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Fonte: Aula 1 SÍNDROMES DIARREICAS Gizelle Felinto FISIOLOGIA DOS INTESTINOS ➢ INTESTINO DELGADO: • Anatomia: ▪ É dividido em 3 partes: ✓ Duodeno ✓ Jejuno ✓ Íleo ▪ É um órgão tubular que tem cerca de 5 metros de comprimento ▪ O comprimento e o epitélio especializado com microvilosidades amplificam a função absortiva desse intestino ▪ É revestido por um epitélio mucoso, assim também tem função secretora • Função → absorção de água, sais/eletrólitos e nutrientes • É responsável pela maior parte da absorção dos intestinos! • O equilíbrio entre a secreção e a absorção no intestino delgado é muito tênue, o paciente tem que ter uma homeostase perfeita. Assim, qualquer desequilíbrio entre essas funções vai gerar uma síndrome diarreica ➢ INTESTINO GROSSO: • Anatomia: ▪ Tem início na válvula ileocecal e termina no reto • Função → absorção de água e sais minerais/eletrólitos e armazenamento do bolo fecal ➢ EPITÉLIO INTESTINAL: • Epitélio Ciliar Colunar • Apresenta a Células Caliciformes → produtoras de secreção mucoide • As microvilosidades amplificam a superfície absortiva ➢ COMO OCORRE A ABSORÇÃO DE ÁGUA NOS INTESTINOS: • Ocorre de duas formas: ▪ Ion-dependente ou eletrólito-dependente → a absorção de água ocorre carreada com eletrólitos, principalmente o sódio (Na) ▪ Nutriente-dependente → a água é absorvida com componentes da dieta, como glicose e galactose • Soro caseiro → é necessário repor em um paciente com diarreia. Esse soro é formado for água, açúcar e sal. Assim, com esse soro oferece-se ao paciente as duas formas de absorção de água, tanto a íon-dependente (junto ao sódio presente no sal) quanto a nutriente-dependente (junto à glicose presente no açúcar) DEFINIÇÃO ➢ A definição mais acurada para diarreia é: • Eliminação > 200g de fezes por dia (porém, é praticamente impossível de ser usada, pois não se tem como pesar o volume/massa de fezes que o indivíduo faz por dia) • Esse conceito é muito usado em provas de residência ➢ Conceitos utilizados na prática clínica: • > 3 evacuações por dia ▪ O normal é → de 1 evacuação por semana a < 3 por dia, desde que isso seja uma rotina e que as fezes tenham aspecto/conformação normal • Fezes liquefeitas ou não moldadas • Com sintomas: ▪ Desconforto/dor abdominal ▪ Urgência fecal → sensação de grande necessidade de ir ao banheiro (grande volume de fezes) mas, quando o paciente vai, ele evacua muito pouco ▪ Tenesmo → sensação de pressão perineal (de que tem um grande volume de fazes a ser colocado para fora) que vem junto à urgência fecal • Síndrome Diarreica → Quando a frequência > 3 evacuações e a consistência liquefeita das fezes vem acompanhada de sintomas CLASSIFICAÇÕES ➢ COM RELAÇÃO AO TEMPO DE DURAÇÃO: • Aguda → < 2 semanas • Persistente → entre 2 e 4 semanas • Crônica → > 4 semanas • Na prática clínica → termina-se por considerar a aguda como sendo < 3 semanas e a crônica como sendo > 3 semanas, pois a persistente tende a ser uma aguda que prolongou um pouco mais ou até mesmo uma crônica que está em evolução para se tornar crônica ➢ COM RELAÇÃO AOS ASPECTOS CLÍNICOS E TOPOGRÁFICOS: • Diarreia Alta → tem origem no intestino delgado: Fonte: Aula 2 SÍNDROMES DIARREICAS Gizelle Felinto ▪ Grande volume → pois a maior absorção ocorre no intestino delgado ▪ Baixa frequência → pois a função de armazenar as fezes é dos cólons, que estão íntegros ✓ Assim, é o tipo de paciente que quando vai ao banheiro coloca pra fora um grande volume de fezes, mas só vai ao banheiro 3 – 4 vezes ao dia, por exemplo ▪ Não há tenesmo ou urgência fecal → pois esses sintomas são muito relacionados ao acometimento retal ▪ Restos alimentares no bolo fecal → pois o paciente não consegue absorver os nutrientes • Diarreia Baixa → tem origem no intestino grosso (nos cólons) – é a popularmente chamada de “Desinteria”: ▪ Pequeno volume → pois o intestino delgado está íntegro e absorvendo a maior parte da água e dos eletrólitos ▪ Alta frequência → pois o cólon perdeu sua capacidade de armazenar o bolo fecal ▪ Tem associação com tenesmo e urgência fecal → principalmente se tiver acometimento retal ▪ Sangue, muco e/ou pus no bolo fecal ➢ COM RELAÇÃO AO MECANISMO FISIOPATOLÓGICO: • Tem-se 5 tipos de mecanismos que podem gerar um quadro diarreico: 1. Diarreia Osmótica: ✓ Presença de algum soluto que não foi absorvido → esses solutos tem alto poder osmótico. Assim, quando eles saem do intestino, eles levam junto consigo a água (Ex: em pacientes com intolerância a lactose, ela não é totalmente absorvida, pois não se tem a enzima lactase) ✓ Melhora no jejum (pois se retira o soluto que o organismo não está absorvendo) ou na suspensão da substância osmótica → por isso que, geralmente, esses pacientes não tem sintomas noturnos, pois não estão se alimentando no período da noite ✓ Exemplos: o Paciente com Dissacaridases (deficiência de dissacarídeos) → principalmente intolerância à lactose o Uso de laxativos osmóticos 2. Diarreia Secretória: ✓ Há alguma coisa causando uma exacerbação da função secretora dos intestinos, criando um desbalanço entre a absorção e a secreção dos intestinos ✓ Causas: o Toxinas, como as bacterianas, que podem promover uma diarreia secretora, como a da Cólera (Vibrio cholerae) o Substâncias do organismo (como hormônios) que também funcionam como substancias secretagogas e estimulam a secreção da mucosa intestinal, fazendo com que haja eliminação de Na+ e K+ e, consequentemente, água nas fezes ✓ Não há melhora com jejum ou alteração da dieta → pois a toxina ou o secretagogo continuam estimulando a secreção intestinal independente da dieta do indivíduo ✓ Geralmente são diarreias com grande volume líquido (> 1L/dia) → em pacientes com Cólera, essa perda de líquido é tão intensa que o paciente pode morrer por desidratação ✓ Exemplos: o VIPoma → é um tumor (geralmente pancreático) que produz, de forma exacerbada, o Peptídeo Vasoativo Intestinal (VIP), que é uma substância extremamente secretagoga (só há melhora quando se resseca o tumor) o Síndrome Carcinoide o Diarreia por sais Biliares 3. Diarreia Disabsortiva: ✓ Deficiência na digestão ou absorção de algum nutriente → Há a deficiência de algo no intestino que impede a absorção de algum nutriente específico no intestino o Como a não absorção de lipídios, causando uma Esteatorreia ✓ Exemplos: o Insuficiência pancreática exócrina (como na pancreatite crônica) → pois o paciente não possui mais a lipase, que é responsável pela degradação dos lipídios para que eles sejam absorvidos. Assim, o paciente terá uma Esteatorreia o Supercrescimento bacteriano 4. Diarreia Inflamatória ou Invasiva: ✓ Pode ser infecciosa (por bactérias, fungos ou vírus) ou por um processo inflamatório (em doenças inflamatórias intestinais, como a Doença de Crohn) ✓ O processo inflamatório estimula ainda mais a secreção intestinal, criando um grande desequilíbrio com a função absortiva ✓ Presença de sangue, muco e/ou pus nas fezes → geralmente na diarreia baixa, mais pode ocorrer na diarreia alta ✓ Presença de leucócitos nas fezes → no exame de fezes tem-se os Elementos Anormais nas Fezes positivo (EAF+) o Exceção: amebíase → apesar de ser uma diarreia inflamatória, não vai vir presença de leucócitos nas fezes ✓ Exemplos: o Doenças inflamatórias intestinais Fonte: Aula 3 SÍNDROMES DIARREICAS Gizelle Felinto o Doenças infecciosas: - Yersinia - Giardíase - Amebíase... 5. Diarreia Funcional ou Desmotilidade: ✓ Existem pacientes que tem uma alteração do neuroeixo da comunicação entre o sistema nervoso central e os intestinos, podendo causar síndromes diarreicas funcionais ✓ Síndrome do Intestino Irritável (é o principalrepresentante desse mecanismo) → é uma dispepsia funcional o Pseudodiarreia o Não ocorre durante o sono ✓ Diarreia Diabética → a neuropatia diabética altera a inervação dos intestinos, podendo promover um quadro diarreico por alteração na peristalse o Os episódios ocorrem principalmente durante o sono ✓ Factícia → geralmente são pacientes do sexo feminino, com transtorno psiquiátrico e que fazem uso crônico de laxativos o Essa paciente chega ao consultório afirmando que não faz uso de nenhuma medicação, mas está fazendo uso oculto de laxativos o Existem exames de urina que se consegue ver marcadores metabólitos de laxativos • Não é obrigatório que a síndrome diarreica tenha apenas um mecanismo fisiopatológico, podendo ter mais de um: ▪ Exemplo: intolerância à lactose → Osmótica (pois está levando a água embora) e Disabsortiva (pela deficiência de uma enzima que digere a lactose) DIARREIAS AGUDAS INTRODUÇÃO ➢ 90% dos casos de diarreia aguda são infecciosas → causadas por algum agente infeccioso que está causado um processo inflamatório direto (gastroenterites) ou produzindo alguma toxina que está gerando esse quadro diarreico ➢ 10% dos casos são não infecciosas → exemplos: • Etiologia alcoólica (principal) • Uso de drogas que acelerem o peristaltismo intestinal (Ex: Eritromicina) • Isquemia intestinal • Apresentação inicial de uma diarreia crônica (Ex: Doença Inflamatória Intestinal - DII) → pois toda diarreia crônica passa por uma fase aguda ➢ QUADRO CLÍNICO CLÁSSICO: • Diarreia + Febre + Dor abdominal + Vômitos PRINCIPAIS CAUSAS INFECCIOSAS DAS DIARREIAS AGUDAS ➢ Rotavírus: • Principal causa de diarreia viral em pacientes < 2 anos ➢ Calcivirus: • Principal causa viral em > 2 anos e adultos ➢ E. Coli enterotoxigênica: • “Diarreia dos viajantes” → paciente que tem uma história de viajem anterior ao início do quadro diarreico ➢ E. Coli invasiva, Shigela e Salmonela sp.: • Principais causas de disenteria → geralmente é um paciente que apresenta uma diarreia com características baixas: ▪ Pequeno volume ▪ Alta frequência ▪ Tenesmo ▪ Urgência fecal ▪ Sangue, muco e/ou pus nas fezes ➢ E. coli enterro-hemorrágica (cepa O157:H7) e Shigela: • São responsáveis pela Síndrome hemolítico-urêmica → paciente com quadro diarreico associado a uma insuficiência renal. Geralmente, esses pacientes também tem: ▪ Anemia microangiopática → hemácias se deformam ao passar pelos glomérulos renais ▪ Plaquetopenia • Cai muito em provas de residência ➢ S. aureus: • Produz a toxina termoestável • Geralmente ocorre em quadros de intoxicação alimentar • Cai muito em provas de residência ➢ Campylobacter: • É uma bactéria responsável pela associação entre Síndrome Diarreica e síndrome de Guillain-Barré ➢ Campylobacter, Yersinia sp.: • Pseudoapendicite → paciente com quadro diarreico associado a uma dor importante em fossa ilíaca direita, simulando um quadro de apendicite • Por isso que em pacientes que tem um quadro sugestivo de apendicite com uma diarreia caracterizada, é interessante pedir outros métodos de diagnóstico por imagem para confirmar apendicite, pois pode se tratar de um quadro infeccioso e não uma apendicite ➢ Clostridium difficile: • É uma bactéria comensal, que vive nos intestinos • Colite pseudomembranosa (diarreia associada ao uso de antibióticos) → pois os antibióticos, além de matar as bactérias que estão causando um processo patológico, também acabam matando as bactérias comensais. Com a morte dessas bactérias da flora intestinal, elas acabam liberando o Clostridium difficile para se proliferar, causando uma hiperproliferação que gera um processo infeccioso que causa a formação de placas e pseudomembranas que impedem que os intestinos absorvam eletrólitos e água Fonte: Aula 4 SÍNDROMES DIARREICAS Gizelle Felinto ▪ Diagnóstico da colite pseudomembranosa: ✓ Dosagem das toxinas A e B do Clostridium difficile nas fezes ✓ Métodos de imagem (como a colonoscopia) ✓ Coprocultura ➢ Vibrio colerae: • Causador da Cólera • Causa uma diarreia aquosa profusa pela produção de toxinas → tem 2 mecanismos fisiopatológicos: diarreia secretora e inflamatória • Paciente pode ter importante desidratação ABORDAGEM DO PACIENTE COM DIARREIA AGUDA ➢ A maioria dos casos é autolimitada → é o paciente em que se dá suporte clínico e, 2 a 3 semanas no máximo, ele vai reverter esse quadro diarreico ➢ Quando investigar mais a fundo o paciente com diarreia aguda: • Quando há Sinais de Alarme: ▪ Febre muito alta (> 38°C) ▪ Sinais de desidratação ▪ Imunodeprimido ▪ Idoso (> 65 anos) ▪ Dor abdominal muito importante → uso de muito analgésico ou até mesmo a necessidade de um opioide para controlar a dor desse paciente ▪ Vômitos incoercíveis associados ▪ História de uso prévio de antibiótico de largo espectro ▪ História recente de viajem ➢ Exames a serem pedidos quando há sinais de alarme (para investigação da diarreia aguda): • Hemograma + Ionograma • Elementos Anormais das Fezes (EAF) ou Lactoferrina ou Calprotectina → representam a presença de leucócitos nas fezes e, quando positivos, indicam um quadro diarreico inflamatório invasivo • Coprocultura: ▪ Quando solicitar → quando o EAF é positivo e quando se suspeita de uma infecção ▪ Para saber se realmente é algum agente bacteriano que está causando o processo ▪ Essa cultura também traz consigo o antibiograma, que direciona na escolha do antibiótico a ser utilizado • Colonoscopia: ▪ Quando solicitar: ✓ Quando EAF positivo + suspeita de algum transtorno inflamatório ou isquêmico → Ex: paciente com diarreia com sangue e suspeita-se de uma manifestação sistêmica (como Doença de Crohn, Retrocoline Ulcerativa...) ✓ Paciente com SIDA (é obrigatório realizar) → para avaliar outros agentes incomuns em quadros diarreicos de pacientes imunocompetentes, que causam a diarreia em pacientes imunossuprimidos • Pesquisa de Toxinas do C. difficile nas fezes → quando se suspeita de colite pseudomembranosa (geralmente é aquele paciente que fez uso prévio de antibiótico) • Parasitológico de fezes → quando se quer saber se a infecção é por helmintos (verminose) TRATAMENTO ➢ Como, em 90% dos casos, decorre de um processo infeccioso e as diarreias agudas são autolimitadas, melhorando após 2 a 3 semanas, deve-se dar suporte clínico ao paciente ➢ Hidratação → Soro Caseiro ➢ Antidiarreicos → diminuem o volume de evacuação e o tempo diarreico LOPERAMIDA • Contraindicados em casos de febre e disenteria/quadros invasivos (como com sangue nas fezes), que possa ser um quadro inflamatório grave → pois há um risco de causar um megacolon tóxico, isquemiar o cólon e ter um quadro de perfuração intestinal ➢ Probióticos → são suplementos de lactobacilos vivos FLORAX FLORATIL • Diminuem o tempo de diarreia em cerca de 20 a 25h ➢ Antibioticoterapia Empírica: • Pode-se iniciar mesmo antes de fazer uma Coprocultura ANTIBIOTICOTERAPIA EMPÍRICA NA DIARREIA AGUDA ➢ Nos pacientes com sinais de alarme deve-se investigar melhor, solicitando exames e já entrando com a antibioticoterapia nesses ➢ Não é preciso esperar o resultado da Coprocultura para iniciar o antibiótico ➢ Indicações: • > 8 evacuações diárias • Duração prolongada (> 7 dias) • Febre alta • Disenteria (diarreia invasiva) • Desidratação importante • Idosos • Imunodeprimidos • Diarreia severa em viajantes ➢ Agentes mais responsáveis pela diarreia invasiva (com sangue, muco e/ou pus): • Shiguela Colite Pseudomembranosa Fonte: Aula 5 SÍNDROMES DIARREICAS Gizelle Felinto • Campylobacter • Salmonella • E. coli ➢ Antibiótico de Escolha → Quinolonas por 5 dias CIPROFLOXACINO 500 mg 2x ao dia por 5 dias ➢ Alternativa→ quando a paciente é gestante ou tem contraindicação/intolerância às quinolonas: AMOXICILINA-CLAVULANATO DIARREIAS CRÔNICAS INTRODUÇÃO ➢ Existem várias etiologias de diarreia crônica ➢ Tem mais diagnósticos diferenciais do que os quadros agudos, o que dificulta a investigação ➢ As etiologias das diarreias crônicas são agrupadas em 4 grandes grupos de acordo com o seu mecanismo fisiopatológico: • Disabsortivas/Osmóticas → é nessa que entra a intolerância à lactose • Inflamatórias → doenças inflamatórias idiopáticas como Doença de Crohn e Retrocolite Ulcerativa • Secretoras → VIPoma • Funcionais ou por desmotilidade → diarreia factícia, síndrome do intestino irritável DIARREIAS CRÔNICAS DISABSORTIVAS ➢ Há a má digestão ou a má absorção dos nutrientes (como a deficiência de alguma enzima) ➢ A etiologia não é apenas intestinal! → existem outras doenças que acometem outras partes do TGI e que podem gerar uma diarreia crônica, como patologias: • Gástricas • Pancreáticas: ▪ Na pancreatite crônica, que causa uma insuficiência pancreática, o paciente não terá lipase (essencial para a absorção de lipídios) e irá cursar com uma esteatorreia • Hepáticas • Das vias biliares ➢ QUADRO CLÍNICO: • Diarreia crônica (> 3 semanas de evolução) • Diarreia alta (de intestino delgado) → geralmente as diarreias disabsortivas são diarreias altas • Não invasiva (sem sangue, pus ou muco nas fezes) • EAF é negativo • Associa-se também outro quadro a depender do tipo de nutriente que o intestino deixa de absorver. E isso é o que diferencia uma etiologia da outra ➢ TIPOS DE NUTRIENTES E O QUE A SUA MÁ ABSORÇÃO PROMOVE: • Quando se tem algum problema na secreção de sais biliares ou na lipase, tem-se uma deficiência na absorção de gordura, gerando uma Esteatorreia (diarreia gordurosa, geralmente as fezes são mal cheirosas, grudam na parede do vaso sanitário e dá pra ver um sobrenadante gorduroso no vaso) • A deficiência de amilase (pancreática ou salivar) ou a deficiência de enzimas que digerem os carboidratos (Dissacaridases) causam a má absorção de carboidratos que é responsável pelo desenvolvimento de fezes ácidas, distensão abdominal e flatulência ▪ Exemplo → pacientes com intolerância à Lactose ➢ ALGORITMO DIAGNÓSTICO (passos a se seguir para saber a causa dessa diarreia crônica disabsortiva): 1. Anamnese + Exame Físico: ▪ Na anamnese o paciente vai alegar a característica de suas fezes, se tem distensão abdominal, se tem muita flatulência, se as fezes são mal cheirosas... ▪ Consegue-se diagnosticar entre diarreia alta (baixa frequência, grande volume, sem tenesmo ou urgência fecal e presença de alimentos nas fezes) e uma diarreia baixa (alta frequência, pouco volume, com tenesmo e/ou urgência fecal e com sangue, muco e/ou pus nas fezes) 2. Laboratório: ▪ Pesquisa-se principalmente as carências nutricionais, como: ✓ Anemia Megaloblástica por deficiência na absorção de Vitamina B12 ✓ Anemia Ferropriva por deficiência na absorção de ferro 3. Exames Complementares Específicos (direcionam para a etiologia da diarreia disabsortiva) Primeiramente pergunta-se: É uma Esteatorreia? ▪ Se há grande suspeita de ser uma Esteatorreia, deve- se pedir um exame para confirmar se realmente é uma Esteatorreia: ✓ Teste qualitativo de gordura fecal (é o mais utilizado e mais prático da prática clínica) → pega-se uma amostra de fezes e manda para o laboratório, onde, através do corante SUDAN III, vê-se se tem ou não presença de gordura nas fezes Fonte: Aula 6 SÍNDROMES DIARREICAS Gizelle Felinto ✓ Teste quantitativo da gordura fecal (padrão- ouro) → o médico passa uma dieta rica em gordura (pelo menos 100g/dia) durante 5 para o paciente e, no 3º, 4º e 5º dia o paciente junta todo o seu material fecal com essa dieta hiperlipídica. No laboratório, quantificam a gordura presente nas fezes: o > 7g/dia (nas 72h) → Dá-se o diagnóstico de Esteatorreia o Devido a todo esse processo do seu método (paciente juntar material fecal por 3 dias), esse exame é muito difícil de se fazer na prática clínica ▪ Se não for Esteatorreia: ✓ A segunda causa a se pensar é uma deficiência de Dissacaridase (problema na absorção de carboidratos) Se confirmada Esteatorreia, deve-se ver qual a sua causa ▪ Tem-se um problema na lipase ou nos sais biliares ▪ Teste da D-xilose urinária → a D-xilose é um carboidrato administrado por via oral e que é absorvido pela mucosa intestinal sem a necessidade de nenhuma enzima, sendo diretamente absorvido e depois sendo excretado por via renal ✓ Com ele consegue-se avaliar se a causa da Esteatorreia está no intestino (mucosa intestinal deixando de absorver a gordura) ou se a causa é extraintestinal (algum problema no pâncreas ou nas vias biliares que não está permitindo que a lipase e os sais biliares cheguem no intestino para absorver essa gordura) ✓ Como realizar o teste → administra-se 25g de Xilose oral no paciente e, após cerca de 30 min a 1h, quantifica-se a Xilose na urina do paciente: o > 5g de Xilose na urina (é sinal de que a mucosa está absorvendo normalmente) → provavelmente a doença é extraintestinal (pâncreas ou vias biliares): ❖ Exemplo: Teste da Secretina → para avaliar se há insuficiência pancreática o < 5g de Xilose na urina (é sinal de que a mucosa não está absorvendo a Xilose administrada) → provavelmente o problema é na mucosa intestinal: ❖ Supercrescimento bacteriano (essas bactérias consomem essa Xilose e não permitem que a mucosa a absorva) → Diagnóstico: cultura do aspirado duodenal > 100.000 UFC/mL - Geralmente ocorre em pacientes com divertículos intestinais ou cirurgias prévias (principalmente bariátricas), pois a alça intestinal fica em fundo cego (onde vai ficar se acumulando comida), o que favorece o crescimento bacteriano ❖ Lesão mucosa → Diagnóstico: EDA + Biopsia - Doença Celíaca - Doença de Whipple - Doença de Crohn ➢ EXAMES COMPLEMENTARES ESPECÍFICOS (que ajudam a identificar a etiologia da diarreia crônica disabsortiva): • Exames Radiológicos: ▪ Calcificações pancreáticas → sugestivas de Pancreatite Crônica ▪ Diverticulose do delgado, Quadros semioclusivos e História de cirurgia intestinal (principalmente bariátrica) com alças intestinais em fundo cego → sugestivo de Supercrescimento Bacteriano ▪ “Aspecto em Calçamento” no exame baritado do intestino delgado → sugestivo de Doença de Crohn ➢ DOENÇA CELÍACA (ESPRU NÃO TROPICAL): • É uma doença imunomediada contra a proteína do glúten (aveia, centeio, trigo e cevada) ▪ Absorção do glúten no corpo → quando o glúten chega no intestino delgado, ele é fracionado e libera uma substância que é absorvida pelo intestino delgado, a gliadina (essa é a proteína tóxica para quem tem Suspeita de Esteatorreia? Realizar exame para confirmação diagnóstica Positivo ou negativo? sim - Teste qualitativo de gordura fecal - Teste quantitativo de gordura fecal (padrão-ouro) positivo negativo Pensar se é uma Deficiência de Dissacaridose Realizar Teste da D-xilose urinária > 5g de Xilose na urina Doença Extraintestinal (pâncreas ou vias biliares) < 5g de Xilose na urina Problema na mucosa intestinal Fonte: Aula 7 SÍNDROMES DIARREICAS Gizelle Felinto intolerância ao glúten). A transglutaminase se liga a essa gliadina e a transporta nas células e nos tecidos ▪ O paciente com doença celíaca começa a produzir anticorpos (tanto imunidade humoral quanto imunidade celular) contra esse complexo gliadina- transglutaminase, interpretando-o como não sendo próprio do corpo. Essa resposta autoimune destrói não só esse complexo, mas também toda a mucosa do intestino delgado, principalmente as vilosidades e as microvilosidades, fazendo com que amucosa fique plana e perca substancialmente a sua capacidade absortiva de qualquer tipo de nutriente ▪ Assim, esses pacientes, ao longo do tempo, perdem a capacidade absortiva de qualquer outro tipo de nutriente, como: ✓ Carboidrato ✓ Lipídio ✓ Vitamina B12 → pode evoluir com anemia megaloblástica ✓ Ferro → pode evoluir com anemia ferropriva • Lesiona a mucosa intestinal, causando Esteatorreia • O teste da D-xilose é negativo • Quadro clínico: ▪ Forma típica → em crianças pré-escolares ✓ Observa-se com a mudança de dieta da criança, deixando de ser exclusivamente com o leite materno, e ela começa a desenvolver sinais da doença celíaca ▪ Forma atípica (Oligossintomática) → em adolescentes e adultos ✓ Exemplo: É aquele paciente que tem uma anemia ferropriva leve, anemia megaloblástica leve, Osteopenia por deficiência de vitamina D... ▪ Forma assintomática → pacientes que não tem nenhum sintoma de doença celíaca e só apresentam autoanticorpos positivos no sangue • Diagnóstico: ▪ Dosagem de Auto-Anticorpos (antigliadina, antitransglutaminase e antiendomísio) + Biópsia de intestino Delgado ✓ Antitransglutaminase IgA → é o mais sensível e específico ✓ A biópsia mostra: o Atrofia das vilosidades o Hiperplasia inflamatória das criptas intestinais • Tratamento → Retirada do Glúten da dieta • Complicações (caso o paciente não siga o tratamento): ▪ Linfoma não Hodgkin de células T ▪ Adenocarcinoma de intestino delgado (é mais raro de ocorrer do que o linfoma) ➢ INTOLERÂNCIA À LACTOSE (DEFICIÊNCIA DE LACTASE): • É uma deficiência de dissacaridases (deficiência de absorção de carboidratos) • O que ocorre → quando a lactose chega no intestino, não há lactase para digeri-la e essa lactose vai embora levando junto a água, devido ao seu poder osmótico. Quando essa lactose chega na luz no cólon, as bactérias comensais fermentam essa lactose e a utilizam como fonte de energia. Nessa fermentação há liberação de grande quantidade de hidrogênio, que é eliminado nas fezes em forma de água e outra parte se dissocia e é eliminada por via respiratória • Quadro Clínico: ▪ Diarreia crônica + dor e distensão abdominal + flatulências + vômitos • Diagnóstico: ▪ Teste exalatório do Hidrogênio (padrão-ouro) → vê- se a quantidade de Hidrogênio que o paciente está expirando ▪ Teste de tolerância oral a lactose → o diagnóstico é dado quando a curva glicêmica nesse teste praticamente não se altera • Forma primária → é a causa mais comum de diarreia crônica no mundo • Forma secundária → transitória (lesões agudas da mucosa, com infecções) • Tem-se um largo espectro de formas → desde pacientes que ainda produzem certa quantidade de lactase até pacientes que não produzem nada de lactase • Tratamento → abstinência de laticínios e reposição de lactase • Não é tão grave quanto a doença celíaca DIARREIAS CRÔNICAS INFLAMATÓRIAS – DOENÇAS INFLAMATÓRIAS IDIOPÁTICAS (DII) ➢ Principais doenças: • Doença De Crohn (DC) • Retocolite Ulcerativa Inespecífica (RCUI) • Colites Indeterminadas (15 – 20%) ➢ Representadas principalmente pela Doença de Crohn e pela Retrocolite Ulcerativa ➢ Essas doenças podem ter mais de um mecanismo fisiopatológico → Ex: a doença de Crohn lesiona a mucosa do intestino delgado e diminui a absorção de gordura. Assim, pacientes com doença de Crohn também podem ter Esteatorreia, configurando-se também como uma doença disabsortiva ➢ As DII são o assunto, da parte de diarreias crônicas, que mais cai em provas de residência ➢ Quadro Clínico: • Diarreia crônica + pode ser uma diarreia alta ou baixa + achados extraintestinais que levam a suspeita da doença ➢ Fisiopatogenia → são idiopáticas! Não se sabe sua etiologia, mas sabe-se os fatores protetores e os fatores de risco relacionados às doenças: • História familiar de DII → é o principal fator de risco (100x mais risco) • Fumo → protege contra a RCUI e piora DC Fonte: Aula 8 SÍNDROMES DIARREICAS Gizelle Felinto ▪ Doenças que diminuem a expressão clínica quando o paciente é tabagista: ✓ Rtrocolite Ulcerativa Inespecífica (RCUI) ✓ Sarcoidose ✓ Pneumonite Eosinofílica • Apendicectomia → protege contra RCUI e aumenta risco de DC • Anticoncepcionais Orais (ACO) → aumenta risco de DC em pacientes que já tem risco de desenvolver DC • AINE → piora RCUI e DC ▪ AMINOSSALICILATOS → são a única classe de AINES que se pode usar nas DII ➢ Epidemiologia → são doenças de acometimento bimodal, sendo diagnosticadas em: • Pacientes jovens (15 – 30 anos) • Idosos (60 – 80 anos) ➢ RETROCOLITE ULCERATIVA INESPECÍFICA (RCUI): • É uma mucosite → doença inflamatória que acomete a mucosa e, geralmente, está limitada à mucosa dos cólons (reto e cólon) ▪ Há processo inflamatório direto do cólon e do reto ▪ Ileíte por refluxo → quando se tem alguma inflamação no íleo é devido ao refluxo (no ceco tem algum material inflamatório que acaba refluindo para o íleo distal através da válvula ileocecal, promovendo uma inflamação na mucosa ileal – o processo inflamatório não ocorre direto no íleo, é uma ileíte de refluxo!) • Se manifesta de forma ascendente e contínua → a doença começa no reto e vai ascendendo aos cólons • Quando se trata o paciente, ele tende a responder de forma descendente → melhora dos cólons para o reto • Progressão das lesões da RCUI nos exames de imagem: ▪ Erosões → úlceras → aspecto em “cano de chumbo” (perda das haustrações colonicas) ▪ Pseudopólipos • Geralmente, se manifesta como uma diarreia BAIXA invasiva (muco, pus e sangue), pois acomete o reto → esse paciente com RCUI cursa com a popular Disenteria • Biópsia → Criptites (abscessos principalmente no reto) ➢ DOENÇA DE CROHN (DC): • É pior que a RCUI porque é uma doença transmural • Doença transmural → não acomete apenas a mucosa, ela acomete toda a parede do intestino, tendendo a ser mais suscetível a complicações (Ex: fístulas, abscessos, estenose com obstrução intestinal...) • Acomete todo o TGI (da boca ao ânus) de forma descontínua (salteada), ou seja, acomete partes diferentes (como esôfago e intestino) • A doença poupa o reto • A região perianal é gravemente acometida → com fístulas, abscessos, fissuras... • Progressão das lesões da DC nos exames de imagem: ▪ Úlceras aftoides (úlceras pequenas) → acabam evoluindo para ulceras maiores, coalescentes e transmurais que são entremeadas por mucosa de aspecto normal, formando um aspecto de “pedra de calçamento” • Geralmente, é uma diarreia ALTA invasiva (muco, pus e sangue) e disabsortiva, pois a DC acomete mais significativamente o intestino delgado, impedindo que ele absorva nutrientes (muito parecido, nesse aspecto, com a doença celíaca) → doença oral, gastroduodenal, perianal ou íleo terminal • Biópsia → granulomas não caseosos (em 30% dos casos) ➢ MANIFESTAÇÕES EXTRAINTESTINAIS (as articulares e as dermatológicas são as mais comuns) • Articulares → ocorrem em 25% dos casos, principalmente na doença de Crohn ▪ Oligoartrite periférica → artrite das articulações pequenas e periféricas (acontece mais na DC, mas também pode acontecer na RCUI) ▪ Espondiloartropatia soronegativa → o paciente pode ter uma sacroileíte associada à DII (ocorre mais na RCUI, mas pode ocorrer na DC também) • Dermatológicos (15% dos casos): ▪ Eritema nodoso → mais comum na DC ✓ É um processo inflamatório do tecido celular subcutâneo Aspecto em “pedra de calçamento” Fonte: Aula 9 SÍNDROMES DIARREICAS Gizelle Felinto ▪ Pioderma gangrenoso → mais comum na RCUI • Ocular: ▪ Uveíte ▪ Conjuntivite ▪ Episclerite • Hepatobiliar: ▪ Litíase biliar → mais comum na DC ▪ Colangite Esclerosante Primária (é fator de risco para câncer) → mais comum na RCUI • Renal: ▪ Litíase → mais comum naDC ➢ DIAGNÓSTICO: • Retrocolite Ulcerativa (RCUI): ▪ Endoscópico: Retossigmoidoscopia + Biopsias → com esse exame já é possível o diagnóstico, pois a doença é ascendente, iniciando-se no reto ▪ Radiológico: Enema opaco (“cano de chumbo”) → vê- se esse aspecto na doença mais avançada ▪ Auto-anticorpo: p-ANCA • Doença de Crohn (DC): ▪ Endoscópico: Ileocolonoscopia + Biopsias → pois o local de maior acometimento do TGI é ileocecal ▪ Radiológico: Trânsito de delgado (“pedras de calçamento”, estenoses) ▪ Auto-anticorpo: ASCA ▪ Quadro clínico sugestivo: Doença perianal (fistulas e fissuras) e EDA com doença ulcerosa (que, se biopsiada pode sugerir doença de crohn) • Os autoanticorpos caem muito em prova, assim deve-se saber qual é especifico para Retrocolite Ulcerativa (p-ANCA) e qual é para Doença de Crohn (ASCA) ➢ TRATAMENTO: • Atualmente, com as terapias disponíveis, consegue-se controlar consideravelmente essas doenças. São raros os casos de Doenças Inflamatórias Intestinais refratárias ao tratamento clínico • Tratamento da Remissão da doença (na crise): ▪ Doença Leve a Moderada: ✓ AMINOSALICILATO + ✓ CORTICOIDE ▪ Doença Grave: ✓ CORTICOIDE Pensar em associar: ✓ IMUNOSSUPRESSOR ✓ INFLIXIMAB → é uma droga extremamente eficaz no controle das doenças inflamatórias intestinais • Tratamento de Manutenção: ▪ Doença Leve a Moderada: ✓ Manter AMINOSALICILATO ▪ Doença Grave: ✓ Usar um IMUNOSSUPRESSOR associado ou não com o INFLIXIMAB • Controle da Doença Perianal: ▪ Em pacientes com DC ▪ Deve-se entrar com o uso de antibióticos nas crises associado ao tratamento de remissão e de manutenção: ✓ CIPROFLOXACINO + METRONIDAZOL • Tratamento Cirúrgico → somente em casos refratários ao tratamento clínico ou quando há complicações
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