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CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO FAVENI APOSTILA TENDÊNCIAS ATUAIS NO ENSINO DA MATEMATICA ESPÍRITO SANTO A EDUCAÇÃO MATEMÁTICA A Educação Matemática pode ser caracterizada como uma área de atuação que busca, a partir de referenciais teóricos consolidados, soluções e alternativas que inovem o ensino de Matemática. Vários autores definem o que entendem por Educação Matemática. Em 1993 durante o I Seminário de Educação Matemática, definiu-se educação matemática como área autônoma de conhecimento com objeto de estudo e pesquisa interdisciplinar. (SOUZA et al., 1991). De acordo com Carvalho, “A Educação Matemática é uma atividade essencialmente pluri e interdisciplinar. Constitui um grande arco, onde há lugar para pesquisas e trabalhos dos mais diferentes tipos.” Para Bicudo a Educação Matemática possui um campo de investigação e de ação muito amplo. Os pesquisadores devem sempre analisar criticamente suas ações com o intuito de perceber no que elas contribuem com a Educação Matemática do cidadão. Portanto, para resumir, podemos dizer que a educação matemática é uma área de estudos e pesquisas que possui sólidas bases na Educação e na Matemática, mas que também está contextualizada em ambientes interdisciplinares. Por este motivo, caracteriza-se como um campo de pesquisa amplo, que busca a melhoria do processo ensino-aprendizagem de Matemática. Vamos então retomar a discussão inicial sobre as tendências da Educação Matemática, porém com uma visão mais clara sobre o significado de Educação Matemática. O educador matemático é aquele que concebe a Matemática como um meio: ele educa através da Matemática. Tem por objetivo a formação do cidadão e, devido a isso, questiona qual a Matemática e qual o ensino são adequados e relevantes para essa formação. Suas atividades se desenvolvem nas escolas de ensino fundamental e médio, nas Secretarias de Educação e nos centros de formação de professores. É o educador matemático um profissional responsável pela formação educacional e social de crianças, jovens e adultos, dos professores de matemática (de nível fundamental e médio) e também pela formação dos formadores de professores. Suas pesquisas são realizadas, utilizando-se essencialmente fundamentação teórica e métodos das Ciências Sociais e Humanas. O SURGIMENTO DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA ENQUANTO CAMPO PROFISSIONAL E CIENTÍFICO Tomando por base o estudo de Kilpatrick (1992), poderíamos destacar pelo menos três determinantes para o surgimento da Educação Matemática enquanto campo profissional e científico. O primeiro é atribuído à preocupação dos próprios matemáticos e de professores de Matemática sobre a qualidade da divulgação e socialização das ideias matemáticas às novas gerações. Essa preocupação dizia respeito tanto à melhoria de suas aulas quanto à atualização e modernização do currículo escolar da Matemática. De acordo com Schubring (1999) a Matemática foi a primeira das disciplinas escolares a deflagrar um movimento internacional de reformulação curricular. Este movimento aconteceu a partir da Alemanha, no início do século XX, sob a liderança do matemático Felix Klein. O segundo fato é atribuído à iniciativa das universidades europeias, no final do século XIX, em promover formalmente a formação de professores secundários. Isso contribuiu para o surgimento de especialistas universitários em ensino de Matemática. O terceiro fato diz respeito aos estudos experimentais realizados por psicólogos americanos e europeus, desde o início do século XX, sobre o modo como as crianças aprendiam a Matemática. No entanto, em nível internacional, a pesquisa em Educação Matemática daria um salto significativo a partir do “Movimento da Matemática Moderna”, ocorrido nos anos 50 e 60. Esse movimento surgiu de um lado motivado pela Guerra Fria, entre Rússia e Estados Unidos e, de outro, como resposta à constatação após a 2a Guerra Mundial, de uma considerável defasagem entre o progresso científico-tecnológico e o currículo escolar então vigente. A Sociedade norte americana de Matemática, por exemplo, optou, em 1958, por direcionar suas pesquisas ao desenvolvimento de um novo currículo escolar de Matemática. Surgiram então vários grupos de pesquisa envolvendo matemáticos, educadores e psicólogos. O mais influente deles foi o School Mathematics Study Grou, que se notabilizou pela publicação de livros didáticos e pela disseminação do ideário modernista para além das fronteiras norte-americanas, atingindo também o Brasil. É a partir desse período que também surgem, principalmente nos Estados Unidos, os primeiros programas específicos de mestrado e doutorado em Educação Matemática. Os estudos nessa área cresceram tanto, que, segundo Kilpatrick (1992), até o final dos anos 80, já haviam sido realizados mais de cinco mil estudos na área, a maioria nos Estados Unidos. O surgimento da Educação Matemática no Brasil também teve início a partir do Movimento da Matemática Moderna, mais precisamente no final dos anos 70 e durante a década de 80. É nesse período que surge a Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM) e os primeiros programas de pós-graduação em Educação Matemática. Existem no Brasil, atualmente (2000), quase duas dezenas de programas stricto sensu de Pós-graduação (mestrado e doutorado) em Educação Matemática. Dentre eles: a UNESP- Rio Claro, USU- Rio de Janeiro, PUC- SP, FE-UNICAMP- Campinas, FE-USP-SP, PUC-RJ, FEUFSC, UFRN, UFES, UFMS, UNISINOS, FURB, UPF, UNIJUI. Temos hoje, no Brasil, uma comunidade de educadores matemáticos que conta com uma associação própria (SBEM). Congregando cerca de 12 mil associados. O OBJETO DE ESTUDO DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA Embora ainda em construção, poderíamos dizer que o objeto de estudo da Educação Matemática consiste nas múltiplas relações e determinações entre ensino, aprendizagem e conhecimento matemático. Isso não significa que uma determinada investigação não possa priorizar o estudo de um desses elementos da tríade, ou de uma dessas relações. Mas, ao mesmo tempo que isso acontece, os outros elementos jamais podem ser totalmente ignorados. Objetivos da pesquisa em Educação Matemática Embora os objetivos da investigação em Educação Matemática sejam múltiplos e difíceis de serem categorizados, pois variam de acordo com cada problema ou questão de pesquisa, podemos afirmar que, sob um aspecto amplo e não imediato, existem dois objetivos básicos: ♦ um, de natureza pragmática, que visa a melhoria da qualidade do ensino e da aprendizagem da Matemática; ♦ outro, de natureza científica, que visa desenvolver a Educação Matemática enquanto campo de investigação e produção de conhecimentos. Algumas questões ou perguntas específicas da investigação em Educação Matemática Apesar da Educação Matemática estar na interseção de vários campos científicos (Matemática, Psicologia, Pedagogia, Sociologia, Epistemologia, Ciências Cognitivas...) ela tem seus próprios problemas e questões de estudo, não podendo ser vista como aplicação particular desses campos. Existem dois tipos básicos de perguntas quando se faz pesquisa em Educação Matemática e têm a ver com os objetivos expostos anteriormente: ♦ Aquelas que surgem diretamente da prática de ensino, ou melhor, da reflexão do educador sobre sua própria prática e sobre a prática dos outros. ♦ Aquelas que são geradas a partir de investigações ou estudos precedentes ou da própria literatura. Tendências temáticas e metodológicas da pesquisa em Educação Matemática De acordo com Kilpatrick (1994) existem sete temáticas de investigação, em Educação Matemática, “em alta” nos anos 90. São elas: ♦ Processos de ensino/aprendizagem de Matemática; ♦ Mudanças curriculares;♦ Emprego de tecnologias no ensino de Matemática; ♦ Prática docente; ♦ Desenvolvimento profissional (de professores); ♦ Práticas de avaliação; contexto sociocultural e político do ensino/aprendizagem de Matemática. 1. Processos de ensino/aprendizagem de Matemática: Nesta temática estão relacionados os estudos que tem como objeto de pesquisa o processo de ensino e aprendizagem de Matemática. A principal mudança verificada nos últimos anos é que estes estudos deixaram de focalizar aspectos muito gerais da aprendizagem e passaram a focalizar a aprendizagem de conteúdos matemáticos mais específicos. O foco de estudo mais prestigiado pelas pesquisas tem sido o processo de contagem e as operações fundamentais com números naturais, nas séries iniciais. Só mais recentemente, maior atenção tem sido dada ao estudo dos números racionais, da Álgebra, da Geometria, da Probabilidade e do Cálculo Diferencial e Integral. Relacionadas a esta temática são encontradas as seguintes tendências: ♦ Ensino médio e superior passaram a ser, também, fortes objetos de investigação; ♦ À medida que surgem novas aplicações da Matemática, têm surgido pesquisas sobre como elas poderiam ser ensinadas ou aprendidas; ♦ As respostas corretas e incorretas às tarefas ou problemas matemáticos e as estratégias utilizadas pelos alunos e outros sujeitos para obtê-las, continuam ainda a Interessar os pesquisadores da área; ♦ Ainda são pesquisados os esquemas cognitivos gerais e as estruturas cognitivas desenvolvidas pelos alunos frente à solução de problemas; ♦ As pesquisas sobre aprendizagem individual é ainda predominante em relação àquela que ocorre em grupos de alunos nos processos interativos em sala de aula; ♦ As atitudes, crenças e concepções dos alunos frente à Matemática continuam atraindo a atenção dos investigadores, embora seja notada uma leve mudança nos últimos anos, tendo surgido também interesse pelas representações sociais. Além dessas tendências apontadas, verificamos recentemente a emergência de estudos metacognitivos, isto é, aqueles que procuram investigar o modo como os alunos percebem e relatam seu processo de solução de problemas ou de aprendizagem de algum conceito matemático. Essas pesquisas têm frequentemente utilizado como recurso de coleta de dados os mapas conceituais elaborados pelos próprios alunos. 2. Mudanças curriculares: A primeira questão que surge para o investigador, com relação a esse tema, é: “quais são os fatores que provocam as mudanças curriculares e como estas se processam na prática escolar? ” Podemos apontar, além das pressões sociais, econômicas e políticas em relação à formação dos novos profissionais, a pressão dos especialistas e acadêmicos em querer transpor para a sala de aula os resultados de suas pesquisas sobre o ensino da Matemática. Um terceiro tipo de mudança é atribuída aos próprios professores que, através da pesquisa-ação, tentam, eles mesmos, produzir as inovações curriculares que julgam convenientes. O estudo dessas mudanças e, sobretudo, dos efeitos dessas mudanças, constituem temas ou problemas de interesse da pesquisa em Educação Matemática: ♦ Efeitos do Movimento da Matemática Moderna na prática escolar ou no ideário dos professores de Matemática; ♦ Estudos comparativos entre diversos países tanto em relação ao currículo proposto oficialmente quanto em relação ao currículo “em ação” (aquele que efetivamente acontece na sala de aula) ou àquele que os alunos realmente aprendem; ♦ Efeitos do uso da modelagem matemática – explorando o estudo de problemas da vida real – no ensino e na aprendizagem de Matemática nas escolas; ♦ Efeitos do uso de tecnologias educacionais (vídeo, calculadoras, computadores, internet) no ensino de Matemática – que podem promover uma mudança na abordagem (ou prática pedagógica) e no modo de ver e conceber a Matemática e seu ensino; ♦ A importância do estudo da história e epistemologia das ideias matemáticas na configuração do currículo; ♦ Devido à recente concepção de que a aprendizagem representa um processo de construção social de significados, a pesquisa tem passado a dar mais atenção à visão e aos sentidos que os alunos apresentam em relação às ideias e representações matemáticas do que simplesmente às informações que os alunos recebem em aula e são capazes de devolvê-las nas provas. ♦ Outra mudança da investigação em Educação Matemática que se tem verificado ultimamente é a maior importância atribuída pelos investigadores ao currículo em ação – aquele que efetivamente acontece em classe - em detrimento daquele proposto ou planejado e supostamente avaliado pelos professores. 3. Emprego de novas tecnologias no ensino de Matemática: A atenção dos investigadores e elaboradores de tecnologia educacional e vídeo interativo foi direcionada ao desenvolvimento de projetos e programas para o ensino, alguns para alunos e outros para professores, para serem manejados por professores e não por técnicos. As novas tecnologias permitem aos estudantes não apenas estudar temas tradicionais de maneira nova, mas também explorar temas novos como a geometria fractal. Embora as calculadoras, sobretudo as gráficas, que produzem gráficos e trabalham com funções algébricas) sejam ainda utilizadas e investigadas em sala de aula, atualmente, os microcomputadores e a internet vêm ganhando cada dia mais espaço e adeptos tanto na prática escolar como na pesquisa educacional. Entretanto, pouco ainda se conhece sobre o impacto das novas tecnologias em sala de aula, tanto no que diz respeito às crenças, às habilidades, às concepções e reações de professores, alunos e pais como, também, ao próprio processo de ensino. Alguns acreditam (sobretudo os responsáveis pelas políticas educacionais) que as novas tecnologias são a nova panaceia para solucionar todos os males da educação. 4. Práticas docentes (crenças, concepções e saberes práticos): Até meados da década de 70, as pesquisas em Educação Matemática focalizavam mais a aprendizagem que o processo de ensino ou o trabalho didático- pedagógico. Quando os estudos sobre o processo de ensino começaram a aparecer com mais frequência, estes revelavam uma preocupação maior com os efeitos dos diferentes métodos ou materiais de ensino na aprendizagem dos alunos. Estes estudos compreendiam basicamente testagem ou validação de novas técnicas ou materiais de ensino. A partir da metade da década de 80, os pesquisadores passaram a interessar- se, por um lado, sobre como os professores manifestam seus conhecimentos e suas crenças no processo de ensino e, por outro lado, sobre como os alunos aprendem e compreendem aspectos específicos da Matemática. No início da mesma década, Thompson (1984) deu início às investigações sobre a relação entre as concepções e crenças dos professores e sua prática pedagógica. Os resultados dos estudos que se seguiram mostram que o conhecimento e as crenças dos professores transformam-se continuamente e afetam, de modo significativo, a forma como os professores organizam e ministram suas aulas. A partir dos anos 80, surgem também estudos que investigam os conhecimentos profissionais dos professores. Estudos mais recentes, partindo do pressuposto que os professores produzem, na prática, saberes práticos sobre a Matemática escolar, currículo, atividade, ensino, aprendizagem, mostram que esses saberes práticos se transformam continuamente sobretudo quando realizam uma prática reflexiva ou investigativa. 5. Desenvolvimento profissional (de professores): Os estudos sobre os saberes profissionais do professor têm revelado baixos níveis de compreensão e domínio do conhecimento matemático a ser ensinado. Relacionado a esse problema, ainda continua em alta o debate sobre que tipo de conhecimento matemáticodevem ter os professores e como devem combiná-lo com seu conhecimento pedagógico. Se a pesquisa não pode decidir sobre isso, pelo menos ela pode aprofundar nossa compreensão sobre como os professores utilizam seu conhecimento no ensino. Os estudos de correlação entre as características dos professores e sua relação com o desempenho dos alunos têm sido, em sua maior parte, improdutivos. Por isso, os pesquisadores começaram a entrar em sala de aula para avaliar de perto a ação e o desempenho docente. Os estudos que relacionam ações específicas do professor com o desempenho dos alunos, muito frequentes na década de 70, foram aos poucos dando lugar às investigações do tipo: • Contraste entre professor principiante e professor experiente; • Tentativas (alternativas) para melhorar a prática pedagógica do professor; • Descrições de como o professor “constrói significados e percebe sua vida profissional”; • Estudo das crenças e concepções do professor; • Estudo de alguns programas de formação continuada ou permanente. 6. Práticas de avaliação: Muitas mudanças curriculares fracassaram porque entraram em conflito com as avaliações externas. Existe hoje um esforço para que as mudanças da prática docente em sala de aula venham acompanhadas de mudanças também no processo de avaliação. Em todos os países do mundo, em função da crescente interferência do governo na educação, tem havido nos últimos anos um aumento das avaliações externas. Estas, entretanto, nem sempre estão sintonizadas com os princípios de uma Educação Matemática crítica ou transformadora. O que tem ocorrido, com frequência, é uma adaptação da prática docente aos princípios e critérios que regem essas avaliações. Kilpatrick (1994) lamenta que as pesquisas em Educação Matemática não tenham se debruçado sobre este problema. Na verdade, as pesquisas que investigam a avaliação e as políticas públicas têm sido muito tímidas quanto à análise dos processos de adoção, adaptação ou resistência dos professores às avaliações externas. Numa visão mais abrangente do problema, a avaliação no processo e, do processo de ensino e aprendizagem de Matemática tem sido muito pouco investigada pelos educadores matemáticos. 7. Contexto sociocultural e político do ensino e aprendizagem de Matemática: As pesquisas que buscam relacionar o ensino e aprendizagem de Matemática ao contexto sociocultural foram a grande novidade da pesquisa em Educação Matemática nos anos 80. Nesse contexto, a Matemática e a Educação Matemática, são vistas como práticas socioculturais que atendem a determinados interesses sociais e políticos. São inúmeras as pesquisas que procuram investigar a relação entre a cultura da Matemática escolar, a cultura matemática que o aluno traz para a escola e a cultura matemática produzida pelos trabalhadores (adultos e algumas crianças trabalhadoras) ao realizar suas atividades profissionais. Esta é a área de investigação em que o Brasil mais tem se destacado internacionalmente: • Na Etnomatemática – linha de pesquisa criada e desenvolvida pelo educador matemático brasileiro mais reconhecido internacionalmente, Ubiratan D’Ambrósio; • Nos estudos de cognição matemática em diferentes contextos socioculturais – linha de investigação desenvolvida no Brasil pelo grupo de Recife; • Nas determinações sócio-políticas e ideológicas na prática do ensino de Matemática. • Portanto, da ausência de crítica, nos anos 70, passamos a um período (anos 80) de amplas discussões políticas, sociais e ideológicas. De uma preocupação muito grande com o como ensinar? Passamos para o por que, para que, e para quem ensinamos Matemática? Entretanto, alguns destes estudos brasileiros, ao priorizar aspectos pedagógicos e socioculturais muito amplos do fenômeno educacional, deixaram para segundo plano aspectos mais específicos do saber matemático, além de descuidar do próprio processo de investigação. Algumas linhas internacionais de pesquisa em Educação Matemática De acordo com levantamento realizado por Batanero e col (1992) os programas de Mestrado e Doutorado em Educação Matemática têm realizado trabalhos dentro das seguintes linhas de pesquisa: ♦ Resolução de problemas; ♦ Informática, computadores e ensino/aprendizagem de Matemática; ♦ Geometria, visualização e representação espacial e pensamento geométrico; ♦ Álgebra e pensamento geométrico; ♦ Desenvolvimento curricular; ♦ Avaliação e atribuição de notas ♦ Proporcionalidade e pensamento proporcional; ♦ Aritmética e pensamento aritmético ♦ Tecnologia educacional (vídeos, uso de calculadoras...); ♦ Formação e treinamento de professores; ♦ Estatísticas e probabilidade e pensamento estatístico e probabilístico; ♦ Ensino de cálculo e pensamento diferencial; ♦ Atitudes, concepções e crenças de professores; ♦ Atitudes em relação à Matemática; ♦ Diferenças individuais; ♦ História e Filosofia da Matemática e da Educação Matemática; ♦ Educação infantil ou alfabetização matemática; ♦ Linguagem no ensino de Matemática e lógica matemática no ensino; ♦ Raciocínio analógico, cálculo mental, estimativas; ♦ Modelagem matemática; ♦ Funções, gráficos e pensamento funcional; ♦ Ensino interdisciplinar com aplicações; ♦ Etnomatemática; ♦ Instrução conceptual e processual; ♦ Metodologia da pesquisa em Educação Matemática; ♦ Provas e demonstrações ♦ Processos cognitivos; ♦ Construtivismo; ♦ Fatores sociais e afetivos e estudantes com dificuldades de aprendizagem; ♦ Professores escolares como pesquisadores; ♦ Teoria e Epistemologia em Educação Matemática; ♦ Crenças, concepções e representações sociais de alunos; ♦ Abordagens investigativas para a Matemática. O QUE SÃO TENDÊNCIAS DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA? A área da Educação tem sido alvo de constantes pesquisas que buscam inovar a sala de aula e desenvolver uma prática docente criativa e adequada às necessidades da sociedade do século XXI. A Educação Matemática não ficou de fora deste processo. Ao contrário, também abre espaço para pesquisas e discussões que envolvam o ensino da Matemática. Neste contexto, surgem tendências tanto na área da Educação como na de Educação Matemática, que envolvem diferentes abordagens consideradas importantes quando aplicadas ao processo de ensino-aprendizagem. Pesquisadores da educação matemática mostram diferentes abordagens quando tratam das tendências da Educação Matemática. Para entender a evolução histórica, é necessário conhecer o trabalho de Fiorentini, que apresenta uma categorização a partir da análise histórica do ensino da Matemática ao longo dos anos. O autor definiu aspectos para diferenciar cada uma das tendências como, por exemplo, a concepção de ensino, aprendizagem e de Matemática, as finalidades e os valores atribuídos ao ensino de Matemática e a relação professor-aluno. As tendências apresentadas são: empírico-ativista, formalista-moderna, tecnicista e suas variações, construtivista, histórico-crítica e sócio- etnoculturalista. Vamos conhecer um pouco das concepções gerais destas tendências! Na década de 1930, com o nascimento da Escola Nova, a Matemática é ensinada pelos seus valores utilitários, suas relações com as outras ciências e suas aplicações para resolver problemas do dia-a-dia. Utilizam-se atividades experimentais, a resolução de problemas e o método científico acreditando-se que o aluno aprende fazendo. Esta forma de trabalho é chamada de tendência empírico- ativista. Nas décadas de 1960 e 1970 o ensino de Matemática foi influenciado por um movimento de renovação conhecido como Matemática Moderna. Neste período, caracteriza-se a tendência formalista-moderna, com ênfase no uso da linguagem, no rigor e nas justificativas. O ensino era centrado no professor e distanciava-se das aplicaçõespráticas. Nos anos setenta, surge a tendência tecnicista, na qual os conteúdos são apresentados como uma instrução programada. Os recursos e as técnicas de ensino passam a ser o centro do processo ensino-aprendizagem. Os alunos e o professor passam a meros executores de um processo desenvolvido por especialistas. O construtivismo é a base da tendência construtivista, que considera o conhecimento matemático resultante da ação interativa-reflexiva do indivíduo com o meio ambiente. Destaca-se o aprender a aprender e o desenvolvimento do pensamento lógico-formal. A tendência histórico-crítica trata de uma aprendizagem significativa, que acontece quando o aluno consegue atribuir sentido e significado às ideias matemáticas e sobre elas é capaz de pensar, estabelecer relações, justificar, analisar, discutir e criar. A tendência sócioetnocultural traz uma visão antropológica, social e política da Matemática e da Educação Matemática. Parte-se de problemas da realidade, inseridos em diversos grupos culturais, que gerarão temas de trabalho na sala de aula. As tendências apresentadas pelo pesquisador Fiorentini seguem uma evolução histórica vivenciada pelo processo educacional. Podemos dizer que as tendências da Educação Matemática vêm acompanhando as da área da Educação. Atualmente, outros autores citam formas de trabalho que podem ser consideradas tendências da Educação Matemática. Por exemplo, Carvalho trata das tendências em Educação Matemática quando apresenta as linhas de pesquisa em Educação Matemática fornecidas em 1993 por instituições que atuavam nesta área tais como: resolução de problemas, informática e Educação Matemática, etnomatemática. Já Bicudo, Viana e Penteado6 apresentam como diretrizes de pesquisa a visão histórica da Matemática, a ideologia presente nos discursos matemáticos (linguagem matemática) e a etnomatemática. Para Lopes e Borba uma tendência é uma forma de trabalho que surgiu a partir da busca de soluções para os problemas da Educação Matemática. A partir do momento que é usada por muitos professores ou, mesmo que pouco utilizada, resulte em experiências bem sucedidas, estamos diante de uma verdadeira tendência. Colocam, ainda, que a Educação Matemática crítica, a etnomatemática, a modelagem matemática, o uso de computadores e a escrita na Matemática são verdadeiras tendências. Assim, podemos perceber que, apesar de citarem diferentes formas de trabalho ou linhas de pesquisa, os autores concordam que a utilização de uma tendência no processo ensino-aprendizagem da Matemática pode contribuir para que professores e alunos vivenciem diferentes formas de ensinar e aprender Matemática. Nesta apostila, vamos dar ênfase ao estudo de algumas tendências. No entanto, antes disso vamos apresentar um panorama sucinto sobre as tendências atuais da Educação Matemática. AS TENDÊNCIAS ATUAIS NO ENSINO DE MATEMÁTICA – EDUCAÇÃO MATEMÁTICA Com a deflagração de um processo de discussão coletiva direcionado pela Secretaria da Educação, envolvendo principalmente professores e pedagogos para se compuser as Diretrizes Curriculares, a Educação Matemática que já vinha conquistando seu espaço passa a ser considerada oficialmente como campo de estudo. O “professor de matemática” está sendo desafiado a ser substituído pelo “educador matemático” que vê a matemática como um campo investigativo, onde ele vai construir seus próprios métodos e não apenas seguir modismos de opinião pública. A Secretaria de Estado da Educação por meio das Diretrizes Curriculares, (2009), apresenta as tendências metodológicas que compõe o campo de estudo da Educação Matemática: Etnomatemática, Modelagem Matemática, Mídias Tecnológicas, História da Matemática, Investigação Matemática e Resolução de Problemas. EDUCAÇÃO MATEMÁTICA CRÍTICA A educação matemática crítica surge na década de 1980 como um movimento que promove debates acerca do tema poder. Ao levar em consideração os aspectos políticos da educação matemática praticada, busca respostas para perguntas tais como: Para quem a Educação Matemática deve estar voltada? A quem interessa? Quando se tenta responder perguntas deste tipo, levantam-se debates sobre questões de preconceito, democracia, interesses políticos etc. Ao trabalhar com a matemática crítica é possível mostrar ao aluno outra faceta do papel da Matemática na sociedade, tornando-a uma ferramenta importante na busca de uma sociedade mais justa. ETNOMATEMÁTICA Segundo D'Ambrosio (1987): Etno (sociedade, cultura, jargão, códigos, mitos, símbolos) + matema (explicar, conhecer) + tica (tchné, arte e técnica). Raízes sócio- culturais da arte ou técnica de explicar e conhecer. A etnomatemática prioriza a cultura local onde quer que o trabalho seja desenvolvido valorizando sempre a matemática presente nas diferentes culturas. Tem como ponto de partida o conhecimento prévio, isto é, o conhecimento adquirido com as experiências e observações fora do âmbito escolar dos alunos. Partindo dos conceitos informais trazidos pelos alunos, a etnomatemática, contraria a concepção de que todo conhecimento matemático é adquirido na escola, pois se vale desses conceitos e de situações existentes na comunidade escolar para formalizar os conceitos. O professor precisa se inteirar dos costumes, para perceber se os conceitos que os alunos têm sobre determinados assuntos são válidos, e assim saber o que pode ser mudado ou complementado. Isso exige muita disponibilidade do professor. Os principais trabalhos nesta linha são: D'Ambrosio (1986); Carraher, Carraher & Schlieman (1988), entre outros. MODELAGEM MATEMÁTICA A Modelagem Matemática é conceituada por diferentes autores, alguns com conceitos mais detalhados, outros menos. Contudo, todos dão a entender que se trata da arte de transformar problemas da realidade em problemas para serem resolvidos em sala de aula, analisando os resultados. Ao falar sobre as atividades de modelagem matemática em sala de aula, Burack (2004) apresenta as etapas para o encaminhamento e desenvolvimento desse trabalho: escolha do tema; pesquisa exploratória; levantamento dos problemas; resolução do (s) problema (s) e desenvolvimento da Matemática relacionada ao tema; análise crítica da (s) solução (es). De acordo com o autor, o grande desafio para o professor é que os problemas levantados com a pesquisa exploratória determinam o conteúdo matemático a ser trabalhado e, muitas vezes, diferem dos conteúdos trabalhados na série em que está se desenvolvendo esta atividade de modelagem. Cabe ao professor, romper com a sequência estabelecida, “abrir parênteses” e trabalhar com os problemas encontrados de acordo com o nível dos alunos. A modelagem, como uma alternativa metodológica para o ensino de Matemática na Educação Básica é uma estratégia desafiadora, que rompe as barreiras do ensino tradicional na perspectiva de um ensino, onde o aluno participa na construção dos conceitos e dos conhecimentos matemáticos. MÍDIAS TECNOLÓGICAS De acordo com Moran (2007), o uso de novas tecnologias na escola está sendo implantado gradativamente. Este uso tem sem dúvida seus pontos positivos, no entanto, sabemos que, muitas vezes a tecnologia é usada sob o pretexto de modernização, tentando ocultar os problemas sérios que a escola enfrenta. As tecnologias precisam ser compreendidas como ferramentas que auxiliam o trabalho do professor, pois os conteúdos, as informações podem estar contidas em grande quantidade em um pequeno espaço como CD-ROM, Pen Drive e, até mesmo, estar disponíveis na internet, porém o professor é indispensável no processo de interpretação, de relacionamento, de julgamento, para fazer as considerações e tirar as conclusões, fazendo as complementaçõesnecessárias. No Paraná, no Portal Dia- a-Dia Educação (http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br), o professor tem disponível um site da disciplina de matemática (http://matematica.seed.pr.gov.br) que tem a finalidade de informar os professores, servindo como recurso de apoio a implementação de tecnologias na prática pedagógica. http://matematica.seed.pr.gov.br/ HISTÓRIA DA MATEMÁTICA A História da Matemática, de acordo com as Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná (2009), pode servir como referência na elaboração de atividades e problemas favorecendo o entendimento de conceitos matemáticos. Ela nos mostra que as grandes descobertas matemáticas surgiram da necessidade ou pela curiosidade em descobrir as relações entre medidas para se chegar a uma fórmula matemática, ou a uma constante numérica, como é o caso do p. Através da história da Matemática o estudante pode ser instigado a compreender como o conhecimento matemático é construído tornando-o, assim mais significativo para o aluno. INVESTIGAÇÃO MATEMÁTICA De acordo com as Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná (2009), a prática pedagógica da investigação matemática vem despontando como um caminho aceito e recomendado por muitos estudiosos como forma de proporcionar ao aluno uma melhor compreensão da disciplina. As atividades investigativas devem ser desafiadoras e preparadas com antecedência pelo professor, que poderá usar um mesmo texto com questões diferentes aos grupos participantes. Podemos dividir em três etapas a atividade de investigação: a introdução da tarefa, a sua realização pelos alunos com acompanhamento do professor e a discussão/reflexão entre alunos de grupos diferentes com a participação do professor. RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS Das tendências metodológicas, para o ensino da matemática, entendemos que, por meio da resolução de problemas, é que a matemática se desenvolve por manter um elo, com todas as outras tendências da Educação Matemática. Os problemas são importantes porque trazem ideias novas, impulsionando os diversos ramos da matemática, muitas vezes sem estarem diretamente ligados. De acordo com Polya (2006) à medida do possível, é importante que os problemas sejam provocativos, pois quando o aluno é desafiado, suas emoções de entusiasmo na busca de solução são despertadas. Para esse autor, se o professor apresentar aos alunos problemas que desafiem a curiosidade certamente vai despertar o interesse dos mesmos, para resolvê-los. A satisfação gerada, pela solução encontrada, pode ativar um talento natural para a matemática que poderá ser um instrumento profissional ou até mesmo a própria profissão. Isso significa dizer que ninguém pode saber o gosto de alguma coisa sem antes experimentá-la. O autor ressalta ainda que, os problemas precisam estar adequados ao nível dos alunos, isto é, nem tão difíceis para que não desanimem frente às dificuldades encontradas e nem tão fáceis para que não percam o interesse por julgarem fáceis demais. Segundo Polya (2006), outra questão que não pode ser desconsiderada pelo professor é o momento da explicação de como se resolve um problema. É preciso deixar claro aos alunos que essa não é tarefa fácil, pois podemos encarar um problema de diferentes maneiras. Muitas vezes, o nosso entendimento do problema, quando lemos pela primeira vez é parcial, só vai se completando na medida em que lemos mais atentamente e, dessa forma, nos organizamos em busca da solução. Para resolver um problema não podemos seguir regras, ou simplesmente fazer o uso de algum algoritmo, pois os problemas quando bem formulados exigem muito mais que uma forma mecânica para resolver. Os problemas variam muito, mas de uma maneira geral, existem etapas que podem ajudar na resolução. Essas etapas não são rígidas nem infalíveis e podem variar quanto ao número, geralmente de três a cinco, podendo ser mais, ou menos. Polya (2006) apresenta quatro etapas principais para resolução de problemas: • Compreender o problema: quem vai resolver um problema, primeiramente precisa entender o que se pede, através de uma leitura atenta, ou até mais de uma, interpretando corretamente, para saber o que se pretende calcular. São partes importantes de um problema: a incógnita; os dados fornecidos pelo problema e a condição que deve ser satisfeita relacionando esses dados conforme as condições estabelecidas no enunciado. • Elaboração de um plano: depois de interpretar o problema é preciso escolher uma estratégia de ação, que pode variar muito dependendo da natureza do problema. Pode se iniciar com o esboço de uma figura geométrica, com um gráfico, uma tabela ou um diagrama; fazer uso de uma fórmula; tentativa-e-erro sistemática, entre outras. • Executar o plano: se o plano foi bem elaborado, não fica tão difícil resolver o problema, seguindo passo a passo o que foi planejado, efetuando todos os cálculos, executando todas as estratégias, podendo haver maneiras diferentes de resolver o mesmo problema. O importante é que o professor acompanhe todos os passos, questionando o aluno, podendo dar alguma ajuda, mas que o aluno se sinta o idealizador e realizador do plano. • Retrospecto ou verificação: depois de encontrar a solução é hora de verificar se as condições do problema foram satisfeitas, se o resultado encontrado faz sentido. Pode- se questionar também sobre outras maneiras de resolver o mesmo problema, como também a resolução de outros problemas correlatos, usando a mesma estratégia. Entendemos que todas as etapas mencionadas são importantes, mas se a primeira não acontecer a contento, nenhuma outra poderá levar ao objetivo final que é a resolução e o entendimento do problema. Uma leitura bem-feita, para que o aluno consiga captar todas as informações contidas no enunciado do problema, isto é, investigar tudo o que o problema encerra, é mais que meio caminho andado para se chegar a solução. É papel do professor de Matemática, como educador, propiciar as condições necessárias aos alunos, através de problemas bem formulados. Conforme o nível de compreensão dos alunos, o professor pode ir adequando os problemas, para que os mesmos possam fazer uma leitura interpretativa. Cabe ainda ao professor, acompanhar e questionar o aluno, para saber se houve entendimento, auxiliando-o, quando ele apresentar dificuldades. Para Butts (apud Dante, 2005), primeiramente, é necessário distinguir um problema de um exercício. Segundo esse autor, o exercício serve apenas para treinar uma habilidade em praticar determinados processos algorítmicos, e o problema é descrito como uma situação, onde não se sabe de antemão por qual meio se chega à solução, não existindo nenhum algoritmo que possa previamente considerar como caminho. A RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS NUMA PERSPECTIVA METODOLÓGICA A resolução de problemas, no final da década de 80, começa a ter uma nova dimensão, despontando como metodologia de ensino. Osborne e Kasten (1996) afirmam que usar um problema como recurso para desenvolver e introduzir tópicos de matemática pode ser considerado uma metodologia importante que pode contribuir com o trabalho do professor. Considera-se como um problema toda situação que pode ser problematizada, tais como: jogos, em que se busca uma estratégia para vencer, qualquer tipo de atividade planejada, levantamento e seleção de informações, qualquer atividade que requeira uma atitude investigativa. Uma situação problematizada não se resolve simplesmente através de fórmulas ou aplicação de uma determinada regra, é necessário uma atitude de investigação mais profunda, onde a resposta encontrada não é mais importante do que o caminho percorrido para se chegar até ela. Na Resolução de Problemas como metodologia de ensino, os conceitos e as técnicasoperatórias são apresentados aos alunos fazendo uma relação entre a ideia matemática e o contexto. Diniz (2001) afirma que a resolução de problemas é um caminho para se ensinar matemática. Nessa perspectiva, por meio da resolução de problemas, como ponto de partida, é possível introduzir novos conceitos, fazer a conexão com outros ramos da matemática e iniciar novos conteúdos. Na resolução de problemas, a comunicação é essencial, seja ela oral, escrita, ou através de desenhos. Isso possibilita ao professor, observar as mudanças de atitudes e acompanhar o progresso do aluno, bem como, interferir nas dificuldades encontradas, seja para o desenvolvimento das estratégias planejadas, ou mesmo para entender determinados conceitos. Artigos para complementação de estudos O ensino da estatística e da probabilidade na educação básica e a formação dos professores Celi Espasandin Lopes RESUMO Este artigo trata sobre a relevância e os objetivos para se ensinar e aprender estatística e probabilidade na Educação básica. A partir dos resultados de pesquisas realizadas na Educação estatística e na Educação Matemática nas últimas décadas, traz considerações sobre os processos de ensino e aprendizagem da estocástica durante a infância e adolescência. Apresenta recomendações relativas ao currículo de Matemática no que se refere ao estudo da probabilidade e da estatística. Destaca questões relativas à formação inicial e contínua dos professores, ao desenvolvimento profissional e conhecimento profissional dos professores que ensinam matemática na educação infantil, ensino fundamental e médio. Palavras-chave: Educação básica. Educação Matemática. Educação estatística. Probabilidade. Formação de professores. Introdução O objetivo desse artigo é promover uma discussão sobre a inserção da estatística e probabilidade no currículo de Matemática desde os anos iniciais da escola básica e as possíveis relações e/ou implicações com a formação de professores que atuam nesse nível de ensino. As propostas curriculares de matemática têm procurado justificar a importância e a relevância desses temas na formação dos estudantes, pontuando o que eles devem conhecer e os procedimentos que devem desenvolver para uma aprendizagem significativa. O estudo desses temas torna-se indispensável ao cidadão nos dias de hoje e em tempos futuros, delegando ao ensino da matemática o compromisso de não só ensinar o domínio dos números, mas também a organização de dados, leitura de gráficos e análises estatísticas. Sob esta visão, percebemos que se incluirmos a estocástica1 apenas como um tópico a mais a ser estudado, em um ou outro ano de escolaridade da educação básica, enfatizando apenas a parte da estatística descritiva, seus cálculos e fórmulas não levarão o estudante ao desenvolvimento do pensamento estatístico e do pensamento probabilístico, que envolvem desde uma estratégia de resolução de problemas, até uma análise sobre os resultados obtidos. Parece-nos essencial à formação de nossos alunos o desenvolvimento de atividades estatísticas que partam sempre de uma problematização, pois assim como os conceitos matemáticos, os estatísticos também devem estar inseridos em situações vinculadas ao cotidiano deles. Assim sendo, esse estudo os auxiliará na realização de seus trabalhos futuros em diferentes ramos da atividade humana e contribuirá para sua cultura geral (Lopes, 1998). Acreditamos que é necessário desenvolver uma prática pedagógica na qual sejam propostas situações em que os estudantes realizem atividades, as quais considerem http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-32622008000100005#n1a seus contextos e possam observar e construir os eventos possíveis, por meio de experimentação concreta, de coleta e de organização de dados. A aprendizagem da estocástica só complementará a formação dos alunos se for significativa, se considerar situações familiares a eles, que sejam contextualizadas, investigadas e analisadas. Para isso, acreditamos ser necessária uma visão curricular para a Matemática que seja diferente da linear. A linearidade tem predominado nos currículos dessa disciplina, sempre justificando que, para ensinar um conteúdo, é preciso antes trabalhar seu antecedente. Segundo D'Ambrosio (1998), esse é o mito da linearidade, que implica uma prática educativa desinteressada e desinteressante, desinspirada, desnecessária, acrítica e, na maioria das vezes, equivocada. O ensino da estocástica talvez possa auxiliar na ruptura dessa prática linear, considerando que os conceitos a serem trabalhados podem ser extraídos de problemáticas diversas, sem se prenderem a um determinado ano da escolaridade. A relevância do ensino da probabilidade e da estatística O desenvolvimento da estatística e da probabilidade, nas escolas básicas, tem sido alvo de pesquisas em algumas partes do mundo, e muitos pesquisadores publicam trabalhos a respeito, procurando justificar a relevância do assunto. De acordo com Shaughnessy (1992, 2007), a pesquisa em estocástica tem sido verdadeiramente interdisciplinar. Educadores matemáticos e estatísticos contribuíram amplamente, nos últimos dez anos, e o estágio de pesquisa apresenta-se demais eclético para que seja possível uma síntese. A partir dos resultados dessas pesquisas, apresentaremos considerações e/ou recomendações sobre o ensino e a aprendizagem da estocástica. No início dos anos de 1980, Mendoza e Swift (1981) destacaram que estatística e probabilidade deveriam ser ensinadas para que todos os indivíduos pudessem dominar conhecimentos básicos de estatística e probabilidade para atuarem na sociedade. Atualmente, as propostas curriculares de matemática, em todo mundo, dedicam atenção especial a esses temas, enfatizando que o estudo dos mesmos é imprescindível para que as pessoas possam analisar índices de custo de vida, realizar sondagens, escolher amostras e tomar decisões em várias situações do cotidiano. A competência nesses assuntos permite aos alunos uma sólida base para desenvolverem estudos futuros e atuarem em áreas científicas como a biologia e as ciências sociais. Além disso, ao considerarmos o mundo em rápida mudança como o que estamos vivendo, é imprescindível o conhecimento da probabilidade de ocorrência de acontecimentos para agilizarmos a tomada de decisão e fazermos previsões. Por termos vivenciado algumas situações de pesquisa e orientação de professores no que se refere ao ensino da estatística e da probabilidade na educação infantil, no ensino fundamental e no ensino médio, consideramos mais amplamente as contribuições do estudo desses temas à formação do aluno. Verificamos o objetivo de desenvolvermos a capacidade de crítica e a autonomia desse aluno para que exerça plenamente sua cidadania, ampliando suas possibilidades de êxito na vida pessoal e profissional. Não estamos dizendo com isso que apenas o estudo desses temas seja suficiente, mas sem dúvida permite ao estudante desenvolver habilidades essenciais, como análise crítica e argumentação. Tais assuntos são tão importantes no currículo de matemática da educação básica quanto o estudo da geometria, da álgebra ou da aritmética que, trabalhadas significativamente, também contribuem para essa formação. Não basta ao cidadão entender as porcentagens expostas em índices estatísticos, como o crescimento populacional, taxas de inflação, desemprego.... É preciso analisar/relacionar criticamente os dados apresentados, questionando/ponderando até mesmo sua veracidade. Assim como não é suficiente ao aluno desenvolver a capacidade de organizar e representar uma coleção de dados, faz-se necessário interpretar e comparar esses dados para tirar conclusões. No mundo das informações no qual estamos inseridos, torna-se cada vez mais "precoce" o acesso do cidadão a questões sociais eeconômicas em que tabelas e gráficos sintetizam levantamentos; índices são comparados e analisados para defender ideias. Dessa forma, faz-se necessário que a escola proporcione ao estudante, desde os primeiros anos da escola básica, a formação de conceitos que o auxiliem no exercício de sua cidadania. Entendemos que cidadania também seja a capacidade de atuação reflexiva, ponderada e crítica de um indivíduo em seu grupo social. Sendo assim, urge que a escola cumpra seu papel de educar para a cidadania. Segundo Machado (1997, p. 48), (...) educar para a cidadania deve significar também, pois, semear um conjunto de valores universais, que se realizam com o tom e a cor de cada cultura, sem pressupor um relativismo ético radical francamente inaceitável; deve significar ainda a negociação de uma compreensão adequada dos valores acordados, sem o que as mais legítimas bandeiras podem reduzir-se a meros slogans e o remédio pode transformar-se em veneno. Essa tarefa de negociação, sem dúvida, é bastante complexa; enfrentá-la, no entanto, não é uma opção a ser considerada, é o único caminho que se oferece para as ações educacionais. Para que o ensino da estatística e da probabilidade contribua para a efetivação desse fato, é importante que se possibilite aos alunos o confronto com problemas variados do mundo real e que tenham possibilidades de escolherem suas próprias estratégias para solucioná-los. Acreditamos ser necessário que nós, professores, os incentivemos a socializarem suas diferenciadas soluções, aprendendo a ouvir críticas, a valorizar seus próprios trabalhos e os dos outros. Nesse contexto, o trabalho com esses temas pode ser de grande contribuição, tendo em vista sua natureza problematizadora que viabiliza o enriquecimento do processo reflexivo. Dessa forma, defendemos que os conceitos probabilísticos e estatísticos devam ser trabalhados desde os anos iniciais da educação básica para não privar o estudante de um entendimento mais amplo dos problemas ocorrentes em sua realidade social. Não é possível esperarmos que nosso aluno chegue ao ensino médio para iniciarmos conteúdos essenciais para o desenvolvimento de sua visão de mundo. É preciso que a escola proporcione a ele instrumentos de conhecimento que lhe possibilitem uma reflexão sobre as constantes mudanças sociais e o prepare para o exercício pleno da cidadania. Nesse sentido, D'Ambrósio (1996, p. 87) nos aponta: "A educação para cidadania, que é um dos grandes objetivos da educação de hoje, exige uma 'apreciação' do conhecimento moderno, impregnado de ciência e tecnologia". Assim, consideramos que o trabalho com estatística e probabilidade se torna relevante ao possibilitar ao estudante desenvolver a capacidade de coletar, organizar, interpretar e comparar dados para obter e fundamentar conclusões, que é a grande base do desempenho de uma atitude científica. Esses temas são essenciais na educação para a cidadania, uma vez que possibilitam o desenvolvimento de uma análise crítica sob diferentes aspectos científicos, tecnológicos e/ou sociais. Uma educação estatística crítica requer do professor uma atitude de respeito aos saberes que o estudante traz à escola, que foram adquiridos por sua vida em sociedade. Em nosso modo de entender, seria necessária a discussão de temas, como a poluição dos rios e mares, os baixos níveis do bem-estar das populações, o abandono da saúde pública, entre outros; questões que estão em manchetes de jornais diários e revistas e em reportagens de televisão. Trabalhando a análise dessas questões que estão sempre envolvidas em índices, tabelas, gráficos etc., podemos estar viabilizando a formação de cidadãos críticos, éticos e reflexivos. Dessa forma, estatística e probabilidade, em sala de aula, poderiam ser temas explorados por meio da matematização, entendendo, segundo a definição de Skovsmove (1994), que matematizar significa, em princípio, formular, criticar e desenvolver modos de compreensão. Para que esse processo se efetive é necessário que tanto alunos quanto professores estejam no domínio da situação de aprendizagem, elaborando e solucionando problematizações. O ensino da probabilidade e da estatística através da resolução de problemas A resolução de problemas, que é o princípio norteador da aprendizagem da matemática, pode possibilitar o desenvolvimento do trabalho com estatística e probabilidade em sala de aula, pois da mesma forma que a matemática, a estatística também se desenvolveu através da resolução de problemas de ordem prática na história da humanidade. Assim, é preciso entender que problema não é um exercício de aplicação de conceitos recém-trabalhados, mas o desenvolvimento de uma situação que envolve interpretação e estabelecimento de uma estratégia para a resolução. Pozo (1998) considera que trabalhar problema em matemática significa colocar em ação certas capacidades de inferência e de raciocínio geral. Acreditamos que não faz sentido trabalharmos atividades envolvendo conceitos estatísticos e probabilísticos que não estejam vinculados a uma problemática. Propor coleta de dados desvinculada de uma situação-problema não levará à possibilidade de uma análise real. Construir gráficos e tabelas desvinculados de um contexto ou relacionados a situações muito distantes do aluno pode estimular a elaboração de um pensamento, mas não garante o desenvolvimento de sua criticidade. Uma vez mais ressaltamos que o ensino da estocástica deve propiciar ao estudante situações que lhe permitam a superação do determinismo em favor da aleatoriedade. É necessário trabalharmos dentro do currículo de Matemática com situações que envolvam as ideias de acaso e de aleatório, pois, do contrário, estaremos reduzindo o ensino desta ao verdadeiro e falso de suas proposições. Bernardes (1987, p. 13) afirma que: "Se o ensino de Matemática se deve ocupar mais de uma forma de pensar do que de uma forma de escrever fórmulas ou numerais, se o ensino da Matemática se deve ocupar mais da tomada consciente de decisões do que do estrito cálculo, então a teoria das probabilidades é fundamental". O desenvolvimento do pensamento probabilístico e estatístico, sem dúvida, pode efetivar as potencialidades formativas da disciplina de Matemática. O ensino da matemática tem como tradição a exatidão, o determinismo e o cálculo, opondo-se à exploração de situações que envolvam aproximação, aleatoriedade e estimação, as quais podem limitar a visão matemática que o aluno poderá desenvolver, dificultando suas possibilidades de estabelecimento de estratégias para a resolução de problemas diversificados que lhe surgirão ao longo de sua vida. Godino et al. (1987) apontam uma razão do tipo social para defender a educação da intuição probabilística na escola básica, que é tornar os alunos conscientes da natureza probabilística de distintos jogos de azar (loterias, máquinas caça-níqueis, bingos etc.), jogos que são magníficos negócios para aqueles que os promovem e um risco desproporcional de perder dinheiro para aqueles que apostam. Os autores questionam se é racional um homem ou uma mulher expor seus bens a uma casualidade tão pouco favorável para si. Dessa forma, talvez o trabalho crítico e reflexivo com a estocástica possa levar o estudante a repensar seu modo de ver a vida, o que contribuirá para a formação de um cidadão mais liberto das armadilhas do consumo. Consideramos que o estudo de conceitos estatísticos e probabilísticos a partir dos anos iniciais é essencial à formação da criança. No mundo atual, diariamente, cada indivíduo recebe grande quantidade de informações e, com frequência, utiliza técnicas estatísticas para correlacionar dados e, a partir destes, tirar conclusões. Além disso, outras áreas do conhecimento, como Biologia, Física, Química, Geografia, entre outras, fazem uso, constantemente, da linguagemestatística. Assim, vislumbramos o ensino da estatística assumindo um papel de instrumento de operacionalização, de integração entre diversas disciplinas e mesmo entre diferentes temas dentro da própria Matemática. Para desenvolver um trabalho pedagógico que viabilize a educação estatística de nossos estudantes, há desafios com os quais os professores que ensinam matemática na educação básica têm se confrontado. Os desafios docentes e a elaboração do conhecimento profissional O repensar do papel do professor no processo do ensinar e do aprender tem estado na pauta nacional de educação e tem sido foco central de algumas políticas públicas. No entanto, ainda não se podem perceber resultados significativos no que se refere à formação estocástica dos alunos que têm finalizado o ensino médio. Inicialmente, é necessário que cada docente tenha consciência de sua ação política através de sua prática pedagógica. D'Ambrósio (1996) nos leva a refletir que educação é um ato político e se algum professor julga que sua ação é politicamente neutra, não entendeu nada de sua profissão. Sem dúvida, os processos educacionais são inerentemente políticos e nós, professores, constantemente tomamos decisões e assumimos ações que expressam o quanto não somos politicamente neutros. Assim, um primeiro desafio refere-se a nossa opção em incluir ou excluir alguns assuntos do currículo de nossa disciplina. Nessa ação estamos efetivando nossa posição política, quando legitimamos certas crenças e deslegitimamos outras. Freire (1997) também considera que a produção do conhecimento com criticidade deve ser um trabalho conjunto do professor e do aluno, que o pensar certo, que supera o ingênuo, precisa ser produzido pelo próprio aprendiz, em comunhão com o professor-formador. Um segundo desafio enfrentado pelo professor é estabelecer uma relação com o aluno, na qual este se perceba produtor de conhecimento e corresponsável pelo seu processo de aprendizagem, assumindo o compromisso de socializar com seus pares suas compreensões e dificuldades, trabalhando assim colaborativamente. As transformações sociais, econômicas e políticas pelas quais passa a sociedade têm solicitado um novo modelo de escola, trazendo um repensar para aqueles que exercem a função docente. D'Ambrosio (1998, p. 49), um educador matemático sempre à frente de seu tempo, com a capacidade constante de nos provocar significativas reflexões sobre o ato de educar, afirma: Faz-se necessário um outro professor, formado de outra maneira e com a capacidade de renovar seus conhecimentos como parte integrante de sua preparação profissional. Além disso, um professor conscientizado de que seu papel tem sua ação bem mais ampliada é certamente mais empolgante do que um mero transmissor de informações na função de professor. Tal alerta aponta para que se tenha um olhar cuidadoso em relação à formação de professores, pois já podemos considerar consenso que os cursos de reciclagem e treinamento são um modelo fracassado, uma vez que não envolvem o profissional em processos de reflexão sobre sua prática. Azcárate (1999) considera o conhecimento profissional resultante de diferentes informações provenientes de fontes distintas e organizado em torno de problemas específicos do ensino. Dessa forma, o conhecimento profissional do professor tem natureza transdisciplinar, complexa e interliga os componentes empíricos da didática. Ele é passível de múltiplas concepções e procedimentos, que se ampliam significativamente para os professores da educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental, os quais são considerados polivalentes por terem várias áreas de conhecimento como foco de trabalho. O termo "conhecimento" pode referir-se às áreas do saber pedagógico, do saber-fazer e do saber por que, uma vez que isso significa os conhecimentos teóricos e conceptuais, os esquemas práticos de ensino e a justificação da prática. Assim, podem-se elencar quatro componentes para o conhecimento profissional dos professores: o conhecimento do conteúdo, o psicopedagógico, o didático do conteúdo e o do contexto (Marcelo García, 1999, p. 84). A partir das argumentações desses teóricos, acreditamos que, então, os professores precisam possuir conhecimentos sobre a matéria que ensinam, conheçam o conteúdo em profundidade, sendo capazes de organizá-lo mentalmente, de forma a estabelecer inúmeras inter-relações, relacionem esse conteúdo ao ensino e à aprendizagem, em um processo de interação com os alunos, considerando o desenvolvimento cognitivo dos mesmos e, também, dominem o contexto, tendo clareza do local em que ensinam e a quem ensinam. O elemento central do conhecimento profissional do professor é, sem dúvida, o didático do conteúdo, porém não é o suficiente. Fazse necessária uma combinação adequada entre o conhecimento sobre o conteúdo matemático a ser ensinado e o conhecimento pedagógico e didático de como ensiná-lo. O conhecimento didático do conteúdo é uma síntese entre os conteúdos a ensinar e os modos de fazê-lo, incluindo formas de representação das ideias, analogias importantes, ilustrações e exemplos próximos ao contexto. Está incorporada a esse conhecimento a habilidade em representar e formular o conteúdo conceitual e/ou procedimental, tornando-o compreensível aos alunos, gerando a compreensão do que torna a aprendizagem de um conceito mais ou menos difícil e de suas respectivas concepções. O professor, na sua atividade profissional diária, defronta-se com múltiplas situações para as quais não encontra respostas preestabelecidas. Para fazer-lhes face, tem de pôr em movimento um conhecimento que envolve elementos com origens diversas – incluindo acadêmicas e experiências –, bem como aspectos de foro pessoal e contextual. Em seu desempenho profissional, o docente não só precisa mobilizar teorias e técnicas, mas também suas concepções, sentimentos e seu saber fazer (Lopes, 2003). É por isso que cada vez mais se identifica o conhecimento do professor como prático, pois integra conhecimento teórico de referência e experiencial. É pessoal, porque é construído pelo próprio docente, inserido nos vários contextos de sua atuação profissional. Um profissional da Educação, que conceba o ensino como uma mera transmissão de conceitos já elaborados e construídos, que considere que a aprendizagem se restringe apenas ao envolvimento e à capacidade do aluno, talvez não leve em conta os componentes do conhecimento profissional como necessidades. A atuação docente dependerá de sua sensibilidade para com o processo de desenvolvimento dos alunos, de suas interpretações do contexto no qual atua e de seu autoconhecimento pessoal e profissional. Talvez essas características possam ser desencadeadoras do desenvolvimento profissional. O desenvolvimento profissional é um processo que salienta os aspectos que o professor pode desenvolver em função de suas potencialidades. Ocorre com base em um certo autodidatismo, em que ele procura, decide, projeta e executa um plano de formação. É nessa busca que melhora seu conhecimento, suas competências e/ou atitudes (Lopes, 2003). Segundo Marcelo García (1999), o desenvolvimento profissional é muito mais que proporcionar um serviço a um professor ou a um grupo de professores. Inclui também a dinâmica organizacional da escola, como o clima, a estrutura de autoridade, as normas que definem as relações entre o pessoal, a natureza das comunicações em uma escola ou em um distrito, os papéis e responsabilidades daqueles que pertencem à organização. Um desenvolvimento autônomo ocorre por iniciativa do próprio professor, pode ter a reflexão como estratégia, pode centrar-se no apoio profissional mútuo entre colegas e/ou coordenação. Pode ocorrer através da inovação curricular e/ou de cursos de formação e também por meio da investigação, quando aimagem do professor se relaciona ao movimento de investigação-ação. Poderíamos dizer, então, que a profissão docente requer dinamismo, um cidadão ativo e comprometido. O desenvolvimento desse profissional, conforme considerações anteriores, precisará ser analisado nos aspectos referentes à ação, à reflexão, à autonomia e à colaboração. O desenvolvimento profissional do professor de matemática acontece em um contínuo movimento de dentro para fora e tende a considerar a teoria e a prática de forma interligada, não privilegiando uma em detrimento da outra (Ponte, 1998). Dessa forma, devemos considerar os aspectos cognitivo e afetivo do professor, ao envolvê-lo em projetos, cursos, encontros. É necessário valorizar suas experiências, seus saberes que incluem crenças, concepções, valores e expectativas, além dos conhecimentos práticos e teóricos construídos pelo docente desde seu curso de formação inicial. Nesse sentido, Hargreaves (1998, p. 185) considera que (...) o desenvolvimento profissional destaca a combinação de processos formais e informais. O professor não é um objeto distante, mas torna-se o sujeito do processo de aprendizagem. É dada atenção ao conhecimento e aos aspectos cognitivos, porém, também às questões afetivas e de relacionamento. O objetivo não é a "normalização", mas a promoção da individualidade de cada professor. Nossa experiência, como formadora de professores que ensinam matemática e como professora, faz-nos refletir sobre as questões da complexidade educativa na qual estamos inseridos e a respeito do que seria essa individualidade nos diferentes contextos em que atuamos. Muitas vezes, desconsideramos essa problemática, ao analisarmos a atuação docente, e somos levados a reduzi-la a uma série de variáveis emergentes e à aplicação de algumas técnicas, métodos e procedimentos. O processo de desenvolvimento profissional e de mudança dependerá principalmente do próprio professor, do quanto sua insatisfação frente a seus conhecimentos e/ou práticas de ensino atuais o inquieta e também de sua vontade e empenho em desenvolvê-los e aprimorá-los. Embora a experiência possa ser um fator fundamental para o desenvolvimento profissional do professor, nem sempre é suficiente para responder às questões da prática, pois a construção de soluções para muitos desses problemas requer contribuição teórica. Ao longo do exercício de sua profissão, o docente necessitará aprofundar e ampliar conhecimentos de conteúdos conceituais e didáticos, adequar- se ao movimento próprio da evolução humana, revendo o currículo que prioriza em sua ação, sua relação com os alunos e a clareza sobre o contexto no qual atua. Em nossa sociedade atual, a instituição escolar não tem conseguido acompanhar as alterações sociais e tecnológicas ocorridas mundialmente, e cabe ao professor intervir sistematicamente na reversão dessa situação, ao promover interações sociais que gerem processos reflexivos entre os estudantes e que estes também contribuam na reestruturação dos espaços pedagógicos. Ao pensarmos sobre a formação de um profissional que exerce seu ofício nesse contexto, precisamos refletir a respeito da aprendizagem do professor. Parece-nos importante um processo de formação profissional que se centre no contínuo hábito da reflexão, provocando o desenvolvimento profissional dos professores, que deixará de ser visto como a organização de cursos com objetivo de suprir dúvidas, dificuldades e/ou lacunas da formação inicial e passará a relacionar-se à criação de dispositivos e contextos que levam o docente a investir em sua carreira. Considerações finais Acreditamos que um dos principais impedimentos ao ensino efetivo de probabilidade e estatística na educação básica refira-se à formação dos professores que ensinam matemática nesses níveis de ensino: educação infantil, ensino fundamental e ensino médio. Ao visualizarmos um ensino e uma aprendizagem de estocástica envolvendo a construção de modelos de fenômenos físicos, desenvolvimento e uso de estratégias de simulação e a comparação e avaliação de problemáticas diversas, precisamos considerar que essa abordagem também seja efetiva na formação dos professores. A partir dessa visão, o ensinar estatística e probabilidade torna-se sinônimo de ensinar a resolução de problemas. Um dos aspectos importantes na formação estatística durante a educação básica refere-se à capacidade em perceber a existência da variação, à necessidade de descrever populações, a partir de coleta de dados, e à necessidade de reduzir dados primitivos, percebendo tendências e características através de sínteses e apresentação de dados. Conforme os estudantes forem progredindo em lidar com investigações estatísticas, seria importante que eles entendessem a necessidade de estudar amostras, ao invés de populações, e fazer inferências de amostras para populações. É importante que os estudantes comecem a entender a natureza e os processos envolvidos em uma investigação estatística, fazendo considerações que interfiram no modelo de um plano para a coleta de dados. Isso inclui reconhecer como, quando e por que ferramentas estatísticas existentes podem ser usadas para auxiliar um processo investigativo. É preciso se familiarizar com as fases específicas de um questionamento estatístico, o que inclui formular uma pergunta, planejar um estudo, coletar, organizar e analisar dados, interpretar descobertas e discutir conclusões, implicações de descobertas, assuntos para um estudo posterior. Os estudantes precisam aprimorar as habilidades usadas no processo de investigações estatísticas: sendo capazes de organizar dados, computar índices necessários (mediana, média, intervalo de confiança), ou construir e representar tabelas convenientes, gráficos, plots e diagramas, feitos à mão ou com auxílio da tecnologia. É preciso possibilitar um entendimento intuitivo e formal das principais ideias matemáticas que estão implícitas em representações estatísticas, procedimentos ou conceitos. Isso inclui entender a relação entre síntese estatística, representações gráficas, e os dados primitivos nos quais eles estiverem baseados. Ao estudar probabilidade e chance, os alunos precisam entender conceitos e palavras relacionadas à chance, incerteza e aleatoriedade, que aparecem nas nossas vidas diariamente, particularmente na mídia. Outras ideias importantes incluem a compreensão de que probabilidade é uma medida de incerteza, que modelos são úteis para simular eventos para estimar probabilidades e que, algumas vezes, as nossas intuições são incorretas e podem nos levar à conclusão errada no que se refere à probabilidade e eventos de chance. Ao conduzir uma investigação estatística, os estudantes aprendem a interpretar resultados e a estar cientes sobre as tendências possíveis ou limitações nas generalizações que podem ser obtidas dos dados. Ao conduzir este processo, os estudantes precisam aprender como interpretar resultados de uma investigação estatística e colocar questões críticas e reflexivas sobre argumentações que se referem aos dados ou sínteses estatísticas. Para que uma pessoa seja educada estatisticamente, ela deverá ser capaz de comunicar efetivamente as discussões sobre os resultados de investigações estatísticas, críticas estatísticas ou argumentos probabilísticos que clamam estar baseados em alguma informação. Isso envolve ser capaz de usar propriamente terminologia estatística e probabilística, viabilizando resultados de uma forma convincente, e de construir argumentos racionais baseados em informações e observações (Lopes, 2004). Conforme os estudantes adquiram maior conhecimento estatístico, eles poderão também ser capazes de questionar a validade das interpretações de dados e das representações gráficas de outras pessoas, bem como as generalizações feitas com base em um único estudoou uma pequena amostra. A formação dos professores, atualmente, não incorpora um trabalho sistemático sobre estocástica, dificultando a possibilidade desses profissionais desenvolverem um trabalho significativo com essa temática nas salas de aula da educação básica. A probabilidade proporciona um modo de medir a incerteza e de mostrar aos estudantes como matematizar, como aplicar a matemática para resolver problemas reais. Para isso, recomenda-se um ensino das noções probabilísticas a partir de uma metodologia heurística e ativa, por meio da proposição de problemas concretos e da realização de experimentos reais ou simulados. É importante que ensinemos aos nossos estudantes da escola básica o caráter específico da lógica probabilística, a forma de distinguir graus de incerteza e de comparar suas predições e extrapolações particulares como o que realmente sucede; em uma frase, que lhes ensinemos a ser donos de sua própria incerteza. Acreditamos que o ensino e a aprendizagem que abordem o pensamento estatístico e o probabilístico, desde a educação infantil, possibilitarão a formação de um aluno com maiores possibilidades no exercício de sua cidadania, com maior poder de análise e criticidade diante de dados e índices. A formação do educador matemático que atua ou atuará na educação básica deve prever um processo de ensino e aprendizagem de conteúdos que ocorra através da resolução de problemas, simulações e experimentos, os quais permitam ao profissional construir conhecimentos, à medida que estabelecer relações com informações adquiridas e com o domínio de diferentes linguagens e formas de expressão. Consideramos que a amplitude do conceito seja mais importante que o conceito formal para o trabalho docente. O que nos parece imprescindível é que esses profissionais tenham a possibilidade de participar de uma formação com as características defendidas por este estudo, adquirindo um conhecimento profissional que lhes dê autonomia para definir por que, quando e como se deve incluir estocástica em suas aulas. O docente precisa apresentar pelo menos um nível de abstração superior, no que diz respeito ao conteúdo que irá trabalhar, pois somente dessa forma conseguirá estabelecer conexões com outras áreas e/ou com o próprio conhecimento matemático e estatístico. O conhecimento profissional didático deverá incorporar o domínio de conceitos, representações, procedimentos, resolução de problemas, habilidades de exploração e investigação. Necessita que o docente tenha boa relação com a matemática, gosto e disponibilidade para se envolver em preparação das aulas, para refletir sobre os redirecionamentos no decorrer das aulas e durante momentos de formação e trabalho colaborativo. Urge o desenvolvimento de projetos de formação inicial e contínua de professores que abordem o trabalho com a estocástica nas aulas de matemática da educação básica. BIBLIOGRAFIA BICUDO, M. A. V. (org.) Educação matemática. São Paulo: Moraes, 1985. BURAK, D. Modelagem matemática e a sala de aula. In: I EPMEM-Encontro Paranaense da Modelagem Na Educação Matemática, 2004, Londrina. Anais do I EPMEM, 2004. Disponível em: www.dionisioburak.com.br/. Acesso em: 05/09/09. DANTE L. R. Didática da resolução de problemas de matemática. São Paulo: Ática, 2005. GIOVANI J.R. e BONJORNO J.R. Matemática completa. São Paulo: FTD. 2005. MORAN J.M. Desafios na Comunicação Pessoal. 3ª Ed. São Paulo: Paulinas, 2007, p. 162-166. OSBORNE A. e KASTEN M.B. Opiniões sobre a resolução de problemas no currículo para os anos 80: um relatório. In: A resolução de problemas na matemática escolar. São Paulo: Atual, 1996. PARANÁ, SEED. Diretrizes curriculares de matemática para a educação básica, Curitiba, 2009. 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