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ESPORTE I - FUTEBOL E FUTSAL Suziane Ungari Cayres Santos Crianças e adolescentes: iniciação esportiva Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Enumerar os aspectos relacionados à iniciação de crianças e adoles- centes no futebol e no futsal. � Descrever os procedimentos metodológicos para o ensino do futebol e do futsal para crianças e adolescentes. � Reconhecer a importância da iniciação esportiva no futebol e no futsal para o desenvolvimento global de crianças e adolescentes. Introdução Movimentar-se é algo intrínseco do universo infantil. As crianças aprendem brincando, e é justamente nessa fase da vida que os pequenos tomam gosto pelo esporte. De fato, a prática esportiva é considerada a principal manifestação de atividade física moderada a vigorosa entre crianças e adolescentes. A iniciação ao esporte está imersa nesse contexto. Dentre as modalidades esportivas coletivas, muitas crianças dão seus primeiros passos no futebol e no futsal. Influenciados pelos pais e fa- miliares, é em casa que, na grande maioria das vezes, ocorre o primeiro contato com o mundo da bola. A fim de ampliar tal horizonte, é possível percebermos que a iniciação ao esporte acontece de forma estruturada e não estruturada. Permeia instituições educacionais (educação básica e escolinha esportiva) a até as ruas, praças, parques e praias. Se do esporte os pequenos esperam diversão, a longo prazo, por meio da iniciação esportiva orientada por um profissional de Educação Física, eles rece- bem não somente formação física, mas também preparação para a vida. Respeito ao próximo e às regras do jogo são alicerces que delinearão sua trajetória no esporte. Neste capítulo, você vai ver a importância da iniciação esportiva entre crianças e adolescentes. Além disso, você vai conhecer os métodos de ensino-aprendizagem especificamente voltados ao futebol e ao futsal, sua influência na formação moral e ética, bem como a inter-relação com a detecção de talentos para o esporte. 1 Importância da iniciação esportiva no futebol e no futsal Há um consenso na literatura científica de que a formação no esporte perpassa as fases de iniciação, desenvolvimento e especialização (PAOLI; SILVA; SOARES, 2008). Sob esse prisma, é durante a infância que muitas crianças dão seus primeiros passos no mundo da bola. É justamente nessa fase da vida, celeiro de talentos para alguns (CAVICHIOLLI et al., 2011), que o profissional de Educação Física precisa estar atento à linha tênue entre a iniciação esportiva e a especialização precoce. Diante desse desafio, como ensinar esportes para as crianças sem desen- cadear na restrita formação de atletas em miniatura? Quais os aspectos que o profissional de Educação Física precisa observar? Nosso ponto de partida está em entender os fatores extrínsecos (p. ex., família, mídia, escola, etc.) e intrínsecos (fases do crescimento e desenvolvimento humano e maturação biológica, etc.) que conduzem a criança ao mundo da bola. De fato, a iniciação esportiva entre crianças e adolescentes acontece de forma não estruturada e estruturada (COSTA et al., 2018). A característica central que irá permitir discernir tal implementação da iniciação ao futebol e futsal é a figura do profissional de Educação Física para orientar o aprendizado. Na prática, na grande maioria das vezes, são os pais e os familiares os principais incentivadores da participação dos pequenos nesses esportes (NOGUEIRA; SANTOS, 2018). Ambas as modalidades esportivas são culturalmente po- pulares em nosso país, e essa projeção do núcleo familiar almejando formar pequenos campeões perpassa o rendimento tanto desportivo quanto financeiro. Para que esse resultado possa ser alcançado a longo prazo, vejamos em maiores detalhes os elementos extrínsecos que balizam a iniciação ao esporte. Se por um lado, de forma não estruturada (sem orientação de uma profissional da área), a criança tem contato com os elementos fundamentais do futebol e futsal desde pequena em distintos ambientes, tais como em casa, na rua, nas quadras ou na praia, maciçamente influenciada pela mídia (COSTA et Crianças e adolescentes: iniciação esportiva2 al., 2018), por outro lado, quando adentra a educação básica por volta dos cinco a seis de idade, tanto na escola quanto no contraturno com a escolinha esportiva, há os primeiros passos visando à iniciação formal (estruturada) no esporte (Figura 1). Figura 1. A inter-relação entre os espaços formativos durante a iniciação esportiva de crianças e adolescentes. Fonte: Adaptada de Costa et al. (2018). Irmãos Primos e tios Amigos Iniciação esportiva não estruturada Iniciação esportiva estruturada Escolinha esportiva Educação básica Família Rua Escola Para Costa et al. (2018, p. 699), “[...] a rua parece assumir uma função importante na transição do ambiente da casa, do familiar para o público, como se fosse uma espécie de amenização do choque da estreia no espaço público”. Interessante notarmos que esse cenário é contundente no âmbito esportivo, principalmente quando as meninas tomam gosto pelo esporte (COSTA et al., 2018). Aliado a isso, a preocupação se volta para a adequação da atividade motora diante da faixa etária da criança e, por conseguinte, tal adequação remete aos elementos intrínsecos que delineiam a iniciação esportiva, tais como o desenvolvimento biológico e a fase maturacional. Há estudos científicos que salientam que a iniciação ao futsal, por exemplo, antes dos sete anos de idade, objetivando a competição, pode incorrer em maiores erros de execução do gesto motor, além de pressão por resultados por parte do técnico, especialização precoce na modalidade esportiva e, ainda, abandono do esporte (REIS; SILVA, 2012). Ao passo que, quando orientada desde cedo, a iniciação esportiva pode contribuir para a formação de talentos. 3Crianças e adolescentes: iniciação esportiva Nesses moldes, o profissional de Educação Física precisa adequar as ativi- dades esportivas diante da capacidade da criança de executar o gesto motor. Uma vez ciente que há fases da iniciação ao esporte (iniciação, 8 a 9 anos; aperfeiçoamento, 10 a 11 anos, e o treinamento, 12 a 13 anos) (RAMOS; NEVES, 2008), é pertinente o professor ter em mente que é justamente antes da puberdade que as crianças podem ampliar o arcabouço motor, a fim de se beneficiar durante a especialização no esporte. Alguns profissionais da área (MACHADO; BONFIM; COSTA, 2009) consideram que a matura- ção biológica seria de fato um sinal verde para a especialização no esporte. No entanto, essa fase que antecede o pico de velocidade de crescimento e puberdade não é justificativa para a iniciação e/ou especialização precoce, muito pelo contrário, os professores, cientes desse período de constantes alterações orgânicas no ser humano, podem otimizar ganhos de “matéria- -prima” que serão lapidadas na especialização (p. ex., ganho de força a partir do aumento da massa muscular; ganho de massa óssea a partir de atividades com impacto, tais como saltos, etc.). Falando em futsal, como não lembrar de Falcão, com a interação entre os fundamen- tos técnicos, a habilidade motora e o conhecimento tático em prática nas quadras? Na opinião de muitos, como esse atleta não há igual. Acesse o link a seguir e confira a trajetória de Falcão, mundialmente reconhecido como o rei do futsal. https://qrgo.page.link/VhwTJ Com isso mente, cabe salientar que as crianças aprendem brincando e para alcançar tal meta, ensinar esportes só ganha corpo quando respaldado pela ludicidade (SANTANA, 2004). Confira a seguir no Quadro 1 exemplos de atividades motoras voltadas ao ensino do futebol e do futsal separados pela faixa etária (GONÇALVES, 2019). Crianças e adolescentes: iniciação esportiva4 Fonte: Adaptado de Gonçalves (2019). Faixa etária Atividades motoras 6 a 8 anos Nesta fase, as crianças devem ser estimuladas a desenvolver atividades que envolvamhabilidades motoras que podem ser utilizadas em várias modalidades esportivas, haja vista o processo de especialização futuro, tais como correr, pular, andar, saltar e arremessar. A ludicidade é um aspecto primordial para que a criança possa tomar gosto pelo esporte. 9 a 11 anos Nesta fase, as atividades podem estar voltadas à fixação e ao desenvolvimento do esporte. Especificamente, podem ser implementadas atividades voltadas ao aprendizado dos fundamentos técnicos do futebol e do futsal, tais como lançamentos, passes, dribles, chutes e condução de bola. Cabe ressaltar que, nesta faixa etária, é importante a vivência de diferentes posições de jogo, a fim de evitar a especialização precoce e ampliar as experiências motoras. Acima dos 11 anos Nesta fase, pode ocorrer uma maior cobrança no que tange à eficiência da execução dos gestos técnicos, assim como elementos táticos já podem ser ensinados. A ideia é aliar maior intensidade das atividades com a complexidade, a fim de que gradativamente o jovem possa executar o gesto motor de forma automatizada e com criatividade, a fim conduzir a jogada. Quadro 1. Etapas e atividades motoras para a iniciação e desenvolvimento do futebol e do futsal entre crianças e adolescentes Sob essa ótica, e em concordância com Greco e Benda (1998), o profissional de Educação Física precisa estar atento durante todo o processo de formação esportiva, principalmente na fase universal que abrange desde os 6 até os 12 anos de idade, de modo que o foco nesse período esteja voltado ao desenvol- vimento, de maneira geral, das capacidades motoras e coordenativas, para que possa ser estimulado na criança e no adolescente uma base ampla e plural de habilidades motoras que irão sustentar o desenvolvimento e a especialização no esporte nos anos vindouros. 5Crianças e adolescentes: iniciação esportiva 2 Métodos de ensino do futebol e do futsal No Brasil, considerado a “pátria das chuteiras”, as crianças são imersas desde cedo no mundo da bola. E numa trajetória recente, aquela prática esportiva das ruas e dos campos de várzea foram, em sua grande parcela, nos centros urbanos institucionalizados por meio das escolinhas esportivas (OLIVETE et al., 2015). O fato é que, como salienta alguns autores (PAOLI; SILVA, SOARES, 2008), não há mais tempo nem recursos financeiros para esperar que um talento esportivo seja formado e desponte em campo quase que na- turalmente. Nos dias de hoje, o trabalho começa desde cedo, mesmo tendo a prematuridade de seus riscos não somente físicos, mas também psicossociais. Na prática, conforme destaca Olivete et al. (2015), a grande maioria das escolinhas esportivas não tem uma metodologia organizada quando o assunto em pauta é o processo de ensino-aprendizagem do futebol e do futsal. O reper- tório de atividades durante as aulas de iniciação ao esporte, tanto no ambiente escolar quanto nas escolinhas esportivas, parece estar intimamente relacionado com a experiência prévia do técnico como ex-atleta (GREGÓRIO; SILVA, 2014). No entanto, não somente essa bagagem deve ser levada em consideração quando o que está em jogo é a formação do esportista. Almejando que dentre os bons jogadores possa despontar os talentos, a iniciação ao esporte precisa estar respaldada em métodos de ensino-aprendizagem com rigor científico, a fim de sustentar a intervenção. E mais do que isso, é necessário que sejam implementadas estratégias de ensino que possibilitem ao aprendiz, além de automatizar o gesto motor de forma segura e eficiente, desenvolver habilidades motoras que possam contribuir para a inteligência e a criatividade durante a partida (SILVA; GRECO, 2009). Com isso em mente, para Olivete et al. (2015, documento on-line): Uma escolinha sem princípios pedagógicos bem orientados poderá deixar sua metodologia de ensino à deriva, onde os procedimentos de ensino do esporte ficam à mercê do professor, gerando uma situação onde o mesmo aplicará a atividade que mais o convém. Na teoria, há três métodos de ensino-aprendizagem especificamente vol- tados ao ensino do futebol e do futsal, confira a seguir na Figura 2. Crianças e adolescentes: iniciação esportiva6 Figura 2. Inter-relação entre os métodos de ensino-aprendizagem voltados ao futebol e ao futsal. Técnica Tática Modelo misto Modelo analítico-sintético Modelo situacional Quando o assunto em pauta é a iniciação esportiva entre crianças e ado- lescentes, são esses os métodos de ensino-aprendizagem que permeiam a dis- cussão tanto no campo das ideias quanto na prática formativa (GONÇALVES, 2019). Confira a seguir maiores detalhes no Quadro 2. Há um consenso de que o método analítico-sintético é mais indicado para a iniciação ao esporte por estar voltado ao ensino de um fundamento técnico por vez em cada in- tervenção. Nesse sentido, o processo de ensino-aprendizagem do esporte se adequa à capacidade da criança de assimilar o conteúdo e executar o gesto motor. Desse modo, ensinar separadamente os fundamentos tanto do futebol quanto do futsal possibilita ao professor lapidar o gesto motor estando atento a possíveis erros de execução (GONÇALVES, 2019). Num segundo momento, para aqueles que de antemão foram instruídos aos fundamentos técnicos da modalidade esportiva, a implementação do modelo situacional pode tornar o processo de ensino-aprendizagem mais dinâmico, em outras palavras, mais próximo da realidade em campo ou nas quadras (GONÇALVES, 2019). Esse modelo é desenvolvido em sua grande maioria em minijogos, e possibilita, de fato, ao aprendiz compreender os sistemas táticos da modalidade esportiva. Todavia, o professor precisa estar atento para que durante a iniciação ao esporte não ocorram procedimentos que possam conduzir a especialização do jogador, por exemplo, em uma única posição durante o jogo. 7Crianças e adolescentes: iniciação esportiva Há casos que, mesmo a contragosto, os jovens são escalados para atuar em diferentes posições durante os treinos (OLIVETE et al., 2015). Ao pé da letra, durante a infância e a adolescência, haja vista a necessidade de um desenvolvimento plural das habilidades motoras e capacidades físicas, não há espaço para negociar exceções. A regra durante os treinos é desenvolver a coordenação e a lateralidade aliadas ao aprendizado e ao aprimoramento dos fundamentos técnicos e dos sistemas táticos. Há quem diga que o futsal é a escola de formação de grandes nomes do futebol. E de fato, a intensa movimentação na quadra, em que todos fazem tudo, possibilita ao esportista formar-se por completo nas diferentes posições durante o jogo. Interessante observarmos que, em uma aula baseada no modelo situacional no futebol, o jogador, dependendo da posição em campo, toca apenas algumas vezes na bola. Já no futsal, o contato é constante. Em virtude do rodízio na partida, a dinâmica é conduzir a bola e, de preferência, sem nunca se afastar muito dela. O iniciante no futsal que migra com o passar da carreira esportiva para o futebol traz na bagagem uma visão de jogo diferenciada. A agilidade e a velocidade, aliadas à técnica e à criatividade de jogo, são pedras preciosas que podem ser lapidadas desde já na iniciação ao esporte. Já no modelo misto, que, por sua vez, concilia elementos do modelo ana- lítico-sintético e situacional (GONÇALVES, 2019), os esportistas podem ser apresentados aos fundamentos técnicos e táticos de forma a polir o gesto motor já automatizado e otimizar a inteligência e a criatividade de jogo (SILVA; GRECO, 2009). No entanto, o único empecilho para esse sistema é o curto espaço de tempo da intervenção, fato que inviabiliza a correção dos erros de execução dos fundamentos quando o professor tem de gerir, por exemplo, um grande número de atletas. Agora, uma vez ciente de que há uma sequência ordenada de atividades motoras a serem desenvolvidas em cada faixa etária a fim de otimizar o desem- penho esportivo, quando uma dessas fases é simplesmente negligenciada ou atémesmo não é oportunizada, é possível identificar as oscilações no rendimento em detrimento, por exemplo, da iniciação tardia (COSTA et al., 2018). Crianças e adolescentes: iniciação esportiva8 As meninas no esporte, muitas vezes, convivem com o preconceito, a falta de estrutura e a formação precária. Acesse o link a seguir e confira mais detalhes no artigo intitulado A mulher na quadra: evidências contemporâneas do contato inicial com futsal. https://qrgo.page.link/onFHD A partir dos pressupostos dos métodos de ensino voltados ao futebol e ao futsal, confira a seguir exemplos de atividades que podem ser aplicadas a fim de otimizar o aprendizado dos fundamentos desses esportes em cada uma dessas vertentes. � Método analítico-sintético ■ Características: decomposição do gesto motor a fim de facilitar a aprendizagem de um fundamento técnico por atividade desenvolvida no treinamento físico. ■ Fundamento: passe. ■ Atividade: jogo da velha. ■ Exemplo: durante essa atividade, os jogadores realizarão, em duplas, passes curtos, ora com o peito do pé, ora com o bico ou com o dorso. Além disso, após executar um número de passes determinado pelo professor, a criança irá se deslocar a fim de completar o jogo da velha. Nessa atividade especificamente, além de trabalhar o desen- volvimento do passe curto, há também um estímulo da capacidade cognitiva atrelada à tomada de decisão rápida para preencher o jogo da velha. � Método situacional ■ Características: situações reais de jogo aliadas ao desenvolvimento da técnica e da tática. ■ Fundamento: passe. ■ Atividade: bobinho. 9Crianças e adolescentes: iniciação esportiva ■ Exemplo: o professor irá dividir a turma em duas equipes, cujo obje- tivo central será realizar passes entre si. A cada 10 passes realizados na sequência, sem interceptação pela equipe adversária, a equipe que efetua os passes marca um ponto. Nesta atividade, a complexidade poderá ser inserida, por exemplo, a partir da diminuição no tempo de execução dos passes, ou até mesmo especificando quantos toques na bola a criança poderá executar para receber, dominar a bola e executar o passe. Além disso, o professor poderá especificar que tipo de passe deverá ser executado, se curto ou longo, com ou sem trajetória aérea ou até mesmo qual a parte do pé deverá preferencialmente tocar a bola (peito, dorso ou bico, etc.). � Método misto ■ Características: concilia o desenvolvimento técnico e tático. ■ Fundamento: passe ■ Atividade: minijogos ■ Exemplo: nos minijogos, ou também conhecidos como jogos re- duzidos, são desenvolvidos simultaneamente vários fundamentos técnicos aliados ao aprendizado e à implementação de sistemas táticos do futebol e futsal, a fim de, uma vez mantendo a posse de bola, transpor a equipe adversária para alcançar a meta. Somado a isso, vale a pena notar o seguinte: Por vezes é possível observar uma equipe atingir a vitória no jogo com me- nos posse de bola e com um único remate, simplesmente porque aproveitou o momento de desequilíbrio ou de perturbação na organização da equipe adversária (COSTA et al., 2018, documento on-line). Nesse sentido, podemos concluir que, durante a partida, os resultados estão atrelados não somente ao talento inato para o esporte, mas ao trabalho em equipe decorrente do modelo de ensino-aprendizagem implementado. Além disso, cabe destacar a importância das atividades motoras que possibilitem ampliar a inteligência e a criatividade de jogo, que poderá abrir espaço em campo e possibilidades. Veja o Quadro 2. Crianças e adolescentes: iniciação esportiva10 Fonte: Adaptado de Gonçalves (2019). Método Objetivo Fase de desenvol- vimento motor Aspectos positivos Aspectos negativos Analí- tico-sin- tético Decompor o gesto motor a fim de possibilitar a aprendi- zagem de uma técnica em cada atividade desenvolvida durante os treinos Iniciação ao esporte (idade entre 9 e 11 anos) Possibilita correção do gesto motor, uma vez que o método é centrado no apren- dizado de uma habilidade motora por atividade. Trabalho restrito aos fundamentos da modalidade, fato que posterga o aprendizado tático, bem como o desenvolvimento da inteligência e da criativi- dade de jogo. Situa- cional Desenvolver competências táticas em decorrência restruturação da interven- ção tendo como base os minijogos Desenvol- vimento no esporte (idade acima dos 11 anos) Modelo baseado em situações re- ais de jogo, fato que possibilita aprendizado técnico e tático. Em virtude da ênfase em ativida- des situacionais, pode ser prejudi- cada a correção dos fundamentos. Misto Desenvolver competências de cunho técnico e tático durante o treina- mento físico Especiali- zação no esporte Possibilita aliar o aprendi- zado dos fundamen- tos conjun- tamente a habilidades táticas, in- teligência e criatividade de jogo. Pouco tempo para implementação em uma sessão de treinamento físico e atividades que contemplem con- juntamente as ha- bilidades técnicas e táticas. Aliada a isso, está a imprevisibili- dade de execução de fundamentos es- pecíficos do esporte. Quadro 2. Características dos métodos de ensino-aprendizagem voltados ao futebol e ao futsal 11Crianças e adolescentes: iniciação esportiva 3 Para além do esporte: dimensões formativas do futebol e do futsal durante a infância e a adolescência É com a seguinte perspectiva que iniciamos: Quem aprende futebol pode desenvolver um acervo de habilidades bastante diversificado, podendo aproveitar essas habilidades em muitos outros esportes. Além disso, poderá estar aprendendo a conviver em grupos, a construir regras, a discutir e até a discordar dessas regras, a mudá-las, com rica contribuição para seu desenvolvimento moral e social (FREIRE, 2006, p. 9). Nosso objeto de estudo com essa leitura se esvai para além da preparação física. Neste capítulo, abordaremos as dimensões formativas do futebol e do futsal tanto de caráter físico, quanto moral e social. É justamente durante a iniciação ao esporte que as crianças e os adolescentes podem ser conduzidos a uma formação integral, a fim de que, aprendendo regras, possam externalizar respeito, almejar vitórias e saber trabalhar em equipe com os tropeços das derrotas (SILVA, 2015). É interessante observamos que para grandes nomes do mundo da bola, tanto o futebol quanto o futsal foram uma escola de formação não somente esportiva, mas para a vida. Observe na Figura 3 a inter-relação entre as di- mensões formativas do esporte. Durante a infância, a iniciação esportiva deve estar voltada ao desenvol- vimento global das crianças e dos adolescentes. É a pluralidade das ativida- des motoras quando criança que será a chave para otimizar aprendizado e desempenho esportivo durante as fases de desenvolvimento e especialização no esporte (WALTRICK; REIS, 2016). Além disso, cabe destacar que o es- portista tira muito proveito desse arcabouço motor em situações estratégicas de jogo, salientando a importância de se praticar um ou mais esportes durante a iniciação. Crianças e adolescentes: iniciação esportiva12 Figura 3. Dimensões formativas do futebol durante a infância e a adolescência. Fonte: Adaptada de Silva (2015). Social Físico Moral Cooperação Trabalho em equipe Respeito Responsabilidade Regras Autonomia Com isso em mente, a profissionalização em um esporte pode ser bene- ficiada pela base formativa advinda do futebol ou do futsal praticado desde pequeno. No vôlei, buscar com destreza a bola com os pés. No handebol, ter visão de jogo e agilidade nos passes. No basquetebol, apresentar mobilidade para rodízio de posições em quadra. E os benefícios são cessam por aí, o inverso também é verdadeiro. Há vários casos no mundo da bola, desde Zico, Romário e Rivelino, passando por Ronaldinho Gaúcho, Ronaldo Fenômeno, Robinho, Cristiano Ronaldo, Messi e até Neymar, que despontaram sua performance em campo a partir da iniciaçãono futsal (BARROS JÚNIOR; ARAÚJO, 2018). 13Crianças e adolescentes: iniciação esportiva Objetivando a formação do esportista, o papel do educador é fundamental tendo em vista preparar a criança para a competição sob a ótica de superar a si próprio, empenhando-se para aperfeiçoar cada vez mais suas habilidades e destrezas. Nesse sentido, as situações durante uma partida podem ser esse estímulo que ajuda a criança a se aperfeiçoar. Nesse panorama, a participação em jogos contribui para a formação social dos pequenos, uma vez que tais relações permeiam a cooperação, o respeito ao próximo e as regras de jogo, além do senso de responsabilidade (ASSUNÇÃO, 2012 apud SILVA, 2015). Para os olhares atentos ao mundo da bola, futebol também é formação. Tanto a formação estratégica relacionada aos sistemas de jogo quanto a formação de caráter para atuar em sociedade perpassam os valores e as atitudes ensinados nos gramados. Confira no link a seguir o exemplo de um projeto esportivo que visa à formação dos jovens nas dimensões física, social e moral. https://qrgo.page.link/6RdNL Além disso, outro aspecto a ser considerado é o fato de que, quando imple- mentada a fim de respeitar as fases de crescimento e desenvolvimento humano, a iniciação segura e planejada ao futebol e ao futsal pode facilitar as etapas de detecção e seleção de talentos para o esporte (RAMOS et al., 2018). É claro que, quando o assunto em pauta é a iniciação ao esporte de forma estruturada, há uma dissociação no objetivo das instituições educacionais no que tange ao ensino do futebol e futsal. Na escola, para alguns pesquisadores da área da Educação Física, essa disciplina deve ensinar esportes com uma roupagem pedagógica, sem estar atrelado à métrica do rendimento e muito menos ob- jetivando produzir campeões (DARIDO, 2012). Por outro lado, o jovem que adentra a escolinha esportiva já está centrado a aprender especificamente uma modalidade, tendo em vista a especialização nos anos vindouros. Diante desse cenário, entre entraves e riscos de especialização precoce, estaremos ora a atuar num ou noutro ambiente formativo. Crianças e adolescentes: iniciação esportiva14 A saída para esse dilema se resvala em dois aspectos. O primeiro deles é que, apesar de as aulas de Educação Física escolar não estarem voltadas ao ensino apenas dos esportes e muito menos focando em uma única modalidade esportiva, esta cumpre seu papel de acesso à pluralidade do movimento em distintas práticas corporais. Porém, pense no seguinte: se fossem implemen- tados projetos que contribuíssem para a detecção e seleção de crianças e adolescentes com interesse e habilidades para o desporto, isso facilitaria, e muito, a descoberta de novos talentos para o esporte (RAMOS et al., 2018). Aliado a isso, cabe salientar que quando bem estruturada pelo docente, o contato inicial com o futebol e o futsal em terreno escolar pode vir a ser um facilitador para a migração e a continuidade na modalidade em uma escolinha esportiva. É justamente nesse novo ambiente, dedicado especificamente ao futebol ou ao futsal, que o perigo da especialização precoce se aproxima da iniciação ao esporte. Essa prematuridade na modalidade também deve ser considerada quanto à posição desenvolvida nas quadras ou nos gramados. Ainda, cabe ao profissional de Educação Física planejar sua intervenção, seja na escola ou na escolinha esportiva, a fim de possibilitar uma pluralidade de atividades motoras que desenvolvam os alunos não apenas na dimensão física, mas também nas dimensões social e moral. Para Saldanha et al. (2018, documento on-line): [...] o treinador tem um importante papel, uma vez que possui a responsa- bilidade na formação do caráter do atleta. É ele quem deve dar o exemplo, contribuindo para o desenvolvimento moral, estimulando comportamentos positivos e minimizando, na medida do possível, os socialmente indesejáveis. Dessa forma, podemos concluir que, embora o esporte na infância seja benéfico aos pequenos, a iniciação no futebol e no futsal deve ser orientada, a fim de não incorrer na iniciação e/ou especialização precoce. E, apesar de o núcleo familiar ser o grande incentivador para a entrada das crianças e dos ado- lescentes nessas modalidades esportivas, é o profissional de Educação Física, nas escolas e escolinhas esportivas, o grande formador do jovem esportista. Em termos práticos, objetivando resultados a longo prazo, o professor precisa respaldar sua intervenção em procedimentos metodológicos com rigor científico, a fim de adequar as atividades físicas às fases de desenvolvimento motor das crianças e dos adolescentes. Nessa ótica, almejando a progressão no esporte, cabe destacar que não somente a preparação física deve ser observada. A dimensão formativa do futebol e do futsal atingem também a socialização 15Crianças e adolescentes: iniciação esportiva e a moralidade, fato que nos leva a admitir que sua postura enquanto docente irá contribuir para formar valores e atitudes nos jovens esportistas, por ora manifestados em campo, mas que certamente irão refletir na sociedade. BARROS JÚNIOR, E. S.; ARAÚJO, W. C. A importância do futsal na formação esportiva do jogador de futebol. Revista Diálogos em Saúde, v. 1, n. 2, p. 1–32, 2018. Disponível em: http://periodicos.iesp.edu.br/index.php/dialogosemsaude/article/view/205/182. Acesso em: 9 fev. 2020. CAVICHIOLLI, F. R. et al. O processo de formação do atleta de futsal e futebol: análise etnográfica. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, v. 25, n. 4, p. 631–647, 2011. Dis- ponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbefe/v25n4/v25n4a08.pdf. Acesso em: 9 fev. 2020. COSTA, J. E. et al. A mulher em quadra: Evidências contemporâneas do contato inicial com futsal. Revista Brasileira de Futsal e Futebol, v. 10, n. 41, supl. 2, p. 694–702, 2018. Disponível em: http://www.rbff.com.br/index.php/rbff/article/view/665/535. Acesso em: 9 fev. 2020. DARIDO, S. C. Diferentes concepções sobre o papel da Educação Física na escola. In: UNIVERSI DADE ESTADUAL PAULISTA. Caderno de formação: formação de profes sores didática geral. 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Associação entre a manutenção da prática esportiva e os parâmetros inflamatório, metabólicos e cardiovasculares entre adolescentes. 2019. Tese (Doutorado em Ciências da Motricidade)- Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 2019. Crianças e adolescentes: iniciação esportiva18
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