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Conceitos de Deficiência, Incapacidade e Desvantagem

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DESVANTAGEM: CoNCEIToS BÁsICoS
DEFICTÊxcIA, I xc,IPACIDADE E
Tudeu Barbosa NogtrcíraJ úníor
A Organizaçáo Mundial da Saúde (OMS) publicou ofi-
cialmente, em 1980, o Manual de Classificação das Defi-
ciências, Incapacidades e Desvantagens (CIDID ou, em
inglês, ICDH). Esse documento foi fruto de promissoras
discussões ocorridas nos anos 70, e o seu objetivo era o de
contribuir para a promoção da uniformidade de conceitos e
terminologias que sáo utilizados pelos serviços de medicina,
reabilitação e seguridade social. No entanto, diversas críticas
foram aferidas, sendo as principais referentes à vinculação
do seu referencial conceitual ao modelo médico.
Em 1990, durante a XXIII Conferência Sanitária Pan-
americana 
- 
promovida pela Organizaçáo Pan-americana
de Saúde, da OMS 
- 
"[...] foram analisados aspectos re-
lacionados com a evolução conceitual, no contexro da saú-
de, dos termos: deficiência, incapacidade e menos-valia"r
(CARVALHO,2000, p. 38), também revistos na ICDH
de 1993. Os conceitos propostos na referida Conferência
e na última ICDH são utilizados, hoje, por grande parte
dos pesquisadores de todo o mundo que trabalham com
a questão da deficiência.
Passemos agoraadelimitar o significado de deficiência,
incapacidade e desvantag€m, rermos esses fundamentais
e tantas vezes utilizados de forma inadequada por profis-
sionais das mais diversas áreas.
DEFICIENC IA
Deficiência é
de estrutura ou
toda e qualquer perda, falta ou alteração
de função, qualquer que seja sua causa.
Quando falamos de perda, falta ou alteração de estru-
tura, estamos nos referindo à ausência ou anormalidade
de parte(s) do corpo, podendo ser membro (mão, braço,
perna etc.), órgão (olho, baço etc.) ou tecido. Portanto,
estamos falando de algo que é orgânico, que é concre-
to, um fato inquestionável, uma realidade (AMARAL,
r995).
Quando falamos de alteração de funçáo, estamos nos
referindo à função de órgãos e à funçáo cognitiva. E dizer
que essas estão alteradas, em termos de deficiência, signi-
fica dìzer que estão deficitárias.
Outro aspecto importante a ser considerado é que as
alteraçóes de estrutura ou de função que caracterizam a
deficiência podem ser temporárias ou permanentes, além
de congênitas ou adquiridas. Isso significa que uma pessoa
pode nascer com uma deficiência ou adquiri-la ao longo
de sua vida e, também, que uma deficiência não é, neces-
sariamente, algo estático e determinado.2
Exemplificando o conceito que acabamos de analisar, a
deficiência pode referir-se a: uma lesão medular; uma lesão
cerebral; inexistência de partes do corpo; lesáo no nervo
óptico; funcionamento inadequado do aparelho auditivo;
atrofia de membros; fratura óssea de membros inferio-
res ou superiores; ineficiência do funcionamenro do rim;
funcionamento cognitivo deficitário etc. Tâis alteraçóes,
de acordo com o tipo de comprometimento que geram,
são classìficadas como: deficiência Íisica, deficiência inte-
tUma pessoa que quebra a perna terá uma deficiência íísica durante algumas
semanas, mas, depois de um processo de reabilitação. poderá voltar a andar
e correr da Êorma como lazia anres da lesáo; uma pessoa que quebra as mãos
poderá voltar a manipular objetos como antes.
'O termo "menos-valia" é urilizado por alguns aurores como sinônimo do
termo "desvantagem".
2 Defrciência, Incapacidade e Desvantagem: Conceitos Básicos
Iectual,3 deficiência visual, deficiência auditiva, múltipla
deficiência sensorial, insuficiência renal etc.
INCAPACIDADE
A incapacidade surge como conseqüência direta de uma
deficiência, seja essa de ordem psicológica (funçáo cogni-
tiva), física, sensorial ou outra. Portanto, a incapacidade
refere-se a qualquer restrição, decorrente de uma deficiên-
cia, da habilidade de desempenhar uma atividade funcio-
nal que se tem por comum para o ser humano. Ela pode
ser temporária ou permanente , reversível ou irreversível e
progressiva ou regressiva.
Amaral (1995,p.67) dizque a incapacidade afirma, assim
como a deficiência, "[...] uma concrerude, uma realidade".
Exemplificando o conceito que acabamos de ver e arri-
culando-o com o conceito anterior, podemos ter o Qua-
dro 1.1.
L E SVANTAGE M (H4{? I CAP)
O handicap é uma situação desvantajosa para um de-
terminado indivíduo, como conseqüência de uma de-
ficiência e/ou de uma incapacidade que o limita ou o
impede de desempenhar um papel que esteja de acordo
com a sua idade e sexo e com os fatores sociais e cultu-
rais. Caracteriza-se pela diferença entre o rendimento do
indivíduo e suas próprias expectativas e/ou as do grupo
a que perrence.
rNova nomenclatura adotada pela Organização Mundial
deficiência mental.
Quadro 1.2 Relação deficiência, incapacidade e desvantagem
Quando faÌamos de desvantagem, falamos sempre de
desvantagem em relação a algo ou a alguém, ou seja, sem-
pre de modo comparativo. Sendo assim, diferentemente
da deficiência e da incapacidade, que são concreras e ob-
jetivas, a desvantagem é relativa. Enquanto a deficiência e
a incapacidade estão caracterizadas na própria pessoa que
as possui, a desvantagem surge na relação desse indivíduo
com o seu meio ambiente.
Segundo Amaral (1995, p.67), o conceiro de desvan-
tagem está "... profundamente ligado aos valores, normas
e padróes do grupo no qual â pessoa com deficiência está
inserida". A desvantagem reflete a interaçáo do indivíduo
com o meio, está relacionada à socialização.
da Saúde para Articulando os três conceitos estudados no atual texto,
remos o Quadro 1.2.
Quadro 1.1 Relação deficiência e incapacidade
DeÊciência Incapacidade
De6ciência visual decorrente,
por exemplo, de lesão no nervo
óptrco
O nâo enxergar
Deficiência fïsica decorrente, por
exemplo, de lesão medular
O não andar
Deficiência fïsica decorrenre, por
exemplo, de lesão cerebral
Déficit do controle motor
sobre membros superiores
e inferiores
Defi ciência ìntelectual decorrenre,
por exempÌo, de síndrome
genética
Déficit no raciocínio
abstrato
Defi ciência ÍÌsìca decorrente,
por exemplo, de fratura nos
membros inferiores (pernas)
O náo andar
Deficiência Incapacidade Desvantagem
Deficiência visual decorrente, por exemplo, de
lesão no nervo óptico
O não enxergar Leitura. escrira, locomoção autônoma etc.
Deficiência física decorrente, por exemplo, de
lesão medular
O náo andar Prática de esportes, locomoçáo autônoma
etc.
De6ciência física decorrente, por exemplo, de
lesão cerebral
Déficit do concrole motor Escrita, locomoção autônoma, assumir
cuidados de higiene pessoal etc.
De6ciência intelectual decorrente, por exemplo,
de síndrome genética
Déficit no raciocínio abstraro Assumir cuidados de higiene pessoal,
aprendizaglem, ter amigos etc.
Deficiência física decorrente, por exemplo, de
fratura nos membros inferiores (pernas)
O não andar Pútica de esportes, locomoção autônoma
CONCLUSAO
Uma das principais vantagens em se considerar essa di-
visão conceitual é conseguirmos perceber que nem tudo
que parece ser causado por uma deficiência é conseqüência
direta dela ou somente dela, ou seja, muitas coisas que
consideramos serem causadas pela deficiência são, na ver-
dade, causadas pela forma como nos relacionamos com
ela ou com a pessoa que a tem.
Por exemplo, uma pessoa com visão subnormal não é
incapaz de ler e escrev€r como a sociedade já considerou
no passado. A sua incapacidade é de enxergar como o
esperado, mas não de ler e escrever. Basta o emprego da
escrita braile, da telelupa ou de outros recursos já criados
para que ela seja capaz de suprir essa demanda.
Outra grande vantagem é a maior clareza sobre aquilo
sobre o que podemos intervir e de que forma, o que fa-
vorece desde intervençóes individuais até planos de ação
em políticas sociais. Sobre a deficiência e a incapacida-
de, cabem intervençóes no âmbito da saúde (prevençáo,
habilitação, reabilitaçáo etc.) e da educaçáo (prevenção),
Deficiência, Incapacidade e Desvantagem: Conceitoi Básicos 3
entre outras. Sobre a desvantagem, cabem intervenções
no âmbito da saúde (habilitaçãoe reabilitação) e, prin-
cipalmente, da educação. É somente através da educação
que será possível a sociedade estabelecer uma relação com
a pessoa portadora de deficiência que não a coloque no
lugar de incapacitada, de alguém que não pode, por suas
próprias condições, ter uma vida digna, prazerosa, feliz e
passível de conquistas pessoais.
É fund.mental sempre lembrarmos que a desvantagem
está intimamente ligada ao processo de socialização. E que,
sendo assim, a educação tem muito a fazer nesse campo, tân-
to de forma direta (junto às pessoas com deficiência e as que
as cercam) quanto de forma indireta (junto a pessoas que
ainda não convivem com outras que tenham deficiência).
Para finalizar, deixarei alguns poucos exemplos de in-
tervenções possíveis sobre as desvantagens, cabendo ao
técnico pensar, inclusive junto com todos os seus alunos,
sobre o que pode ser feito para amenizar ou eliminar des-
vantagens que seu paciente com deficiência sofre na relação
com toda a comunidade na qual se insere, principalmente
naouela de âmbito escolar.
Quadro 1.3 Exemplos de intervenções possíveis, considerando-se os aspectos referenres a deficiência, incapacidade e
desvantagem
Deficiência Incapacidade Desvantagem
Exemplos de intervenções pâra atenuaÍ
ou eliminar desvantagens
Centradas no Indivíduo Externas ao Indivíduo
Visual (por exemplo,
lesão no nervo
óptico)
Enxergar Ler Braile Livro em braile; livro lalado
Escrever Braile Máquina braile
Locomoçáo
autônoma na
rua
Guia; cão-guia Semáforo sonoro ; sinalização
braile; sinalização tátil
(inclusive no chão)
Intelectual Abstração (que varia de
acordo com o grau de
comprometimento de
cada um)
Autonomia em
atividades da
vida diária
(AVDs)*
Têrapia ocupacional,
acompanhamento
terapêutico, instituição
especializada
Orientaçáo familiar, capacitação
de pessoal do sistema
educacional
Socializaçáo Terapia ocupacional,
acompanhamento
terapêutico, inclusão
em classe comum
Educaçâo comunitária (en
relação ao tema deÊciência);
sistema de apoio da
comunidade, politicas sociais
Aprendizagem Profissionais
especializados
Formação e capacitação de
professores de Instituiçóes
EspeciaÌizadas ou classes
comr.ins
*AVl)s dizem respeito, principalmente, a atividades de cuidados higiênicos (tornar banho, escovar os denres, pentear os cabelos etc.) e alimentaçác.
4 Deficiência, Incapacidade e Desvantagem: Conceitos Básicos
RE FERENCIAS BI BLI OGRAFI CAS
AMARAL, L.A. Conbecendo a deficiência (em companhia de
Hércules). São Pauio: Robe Editorial, 1995.
AMIRALIAN. M.L.T. et al. Conceituando deficiência. Reuista
Saúde Pública, Sáo Paulo, 34(1):97-103,2000.
CARVALHO, R.E.,{ Noaa LDB e a Educação Especial.No
de Janeiro: \7V4, 2000.
wE]-qIr qqyrryr4D_4q
l| Quais as diferenças entre incapacidade e desvantagem?
R: A incapacidade e uma conseqüência direta da deficiência,
quatquer que essa seja (psicologica, fÍsica, sensorial ou outra),
referindo-se, assim, a qualquer restrìçáo, decorrente dessa defi-
ciêncìa, da habitidade de desempenhar uma atividade funcional
que se tem por comum para o ser humano, podendo ser tempo-
rária ou permanente. reversíveI ou irreversivet. e progressiva ou
regressiva. Em contrapartida, a desvantagem é um prejuÍzo para
um determinado indivÍduo, conseqüente à propria defÌcìência
e./ou ìncapacidade, Iimitando-o ou impedindo-o de desempe-
nhar um papel que esteja de acordo com a sua idade e o seu
sexo e com os fatores sociais e culturais. Caracteriza-se, assim,
pela diferença entre o seu rendimento e suas expectativas e./ou
as do grupo a que pertence.
2) O que você conceitua como deficiência?
R: Deficiência é toda e qualquer perda, fatta ou alteração de
estrutura ou de função, independentemente de sua causa. Refere-
se, assim, à ausência ou anormalidade de qualquer(quaisquer)
parte(s) do corpo, podendo ser membro (mâo, braço, perna etc.),
órgão (otho, baço etc.) ou tecido. Corresponde, assim, a algo
orgânico, concreto, inquestionável, reaÌ.
3) Quais as vantagens decorrentes da utilização desses três
conceitos?
R: A principal vantagem é perceber que nem tudo que parece
ser causado por uma deficiência é conseqüência direta dela ou
somente dela, pois muitos fatos que consideramos causados
pela defìciência são, na verdade, decorrentes da forma como nos
retacionamos com a pessoa que a apresenta, uma vez que utili-
zando-se de recursos específicos, criados para eta, sua portadora
passa a ser capaz de suprir a demanda social requerida.
Outra vantagem é a maior ctareza sobre o que podemos
intervir e como o fazer.lsso favorece desde intervençÕes indivi-
duais até planos de ação em polÍticas sociais, uma vez que, sobre
elas, fazem-se necessárias rntervençoes globais e específicas no
âmbito da saúde (prevenção, habilitaçáo, reabilitação etc.) e da
educaçáo (prevenção). lsso porque depende da retação que a
sociedade estabelece com a pessoa portadora de deficiência que
ocasionará, para eta, uma vida digna, prazerosa, feliz e passível
de conquistas pessoais. lsso porque a desvantagem está Intima-
mente ligada ao processo de sociaÌizaçáo.
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È.])F DrFrcrÊxcre MENTAL
Francisco 8. .\sstunpçao Jr.
CONCEITO
O conceito de deficiência mental é bastante variado,
pois sofre as influências do meio no quai foi estrutura-
do, sendo, portânto, uma entidade clínica difícil de ser
precisada.
A grande variedade de idéias existente se estende des-
de aquela desenvolvida por Kraepelin, citada por \Weit-
brecht (1970), na quaÌ "os débeis mentais são pessoas em
cujo cérebro não ocorrem muitas coisas", até a propos-
ta, em 1)59, pela Associação Americana de Deficiência
Mental, que define que "o retardamento mental refere-
se ao funcionamento intelectual geral abaixo da média,
que se origina durante o período de desenvolvimento e
está associado a prejuízo no comportam€nto adaptativo"
(ROBINSON, 1975; OMS, 1985). Dessa maneira, o
indivíduo afetado é incapaz de competir, em termos de
igualdade, com os companheiros normais, dentro de seu
grupamento social.
A escola soviética (GINDIS, I98B) traz o conceito de
déficit primário, correspondente ao déficit orgânico devi-
do a fatores biológicos endógenos, e de déficit secundário,
referente à distorção das funçóes psicológicas superiores
em função de fatores sociais.
Ao tentar delimitar melhor esses conceitos, a Organiza-
ção Mundial da Saúde propõe, de acordo com Anderson
(1981), o quadro seguinte, que corresponde ao processo da
deficiência mental caracterizado, principalmente, a parrir
das conseqüências que o problema apresenta no âmbito
da pessoa, da família e da sociedade, sempre decorrentes
de uma deficiência em nível biológico que acarrera uma
incapacidade em nível funcional, fazendo com que o in-
divíduo não apresente o desempenho esperado de acordo
com sua idade, seu sexo e seu grupamento social e, em
conseqüência, apresente um handìcap negativo que o leva
a sofrer socialmente condutas de exclusão da oarte de seu
ambiente social.
Assim sendo, temos o seguinre:
1. Deficiência: drz respeito a uma anomalia de estru-
tura ou a uma anomalia de aparência do corpo humano e
do funcionamento de um órgão ou sistema, independen-
temente de sua causa, tratando-se, em princípio, de uma
perturbação de tipo orgânico.
2. Incapacidade: reflete as conseqüências de uma defi-
ciência no âmbito do rendimento funcional e da atividade
do indivíduo, representando, desse modo, uma perturba-
ção no plano pessoal.
3. Handìcap, prejuízo ou desvantagem: refere-se às li-
mitações experimentadas pelo indivíduo em virtude da
deficiência e da incapacidade, refletindo-se, porranro, nas
relações do indivíduo com o meio, bem como em sua
adaptação a este.
Observamos, então, além das perturbaçóes orgânicas,
dificuldades na realização de atividades esperadas social-
mente, bem como as conseqüentes alterações no relacio-
namento com o mundo.
A deficiência mental, portanto, "não corresponde a uma
moléstia única, mas a um complexo de síndromes que têm
como única característica comum a insuficiência intelec-
tual" (KRYNSKI, 1969). Desse modo, suaabordagem
tem que ser realizada dentro de uma proposta multidi-
mensional que inclua dimensóes biológicas, psicológicas
e sociais.
6 Defìciência Menral
No DSM-IV as características fundamentais apresen-
tadas na deficiência mental são:
A. funcionamento intelectual global significativamenre
inferior à média, acompanhado de
B. déficits ou prejuízos concomitantes no funciona-
mento adaptativo atual, com
C. início anterior aos 18 anos de idade.
ParaaAAMR (1992), em seu diagnóstico é de funda-
mental importância considerarmos os padrões culturais e
lingüísticos, bem como as diferenças comportamentais e
culturais envolvidas; a existência de as limitações em de-
terminados padróes adaptativos, conseqüentes ao meio
cultural em questão; as limitações adaptativas específicas
e, principalmente, que, com mecanismos de suporte ade-
quados, a melhoria no funcionamento da pessoa deficiente
é consideravelmente aumentada.
Ela é entáo caracrcrizadacomo uma limitação substancial
no funcionamento presente, com desempenho intelectual
médio diminuído (escores de QI abaixo de70-75),limitan-
do a adaptação em áreas como comunicação, autocuidado,
vida independente, sociabilidade, inserção na comunidade,
autonomia, educação acadêmica, lazer e trabalho.
Tal diagnóstíco é realizado independentemente de se veri-
ficar ou não a coexistência de um transtorno fïsico ou outro
transtorno mental. A deficiência mental vai se constituir,
então, numa complexa e multifacetada estruturâ que en-
volve esses três aspectos, sempre levando em conta que eles
podem estar individualmente presentes sem, no entanto,
constituírem o complexo sindrômico que a caracteriza.
EPIDEMIOLOGIA
Como a maioria dos problemas psiquiátricos, em nosso
meio não temos estudos que definam sua freqüência popula-
cional. Por isso, temos que nos ater a dados projetivos, organi-
zados e coletados em outras realidades € sem que, a nosso vet
possam ser projetados de forma adequada para nosso meio.
fu melhores estimadvas de deficiência mental com nível
intelectual abaixo de 50, realizadas em países desenvolvidos,
sugerem uma prevalência ao redor de 3 a 4:1.000 pessoas.
Usualmente, estima-se que a deficiência mental leve
(QI entre 50 e 70) ocorra ent 2 a 3o/o das pessoas, mas to-
dos esses dados só devem ser levados em consideração ao
serem observadas as características da região estudada e o
meio socioeconômico (OMS, 1985).
Estudos diferentes realizados em momentos e locais di-
versos mostram dados. de certa maneira. semelhantes no
que diz respeito à deficiência mental grave (Quadro 2.1)
e leve (Quadro 2.2).
Quadro 2.1 Estudos de prevalência por idade e deficìência mental grave*
Local Referência Ano
Prevalência (por 1.000)
Idade Homens Mulheres
Inglaterra
Middlesex
Salford
Oregon
Suécia Or.
'W'essex
I. Vight
Polônia
Maryland
Londres
Amsterdan
Edinburgh
Aberdeen
Quebec
Holanda
Uppsala
Vasterbotten
Karnataka
Karachi
Lewis
Goodman
Susser
Tâylor
Akesson
Kushkick
Rutter
\X/ald
Imre
'l7ing
Sorel
Drillien
Birch
McDonald
Stein
Gustavson
Gustavson
Narayanan
Hasan
r925t7
1960
1961
1962
1964
1964
1964
1964-5
1966
r967
1968-9
r962-4
1960-4
1973
1968-73
1975
1976
r970
1970
7-r4
10-r4
I 5-19
r2-14
1 0-20
15-19
7-13
10-14
r0-r4
10-13
8-14
8- 10
10
lq
1 l-r6
1-16
Todas
1 1-15
4,6
3,81
4,39
3,61
3,62
3,3
a5
\l
4,8
3,51
7)5
5,00
47
3,8
17
)R
35
3,4
)L7
4,/
*Adaptado de Butler, 1982
Local Referência
Taylor
Rutter
Birch
Mercer
Stein
Hagberg
Blomquist
Ano Idade
t2-r4
Prevalência/ 1.000
habitantes
30,3
lÍ 7c)
3l
3,5
3,8
Oregon
I \7iohr
-- 
_o___
Aberdeen
Riverside
I{olanda
Suécia C)r.
Suécia N.
1962
1964
r970
1973
1968-73
r978
1979
9-14
8-10
0-50
t9
8-12
8-r 9
*Adaptado de Buder, 1982.
Deficiência Mental 7
Quadro 2.2 Prevalência estimada de deficiência menrâl leve*
ETIOLOGÌA
A etiologia da deficiência mental é variâvel, podendo,
de modo geral, ser subdividida da seguinte forma, ainda
segundo a OMS (1968).
Fatores que Atuam antes da Concepção
Os fatores que atuam antes da concepção envolvem cau-
sas genéticas e ambientais, consistindo nos aspecros mais
importantes na gênese da deficiência mental, a exemplo
do que cita Kuo-Tai (1988), com cifras da ordern de 50o/o
da população estudada por esse autor.
Sua importância é grande, pois, embora o cérebro da
criança sobreviva ao efeito de diversos agentes nocivos
(infecçóes, traumatismos, radiação etc.), seus efeitos nem
sempre são inócuos (GROSSMAN, 1983).
FATORES GENÉTICOS
Entre os fatores genéticos, há os que estão relacionados
a um único gene e os que se devem a vários genes. Aqueles
oriundos de alteração ou mutação de um único gene afe-
tam cerca de I a 2o/o dos nascidos vivos e correspondem a
três a quatro mil doenças já descritas (CUNHA,1992).
1. Patologias de herança dominante: correspondem a sín-
dromes caracterizadas por deficiência mental associada a
malformaçóes ectodérmicas, mesodérmicas, musculares
ou ósseas.
Neuroectodermatoses ou fâcomatoses
Esclerose tuberosa ou epilóia
Neurofibromatose
Angiomatoses cerebrais (Sturge-\Weber e von Hippel-
Lindau)
Deficiências mentais com alteraçóes ósseas
Disostose craniofacial
- 
com acrocefalossindactilla (Ap..t)
- 
com aracnodactlia (Marfan)
- 
com discondroplasia (Porot)
2. Patologias de herança recessiva:
Distúrbios do metabolismo lipídico
Idiotia amaurótica (doença de Tây-Sachs), doença de
Bielschowsky-Jansky, doença de Spielmeyer-Vogt, do-
ença de Kufs e doença de Normann-\ü7ood
Síndrome de Niemann-Pick
Doença de Gaucher
Distúrbios do metabolismo de mucopolissacárides
Doença de Hurler
Doença de Mórquio
Doença de Scheie
Doença de Sanfillipo
Doença de Maroteaux
Distúrbios do metabolismo glicídico
Glicogenose (doença de von Gierke)
Galactosemia
Distúrbios do metabolismo protídico
Fenilcetonúria
Doença do xarope de bordo
Cistationiúria
Doença de \lilson
Doença de Hartnup
Outras formas
Microcefalia familiar
Doença de Sjôgren-Larson
Síndrome de Laurence Moon
3. Patologias de herança ligada ao sexo:
Doença de Hunter
Doença de Pelizaeus Merzbacher
Os fatores ligados a vários genes dizem respeito a um
dos mais importantes modelos, correspondendo a um con-
junto de genes que somam seus efeitos e características,
8 Deficiência Mental
produzindo uma enfermidade. A enfermidade é dita, en-
tão, multifatorial, resultante da interação de diversos genes
associados ao fator ambiental (CUNHA, 1992).
Em relação aos fatores cromossômicos, as alteraçóes
quantitativas ou qualitativas dos cromossomas afetam o
material genético, ocorrendo, na maioria das vezes, em pais
normais. Cerca de 50% dos abortos espontâneos devem-se
a aberrações cromossômicas estabelecidas no zigoto devi-
do a falhas na produção dos gametas. Dessa maneira, a
freqüência de aberraçóes cromossômicas é reduzida para,
aproximadamente, 0,060/o dos nascidos vivos.
1. Anomalias do número de cromossomas somáticos
. Trissomia do 21 (s. Down): é a mais importante das
síndromes genéticas que causam deficiência mental.
Sua freqüência é de 1/600 nascimentos, elevando-
se de acordo com o aumento da idade materna. Seu
grau de deficiência situa-se entre a deficiência mental
moderada e a severa (ASSUMPÇÁO, 1985), . s.'.t
diagnóstico clínico é feito através de sinais fïsicos
característicos, embora seja importante sua confir-
mação laboratorial, objetivando-se um possível acon-
selhamento genético. Clausen (1968) refere compro-
metimento na estruturação de habilidades sensoriais,
motoras e perceptuais; Henderson e Morris (1981)
citam dificuldades quanto à composição de movi-
mentos. Tirdo isso faz com que a síndrome apresente
características muito peculiares.
. Thissomia do 18 
- 
síndrome de Edwards
. Tiissomia do 13-15 
- 
síndrome de Patau
2. Anomalias do número de cromossomas sexuais
. Síndrome de Klinefelter: displasia testicular tubular;
cariótipo )OCY
. Microcefalia com malformaçóes múltiplas e criptor-
quidia; cariótipo )OCff
. Disgenesia gonádica e oligofrenia: síndrome de
Tirrner; cariótipo XO
. SuperÍêmea: cariótipo )OO(
FAIORES AMBIENTAIS
1. Infecções: temos que considerar aquia toxoplasmose
congênita, causada pela infestação pré-nataÌ pelo Toxo-
plasma gondii, que se caracteriza pela tétrade de Sabin
(deficiência mental, microcefalia, calcificações intra-
cranianas e coriorretinite) e a rubéola congênita, que
ocasiona, além do déficit cognitivo, deficiência senso-
rial, principalmente ao nível das esferas auditiva e vi-
sual. Ainda importante em nosso meio, a lues congê-
nita, caracte rizadapor malformaçóes fïsicas cornotíbia
em sabre, nariz em sela, fronte olímpica e dentes de
Hutchinson.
Dentre as viroses, cabe-nos citar o citomegalovírus.
Fatoreínutricionais: é algo indiscutível que a desnu-
trição materna ocasiona fetos pouco desenvolvidos e,
com maior freqüência, apresentando comprometimento
intelectual.
Fatores físicos: representados aqui, principalmente, pela
exposição à radiação.
Fatores imunológicos (incompatibilidade de grupo san-
guíneo).
Intoxicações pré-natais: as intoxicaçóes pré-natais sáo
representadas especialmente pela síndrome do alcoolis-
mo fetal, caracterízada por deficiência mental, deficiên-
cia no crescimento pré- e pós-natal quanto à altura e ao
peso, alteraçóes de SNC (pode ocorrer microcefalia),
e anomalias craniofaciais (epicanto, ponte nasal baixa,
filtro hipoplásico e lácies achatada) (PYTKO\VICS,
I 986).
Estudos a respeito da utilização de cocaína em ges-
tantes parecem apontar a toxicidade do agente químico
sobre o feto. Estudos em animais mostram alteraçóes
em nível de crescimento e de morfogênese, bem como
alterações hipotalâmicas. Os recém-nascidos apresen-
tam, clinicamente, aumento de tônus, hiper-reflexia,
hiperatividade e diminuição da capacidade de apren-
dizagem, além de maior ocorrência de prematuridade,
hemorragias intracranianas, anomalias de trato urinário
e alteraçóes de membros (JONES, l99l). Estudos com
maconha mostram também déficit no crescimento fe-
tal e subnutrição, embora com poucos relatos de alte-
raçóes na morfogênese (HUTCHINGS, 1991; DAY,
1991).
Outros fatores podem ser citados, tais como gases
anestésicos, busulfan, DDT, hexaclorobenzeno, rea-
gentes laboratoriais (benzeno e xileno), methotrexate,
cádmio etc. (STELLMAN, 1986). Entretanto, como
drogas de maior interesse, cabe-nos citar um estudo re-
ferente a anticonvulsivantes (VORHEES, I 986).
Tianstornos endocrinológicos maternos: sob o pon-
to de vista clínico, os transtornos endocrinológicos
mais importantes são o diabete materno e as alterações
tireoidianas. Estudos realizados na década de 1960
(apud STERN, 1972) referem presença aumentada
de malformações congênitas em nascidos de mães dia-
béticas, num percentual maior do que na população
comum, embora sem poder se caracterizar um padrão
definido de malformaÇóes. Do mesmo modo, altera-
2.
4.
5
6.
ções tireoidianas maternas refletem-se nos fetos, com
o aparecimento de alterações morfológicas (STERN,
1972).
7. Hipoxia intra-uterina: na prática clínica, a anoxia fetal
pode ser causada por hemorragia uterina, insuficiência
placentária, anemia grave, administração de anestésicos
e envenenamento com dióxido de carbono.
Fatores Perinatais
Os fatores perinatais envolvem toda a problemática de-
cortente do atendimento materno-infantil, representada
principalmente pela anoxia neonacal. Em nosso meio, esses
são provavelmente os fatores mais importantes de deficiên-
cia mental, obviamente decorrentes de uma estrutura de
saúde carente e que náo é privilegiada.
ANOXIA
A anoxia é considerada como um fator causal pouco
importante em países de primeiro mundo; a nosso ver,
entretanto, é de extrema importância em nosso meio,
uma vez que, nos serviços especializados em deficiência
mental, podemos observar aÌtos índices de anoxia neo-
natal, conforme trabalhos anteriores (ASSUMPÇÁO,
1987). Tâis dados contrastam com os encontrados por
outros autores, como McQueen (1986), que refere cifras
ao redor de lo/o da amostra institucional deficiente men-
tal como decorrente de anoxia neonatal, contrariamente
à cifra de20,29o/o observada por nós, também, em amos-
tra institucional.
Deficiência Mental 9
PREMATURIDADE
A prematuridade favorece a ocorrência de anoxia em
virtude da imaturidade fetal, o que também favorece a
hemorragia cerebral.
Para Peterso n (1992), a prematuridade corresponde à
mais importante associação com a deficiência mental, e
50o/o de crianças com até 32 semanas de gestaçáo, que
demandaram suporte respiratório, apresentaram hemor-
ragias intraventriculares e, embora nenhuma delas tivesse
mostrado deficiência mental posterior, algumas tiveram
hidrocefalia e paralisia cerebral (fortemente associadas à
DM) decorrentes da hemorragia interventricular. A leuco-
malácia periventricular é, também, conseqüência comum
da prematuridade, sendo relacionada à hipoxia.
Fatores Pós-natais
INFECçÓES
Cabe aqui considerarmos as meningoencefalites bacte-
rianas e as virais, principalmente por herpes vírus, diag-
nosticadas a partir de reações sorológicas e alterações ra-
diológicas características.
Meningites bacterianas, principalmente devidas a Hae-
mophilus iffirenzae e Diplococcus pneumoniar, podem ser
responsáveis. As encefalites virais são incomuns enquanro
causa, exceção feita às herpéticas (PETERSON, 1992).
Abscessos cerebrais são raros.
TRAUMAIISMOS CRÂNIOENCEFÁLICOS
Para Peterson (1992), crianças com índices de Apgar bai- FAIORES eUÍMICOS
xo aos 5 minutos de nascimento apresentam' com. maior os fatores químicos são representados principalmenre
freqüência,diminuiçãodereflexosesíndromeconvulsivaao ^^t^. - r c | - | r
redàr de 48 horas após o nascimento, sendo freqüenre para- ::'|.i:i'-:"j":Ïjï:'-:::^ï o:::::ï"::::: cereDrarna cnanç4. \, proprro oxlgento, usaoo Ìrequentemente
lisiacerebralespásticaouatetóideassociadaaretardomental
na reantmaçao ce cnanças recem-nasctoas, esta relaclo-
conseqüenteaessaencefalopatiahipóxico-isquêmica. 
-^r^. í-r r . | Í r | . 1,aoo a nDroplasta retrotental, causaoora de Intenso cle-Aanoxiaenvolve,portanto.nãoapenasproblemases- c^:... r h | - | .
pecíficos da gestante, .o'"o, por exemplo, o ïu-o durante :::lJ:ïf:::'::"::il;,ïljll'l::i'^'ï'-1'^ï::
a gestação, mas toda uma problemática socioeconômica iiilïïiïï9;ì-tn*ttt"o 
cre arrmentos que o contenham
representada pcla desnutrição materna e pelo mau aren- '-;:^ ì-1"'-'-1-lrrr,
dimento materno-infantil, bem como anemia da gestanre, 
^ 
.'^t-ttu''os 
metabollcos tambem sao capazes de causar de-
eclâmpsia, e hemorragias inrracrani"r", a,r,"ìi.il;;l Ï'::::':l*j::]tj}ente como decorrentes de hi-
do oerinatal pogllcemla e nlponatremtâ'
TRAUMÂTISMO OBSTETRICO FATORES NUTRICIONAIS
O traumatismo obstétrico é representado, principal- PRIVAÇÓES DIVERSAS
mente, pelas distocias de parto e as conseqüentes lesões Privações diversas (sensoriais, familiares, sociais etc.),
fisicas fetais por elas provocadas. descritas durante muito tempo como possíveis causas de
10 Deficiência Mental
retardamento mental, devem ser vistas com bastante cui-
dado, uma vez que são difíceis de serem diagnosticadas,
pois se sobrepõem a diferentes outros fatores causais, tor-
nando-se quase impossível a sua separação.
Causas Desconhecidas
Em serviços especializados no diagnóstico de deficiên-
cia mental que contem com todos os recursos possíveis, os
índices de causas desconhecidas representam, atualmente,
28 a 30o/o dos casos.
Em4o/o dos casos de DM, desconhece-se a importância
relativa dos fatores ambientais e genéticos; provavelmente,
uma parcela das deficiências mentais seja devida à conjun-
çáo de fatores poligênicos e ambientais.
/DIAGNOSTICO
As crianças com deficiência mental devem ser sub-
metidas a uma bateria de avaliaçóes que possibilite o
esclarecimento da provável etiologia do quadro. Essa
pesquisa, entretanto, é extensa e trabalhosa, partindo de
uma cuidadosa anamnese e exam€ físico que visam ao
detalhamento da história gestacional e obstétrica. De-
talhes sobre abortos matemos prévios, idade dos pais,
saúde dos demais membros da família, incluindo demais
afetados, que podem ser encontrados em cerca de l0o/o
dos casos, devem serincluídos na avaliação (NE$7ELL,
1987).
Posteriormente ao exame fisico, cabe a tentativa de ca-
racterizaçáo de três ou mais sinais físicos que sejam sig-
nificativamente comuns em indivíduos com deficiência
mental, assim como malformações primárias de sistema
nervoso central, segundo Newell (1987).4 pesquisa de
infecções congênitas é de fundamental importância, uma
vez que, segundo o mesmo autor, cerca de 2o/o dos casos
sáo por elas provocados.
Doenças progressivas, embora náo freqüentes, também
são passíveis de serem pesquisadas, assim como disfun-
çóes de sistema nervoso cenral e sinais de lesão cerebral(NESrELL, 1987).
CLASSIFICAÇAO
A classificação da deficiência mental também é ampla,
uma vez que ela não corresponde a uma ruptura no de-
senvolvimento intelectual do indivíduo, estabelecendo,
assim, um conceito de patologia. Ela é, ao contrário, um
continuumque se estende do próximo ao normal ao fran-
camente anormal, de acordo com o potencial adaptativo
do indivíduo em questão, potencial esse representado pela
sua capacidade intelectual. Salientamos aqui, no entanro,
que definir inteligência iâ e, a princípio, bastante difícil.
Assim sendo, sua avaliaçáo apresenta dificuldades ainda
maiores.
No entanto, por mais variadas que sejam as definições
de inteligência, elas têm, em geral, um ponto comum: to-
das elas falam em o indivíduo se adaptar ou agir de modo
satisfatório frente a situaçóes novas, para que , assim, possa
lidar com o meio ambiente. Para tanto, faz-se necessário
que ele consiga resolyer os problemas que se lhe apresen-
tem de forma satisfatória.
É óbvio que essa capacidade de solucionar problemas
será profundamente influenciada pelo aprendizado, que
pode ser pensado como "a mudança do comportamento
diante de uma situaçáo dada, incorrida por suas experi-
ências repetidas naquela situaçáo, desde que essa mudan-
ça de comportamento não possa ser explicada com base
em tendências de respostas nativas, maturação ou estados
temporários do paciente" (RICH, 1988).
Quando do estabelecimento de um teste de avaliação,
procura-se estabelecer o padrão de conduta em comuni-
dades diferentes, em populações de nível socioeconômi-
co diverso e grupos raciais também diferentes, da mesma
forma que se procura evitar a utilização de conceitos ou
imagens que dependam de variações de moda ou acon-
tecimentos.
Independentemente de uma análise individual de cada
teste, parece clara a relação deles com habilidades especí-
ficas, características de uma sociedade pragmática e esco-
larrzada, que vive em um regime de produção de bens e
que cataloga o indivíduo em função dessa capacidade de
produção. Assim, uma avaÌiação das características permite
classificá-lo como deficiente com uma incapacidade pes-
soal e na realização de atividades, que lhe proporcionam
um handicap social.
As avaliaçóes padronizadas permitem, desse modo, o
estabelecimento de um índice que expressa, "teoricamen-
te", o nível de habilidade de um indivíduo, de acordo com
as "normas de sua idade", em uma determinada cultura,
prevendo um desempenho futuro.
Apesar de todas as críticas ao esquema de normatizaçáo
e avaliaçáo da inteligência, vamos obrigatoriamente ter que
utilizar o critério estatístico de norma com finalidade emi-
nentemente prática de classificação da deficiência mental,
usando-se, para isso, o estabelecido internacionalmente
peÌa OMS (1985) (Quadro 2.3):
Quadro 2.3 Classificação e distribuição das deficiências
mentais, propostas pelo Comitê de Experts em Saúde Mental
da OMS, em 1968
Proporção na
Grupo aI população DM (o/o)
Profunda 0-20 5
' )o-ìs ìJeverà 
_- 
-- \Moderada 36-50 | 20
I-eve 50-70 75
Ao considerarmos o desenvolvimento, bem como os
déficits dessa população, temos também as seguintes ca-
racterísticas (OMS, 1 985):
1. Deficientes mentais profundos: correspondem a uma
pequena minoria, com um déficit intelectual refletido
nos seus QIs inferiores a 20 e com um nível de desen-
volvimento correspondendo a uma idade de desenvolvi-
mento abaixo de 2 anos, em geral com déficits morores
ac€ntuados.
2. Deficientes mentais graves e moderados: abrangem
cerca de 0,3o/o de todas as crianças que alcançam alguma
independência durante a infância e a adolescência. Seu
nível de independência nas atividades cotidianas depende,
basicamente, de treinamento; de modo geral, podemos
pensar seu padráo de desempenho em nível de pensamen-
to pré-operatório, de acordo com a teoria piageriana, ca-
racterizado, então, por egocentrismo, irreversibilidade de
funções e pensamento com caráter predominanremente
préJógico, com o conseqüente desenvolvimenro de uma
moral heterônoma.
3. Deficientes mentais leves: sáo o grupo mais amplo,
com cerca de 2 a 3o/o das crianças em idade escolar. Sua
adaptaçáo social é muito influenciada por âtores econômi-
Deficiência Mental I I
cos, históricos e sociais, também dependendo dos processos
de treinamento e de adequaçáo. Seu padráo de pensamento
permanec€, a princípio, em nível de operações concretas
dentro do modelo piagetiano. o que nos permite imaginar
sua condura como, basicamente, dependente das análises
realizadas sobre experiências e fatos concretos, incapaz, por-
tanto, de projetar sua própria experiência no rempo e no
esPaço.
Em função dessa estrutura, e principalmente das con-
seqüências sociais, familiares e pessoais, os modelos de
atendimento estruturam-se de formas variadas, rendo-se
que considerar os aspectos socioeconômicos e políticos da
sociedade em que sáo inseridos.
Considerando-se essas questóes teóricas postas até o
presente momento, a AAMR, em seu manual de defini-
çáo, classificaçáo e sistemas de suporte (2002), propóe as
seguintes possibilidades para esse diagnóstico:
Escalas de Inteligência comumente disponíveis:
STISC III
\7AIS IiI
Stanford Binet IV
Bateria de Kaufman para avaliação de crranças
Teste de Inteligência de Slosson
Escala Bayley de Desenvolvimento
Teste Abrangente de Inteligência Não-verbal
Escala de Desempenho Internacional de Leiter-Re-
visada (Leiter R)
Teste de Inteligência Não-verbal Universal (UNIT)
Finalmente, após essa classificação, a proposra diagnós-
tica procura levar em consideração o estabelecido na Fig.
2.1 (,AAMR,2002).
Quadro 2.4 Avalíação do comportamento adaptativo de acordo com diferentes insrrumentos diagnósticos
proposros pela AAMR
Instrumento Habilidades conceituais Habilidades sociais Habilidades práticas
Escala de comporfamenro
adaptativo da AAMR
Auto-sufi ciência na comunidade Responsabilidade pessoal-social Auto-suÊciência pessoaì
Escala de comportamento
adaptativo Vinneland
Comunicação Socialização Habilidades da vida diária
Escala de conlporramento
independente 
- 
revisada
Habilidades de vida na
comunidade
Interação social e comunicação Habilidades da vida pessoal
Tèste abrangente do
comportamento adaptativo
- 
revisado
Conceitos de linguagem e
habilidades acadêmicas
Vida independente
Habilidades sociais Habilidades de auro-ajuda
Vida donréstica
12 Deficiência Mental
Condição de Saúde
Funções e
estruturas do
corpo
Atividades Participação
Fatores
Ambientais
Fatores
Pessoais
FIG. 2.1 Modelo da Classificação Internacional de Funcionamento, da Deficiência e da Saúde (AÂMR, 2006)
REFE RENC IAS BI BLI OGRAFI CAS
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qUESTOES COMENTADAS
) Quat o conceito atualmente utilizado para definirmos defi-
ciêncÌa mental?
[: Para a AAMR, devemos considerar em seu diagnostico a impor-
ância dos padroes cutturais e lingüísticos, bem como as dife-
enças comportamentais e culturais envolvidas.
Sob o ponto de vista ctínico, eta é caracterizada como uma
lmitação substanciaI no funcionamento presente, com desem-
renho intelectuaI médio dimÌnuído (escores de Ql abaixo de 70-
'5), limitando a adaptação em áreas como comunicação, autocui-
lado, vida independente, sociabilidade, inserçáo na comunidade,
,utonomía, educação acadêmica, tazer e trabatho.
l) Quat a epidemiologia do Retardo Mental?
l,: As melhores estimativas de deficiência mental com níve[ ìnte-
ectuaI abaixo de 50, reatizadas em países desenvotvidos, sugerem
rma prevatência ao redor de 3 a 41.000 pessoas, o que a torna
le importància populacional significativa. Usualmente, estima-
e que a deficiência mental Leve (Ql entre 50 e 70) ocorra em 2 a
% das pessoas, mas todos esses dados só devem ser levados em
onsideração ao serem observadas as características da região
'studada e o meio socioeconomico.
) Como você classifica os diferentes graus de Retardo Mental?
L: A classificação da deficiência menta[ é ampla, uma vez que
,la envotve um continuum oue se estende do oróximo ao normaI
ao francamente anormat, de acordo com o potenciaI adaptativo
do indivÍduo em questão.
Considerando-se que, independentemente das definiçÕes
de inteligência consideradas, os retardos mentais têm um
ponto comum, uma vez que seu conceito considera a maneira
de o indivíduo se adaptar ou agir de modo satisfatorìo frente
a situaçÕes novas, para que, assim, possa [Ìdar com o meio
ambiente.
Mesmo considerando-se que essa capacidade de sotucionar
problemas é influenciada peto aprendizado, quando do esta-
betecimento de um teste de avaliaçáo, procura-se estabetecer
o padrão de conduta em comunidades diferentes, em popula-
ções de nível socioeconômico diverso e Srupos raciais também
diferentes, da mesma forma que se procura evitar a utilização de
conceitos ou imagens que dependem de variaçÕes de moda ou
acontecìmentos. Assim, a avaliação dessas caracterÍsticas permite
classificar o indivÍduo como deficiente com uma incapacidade
pessoal e na realização de atividades, que lhe proporcionam um
handicap social.
As ava(iaçÕes padronizadas permitem, desse modo, o esta-
betecimento de um Índice que expressa, "teoricamente'i o nÍveI
de habitidade de um indivÍduo, de acordo com as "normas de
sua idade'l em uma determinada cultura, prevendo um desem-
oenho futuro.
Hoje, utiliza-se o padrão, estabelecido e adotado internacio-
nalmente pela OMS, conforme o Quadro 2.3.

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