestinal crônica (DIIC) compreende a retocolite ulcerativa, a doença de – Crohn e a colite indeterminada. Os sintomas cardinais são dores abdominais de caráter intermitente, cólicas, diarreia crônica e evacuações. - DIARREIA COLERÉTICA As denominadas diarreias coleréticas ocorrem nos pacientes com má absorção de ácidos biliares. O íleo terminal apresenta processo inflamatório extenso e grave, ou pode estar com superfície de absorção reduzida, como nos casos de síndrome do intestino curto. Os sais biliares não completamente absorvidos excedem a capacidade absortiva do íleo distal, o que acarreta igualmente diarreia de caráter secretor. - MÁ ABSORÇÃO DE CARBOIDRATOA má absorção de carboidrato mais comum é a intolerância à lactose decorrente da redução da atividade lactásica nas microvilosidades do epitélio intestinal. A redução enzimática inicia-se, na maioria das vezes, a partir da faixa etária escolar, porém 20% dos casos são descritos em pré-escolares. O gene responsável pela hipolactasia encontra-se no cromossomo 2(2q 21-22), e as mutações são identificadas como C/T-13910 e G/A-22018. A intolerância à lactose (IL) pode ser adquirida, relacionada às lesões da mucosa do intestino delgado, secundárias às gastroenterites aguda e persistente, que determinam lesões ultraestruturais do epitélio intestinal, com redução significativa da concentração de lactase. A lactose não completamente hidrolisada é fermentada pelas bactérias colônicas, resultando em produção de ácidos orgânicos, butirato e gases voláteis. As fezes são ácidas e provocam em lactentes assaduras de difícil controle. - MÁ ABSORÇÃO PROTEICA INTESTINAL Os sinais e sintomas decorrentes da má absorção de proteínas estão relacionados à hipoalbuminemia e à redução das imunoglobulinas séricas. Nos casos de evolução crônica, o edema clínico pode ocorrer. São comuns perdas proteicas, na doença celíaca, na doença inflamatória crônica intestinal e enteropatias alérgicas. A linfangiectasia primária representa uma causa rara de perda proteica fecal. - MÁ ABSORÇÃO DE GORDURA Fezes volumosas, de aspecto brilhante, odor pútrido e que boiam no vaso sanitário caracterizam a esteatorreia, frequentemente observada na fibrose cística. A má absorção decorre da insuficiência pancreática exócrina. Ao nascimento, o íleo meconial pode ser uma manifestação. Sintomas neurológicos podem estar presentes em virtude do déficit de vitamina E. A doença de retenção de quilomícrons acarreta má absorção de gordura, desnutrição e diarreia crônica, geralmente acompanhada de alterações hematológicas nas hemácias, que assumem aspecto espiculado (acantose). - ALTERAÇÕES DA MOTILIDADE Nesses pacientes, são comumente observadas crises de distensão abdominal seguidas de diarreias profusas, caracterizando o megacolo tóxico. A pseudo-obstrução intestinal crônica é uma condição rara determinante de distensão crônica das alças intestinais, retardo do trânsito colônico e surtos de diarreia decorrentes do sobrecrescimento bacteriano do intestino. A diarreia crônica inespecífica é tida como entidade funcional, comum em crianças de baixo grupo etário. A diarreia decorre do aumento da velocidade do trânsito intestinal. Não há processo inflamatório em curso ou déficit de absorção. O apetite está preservado e o estado nutricional é normal. As evacuações são amolecidas, por vezes líquidas e frequentemente contém restos alimentares. ➢ CARACTERÍSTICAS DAS EVACUAÇÕES Devem ser consideradas, na investigação, as características das evacuações quanto ao número, consistência e aspecto das fezes; se aquosas, com – ou sem muco, presença de pus ou sangue e restos alimentares. Quando o acometimento é de intestino delgado, as fezes podem ser volumosas e de aspecto mais claro. A presença de muco e sangue provém das afecções do colo, podendo ser decorrente de processos infecciosos, parasitários, alérgicos ou inflamatórios. Fezes líquidas, volumosas e de odor ácido são frequentes nas diarreias osmolares, por má absorção de carboidratos. Fezes oleosas, claras, volumosas e de odor pútrido são características de esteatorreia, comuns na fibrose cística ou na doença celíaca. ➢ SINAIS E SINTOMAS ASSOCIADOS Nas intolerâncias alimentares, é comum a ocorrência de vômitos após ingestão da proteína ofensiva ou carboidrato não totalmente digerido. A distensão abdominal gasosa é comum após a ingestão de leite ou derivados nos casos de intolerância a lactose. A assadura perineal, denotando emissão de fezes ácidas, é comum em lactentes com diarreias fermentativas. ➢ DIAGNÓSTICO: Para o diagnóstico, alguns sinais de alarme devem ser procurados para detecção de diarreia orgânica, são eles: • Idade > 70 anos • Imunodeprimidos • Evolução para desidratação • Presença de febre alta • Características inflamatórias • Mais de 6 evacuações diárias • Dor abdominal intensa em maiores de 50 anos Na anamnese, as perguntas são muito semelhantes aos de diarreia aguda. Assim, pesquisar: • Volume das evacuações • Frequência das evacuaçãoes • Sangue, muco ou pus nas fezes • Características das fezes (coloração, odor, consistência) • Presença de febre • Presença de artralgia (doença de Crohn) • Dor abdominal associada, náuseas, vômitos ou outros sintomas – • Consumo de álcool • Diarreia após consumo de laticíneos e glúten • Patologia autoimunes prévias A solicitação de exames complementares vai depender muito de caso a caso. Os exames normalmente solicitados são: • Hemograma: • Eletrólitos • Parasitológico de fezes (3 amostras) • Coprocultura • Pesquisa de leucócitos fecais, sangue oculto • Teste quantitativo de gordura fecal Exames mais específicos também podem ser solicitados como ASCA para doença de Crohn, p- ANCA para retocolite ulcerativa; anticorpos anti- glutaminase, anti-endomísio e anti-gladina para doença celíaca; amilase e lipase para pancreatite. Caso suspeita de doença funcional, como síndro- me do intestino irritável (SII), pode-se aplicar os critérios de ROMA IV. Os critérios de Roma são critérios padronizados com base em sintomas para o diagnóstico de SII. Os critérios de Roma requerem a presença de dor abdominal durante pelo menos 1 dia/ semana nos últimos 3 meses, juntamente com ≥ 2 dos seguintes: • Dor relacionada à defecação. • A dor está associada com uma alteração na frequência de defecação. • A dor está associada a uma mudança na consistência das fezes.
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