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Escravidão e laços familiares entre escravizados-Alagoinhas Bahia, século XIX

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB 
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS II / ALAGOINHAS 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA 
 
 
 
 
 
 
 
Aline Soraia Saraiva Nascimento 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ESCRAVIDÃO E LAÇOS FAMILIARES ENTRE ESCRAVIZADOS – 
ALAGOINHAS: BAHIA,SÉCULO XIX 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Alagoinhas-BA 
2019 
 
 
 
ALINE SORAIA SARAIVA NASCIMENTO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ESCRAVIDÃO E LAÇOS FAMILIARESENTRE ESCRAVIZADOS – 
ALAGOINHAS: BAHIA,SÉCULO XIX 
 
 
Dissertação apresentadaao Programa de 
Pós-Graduação em História da 
Universidade do Estado da Bahia – 
Campus II, como requisito para a obtenção 
do grau de Mestre em História. 
Orientadora: Profa. Dra. Kátia Lorena 
Novais Almeida 
 
 
Banca Examinadora: 
 
 
_____________________________________________________________________ 
Profa. Dra. Kátia Lorena Novais Almeida (Orientadora) 
Universidade do Estado da Bahia–UNEB /Campus II – Alagoinhas 
 
______________________________________________________________________ 
Profa. Dra. Isabel Cristina Ferreira dos Reis 
Universidade Federal do Recôncavo – UFRB 
 
_______________________________________________________________________ 
Prof. Dr. Jonis Freire 
Universidade Federal Fluminense – UFF 
 
Suplente: 
 
______________________________________________________________________ 
 
Prof. Dr. Robério Santos Souza 
Universidade Estadual da Bahia - UNEB 
 
 
Alagoinhas, Bahia, 28 de novembro de 2019 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Para Maria Eduarda, fonte de minha 
inspiração e perseverança. 
 
 
 
 
 
Epígrafe 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
“No Brasil, o fogo doméstico dos escravos, além de 
esquentar, secar e iluminar o interior de suas ‘moradias’, 
afastar insetos, e estender a vida útil de suas coberturas 
de colmo, também servia-lhes como arma na formação 
de uma identidade compartilhada. Ao ligar aos ‘lares’ 
ancestrais, contribuía para ordenar a comunidade – a 
senzala – dos vivos e dos mortos. ‘[...] na chama 
reluzente do escravo, eis a flor’.” 
Robert Slenes, Na senzala uma flor, 1999. 
 
AGRADECIMENTOS 
 
 
Durante a graduação jamais pensei que chegaria tão longe. Queria pegar meu 
diploma, trabalhar numa escola e poder garantir meu sustento. Nunca havia pensado na 
possibilidade de fazer o mestrado em História. Vivenciar a experiência da pesquisa e da 
escrita, muitas vezes tão difícil, era algo que queria distância. Acredito que as pessoas 
entram em nossas vidas por algum motivo e que ninguém realiza nada sozinho. Por isso, 
agradeço a presença da “minha orientadora”, professora, Kátia Lorena Novais Almeida 
que me incentivou e motivou sempre. Desde a graduação esteve presente e durante o 
mestrado não foi diferente. Obrigada pela paciência, pelas ideias, pela disponibilidade, 
pelos livros emprestados, por apresentar os arquivos desde a graduação, enfim, pela sua 
orientação, dedicação, compreensão e amizade. O mérito do trabalho deve-se, em 
grande parte, à sua orientação, mas isento-a de qualquer responsabilidade sobre as ideias 
aqui desenvolvidas. 
Agradeço ao Programa de Pós-Graduação em História da UNEB – Campus II. 
Aos professores do Mestrado que contribuíram academicamente com a pesquisa: Aldrin 
Armstrong Silva Castellucci, sempre disponível nos vários momentos que precisei de 
seu auxílio, imediatamente atendendo minhas solicitações e dúvidas, e Paulo Santos 
Silva, “mestre” querido e dedicado, sempre preocupado com nosso aprendizado. Jamais 
esquecerei seus ensinamentos! A Diana Dantas Marinho, pelo auxílio com a “papelada” 
e pelo cafezinho durante as tardes de aula em que o sono batia. 
Aos professores Isabel Cristina F. dos Reis e Jonis Freire, por aceitarem o 
convite para compor a minha banca. Obrigada pelas contribuições e críticas pertinentes, 
pelo cuidado, sensibilidade e sugestões feitas durante o exame de qualificação. O olhar 
e o incentivo de vocês com certeza me deram direção para melhorar a pesquisa. 
À FAPESB, pelo auxílio e investimento para a realização desta pesquisa. 
Agradeço a D. Rita Valverde Leal por disponibilizar documentos da família Leal.Aos 
funcionários da 1ª Vara Civil do Fórum Des. Ezequiel Pondé – Alagoinhas, por permitir 
o acesso ao acervo quando do mapeamento da documentação realizado pela professora 
Kátia Lorena em decorrência do convênio firmado entre a UNEB e o TJBA. Agradeço a 
FIGAM (Fundação Iraci Gama) e, em especial a Eliane Batista por disponibilizar a 
documentação necessária para a pesquisa. Aos funcionários do Arquivo Público do 
Estado da Bahia, que educadamente me auxiliaram na busca por documentos durante os 
dias em que me deslocava para Salvador. 
Durante esses dois anos, a sala de aula foi espaço de reflexão, mas também foi 
onde relações foram tecidas. Sem eles, meus companheiros de angústias e alegrias, tudo 
teria sido mais difícil. Ficava ansiosa pela quarta-feira, dia sagrado para nós (risos). 
Saíamos juntos para “esfriar” a cabeça após Paulo Santos fazer o que ele faz de melhor 
(risos)! Ane Miranda, pessoa admirável, mulher forte e destemida, Diego Gouveia (Di), 
obrigada por arrancar meus risos. Emerson Carmo, o que falar de alguém que 
aparentemente não leva ninguém a sério? Obrigada pelo carinho e amizade. Priscila 
Godinho, mulher empoderada, forte, guerreira. Agradeço a todos vocês por tornar esta 
etapa mais fácil, meus amigos! 
Quero ainda agradecer à amiga Cristina Cristo pelo apoio, por vibrar comigo e 
por me “salvar” na gramática, nas crases, concordâncias, etc. Jana e Mona, obrigada por 
terem tão gentilmente me cedido as transcrições dos batismos e o banco de dados que 
construíram ainda na graduação, e por fazerem parte da minha torcida. Amo vocês! 
Trilhar esse caminho não foi fácil! Tive momentos de angústias que somados ao 
desânimo provocado pelas obrigações diárias, muitas vezes serviram como obstáculos. 
A sobrecarga levou o corpo a um nível de estresse que quase “pifei”. Quantas vezes a 
vontade de chorar veio, mas não tinha lágrimas, contudo venci! Por isso agradeço à 
minha família que esteve presente. Finalmente agradeço à minha filha Maria Eduarda e 
ao meu companheiro Jacksom pela colaboração, apoio e carinho. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
RESUMO 
 
O presente trabalho tem como objetivo estudar a escravidão e a família escrava em 
Alagoinhas ao longo do século XIX. Analisar a dinâmica da sociedade escravista nessa 
região da província da Bahia foi fundamental para compreender em que contexto foi 
possível a formação e manutenção de famílias pelos cativos. O estudo foi feito a partir 
da análise de um corpo documental variado, como os assentos de batismos, matrimônios 
e óbitos, o censo de 1872, além de inventários post mortem. O entrecruzamento dessas 
fontes possibilitou compreender a escravidão na região e suas características,bem como 
as circunstâncias em que homens e mulheres escravizados construíram laços familiares 
e sobreviveram às adversidades do cativeiro. Destaque especial foi dado à análise de 
uma família senhorial – a família Leal – que serviu de guia para o estudo da 
comunidade escrava formada em suas posses e sua estabilidade quando da partilha dos 
bens inventariados dos senhores, em uma perspectiva longitudinal. 
Palavras-chave: Escravidão; família escrava; estabilidade.
 
 
ABSTRACT 
 
This work is intended to study the slavery and family slave in Alagoinhas over 
19th century. Analyzing the dynamics of the slavery society in this region of Bahia 
province was fundamental to understand the context that made possible family creation 
and maintenance by captive. The study was made from the analysis of a large variety of 
documents, such as baptism seats, and deaths, the 1872 census, and post mortem 
inventories. The intersection of these sources made it clear to understand slavery in the 
region and its characteristics, as wellas the circumstances in which enslaved men and 
women built family bonds and survived the adversities of captivity. A deeper analysis 
was taken regarding the manorial family - the Leal family–which served as a guide for 
the study of the slave community formed in their possessions and their stability after the 
master's sharing the inventory assets, from a longitudinal perspective. 
 
Keyworks: Slavery; Slavery Family; stability 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE ILUSTRAÇÕES ETABELAS 
 
Diagrama 1: Núcleo familiar de José Joaquim Leal ................................................... 97 
Diagrama 2: Núcleo familiar de Manoel e Anna ......................................................... 112 
Diagrama 3: Núcleo familiar de Bruno e Lina ............................................................ 115 
Diagrama 4: Núcleo familiar de Valentim e Jacintha .................................................. 117 
Diagrama 5: Núcleo familiar de Manoel Gregório e Tereza ....................................... 118 
Diagrama 6: Núcleo familiar de Bruno e Ritta ............................................................ 121 
Figura 1: Mapa da Província da Bahia .......................................................................... 29 
Figura 2: Planta do Engenho Velho- Igreja Nova, 1883 ............................................... 41 
Tabela 1: População por freguesia e condição jurídica, Alagoinhas 1872 .................... 32 
Tabela 2: Classificação étnica da população do município de Alagoinhas, 1872 ......... 34 
Tabela 3: Propriedades e proprietários localizados no arraial de Igreja Nova 
....................................................................................................................................39/40 
Tabela 4: Distribuição dos engenhos na Província da Bahia, 1874 ............................... 44 
Tabela 5: Produtos agrícolas cultivados no município de Alagoinhas, 1875 ................ 46 
Tabela 6: Posse em escravos em Alagoinhas (BA), 1835-1888 .................................... 47 
 
Tabela 7: Ofícios dos escravos por sexo e período ....................................................... 53 
Tabela 8: População escrava em relação às ocupações nas freguesias do município de 
Alagoinhas 1872 ............................................................................................................ 59 
Tabela 9: Condição jurídica dos noivos e noivas escravizados em Alagoinhas, 1835-
1888 ............................................................................................................................... 67 
Tabela 10: Estado civil dos escravos do Município de Alagoinhas,por freguesia, 1872 
........................................................................................................................................ 72 
Tabela 11: Legitimidade das crianças escravizadas por origem, Alagoinhas, 1818 – 1850 ...... 78 
Tabela 12: Origem dos escravos, Alagoinhas (1835-1888) ..........................................81 
Tabela 13: Composição da fortuna do casal Leal em mil reis, 1884 ............................. 93 
Tabela 14: Composição da fortuna de d. Ritta Leal em mil reis, 1884 ......................... 96 
Tabela 15: Faixa etária da posse de José Joaquim Leal, 1884 .................................... 99 
Tabela 16: Distribuição dos escravos, segundo vínculos familiares, na matrícula de 1872 
pertencentes a José Emydio Leal ................................................................................. 100 
 
Tabela 17: Distribuição dos escravos, segundo vínculos familiares, na matrícula de 1872 
pertencente a Manoel Teixeira Leal ............................................................................ 101 
Tabela 18: Composição da fortuna do de Manoel Teixeira Leal em mil reis, 1884.... 119 
Quadro 1: Relação das famílias escravas na posse de d. Francisca Xavier Rocha 
(1843).............................................................................................................................82 
Quadro 2: Famílias escravas na posse de José Joaquim LealeJosepha de Jesus Leal 
quando da partilha formal dos bens em 1884 ................................................................ 99 
 
Quadro 3: Casais escravos encontrados nos registros de casamento da Igreja Católica 
pertencentes a José Joaquim Leal - 1838 a 1859 ......................................................... 107 
 
Quadro 4: Famílias escravas encontradas nos registros de batismos da Igreja Católica de 
posse de José Joaquim Leal- 1827-1850 ..................................................................... 108 
Quadro 5: Núcleos familiares herdados por José Emygdio Leal ................................. 110 
Quadro 6: Núcleos familiares herdados por Maria Aureliana 
Leal............................................................................................................................... 119 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
Introdução 
1.Cenários da escravidão em Alagoinhas, 1835-1888................................................13 
Alagoinhas e suas freguesias rurais ............................................................................... 23 
Perfil da população e suas atividades econômicas ........................................................ 30 
Freguesia de Senhor Deus Menino dos Araçás ..............................................................34 
Freguesia de Jesus Maria de José de Igreja Nova ..........................................................37 
A propriedade em escravos no município de Alagoinhas .............................................47 
Atividades econômicas e trabalho escravo antes e após a criação da Ferrovia ............. 49 
A chegada da ferrovia: antigas e novas modalidades de trabalho. .................................57 
 
2.A manutenção da escravidão em Alagoinhas: laços familiares entre 
escravizados................................................................................................................. 65 
Sob as bênçãos da Igreja: enlaces entre escravizados nos registros de 
casamentos...................................................................................................................... 65 
Casamento entre escravos sob a perspectiva do Recenseamento de 1872......................71 
Uniões consensuais nos registros de batismos de escravos ........................................... 76 
Laços matrimoniais entre escravos e tamanho da posse .................................................80 
Diferentes tipos de estatutos jurídicos: a família negra em Alagoinhas ........................ 88 
 
3.A família escrava na posse da Família senhorial dos Leal.................................... 92 
Propriedades da Família leal e formas de manutenção do poder .................................. 92 
A construção de laços matrimoniais na posse de escravos da família senhorial dos Leal 
........................................................................................................................................ 98 
O legado de José Emydio Leal: a estabilidade da família escrava .............................. 109 
O legado de d. Maria Aureliana Leal: partilha e separação entre os núcleos familiares de 
escravos ....................................................................................................................... 119 
Jesuíno e a ameaça à “paz na senzala” de Manoel Teixeira Leal ................................ 124 
 
Considerações finais.................................................................................................. 130 
Fontes e Referências Bibliográficas......................................................................... 133 
 
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS 
 
APEB - Arquivo Público do Estado da Bahia 
FIGAM- Fundação Iraci Gama 
FDEP- Fórum Desembargador Ezequiel Pondé13 
 
Introdução 
 
Era o dia oito de janeiro de 1839 quando o Reverendo Manoel Fernandes 
Sampayo celebrou o enlace matrimonial de Bruno, crioulo, filho legítimo de Matheus, 
de nação mina, e de Januária, crioula, com Josefa, filha legítima de João, cabra e de 
Quitéria, crioula, todos moradores na Freguesia de Santo Antônio das Alagoinhas. O 
casal, bem como seus pais eram escravos de Paulo Alves de Sá, que vivia da lavoura de 
cana e produzia açúcar no Engenho Periperi.1 Esse assento de casamento é apenas um 
fragmento da trajetória de Bruno e Josefa, mas que possibilitou ampliar nossas 
percepções sobre alguns dos aspectos da vida familiar e afetiva dos escravizados e suas 
experiências em cativeiro no município de Alagoinhas. É, sem dúvida, um testemunho 
das relações tecidas no âmbito da propriedade senhorial em meio às labutas cotidianas, a 
despeito das adversidades da vida em cativeiro. 
Esta dissertação tem por objeto o estudo da família escrava em Alagoinhas e, 
particularmente, a comunidade escrava que se formou no seio da posse da família 
senhorial dos Leal no município de Alagoinhas, província da Bahia, ao longo do século 
XIX.2Enlaces como o de Bruno e Josefa, filhos de casais nucleares, teria sido típica da 
escravidão em Alagoinhas ou era uma exceção naquela sociedade? Essa questão norteou 
inicialmente a nossa pesquisa e nesse percurso foi fundamental o diálogo com a 
historiografia sobre o tema. 
Os estudos pioneiros sobre a família formada pelos escravizados na Bahia 
encontram-se em obras mais amplas que abordam o tema de forma pontual. Começamos 
pela obra da historiadora Kátia Mattoso, que identificou dois tipos de família: a família 
legal cujo casamento era legitimado segundo os ritos católicos e a família natural 
“fundada sobre o consentimento mútuo dos parceiros, não sacralizada pela Igreja, a 
família natural é desprovida de qualquer validade jurídica, mas perfeitamente tolerada 
pela sociedade baiana até o século XIX”.3A definição proposta por Mattoso leva em 
consideração a condição jurídica dos indivíduos naquela sociedade. Ao analisar o censo 
 
1Livro de Casamento da Freguesia de Santo Antônio das Alagoinhas, 1838-1844, fl.29v. Disponível em 
https://wwwfamilysearch.org.br, acesso em 18/08/2012. 
2A escolha dessa família senhorial foi motivada pela disponibilidade de fontes e informações que 
encontramos durante a pesquisa iniciada durante a graduação em História. 
3MATTOSO, Kátia de Queirós. Família e sociedade na Bahia do século XIX. São Paulo: Corrupio, 1988, 
p.68-112 e 78, para a citação. 
14 
 
de 1855, para algumas freguesias da cidade de Salvador, a autora constatou que aqueles 
que celebravam casamentos eram, em sua maioria, homens livres ou libertos. Para a 
autora, casar-se legalmente representava para os egressos da escravidão ascensão 
social.4As relações familiares tecidas pelos escravos eram, “essencialmente parciais” e 
pouco visíveis na documentação. Para Mattoso, a probabilidade de uniões 
sacramentadas pela Igreja Católica era maior nos centros urbanos, principalmente pela 
carência de padres nas regiões mais distantes. A partir da análise do censo de 1872, a 
historiadora constatou que apenas 10% da população escrava (dados coletados para todo 
o Brasil) foi identificada como casada ou viúva, todavia a escassez de uniões formais 
não significou a inexistência de famílias. Além disso, os africanos concebiam suas 
uniões conjugais de forma diferente das concepções introduzidas pelo catolicismo, uma 
vez que a definição de família estava arraigada nos laços de ancestralidade.5 
 Em um trabalho de fôlego sobre a grande lavoura na Bahia, entre 1550 e 1835, 
Stuart Schwartz estudou a dinâmica da sociedade escravista que ali se formou. Para 
compreender essa sociedade se debruçou sobre as relações sociais construídas entre 
escravos e senhores. Sua análise sobre as relações familiares tecidas pelos escravos no 
Recôncavo açucareiro foi fundamental para pensar nossa pesquisa. Segundo Schwartz,o 
baixo percentual de casamentos entre escravos legitimados pela Igreja, não significou 
ausência de relações familiares.6 Em outros artigos sobre o tema, o autor enfatizou a 
importância da ampliação das redes de parentescos para superar as adversidades do 
cativeiro.7 
 Outra obra fundamental para pensar a família é a de Maria Inês Cortês de 
Oliveira.A partir da análise de testamentos de libertos em Salvador (1790/1890), a 
pesquisadora observou alguns aspetos na forma de organização de suas redes familiares, 
a exemplo da tendência de casamentos endogâmicos, nas quais os nubentes optavam por 
se relacionar com parceiros que tivessem alguma identificação étnica, a fim de dar 
continuidade às suas tradições culturais. Essa comunidade de libertos buscou, entre si, 
 
4MATTOSO, Família e sociedade, p. 71. 
5MATTOSOS, Kátia M. de Queirós. Ser escravo no Brasil. São Paulo, Brasiliense, 2003, p. 124 -126. 
6SCHWARTZ, Stuart B. Segredos Internos: Engenhos e senhores de escravos no Brasil Colonial, 1550- 
1835. Trad. Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p.310-334. 
7 SCHWARTZ, Stuart e GUDEMAN, Stephen. “Purgando o pecado original: compadrio e batismo de 
escravos na Bahia no século XVIII. In: REIS, João José (org.). Escravidão e invenção da liberdade: 
estudos sobre o negro no Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 1988 p. 33-59; SCHWARTZ, Stuart 
“Abrindo a roda da família: compadrio e escravidão em Curitiba e na Bahia”. In: Idem. Escravos, 
roceiros e rebeldes. Bauru, SP: EDUSC, 2001, p. 263-292. 
15 
 
formas de ajuda mútua, por exemplo, auxilio para acumular um pecúlio para libertar 
algum parente, o socorro quando de uma enfermidade, enfim, buscaram meios de se 
adaptar às normas e valores impostos pela sociedade escravista. Nesse sentido, o 
casamento consistia em uma espécie de acordo de “amparo recíproco”, no qual ambas 
as partes contribuíam para a melhoria da vida do casal e, essa reciprocidade, dava 
sentido à união.8 
Analisando os registros de casamentos da Freguesia da Sé, na cidade de 
Salvador, Isabel Cristina Reis também constatou que havia um número relativamente 
baixo de casamentos entre africanos e seus descendentes, e argumentou que a família 
escrava não tinha como base o casamento legal, fundado nos preceitos do catolicismo, 
mas que esta relação se baseava na coabitação do casal e que essas relações não 
deixavam de ser menos intensas se comparadas aos matrimônios legitimados pela 
Igreja.9Assim como Oliveira, para Reis é necessário compreender as práticas culturais 
dos africanos para identificar o lugar ocupado pela família. Os laços e as redes tecidas 
por escravos e libertos iam além de cerimônias e rituais introduzidos pelos católicos. As 
relações parentais também se formaram por meio de vínculos que ultrapassavam os 
laços consanguíneos como as famílias de Santo, as Irmandades religiosas, os grupos 
étnicos, entre outros.10Ao considerar uma “conjuntura emancipacionista” como 
influenciadora nas relações tecidas pelos escravizados com pessoas de estatutos 
jurídicos diferentes “ligados por laços de família, parentesco, relacionamentos afetivos e 
comunitários, o que acabou por nos legar situações complexas e inusitadas”, Reis 
ampliou a“família escrava” para “família negra”.11Ampliar o conceito de família 
significa compreendê-la em suas múltiplas relações ultrapassando a família nuclear, 
valorizando as relações consensuais e ampliando-a para além dos laços consanguíneos. 
Os estudos sobre a construção de laços familiares entre os escravizados resultam 
de um longo caminho percorrido pela historiografia da escravidão no Brasil e o lugar 
ocupado atualmente pelo tema é fruto de uma série de pesquisas, revisões teóricas 
metodológicas e de uma quebra de paradigmas que deixou de lado a visão8OLIVEIRA, Maria Inês Cortês de. O Liberto: o seu mundo e os outros. São Paulo, Corrupio, 1988, p. 69-
72. 
9REIS, Isabel Cristina Ferreira dos. Histórias de vida familiar e afetiva dos escravos na Bahia do século 
XIX. Salvador, Centro de estudos baianos, 2001, p.141. 
10REIS, Histórias de vida familiar, p. 31. 
11REIS, Isabel Cristina Ferreira. A família negra no tempo da escravidão: Bahia, 1850-1888. (Tese de 
Doutorado, Universidade de Campinas, 2007), p. 18-19. 
16 
 
preconceituosa que se tinha sobre o escravizado. Esta percepção, segundo Robert 
Slenes, era fruto do “olhar branco” sobre os negros.12 Dessa forma, a ausência de uma 
família escrava, a promiscuidade sexual, a ideia de que filhos cresciam, necessariamente 
sem a presença da figura paterna, fizeram parte das interpretações acerca da experiência 
dos escravos até a década de 70, quando passaram a ser questionadas.13 
A partir da década de 1990, os estudos sobre o tema lançaram um novo olhar 
acerca da construção de laços familiares tecidos pelos escravizados. Em seu trabalho 
sobre a família escrava em Campinas no Século XIX, Slenes demonstrou que os 
escravos conseguiram reproduzir sua cultura (africana), tendo como locus principal a 
família, enquanto uma forma de organização na sociedade escravista, que lhes permitia 
obter tanto maior autonomia, tais como espaços próprios de moradia, cultivo de roças, 
quanto a possibilidade de manter seus rituais religiosos.14 O autor argumentou que os 
escravizados buscaram, a partir de suas recordações, superar as adversidades que a 
condição de escravizado lhes imprimia. As relações de parentesco foram, portanto, 
importantes na medida em que formavam um elo na criação de esperanças e 
recordações que possibilitaram criar uma identidade para sobreviver à escravidão. 
 Para Manolo Florentino e José Roberto Góes, diante do estado de tensão 
promovido pelo desembarque constante de africanos escravizados de diversas etnias, 
sendo que algumas eram inimigas na África, a família formada pelos escravizados 
promovia a paz nas senzalas. Assim, a este estado de guerra, a formação da família 
tinha o propósito da pacificação, ou seja, a família formada no cativeiro era uma 
estratégia política para o bom funcionamento do sistema escravista e, acima de tudo, 
uma forma de superar as agruras trazidas pelo cativeiro.15 Por sua vez, a historiadora 
Hebe Mattos buscou compreender a matriz cultural africana e, a partir dela, identificar 
os significados da liberdade para escravos e homens livres pobres diante das 
transformações econômicas, sociais e políticas pelas quais a sociedade escravista passou 
 
12SLENES, Robert. Na senzala uma flor: esperanças e recordações na formação da família escrava- Brasil 
Sudeste, século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 43. Embora Slenes critique o olhar que o 
branco tinha sobre o negro, não descarta a importância dos relatos dos observadores brancos do século 
XIX para a reconstrução da vida material dos cativos. 
13 Idem, Ibidem,p. 29. 
14 SLENES. Na senzala uma flor, p. 149-150. 
15FLORENTINO, Manolo e GÓES, José Roberto. A paz nas senzalas: famílias escravas e tráfico 
atlântico, Rio de Janeiro, c. 1970- c. 1850. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1997, p. 32. 
17 
 
na segunda metade do século XIX.16Assim como Robert Slenes, Mattos percebeu que a 
formação de famílias extensas aumentava as chances e possibilidades do acesso à terra e 
de outros possíveis recursos. Contudo, diversamente de Slenes, para Matos havia uma 
disputa entre os escravizados por tais recursos, sendo que os cativos recém 
desembarcados levavam desvantagem, gerando dissensões entre eles e os africanos 
ladinos e crioulos. As disputas por tais recursos geravam hierarquias nas senzalas, sendo 
fator impeditivo para a formação de uma comunidade escrava. O diálogo com esses 
autores foi de grande importância para pensar as relações familiares no espaço aqui 
estudado, uma vez que se preocuparam em compreender os significados desses laços 
para os escravizados. 
O primeiro contato que tivemos com as famílias formadas pelos escravizados em 
Alagoinhas foi por meio da leitura dos livros eclesiásticos, quando observamos enlaces 
matrimoniais e de batismos com a presença desses indivíduos, a exemplo do casal 
Bruno e Josefa. Passamos a rastreá-los nas fontes eclesiásticas – batismos, casamentos e 
óbitos – e ao conectá-los com as informações presentes nos inventários post mortem, 
utilizando como fio condutor tanto o nome do senhor quanto do escravizado, 
conseguimos encontrar laços familiares duradouros e estáveis ao longo do tempo. 
Foram justamente essas relações estáveis que chamaram nossa atenção quando 
iniciamos a pesquisa ainda na graduação.17 A partir de uma família senhorial – a família 
Leal –, que serviu de porta de entrada para acessar as famílias escravas, conseguimos 
identificar indícios de estabilidade familiar ao longo de algumas gerações. Nesse 
sentido, o diálogo com a historiografia que se debruçou sobre o tema da estabilidade das 
famílias formada em cativeiro foi de fundamental importância nesse trabalho. Ao 
discutir a estabilidade da propriedade em escravos no período pós-1850, Slenes 
ressaltou a importância da demografia que poderia revelar estruturas familiares mais 
fracas no Nordeste, região que perdeu muitos escravos no contexto do tráfico interno.18 
Essa foi uma questão que nos intrigou uma vez que os assentos de casamentos do 
município de Alagoinhas apontavam em outra direção. 
 
16MATTOS, Hebe Maria. Das Cores do Silêncio: os significados da liberdade no sudeste escravista, 
Brasil século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998, p. 55. 
17 NASCIMENTO, Aline Soraia Saraiva. A família escrava na freguesia de Santo Antônio das 
Alagoinhas: uma análise longitudinal. (Trabalho de Conclusão de Curso, Universidade do Estado da 
Bahia, 2015). 
18SLENES, Na senzala uma flor, p.47. 
18 
 
Claro que a morte de um senhor significava momentos de incerteza para os 
escravos, pois, no momento da partilha, poderia haver separação dos seus 
membros.19Neste sentido, a historiografia aponta que as análises longitudinais trazem 
outra perspectiva de reflexão acerca do tema. Ao estudar a posse de grandes 
proprietários paulistas, Carlos Bacellar e Ana Sílvia Scott constataram que muitos 
escravos permaneceram na posse de um mesmo senhor por 20 ou até 30 anos e essa 
permanência aumentava com a constituição do matrimônio.20Por outro lado, os estudos 
sobre comunidades, pautados pela micro história, têm possibilitado análises profícuas 
sobre a estabilidade e longevidade da família escrava. Slenes foi pioneiro nesse tipo de 
análise em seu trabalho sobre a comunidade negra de Cafundó. Tendo como fio 
condutor a posse dos escravos de dois escravocratas, o autor reconstituiu seus laços de 
parentesco a partir de inventários post mortem, testamentos, registros de batismos, 
matrimônios e óbitos, livros de notas e escrituras, lista de matrícula de escravos e listas 
nominativas. Esse leque variado de fontes permitiu ao historiador localizar as famílias 
escravas e acompanhar seus laços de parentesco ao longo de algumas gerações.21 
Outro trabalho importante sobre a família escrava nessa perspectiva longitudinal, 
é o de Maísa Faleiros da Cunha que estudou a região de Franca em São Paulo. A autora 
também fez uso de uma série de fontes tais como listas nominativas, registros 
paroquiais e inventários post mortem. A partir dessa documentação, Cunha conseguiu 
acompanhar o crescimento de uma família escrava ao longo de várias gerações em que 
permaneceram na posse dos mesmos proprietários, evidenciando também sua 
estabilidade.22 Outro trabalho fundamental para esse diálogo é o de Jonis Freire que 
estudou a estabilidade da família escrava a partir de três escravistas da Vila deSanto 
Antônio do Paraibuna, na Zona da Mata Mineira, os quais se destacaram, naquela 
localidade, pelo poder econômico e prestígio social. O autor deu especial atenção ao 
momento após o processo de partilha dos seus bens e concluiu que tanto havia a 
 
19 GARAVAZO, Juliana. “Relações Familiares e estabilidade da Família escrava: Batatais (1850-1888)”. 
Anais do XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, APEB, 2004, p. 3. 
20BARCELLAR, Carlos de Almeida e SCOTT, Ana Silvia Volpi.“Sobreviver na senzala: estudo da 
composição e continuidade das grandes escravarias paulistas, 1798-1818”. In: NADALIN, Sérgio Odilon; 
MARCÍLIO, Maria Luiza; BALHANA, Altiva Pillati. (Orgs.). História e população. Estudos sobre a 
América Latina. São Paulo: ABEP/CELADE/IUSSP, 1990, p. 213-217. 
20 Idem, Ibidem, p. 215 
21 VOGT, Carlos; FRY, Peter em colaboração com SLENES, Robert.Cafundó - a África no Brasil: 
linguagem e sociedade. São Paulo, Companhia das Letras, 1996, p. 54-57. 
22 CUNHA, Maísa Faleiros da. “Fontes documentais para o estudo da família escrava: Franca- SP, século 
XIX.”Mediações, Revista de Ciências Sociais, vol. 18, n. 1(2013), p. 212- 219; Idem. “Demografia e 
família escrava”. (Tese de Doutorado, Universidade de Campinas, 2009). 
19 
 
possibilidade de as famílias escravas manterem-se unidas após a morte do senhor, 
quanto era real a ameaça de uma separação, seja para saldar dívidas ou em legado aos 
herdeiros.23 
 A historiografia sobre a família escrava demonstra que os laços familiares 
tecidos no cativeiro foi uma experiência vivida por cativos das mais diversas áreas do 
Brasil Imperial. Recentemente os estudos sobre a família escrava na Bahia tem se 
ampliado para além de Salvador e Recôncavo. Em pesquisa sobre o sertão do Rio São 
Francisco, Freguesia de Santo Antônio do Urubu, Napoliana Santana observou que 
muitos fazendeiros e sitiantes conseguiram manter e ampliar sua posse a partir da 
reprodução natural. A autora identificou famílias escravas em situação estável, 
reforçando a importância da rede de parentesco para a organização de suas vidas.24 Por 
sua vez, Fernanda Gomes Rocha, estudou laços familiares consanguíneos e espirituais 
de escravos e libertos em Rio de Contas, entre 1840 e 1888. A partir do cruzamento de 
diversas fontes documentais, tais como batismo, casamento e óbitos, Rocha procurou 
compreender como escravos e libertos teceram redes de proteção e ajuda mútua com 
pessoas de diferentes estatutos jurídicos e sociais.25 Eliete Vaz estudou os tipos de 
relações familiares entre escravos, livres e libertos em Santo Antônio de Jesus, 
buscando identificar as estratégias adotadas por esses indivíduos para manter a 
estabilidade de suas relações. 26 
Este trabalho se soma aos estudos sobre a família escrava na Bahia, contribuindo 
para ampliar o conhecimento sobre o tema em áreas consideradas periféricas nessa 
província e no Brasil Imperial. Ao refletir sobre tamanho de posse e família escrava, 
Slenes considerou que algumas regiões e períodos – incluindo o nordeste após 1850 – 
que perdeu escravos no tráfico interno, possivelmente a pesquisa demográfica revelaria 
 
23 FREIRE, Jonis. Para além da partilha: a divisão e manutenção das famílias escravas (Minas Gerais, 
século XIX).HistóriaUnisinos (2011), vol. 15(1), pp. 23-30; Idem. Escravidão e Família Escrava na 
Zona da Mata Mineira oitocentista. São Paulo: Alameda, 2014. 
24SANTANA, Napolitana Pereira. ““Nasceu Ma [Minha] cria”: Família escrava e reprodução natural no 
sertão do São Francisco (Urubu, 1840-1880)”, Anais do I Seminário do Grupo de Pesquisa, Cultura, 
Sociedade e Linguagem, 2011, pp.3-5. Idem. Família e microeconomia escrava no Sertão do São 
Francisco (Urubu – BA, 1840 1880). Dissertação de mestrado. UFBA, 2012. 
25ROCHA, Fernanda Gomes. Laços de família: Escravos e libertos em Minas do Rio de Contas - Bahia 
(1840 – 1888). (Dissertação de mestrado. UFBA, 2016), p 104. 
26VAZ, Eliete Marques dos Santos. Laços cativos: relações familiares entre escravizados, livres e libertos 
em Santo Antônio de Jesus- Bahia, 1870-1888. (Dissertação de mestrado, Universidade do Estado da 
Bahia, Santo Antônio de Jesus, 2013). 
20 
 
estruturas familiares mais fracas.27 Esta dissertação relativiza essa assertiva para o 
município de Alagoinhas, área que se desenvolveu após a ilegalidade do tráfico de 
escravos. 
Para analisar a organização familiar dos escravizados em Alagoinhas, 
procuramos compreender inicialmente a sociedade escravista que ali se formou ao longo 
do século XIX. A hipótese inicial era a de que a família escrava tivesse vicejado no 
município, uma vez que Janaína Amorim, ao analisar os registros de batismos da 
Freguesia de Santo Antônio das Alagoinhas, entre 1818-1850, encontrou um alto 
percentual de escravos nascidos no Brasil sendo batizados, concluindo que a 
manutenção da escravidão se deu em função da reprodução natural dos escravizados.28 
O trabalho de Amorim, pioneiro em estudar as relações de compadrio entre os escravos 
africanos na primeira metade do século XIX, destaca-se por ter demonstrado a 
importância da escravidão em uma área de economia pouco expressiva, se comparada 
com o centro açucareiro do Recôncavo baiano. Ao estudar as alforrias em Alagoinhas 
no período entre 1871 e 1888, Monalisa Matos também sugere que as relações 
familiares foram importantes para a consecução desses objetivos.29 Essas conclusões 
também são reforçadas por Reginaldo Estrela, ao analisar as circunstâncias em que os 
escravizados recorriam à justiça para se libertarem do cativeiro.30 
A região aqui estudada ainda carece de trabalhos que analisem a escravidão, pois 
a história de Alagoinhas, a que predomina na mentalidade das pessoas, foi construída 
pelo trabalho de memorialistas que não destacaram a ação dos indivíduos escravizados 
em suas obras. Neste sentido,a relevância deste trabalho é estudar a escravidão no 
município para, a partir daí,analisar a construção dos laços familiares tecidos entre os 
escravizados. Nosso recorte temporal inicial é o ano de 1835, quando localizamos as 
primeiras fontes que fazem referência ao tema e, como final o ano de 1888, marco da 
Abolição da escravidão no Império. O amplo recorte temporal possibilitou a análise, em 
uma perspectiva longitudinal, das famílias escravas formadas no seio da família 
senhorial dos Leal.Utilizando os pressupostos da micro-história, seguindo o que Robert 
 
27SLENES. Na Senzala, uma flor, p. 47. 
28AMORIM, Janaína Laís L. S. “O parentesco espiritual: compadrio de escravos africanos na freguesia de 
Santo Antônio das Alagoinhas (1818-1850)”. (Trabalho de Conclusão de Curso, Universidade do Estado 
da Bahia, 2014), p. 19-22. 
29 MATOS, Monalisa Pereira. “Alforrias em Alagoinhas 1871-1888”. (Trabalho de Conclusão de Curso, 
Universidade do Estado da Bahia, 2016). 
30 ESTRELA, Reginaldo Andrade Silva. “Caminhos da liberdade em Alagoinhas e Inhambupe, (1871-
1888)”. (Dissertação de mestrado em História, Universidade do Estado da Bahia, Alagoinhas, 2018). 
21 
 
Slenes denominou como ligação nominativa de fontes, procuramos compreender a 
sociedade escravista que se formou no município e a construção dos laços familiares 
formados pelos escravizados que resultaram em uma sociedade composta, em sua 
grande maioria, por pardos e pretos.31 
Uma gama variada de fontes foi utilizada na construção desse trabalho, a 
exemplo 380 inventários post mortem, acervo sob a guarda do Fórum Des. Ezequiel 
Pondé – Alagoinhas, que contribuíram para entender o chão social de Alagoinhas e suas 
freguesias, como também para identificar os núcleos familiares formados pelos 
escravizados ao longo do século XIX. Os registros eclesiásticos de casamentos, 
batismos e óbitos da freguesia de Santo Antônio das Alagoinhas, acervoon-line 
disponível no site www.familysearch.org.br, também foram fundamentais para localizar 
as famílias formadas em cativeiro. Outras fontes, como o censo de 1872, as atas da 
Câmara Municipal, as falas proferidas pelos presidentes da Província da Bahia, jornais, 
cartas de juízes e de párocos, além das posturas municipais, também foram de grande 
importância tanto para compreender o contexto econômico e social em que emergiu a 
família dos escravizados da família senhorial dos Leal, quanto para entender a dinâmica 
do município e da sociedade que ali se desenvolveu. 
A dissertação está dividida em três capítulos. No primeiro, Cenários da 
escravidão em Alagoinhas, 1835 – 1888, analisamos a formação do município para 
compreender o “chão social” no qual as experiências das famílias escravas foram 
construídas, identificando quem eram os sujeitos que viviam na região, suas atividades 
econômicas e a utilização do trabalho escravo. Além disso, estudamos o universo do 
trabalho, antes e após a chegada da ferrovia em 1863, para compreendermos se houve 
ou não transformações e em que medida elas se refletiram na ocupação dos 
escravizados. Ademais, traça-se o perfil da posse em escravos para compreender em que 
tipo de propriedade essa mão de obra foi utilizada no município. 
No segundo capítulo, A manutenção da escravidão em Alagoinhas: laços 
familiares entre escravizados analisamos as relações familiares construídas pelos 
escravizados que moravam em Alagoinhas e o tipo de família que ali predominou ao 
longo do século XIX. Para isso, construímos um banco de dados utilizando as 
 
31GINZBURG, Carlo. A micro-história e outros ensaios. Lisboa: Difel, 1991, pp. 169-178; SLENES, 
Robert W. Na senzala uma flor: esperanças e recordações na formação da família escrava, Brasil 
Sudeste, século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 14. 
22 
 
informações contidas nos livros de batismos e casamentos da Igreja Católica e nos 
inventários post mortem, o que permitiu analisar quantitativamente o tipo de família, 
legitima ou ilegítima, que predominou no município. Além disso, buscamos identificar 
em que tipo de posse foi mais comum as famílias, bem como as estratégias dos 
escravistas para ampliar e manter suas posses por meio da reprodução natural dos 
cativos. 
Finalmente, no terceiro e último capítulo, A família escrava na posse da Família 
senhorial dos Leal, abordamos os laços familiares construídos entre os escravizados de 
uma família senhorial abastada do município, a família senhorial dos Leal. Nesse 
capítulo, analisamos, além dos assentos da Igreja Católica, (batismos, matrimônios e 
óbitos), os inventários post mortem e a matrícula de escravos que pertenciam aos Leal. 
A análise das fontes permitiu acompanhar as famílias desde sua formação, seja quando 
se casaram formalmente conforme os ritos católicos ou quando levaram seus filhos para 
serem batizados. Os inventários permitiram acompanhar o momento da partilha dos 
bens e identificar se as famílias foram partilhadas ou se permaneceram juntas em 
núcleos familiares. Por fim,observamos diferenças no que se refere à política de 
domínio dos membros da família senhorial dos Leal. 
 
23 
 
Capítulo 1: Cenários da escravidão em Alagoinhas, 1835-1888 
 
A historiografia da família escrava demonstra que os laços familiares tecidos 
no cativeiro, foram uma experiência vivida por cativos das mais diversas áreas do Brasil 
Imperial. Se inicialmente os estudos sobre o tema se concentraram no sudeste do Brasil, 
nas regiões de grandes plantations, posteriormente ampliaram-se para outras áreas 
identificando as organizações familiares que foram possíveis aos escravizados. Em 
Alagoinhas a manutenção da escravidão, ao longo do século XIX, foi possível graças à 
reprodução natural que aponta para a importância dos laços afetivos construídos pelos 
escravizados.1 Entender a sociedade escravista que se formou no município é 
fundamental para compreendermos a dinâmica da família escrava que ali se formou. 
No município, conforme mostraremos ao longo desse capítulo, a população 
escrava nunca foi maior que a livre e era empregada nas lavouras de cana-de-açúcar, 
fumo, mandioca e outros produtos de subsistência. Por outro lado, os proprietários de 
escravos em Alagoinhas, formavam um grupo heterogêneo, em consonância ao 
apontado por Bert Barickman para o Recôncavo da Bahia.2 De um lado, senhores de 
engenhos abastados ocupavam o topo da hierarquia social, detinham as maiores posses 
de escravos e constituíam uma pequena parcela daquela sociedade; de outro, pequenos 
escravistas e lavradores, sitiantes e fazendeiros que “viviam de suas roças” de fumo, 
mandioca, milho, entre outros produtos ali cultivados. É esse o cenário em que 
analisamos as relações familiares tecidas pelos escravizados. Nosso objetivo é traçar o 
perfil da sociedade escravista que se formou em Alagoinhas ao longo do século XIX, 
considerando suas três freguesias: Santo Antônio de Alagoinhas, Senhor Deus Menino 
dos Araçás e Jesus, Maria e José de Igreja Nova. A análise foi construída por meio do 
diálogo entre fontes de natureza variada, a exemplo de cartas de párocos e delegados, 
posturas municipais, o censo de 1872, inventários post mortem e a historiografia, para 
evidenciar os aspectos sociais e econômicos da região de modo a compreender a 
dinâmica local e o cotidiano dos sujeitos que moldaram essa sociedade. 
 
 
1AMORIM, Janaína Laís L. S. “O parentesco espiritual: compadrio de escravos africanos na freguesia de 
Santo Antônio das Alagoinhas (1818-1850)”. (Trabalho de Conclusão de Curso em História, 
Universidade do Estado da Bahia, 2014), p. 29. 
2 BARICKMAN, Bert. Um contraponto baiano: açúcar, fumo, mandioca e escravidão no Recôncavo, 
1780-1860. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 199. 
24 
 
Alagoinhas e suas freguesias rurais 
O início do povoamento de Alagoinhas ocorreu em meados do século XVIII. 
No final da segunda metade desta centúria, a capela sob invocação de Santo Antônio de 
Alagoinhas assistia a vizinhança em seu entorno.3 O povoado das Lagoinhas era 
subordinado à Freguesia do Divino Espírito Santo do Inhambupe de Cima que, em 
1757, contabilizava uma população total de 2.558 almas. Livres e escravizados viviam 
nas mesmas unidades domésticas e dividiam espaços de trabalho a partir de relações 
hierárquicas. Entre 1785 e 1786, a freguesia apresentava um total de 253 unidades 
domésticas e 1.728 moradores. Para Alagoinhas foram identificados quatro núcleos 
domiciliares que totalizavam 27 pessoas, o que corresponde a 1,6% do total de 
habitantes, sendo que apenas três eram escravos.4 Em 1830, o pároco Pontes registrou a 
existência de aproximadamente 1.050 fogos no arraial de Alagoinhas.5Ao longo de 44 
anos a região cresceu, provavelmente, devido a instalação de novos engenhos na 
Província da Bahia. 
De acordo com Barickman, a produção do açúcar voltada para a exportação 
também ganhou impulso nos distritos interioranos ao norte do Recôncavo, a exemplo de 
Itapicuru, Inhambupe e Alagoinhas. Segundo o historiador, esses e outros distritos se 
destacavam, até o início do século XIX, pela produção de fumo e algodão para 
exportação.6 Para Stuart Schwartz, incentivos governamentais, como subsídio monetário 
entre 1817 e 1828, foram responsáveis pelo incremento da produção açucareira nas 
áreas mais afastadas do Recôncavo.7A elevação do preço do açúcar no mercado 
internacional aumentou a demanda pela sua produção. Segundo esse historiador, as “[...] 
paróquias interioranas como Inhambupe e Itapororocas, de desenvolvimento recente, 
recebiam mais de 1 mil reis para cada légua percorrida por suas caixas até o 
porto”.8Freguesia criada em 1718, Inhambupe tornou-se vila em 1801, no contexto da3 Chegamos à datação provável do povoamento da região através da denúncia feita, em 1753, por uma 
antiga moradora, Maria Teixeira de Andrade, do comportamento ilícito do clérigo da capela, o Reverendo 
Francisco Cardoso. Cf. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de 
Lisboa, 28º Caderno de Solicitantes, p. 32 e v. 
4 Lista dos moradores da Freguesia do Divino Espírito Santo de Inhambupe – vila de Água Fria – capitão 
Joaquim da Silva Nunes, 1785-1786. Recenseamento. Governo Geral/Governo da capitania. Arquivo 
Público do Estado da Bahia (doravante APEB), Seção de Arquivo Colonial/ Provincial, maço 596, 
Caderno B. 
5Correspondência de párocos, 1830. APEB, Seção de Arquivo Colonial/ Provincial, maço 2228. 
6BARICKMAN, Um contraponto baiano, p. 80. 
7SCHWARTZ, Stuart. Segredos Internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835. São 
Paulo: Companhia das letras, 1988, p.343-345. 
8Idem, ibidem, p.345. 
25 
 
expansão açucareira no Recôncavo em decorrência da Revolta do Haiti, quando seus 
moradores, entre os quais muitos lavradores de fumo, a reivindicaram tendo em vista a 
grande distância da vila de Água Fria, à qual era subordinada administrativa e 
juridicamente.9 Quando da divisão judiciária realizada na província da Bahia na década 
de 1830, Inhambupe tornou-se comarca. A partir da lei de 21 de março de 1837, faziam 
parte dessa comarca, a vila de Inhambupe, a vila de Água Fria e a do Conde.10 Observa-
se aqui que a dinâmica das divisões jurídicas e administrativas da província da Bahia 
estava em consonância com a prosperidade econômica dos municípios. 
Foi nesse contexto que Alagoinhas foi elevada à condição de freguesia, sob 
invocação de Santo Antônio no ano de 1816. A partir de então, passou a ter autonomia 
para celebrar batismos, matrimônios e óbitos.11 Contudo, jurídica e administrativamente 
continuava pertencendo à vila de Inhambupe. Para resolver questões burocráticas, a 
exemplo de licenças para exercer determinados ofícios ou para a abertura de 
estabelecimentos comerciais, os moradores do povoado de Alagoinhas recorriam à 
Câmara Municipal instalada na sede do município, isto é, em Inhambupe. Os serviços 
de tabelião, quando da compra ou venda de escravos e imóveis, registro de bens ou 
procuração, além dos inventários, também eram realizados naquela vila.12 
Segundo Barickman, Alagoinhas situava-se ao norte do Recôncavo, que 
significava “a terra em redor de uma baía” [...] e, especificamente na Bahia, a baía de 
Todos os Santos.13 De acordo com essa caracterização, Alagoinhas não fazia parte do 
Recôncavo e, ao mesmo tempo não estava inserido nos limites das regiões sertanejas. O 
município situava-se nas proximidades da Estrada das Boiadas, distante da vila de 
Inhambupe 8 léguas (aproximadamente 40 quilômetros).14 Também estava próximo de 
algumas vilas importantes da área açucareira do Recôncavo, a exemplo de Santo 
Amaro, distante 12 léguas (aproximadamente 58 quilômetros) e a 20 léguas 
 
9 Sobre a criação da vila de Inhambupe, cf. FREIRE, Felisbello. História Territorial do Brazil. Bahia, 
Sergipe e Espírito Santo. Edição fac-similar, Salvador: Secretaria de Cultura e Turismo/IGHB, 1998, p. 
222; SOUZA, Marília de Jesus. A família escrava entre a legitimidade e ilegitimidade: freguesia do 
Divino Espírito Santo do Inhambupe de Cima (1824-1831). (Trabalho de Conclusão de Curso, 
Universidade do Estado da Bahia, 2018), p. 39; ESTRELA, Reginaldo A. S. Caminhos da liberdade em 
Alagoinhas e Inhambupe (1871-1888). (Dissertação de Mestrado em História, Universidade do Estado da 
Bahia), p. 23-24. 
10 FREIRE, História Territorial, p. 266. 
11Os assentos mais antigos produzidos pela Igreja Católica a respeito da freguesia de Alagoinhas, datam 
de 7 de abril de 1818. O livro de batismo de 1818 encontra-se no Arquivo da Cúria Metropolitana de 
Salvador e não está digitalizado. 
12 AMORIM, O parentesco espiritual, p. 15. 
13BARICKMAN, Um contraponto baiano, p. 80; 36. 
14SOUZA, “A família escrava entre a legitimidade e ilegitimidade”, p. 39. 
26 
 
(aproximadamente 97 quilômetros) de São Francisco do Conde. Possivelmente, a 
localização estratégica promoveu o crescimento da região por meio das atividades 
ligadas à produção do açúcar.15 
Em 11 de abril de 1830, o pároco Pontes defendeu os limites da então freguesia 
de Alagoinhas. Uma correspondência enviada ao governo da Província da Bahia revela 
uma rixa entre a Paróquia de Alagoinhas e a de Água Fria; esta última elegeu Antônio 
Ferreira Barbosa para o cargo de juiz de paz e Jose Teodorio de Souza, para suplente. O 
religioso recorreu ao governo por meio de uma carta tratando das eleições das câmaras e 
de juízes de paz, pois estes deveriam ser escolhidos pelos habitantes dos “distritos de 
suas paróquias e capelas filiais”.16 Como explicar a atuação política do pároco nessa 
comunidade? Françoise Jean Souza adotou o termo “padres políticos” para se referir aos 
religiosos que se destacaram politicamente no início do período monárquico. A autora 
destaca que a atuação dos religiosos tem origem no período colonial, no qual a ausência 
do Estado nas regiões interioranas passou a ser suprida pela presença de um padre. 
Além disso, a Igreja tornou-se a primeira representante do poder público, uma vez que 
as freguesias e vilas surgiam em seu entorno.17 
Qual a importância desse padre para aquela comunidade? Sabe-se que um 
religioso numa freguesia rural tinha um papel relevante. Entre as suas atribuições, 
estava celebrar batismos, casamentos e rituais fúnebres, dava extrema unção, ouvia 
confissões, enfim, conhecia os problemas enfrentados pelos fiéis. Em 1818, o padre 
Pontes já atuava na freguesia havia mais de uma década, conseguiu estabelecer laços e 
criar raízes com a comunidade, acumulando prestígio e influência.18Mesmo após a 
independência, quando a justiça passou a alcançar regiões mais interioranas e distantes, 
por meio da ação de juízes de paz, escrivães e delegados, o clero resolvia problemas de 
natureza judiciária: “resolvia desavenças, testemunhava, controlava o movimento 
migratório interno anotando os domicilianos nas paróquias, registrava doação, compra e 
 
15LIMA, Keite Maria Nascimento. “Entre a ferrovia e o comércio: urbanização e vida urbana em 
Alagoinhas (1868-1929)”, (Dissertação de Mestrado em História, Universidade Federal da Bahia, 2010), 
p. 46- 47. 
15 Idem, ibidem, p. 13. 
16 Correspondência párocos, 1830. APEB, Seção Arquivo Colonial/Provincial, Série colonial/provincial, 
maço 2228. 
17SOUZA, Françoise Jean de Oliveira. “Religião e Política no Primeiro Reinado e Regências: a atuação 
dos padres-políticos no contexto de formação do Estado imperial brasileiro”. Revista Almanack 
Braziliense, n° 8 (2008), p. 128. 
18 Livros de Óbitos da Freguesia de Santo Antônio das Alagoinhas, 1818-1820, fl. 2 v. Disponível em: 
<www.familysearch.org.br>. Acesso em: 11 jun., 2018. 
27 
 
venda de propriedades etc.”19 Talvez essa seja uma explicação para a atuação política do 
padre Pontes em defesa dos limites da freguesia. Todavia, é necessário refletir sobre o 
que significava ter como juiz de paz um cidadão que representasse a freguesia de 
Alagoinhas. 
A constituição de 1824 criou o cargo de juiz de paz eleito em assembleia 
paroquial de forma indireta. Os cidadãos, um número restrito da população, elegiam os 
eleitores que, por sua vez, escolhiam quem ocuparia o cargo.20O juiz de paz assumia 
atribuições administrativa, policial e jurídica, portanto, acumulava influência suficiente 
para garantir controle social e político sobre os habitantes das paróquias e tinha 
autonomia nos limites de sua freguesia.21Considerando a importância do cargo e o poder 
a ele atribuído, havia interesse na eleição de um representante para a freguesia. 
Como em 1830, o povoado de Alagoinhas pertenciaa Inhambupe, é possível 
que nesse período alguns moradores estivessem articulando uma provável autonomia 
política em relação à vila de Inhambupe. Será que o pároco estaria representando os 
interesses de alguém específico, a ponto de manifestar sua indignação em relação aos 
nomes eleitos para o cargo? Quem estaria reivindicando representação por meio da carta 
do religioso? Infelizmente são questões que ainda não podemos responder. Seria preciso 
uma análise mais cuidadosa sobre as famílias que, à época, estavam se destacando 
economicamente, o que não foi possível neste momento. Porém, é importante destacar 
quediante de uma população majoritariamente iletrada, o clero em muitos momentos foi 
acionado para concorrer nas eleições, todavia esse não parece ter sido o caso do padre 
Pontes. 
Em outras correspondências do Vigário é notória a frequência com a qual ele 
relatava os problemas enfrentados pelos seus paroquianos e recorria ao governo da 
Província em nome do “rebanho”. Em 17 de março de 1830, cobrou das autoridades 
governamentais medidas para diminuir a ocorrência de roubos, furtos e assassinatos na 
freguesia.22Em abrildo mesmo ano, solicitou do governo a realização de aulas públicas 
 
19 SOUZA, “Religião e Política”, p. 129. 
20 A Constituição de 1824 considerava como cidadão os homens maiores de 25 anos de idade e com uma 
renda mínima de 200 mil réis anuais que lhes garantiam o direito de votar. Cf. Constituição Política do 
Império do Brazil, 1824, Título 2º, artigo 6º. 
21Sobre os juízes de paz, cf. FARIA, Regina Helena Martins de. “Os Juízes de Paz: concepção e práticas”. 
In: Anais da VI Jornada Internacional de Políticas Públicas, São Luís, UFMA, 2013 (Anais Eletrônicos), 
p. 2-3; NASCIMENTO, Joelma Aparecida do. “Os ‘Homens’ da administração e da Justiça no Império: 
eleição e perfil social dos juízes de paz em Mariana, 1827-1841”. (Dissertação de Mestrado em História, 
Universidade Federal de Juiz de Fora, 2010), p. 58. 
22Correspondência párocos, ano1830. APEB, Seção Arquivo Colonial/Provincial, Série 
colonial/provincial, maço 5212. 
28 
 
para os meninos, alegando que os pais não tinham condições de pagar professores para 
os filhos. Na carta, o Padre Pontes, afirma que desde o ano de 1818, pedia ao governo 
providências a respeito do problema, todavia, até aquele momento suas reivindicações 
não haviam sido atendidas.23 Como podemos ver,o religioso atuava como um político, e 
em nome dos seus paroquianos tentava resolver os problemas inerentes àquela 
comunidade. Possivelmente o seu nível de letramento contribuiu para que pudesse 
representar os moradores daquela freguesia.24 
Em 1852, 22 anos após o padre reivindicar representatividade política para a 
freguesia, a lei provincial no 442 elevou o povoado de Alagoinhas à categoria de vila. 
Nessa época, a maior parte dos moradores dedicava-se à agricultura, a exemplo do 
cultivo de mandioca e da produção de farinha e possuía um comércio incipiente, 
conforme deixa entrever a análise dos inventários post mortem para esse período.25Essa 
situação transformou-se no decorrer da segunda metade do século XIX, quando a vila 
passou a ter um comércio dinâmico e concorrido, com a existência de uma feira livre e a 
presença de mascates e tropeiros. A feira era um espaço de negócios para os moradores 
e de sociabilidade e, segundo Keite Lima, localizava-se “(...) no alto de uma colina, a 
igreja e sua praça, centro da vila. Ao lado da praça, algumas casas residenciais, 
sobrados, comerciais e a casa da Câmara que servia também para sessões dos júris e a 
cadeia”.26 
Como já foi dito, a partir da segunda década do oitocentos, o número de 
engenhos foi ganhando espaço na região e, mais ainda após a segunda metade dessa 
centúria. Em 1860, o presidente da Província, Herculano Ferreira Pena, argumentou que 
a construção da estrada de ferro até Alagoinhas aumentou os lucros, uma vez que em 
“Mata de São João, Pojuca, Santana do Catu e Alagoinhas, deve o rendimento crescer 
muito, em razão da quantidade de engenhos que há por lá”.27A escolha da vila para 
abrigar a estação ferroviária contribuiu para que Alagoinhas e seus distritos 
prosperassem, destacando-se como centro abastecedor da capital da província. Cabe 
observar que a construção da primeira ferrovia da Província da Bahia foi, inicialmente, 
fruto da política de interesses de senhores –proprietários de engenho e de escravos –
 
23Correspondência párocos, ano1830. APEB, Seção Arquivo Colonial/Provincial, Série 
colonial/provincial, maço 5212. 
24SOUZA, “Religião e Política no Primeiro Reinado”, p. 128/129. 
25 Inventário post-mortem de D. Florência Maria de Jesus Leal, 1864. Fórum Des. Ezequiel Pondé 
(doravante FDEP), cx. 6; Inventário post-mortem de Major José Joaquim Leal,1884. FDEP, cx. 13. 
26LIMA, “Entre a ferrovia e o comércio”, p. 37. 
27Fala do Presidente de Província Herculano Ferreira Penas de 10 de Abril de 1860. Disponível em: 
http://www.crl.edu/pt-br/brasil, acesso em: 01/04/2019. 
29 
 
reunidos na Junta da Lavoura e, posteriormente, da ingerência do presidente da 
Província, João Maurício Wanderley que favoreceu o empresário Joaquim Moniz 
Barreto.28 
Figura 1: Mapa da Província da Bahia, 1868 
 
Fonte: ALMEIDA, Cândido Mendes (org.). Atlas do Império do Brazil, compreendendo as 
respectivas divisões administrativas, eclesiásticas, eleitoraes e judiciarias. Mapa XIII. Disponível 
em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/179473, acesso em: 16/12/2014. 
 
 
O crescimento econômico atraiu pessoas em busca de empregos, que resultou 
na criação das freguesias de Jesus, Maria e José de Igreja Nova, em 1871, no povoado 
de Boa União – área de engenhos –, e a do Senhor Deus Menino, em 1872, no povoado 
de Araçás.29A documentação sobre as freguesias do município é rara, mas o 
Recenseamento de 1872 e os inventários post mortem oferecem informações 
importantes acerca de cada uma, como veremos adiante. 
 
 
 
28 Sobre os interesses políticos que permearam a construção da ferrovia, cf. SOUZA, Robério S. 
Trabalhadores dos trilhos: imigrantes e nacionais livres, libertos e escravos na construção da primeira 
ferrovia baiana (1858-1863). Campinas: Editora da Unicamp, 2015, p.41-74. 
29 SILVA, Cândido da Costa e. Os Segadores e a Messe: o clero oitocentista na Bahia. Salvador: Edufba, 
2000, p. 70. 
30 
 
Perfil da população e suas atividades econômicas 
 
Após a instalação da vila de Alagoinhas, era necessário organizá-la 
administrativamente. A contagem da população até a Lei 2.0240 de 28 de setembro de 
1871 ficava sob encargo dos párocos da Igreja católica.30Os mapas de população eram 
elaborados pelos vigários a partir das informações recolhidas em suas freguesias, 
principalmente porque a Igreja Católica era responsável pelos batismos, casamentos e 
óbitos, o que facilitava a coleta de dados.31 
Ao dispor das informações recolhidas nas freguesias sob sua responsabilidade, 
o Vigário Antônio Martin da Silva Telles pôde contabilizar – em março de 1856, 
decorrido quatro anos da instalação da vila – a população da Freguesia de Santo 
Antônio de Alagoinhas, juntamente com suas capelas filiais: Jesus Maria José de Igreja 
Nova; Senhor Deus Menino dos Araçás, Riacho da Guia e Nossa Senhora da Conceição 
dos Olhos d’Água. Segundo o vigário, naquela ocasião, a população do município 
contava com 14.560 almas, sendo 3.556 homens, 4.122 mulheres, 3.900 crianças e 
2.982 escravos. Assim, quando da criação da vila, a população da Freguesia e suas 
capelas filiais eram formadas, majoritariamente, por pessoas livres que correspondiam a 
52,7% (7.678), desconsiderando as crianças que representavam 26,8% (3.900) e, a 
população escravizada foi estimada em 20,4% (2.982).32 
Para termos uma ideia sobre esse número de escravos,em 1854, em S. Pedro 
do Rio Fundo, freguesia que cultivava, sobretudo açúcar, Barickman contabilizou 2.069 
escravos. Contudo, como esse historiador não informa a representação dos escravos em 
relação à população livre, não é possível compararmos com Alagoinhas.33Também 
desconhecemos o que representava a produção de cana na década de 1850 em 
Alagoinhas, mas como se verá oportunamente, duas décadas depois ela se tornou 
significativa e coexistia com outras culturas. É provável que parte da população livre e, 
 
30 Cf. BACELLAR, Carlos de Almeida Prado. “Arrolando os habitantes no passado: as listas nominativas 
sob um olhar crítico”. Locus Revista de História, Juiz de Fora, vol. 14, n° 1, p. 113-131, 2008, p. 114. 
31Para uma análise sobre o potencial dos documentos eclesiásticos, não apenas na contagem da 
população, mas também dos números de fogos, fazendas, capelas, entre outros. Cf. FRAGOSO, João. 
“Efigênia angola, Francisca Muniz forra parda, seus parceiros e senhores: freguesias rurais do Rio de 
Janeiro, século XVIII. Uma contribuição metodológica para a história colonial”. Topoi, vol. 11, n° 
21(2010), p. 74-106. 
32Relação da população da freguesia de Santo Antonio das Alagoinhas e suas capelas filiais em março 
de1856. Original da ata de instalação da cidade de Alagoinhas em 2 de julho de 1853 (sic). Fundação 
Iraci Gama (doravante FIGAM). 
33BARICKMAN, Um contraponto baiano, p. 215. 
31 
 
em idade produtiva, se ocupasse com as atividades ligadas à agricultura. Possivelmente 
homens e mulheres livres, que não possuíam recursos para sobreviver, trabalhassem nos 
serviços da lavoura em troca de comida e teto, principalmente por causa das 
desigualdades na distribuição das riquezas em todo o Recôncavo.34 Os dados coligidos 
pelo pároco Pontes revelam muito pouco sobre essa população, na medida em que 
ocultam número de fogos, agregados e domésticos, atividades econômicas e condição 
social. As lacunas impedem determinar quais os arranjos de sobrevivência da população 
livre e liberta. Contudo, as posturas municipais da Câmara de Alagoinhas de 1861 
informam que o trabalho de agregados e rendeiros era de responsabilidade do 
proprietário de terra, demonstrando a existência desses trabalhadores nas fazendas da 
região e sua submissão ao chefe do domicílio.35 
No que diz respeito ao trabalho dos rendeiros, observamos que ele poderia ser 
um lavrador de cana que trabalhava em regime de parceria. No caso de Alagoinhas, a 
lavoura foi a atividade mais significativa para a economia do município. Segundo 
Barickman, 
os lavradores às vezes possuíam fazendas próprias, mas era mais comum 
cultivarem a cana em terras arrendadas a um engenho. Todo lavrador de cana, 
mesmo aquele com terras próprias, participava da indústria açucareira num 
regime de parceria. Entregava sua cana a um senhor de engenho para que a 
moesse e transformasse em açúcar. Em troca, o senhor de engenho retinha 
geralmente metade do açúcar produzido pela cana do lavrador; a outra 
metade cabia a este. 36 
 
Ao analisar o perfil étnico da população escrava dos engenhos do Recôncavo 
entre 1870 e 1887, Walter Fraga Filho constatou que, como consequência da extinção 
do tráfico transatlântico, a população escrava dos engenhos passou a ser constituída 
majoritariamente por nascidos no Brasil. Em uma amostra de 10 inventários de grandes 
senhores de engenhos do Recôncavo baiano, Fraga Filho levantou informações sobre 
798 cativos. Desses, 10,2% era de origem africana e os demais nascidos no Brasil: 
sendo 65,3% identificados como crioulos, 18,9% como cabras e 5,6% como pardos.37 
Em Alagoinhas, desde a primeira metade do século XIX a população escrava era 
majoritariamente nascida no Brasil. Ao analisar as relações de compadrio entre os 
escravos africanos na Freguesia de Santo Antônio das Alagoinhas, entre 1818 e 1849, 
 
34Idem, ibidem, p. 217-224. 
35Posturas Municipais, 1868. APEB, Seção Legislativa, Série Posturas Alagoinhas (1860-1887), maço 
1241, n.3. 
36BARICKMAM, Um contraponto baiano,p. 87. 
37 FRAGA FILHO, Walter. Encruzilhadas da Liberdade: histórias de escravos e libertos na Bahia (1870- 
1910). Campinas: Unicamp, 2006, p. 31-34. 
32 
 
Janaína Amorim encontrou 2.686 cativos sendo batizados e, desses 76,2% eram 
nascidos no Brasil; 13,3% na África e para 10,5% não foi informada a origem.38 Dessa 
forma, em 1856, quando o padre Telles contou os escravos de sua freguesia, a maioria 
era nascida no Brasil. 
Os dados recolhidos pelo padre Telles também não informam sobre o perfil dos 
moradores daquelas freguesias quanto ao estado civil, representação étnica e, tampouco 
as atividades econômicas que garantiam sua sobrevivência, por isso, recorremos ao 
primeiro Recenseamento realizado no Brasil em 1872. Como o município compreendia 
a sede e dois distritos – Igreja Nova e Araçás – divididos em três freguesias: Santo 
Antônio de Alagoinhas (1816), Jesus Maria José de Igreja Nova (1871) e Senhor Deus 
Menino dos Araçás (1872), agrupamos os dados para termos uma visão geral, em 
seguida, nos detemos nas especificidades de cada uma delas. 
 
Tabela 1 – População por freguesia e condição jurídica, Alagoinhas 1872 
 
Freguesias Condição jurídica da população 
Livre e Liberta Escrava 
H M T H M T 
 N % N % N % N % N % N % 
Jesus Maria José 
de Igreja Nova 
4.342 48,3 4.424 49,2 8.766 48,8 1.212 64,2 1.285 68,5 2.497 66,4 
Santo Antônio de 
Alagoinhas 
3.038 33,8 2.829 31,4 5.867 32,6 455 24,1 388 20,7 843 22,4 
Senhor Deus 
Menino dos 
Araçás 
1.601 17,8 1.742 19,4 3.343 18,6 220 11,7 203 10,8 423 11,2 
Total 8.981 100 8.995 100 17.976 100 1887 100 1876 100 3.763 100 
Fonte: Recenseamento do Brazil em 1872, Bahia, pp. 340-348. Disponível em www.ibge.gov.br/, acesso em 
23/08/2013. 
 
A partir dos dados apresentados na Tabela 1, observamos que a população do 
município era formada, majoritariamente, por homens e mulheres livres, o que não é 
novidade, pois, desde a criação da vila, o vigário Telles já havia contabilizado um 
percentual semelhante. Foi a freguesia de Igreja Nova que apresentou omaior 
percentual de escravos, representando 22,2% da população da freguesia e, 66,4% dos 
cativos do município. Esses dados sugerem que as atividades econômicas do município 
não dependiam, exclusivamente, da mão de obra escrava. 
O Recenseamento de 1872 também classificou a população segundo critério 
étnico-racial e organizamos os dados por freguesias e sem distinção jurídica, conforme 
 
38 AMORIM, “O parentesco espiritual”, p. 19. 
33 
 
se vê na Tabela 2. Os pardos formavam a maior parte da população, correspondendo a 
60% do total de todos os moradores do município, seguida por pretos (27,4%) e brancos 
(11,9%). Os caboclos representavam apenas 0,7%. De acordo com Hebe Mattos, ao 
longo do período colonial e imperial, negro e preto se referiam tanto a escravos quanto a 
forros. Em algumas regiões o termo “preto” era sinônimo de africano e “pardo” se 
referia à cor mais clara de alguns escravos, indicando a ascendência mestiça de alguns 
deles e, teve seu uso ampliado para designar uma crescente parcela da população que 
não se enquadrava na denominação de “preto” ou “crioulo”, uma vez que o uso dessa 
classificação “congelava” a posição social do liberto. Assim a expressão “pardo livre” 
passou a ser utilizada para se referir à população livre de ascendência africana.39 Cabe 
acrescentar que 93,6% dos pardos e 73% dos pretos eram formados por homens livres e 
libertos em Alagoinhas. 
Analisando os inventários post mortem de Salvador entre 1811 e 1860, Maria 
José de Souza Andrade encontrou um alto percentual de crioulos (71%) entre os cativos 
nascidos no Brasil, seguidos pelos pardos (11%), cabras (10%), mulato (4%) e preto 
(3%).40Segundo João José Reis, o termo crioulofoi utilizado por quase todo o século 
XIX para diferenciar os escravos africanos que eram definidos apenas como preto. 
Contudo, nas matrículas dos trabalhadores dos cantos de 1887 o termo preto foi 
utilizado para classificar o negro brasileiro ou africano. Segundo Reis, o uso termo 
indicava que “a sociedade se adaptava para conviver com apenas um tipo de negro: 
aquele nascido no Brasil”.41Estudando o município de Rio de Contas ao longo do século 
XIX, Kátia Almeida, argumentou que ali preto indicava o natural da África antes de 
1850, e crioulo, cabra, mulato e pardo se referiam ao escravo nascido no 
Brasil.42Todavia, nos inventários de Alagoinhas, o termo preto só aparece a partir do 
ano de 1866, sugerindo que se tratava de escravos nascidos no Brasil. 
 
 
 
 
 
39 MATTOS, Hebe Maria. Escravidão e cidadania no Brasil Monárquico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 
2003, p.17. 
40ANDRADE Maria José Souza de. A mão-de-obra escrava em Salvador, 1811-1860. São Paulo: 
Corrupio, 1988, p. 101. 
41 REIS, João José. “De olho no canto: Trabalho de rua na Bahia na véspera da abolição”. Afro-Ásia, n. 24 
(2000), p. 231. 
42ALMEIDA, Kátia Lorena Novais. Alforrias em Rio de Contas – Bahia (século XIX). Salvador: 
EDUFBA, 2012.p. 113. 
34 
 
Tabela 2– Classificação étnica da população do município de Alagoinhas, 1872 
 
 
Freguesias Brancos Pardos Pretos Caboclos 
N % N % N % N % 
Santo Antônio das Alagoinhas 1.366 42,7 3.324 26,8 1.952 32,9 68 30,8 
Jesus Maria José de Igreja Nova 1.387 43,3 6.798 54,9 2.952 49,7 126 57,0 
Senhor Deus Menino dos Araçás 448 14,0 2.259 18,2 1.032 17,4 27 12,2 
Total 3.201 100 12.381 100 5.936 100 221 100 
Fonte: Cf. Tabela 2. 
 
Se considerarmos a população de pardos e pretos, tanto de livres quanto de 
escravos, temos 18.317 ou 84,2%. Se excluirmos os escravos, temos 14.554, ou seja, 
66,9%. Esses percentuais demonstram que a população livre de cor, egressa da 
escravidão e seus descendentes, era majoritária no município superando, em muito, a 
média total do Império que era de 42,7%.43Na Freguesia de Santo Antônio das 
Alagoinhas, a população livre era formada por 5.867 pessoas, sendo que 1.366 eram 
brancas, 2.940 pardas, 1.493 pretas e 68 caboclas. Os escravos eram formados por 
pardos e pretos, respectivamente 384 e 459, totalizando 843 pessoas – correspondendo a 
12,5% da população total. Portanto, Alagoinhas possuía uma população livre, 
predominantemente de cor (76,7%), sendo que os pardos representavam 50%, 
provavelmente egressos do cativeiro ou seus descendentes. Vejamos a seguir as demais 
freguesias que faziam parte do município de Alagoinhas. 
 
Freguesia de Senhor Deus Menino dos Araçás 
Dentre as três freguesias, os dados sobre Araçás são os mais escassos. As 
poucas informações que conseguimos foram obtidas dos inventários post mortem, do 
censo de 1872 e das poucas linhas que o memorialista Américo Barreiro dedicou ao 
arraial: 
Sede do distrito, e da freguesia do Senhor Deus Menino dos Araçás, está 
edificado à margem direita do rio Quiricó; é muito salubre o seu clima, e 
alguns cavalheiros distintos do município aí tiveram o seu berço, ou em 
fazendas próximas. Possuem uma boa ponte, construída este ano pela 
municipalidade, em substituição da velha ponte que ali existia há cerca de 30 
anos; a atual, solida é bem-feita [...]. A igreja, que antes merece a 
 
43 CHALHOUB, Sidney. “População e sociedade”. In: CARVALHO, José Murilo de. A construção 
Nacional, 1830-1889. Rio de Janeiro: Fundación Mapfre/Editora Objetiva, 2012, p.42. 
35 
 
denominação de capela, é pequena e pobre, bem como o cemitério, que está 
pedindo substituição.44 
 
A capela existente no povoado de Araçás foi elevada à freguesia de Senhor 
Deus Menino dos Araçás em 1872.45Segundo a Ata de fundação da vila de Alagoinhas, 
o povoado já existia em 1853. A povoação cresceu no entorno dessa capela, a exemplo 
dos povoados, arraiais e vilas da América portuguesa e do Brasil Imperial.46 
Era o ano de 1872 quando Francisca Carolina Dantas, moradora da fazenda 
Bom Sucesso na Freguesia de Araçás, faleceu deixando bens aos seus herdeiros. 
Proprietária do engenho Alegrete, contudo não residia nele, já que o documento aponta 
a fazenda Bom Sucesso como “casa de morada”. A matrícula de escravos, anexada ao 
inventário, informa que ela e o marido, Felix Dantas de Souza, possuíam 11 escravos na 
faixa etária entre 20 e 70 anos, que trabalhavam na lavoura. Certamente, os escravos 
listados na matrícula dedicavam-se tanto ao trabalho no engenho quanto na fazenda, 
migrando entre as duas propriedades.47 
Era uma quinta feira, 4 de julho de 1872, quando o escrivão compareceu ao 
Engenho Santo Antônio do Riachão para redigir o testamento de dona Anna Maria do 
Espírito Santo, natural de Catu e moradora em Araçás. Na época da abertura do 
inventário foram contabilizados 13 escravos em sua posse, uma casa velha avaliada em 
“cem mil reis” edificada “nos terrenos do inventariante”, filho de Anna Maria, e alguns 
poucos bens móveis, como oratório, uma arca velha e uma caixa de guardar legumes. 
Não foi possível apurar se o engenho pertencia ao seu filho, Antonio de Souza e Silva, 
mas a documentação evidencia que aquela senhora alugava os serviços de seus escravos 
para ele, que devia à mãe 486$666 (leia-se quatrocentos e oitenta e seis mil e seiscentos 
e sessenta e seis reis), referente a aluguel de escravos. Viúva e mãe de cinco filhos, em 
seu testamento pediu para ser sepultada na vila de Alagoinhas.48O pedido possivelmente 
tinha relação com a precariedade da Igreja e do cemitério de Araçás ou o desejo de ser 
sepultada ao lado do marido, que havia falecido em 3 de março de 1839.49 Não sabemos 
se nesse ano existia uma capela em Araçás. 
 
44 BARREIRA, Américo. Alagoinhas e seu município. Tipografia do popular: Alagoinhas, 1902, p. 20. 
45 SILVA, Os Segadores e a Messe, p. 70. 
46 MOTT, Luiz. “Cotidiano e vivencia religiosa: entre a capela e o calundu”. In: SOUZA, Laura de Mello 
e (org.). História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p.161. 
47Inventário post mortem de Dona Francisca Carolina Dantas, 1873. FDEP, cx. 09. 
48Inventário post mortem de Dona Anna Maria do Espírito Santo, 1879. FDEP, cx.13, doc. 704. 
49BARREIRA, Alagoinhas e seu município, p. 20. 
36 
 
Ao morrer em 1876, Thomasia Maria de Jesus deixou como parte de seus bens 
19 cabeças de gado, uma casa de morar coberta de telha e taipa, uma casa de farinha 
coberta de sapé com um rodete, nove pés de laranjeiras, um pé de jaqueira e um pé de 
coqueiro.50 Caso semelhante ao de João Ribeiro de Almeida, falecido no ano de 1887, 
que possuía uma casinha de telha e 66 tarefas de terras e, dedicava-se a criação de 
animais, tinha 20 cabeças de gado e 9 cavalos.51Thomasia e João não possuíam escravos 
na lista de bens inventariados, demonstrando que muitas famílias utilizavam o trabalho 
familiar livre na produção de gêneros de subsistência, importante para a economia local. 
Na fazenda Campestre, também situada na freguesia de Araçás, morou 
donaVitorina Marques. No ano de 1886, seu marido, Francisco Marçal dos Santos, 
faleceu, deixando um monte partível no valor 13:118$340. O inventário indica a 
existência de uma criação formada por 56 cabeças de gado, avaliados em 1:400$000; 28 
ovelhas, 9 bois mansos de carros, por 450$000, a quantia de 56$000 em espécie e 6 
escravos, avaliados em 2:500$000, que possivelmente trabalhavam na lavoura e na 
fabricação de farinha, além da pecuária. A casa da senhora, situada na mesma fazenda, 
era mobilhada, possuía um quintal com arvoredos e cercas que faziam a delimitação da 
propriedade, uma casa de farinha, plantação de milho e de mandioca. Além disso, tinha 
um pasto com benfeitorias onde os animais eram criados.

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