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Defesa Jurídica do Meio Ambiente e Políticas Públicas Ambientais Ana Paula de Castro Editora 1a Edição / Janeiro / 2013 Impressão em São Paulo - SP Defesa Jurídica do Meio Ambiente e Politicas Públicas Ambientais Coordenação Geral Nelson Boni Coordenação de Projetos Leandro Lousada Professor Responsável Ana Paula de Castro Projeto Gráfico, Capa e Diagramação Vitor Bioni Bertollini Revisão Ortográfica Vanessa Almeida Coordenadora Pedagógi- ca de Cursos EaD Eleonora Altruda de Faria 1ª Edição: Janeiro de 2013 Impressão em São Paulo/SP Copyright © EaD KnowHow 2011 Nenhuma parte dessa publicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição. Catalogação elaborada por Glaucy dos Santos Silva - CRB8/6353 C355d Castro, Ana Paula. Defesa jurídica do meio ambiente e políticas públicas ambientais. / Ana Paula de Castro. – São Paulo : Know How, 2013. 235 p.: 21 cm. Inclui bibliografia ISBN: 978-85-8065-181-2 1.Defesa jurídica. 2. Meio ambiente. 3. Políticas públicas Ambientais. 4. Crime ambiental. I. Título. CDD 363.7 Sumário 5 47 105 203 223 235 253 Capítulo 1 Regime Jurídico Aplicável aos Direitos Sociais à Luz da Constituição Federal: Fundamento, Obje- to, Titularidade, Classificação, Estrutura Normati- va e Condições de Eficácia. Capítulo 2 Os Danos Causados ao Meio Ambiente Capítulo 3 Crimes Ambientais Capítulo 4 Parâmetros Internacionais e a Legislação Interna Capítulo 5 Instrumentos de Defesa do Meio Ambiente Capítulo 6 A Lei de Ação Civil Pública e a Lei Nº 7347/ 85 e seus Aspectos Processuais Específicos Referências Bibliográficas Capítulo 1 Regime Jurídico Aplicável aos Direitos Sociais à Luz da Constituição Federal: Fundamento, Objeto, Titularidade, Classificação, Estrutura Normativa e Condições de Eficácia. A Constituição Federal de 1998 trata do Direito ao Meio Ambiente no Título VIII que foi destinado à disciplina da Ordem Social em âmbito constitucional. Segundo afirmam Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, o Título VIII trata do conjunto de normas que regulam a ordem social que abrange “os setores onde o Esta- do deve intervir por meio de prestações sociais1”. Os direitos sociais previstos no artigo 6.º da Carta Constitucional integram o conteúdo da ordem social. A ordem social tem como base o prima- do do trabalho, e como objetivo o bem estar e a justiça social (artigo 193, CF). A intervenção estatal tem por objetivo propiciar um sistema de relações sociais mais equilibrado e justo. José Afonso da Silva ensina que direitos sociais: são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melho- 1 DAVID ARAÚJO, Luiz Alberto; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. Editora Saraiva: São Paulo, 2004. p. 437. 7 res condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais2. Os direitos sociais e os direitos cole- tivos são considerados direitos fundamentais da segunda geração. Foram remetidos à esfera programática, porém, foram consagrados pelas atuais Constituições como preceitos de aplica- bilidade imediata. De fato, a defesa dos direitos sociais tornou-se pressuposto mais importante da dig- nidade da pessoa humana. Qualquer norma que tente abolir os direitos sociais fere diretamente o artigo 60, §4.º, da Constituição Federal. Com base nos artigos 6.º a 11.º, e Título VIII, da Constituição Federal, os direitos sociais podem ser agrupados da seguinte forma: direitos sociais relativos ao trabalhador; direitos sociais relativos à seguridade; direitos sociais relativos à educação e à cultura; direitos sociais relativos à moradia; direitos sociais relativos à família, crian- ça, adolescente e idoso; e direitos sociais relati- 2 DA SILVA,José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. Edi- tora Malheiros: São Paulo, 2006, p. 287. 8 vos ao meio ambiente. Diante da elevadíssima degradação am- biental o Direito ao Meio Ambiente foi erigido na Constituição Federal como matéria relativa à Ordem Social. Nos termos do artigo 225 da Constituição Federal, o meio ambiente é um di- reito de todos. Compete ao Poder Público e a toda coletividade protegê-lo e preservá-lo para a presente e as futuras gerações. O Meio Ambiente constitucionalmen- te protegido classifica-se em meio ambiente natural ou físico (constituído pelo solo, água, ar atmosférico, flora e fauna); meio ambiente cultural (valores culturais, patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico e turístico); meio ambiente artificial (constituído pelo espa- ço urbano construído, conjunto de edificações e equipamentos públicos); e meio ambiente do trabalho (espaço-meio de desenvolvimento da atividade laboral, como o local hígido, sem pe- riculosidade, com harmonia para o desenvolvi- mento da produção e respeito à dignidade da pessoa humana3). 3 DAVID ARAÚJO, Luiz Alberto; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. Editora Saraiva: São Paulo, 2004. p. 437. 9 1.1. Visão Geral sobre as Políticas Públicas Dentre as diversas políticas públicas existentes, tais como as Políticas Públicas so- bre Drogas (Título II da Lei n.º 11.343/06), a Política Nacional do Idoso (Lei n.º 8.842/94 – Estatuto do Idoso), Política Nacional de Consumo (Lei n°. 8.078/90 – Código de De- fesa do Consumidor), a Política Nacional de Defesa da Concorrência (Lei n.º 8.884/94 que em breve será substituída pela Lei 12.529/11) entre outras. Encontramos também muitas outras políticas públicas relacionadas especifi- camente ao meio ambiente, tais como: • Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei n.º 9.433/97); • Política Nacional sobre Educação Ambiental (Lei n.º 9.795/99); • Política Nacional Urbana (Lei n.º 10.257/01 – Estatuto da Cidade); Política Nacional da Biodiversidade (Decreto n.º 4.339/02); 10 • Política Nacional de Desenvolvimento Sus- tentável dos Povos e Comunidades Tradicio- nais (Decreto n.º 6.040/07); • Política Federal de Saneamento Básico (Lei n.º 11.445/07); • Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei n°. 12.305/10). No entanto, o foco da presente obra será a Política Nacional do Meio Ambiente, dis- ciplinada pela Lei n.º 6.938/81, regulamentada pelo Decreto 99.274/90 e recentemente altera- da pela Lei Complementar n.º 140, de 8 de de- zembro de 2011. Antes de analisarmos alguns tópicos so- bre a política nacional do meio ambiente, é im- portante definirmos o conceito de meio ambien- te, bem como mencionarmos alguns princípios importantes que regem o direito ambiental. 11 1.2. Conceito de Meio Ambiente e Meio Ambiente como Direito Fundamental Existe um conceito legal de meio am- biente que está disposto no art. 3.º, inciso I, da Lei n.º 6.938/81, segundo o qual, meio am- biente é “o conjunto de condições, leis, influ- ências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. A doutrina4 classifica o meio ambiente em quatro espécies diferentes, a saber: a) meio ambiente natural b) meio ambiente do trabalho c) meio ambien- te artificial d) meio ambiente cultural O meio ambiente natural refere-seaos elementos que existem mesmo sem a influên- cia do homem abrangendo, pois, a fauna, a flo- 4 MAZZILLI, HugoNigro. Adefesa dos interesses difusos emjuízo:meio am- biente,consumidor,patrimôniocultural,patrimôniopúblicoeoutrosinteresses.São Paulo: Saraiva, 2006, p. 145. 12 ra, a terra, o ar e a água. Aqui vale lembrar os grandes biomas brasileiros considerados como patrimônio nacional, que estão previstos no art. 225, § 4.º, da CF: a Floresta Amazônica, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, a Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira. O meio ambiente do trabalho é o meio ambiente do local de trabalho, ou seja, rela- ciona-se com questões de higiene, salubridade, periculosidade ou qualquer outro fator exter- no que interfira na prestação do trabalho. A Súmula n.º 736 do STF, determina a compe- tência da Justiça do Trabalho para as causas envolvendo segurança, higiene e saúde dos trabalhadores. Assim, ações relacionadas ao meio ambiente do trabalho deverão ser ajuiza- das perante a Justiça Especializada, no caso, a Justiça do Trabalho. Segundo o art. 200, inciso VIII, da CF, o Sistema Único de Saúde (SUS) tem como obrigação colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o meio ambiente do trabalho. O meio ambiente artificial, ao contrá- rio do meio ambiente natural, são os elemen- tos construídos pelo homem em a interação com a natureza, tal como ocorre nas cidades. 13 É o direito urbanístico que cuida especifica- mente deste tema, qual seja, o funcionamento das cidades. Podem ser identificados espaços abertos (ruas, parques) e espaços fechados (museus, teatros, escolas) O meio ambiente cultural consiste nos bens materiais ou imateriais utilizados ou construídos pelo homem e que detêm um valor agregado especial para a sociedade, são aque- les bens construídos pela cultura do homem. Bens que possuem valores artísticos, históri- cos, ecológicos, turísticos etc. Um exemplo de um conjunto urbano dotado de valor histórico e artístico, que inclusive, é tombado5 como um conjunto urbano dotado de valor patrimonial cultural é o Pelourinho no Estado da Bahia. O meio ambiente é o mais importante dos direitos fundamentais, só é possível exer- cer os direitos civis, políticos, sociais e eco- nômicos se existir um meio ambiente ecolo- gicamente equilibrado que permita a minha sobrevivência. Primeiro sobrevivo, depois exerço os direitos. 5 Como veremos mais a frente, o tombamento é uma das formas de pro- teção do patrimônio público (meio ambiente cultural). Veremos isso es- pecificamente quando tratarmos dos instrumentos de proteção ao meio ambiente. 14 1.3. Princípios do Direito Ambiental Não existe um consenso doutrinário sobre os princípios de direito ambiental, sen- do certo que cada autor indica uma série de princípios. Por exemplo, Celso Antônio Pa- checo Fiorillo6, cita os seguintes princípios: princípio do desenvolvimento sustentável, princípio do poluidor-pagador, princípio da prevenção, princípio da participação e princí- pio da ubiquidade. Paulo Affonso Leme Machado7, por sua vez, menciona o princípio do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, princí- pio do direito à sadia qualidade de vida, princí- pio do acesso equitativo aos recursos naturais, princípios usuário-pagador e poluidor-pagador, princípio da precaução, princípio da prevenção, princípio da reparação, princípio da informação, princípio da participação e princípio da obrigato- riedade da intervenção do Poder Público. 6 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasi- leiro. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 28-48. 7 LEME MACHADO, Paulo Affonso. Direito Ambiental Brasileiro. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 61-117. 15 Diante disso, iremos mencionar diver- sos princípios que consideramos importantes para o correto entendimento acerca do direi- to ambiental. 1.3.1. Princípio do Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado como um Direito Fundamental (art. 225, caput, da CF) Este é o princípio matriz do direito am- biental8, uma vez que norteia toda a aplicação do direito ambiental. O legislador constituinte associou o di- reito ao meio ambiente ecologicamente equili- brado com o direito à vida, com a sadia quali- dade de vida, e só há sadia qualidade de vida quando temos um meio ambiente ecologica- mente equilibrado. Por tal motivo, inclusive, O STJ já deci- diu que a ação civil de reparação por danos am- bientais é IMPRESCRITÍVEL (AgRg no REsp. 1150479/RS). 8 LEME MACHADO, Paulo Affonso. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 61-65. 16 O meio ambiente ecologicamente equili- brado se aproxima do fundamento axiológico do nosso ordenamento jurídico que é a dignidade da pessoa humana (art. 1.º, inciso III, da CF) e, quanto mais um direito fundamental se aproxi- ma da dignidade da pessoa humana, mais essen- cial ele se torna. 1.3.2. Princípio da Proibição do Re- trocesso Ecológico ou da Retrogra- dação Sócioambiental Este princípio atua de forma similar ao princípio constitucional da proibição do retro- cesso social, ou seja, o núcleo essencial dos direi- tos sociais já protegidos e implementados deve ser protegido contra os retrocessos na legislação. Em dizeres mais simples, não podemos retroceder a um nível de proteção inferior ao que temos hoje. Boa parte da discussão relacionada ao novo Código Florestal reside aqui. Uma das principais críticas ao novo Có- digo Florestal (Lei n.º 12.651/12) relaciona-se diretamente a este princípio, uma vez que diver- sas áreas de proteção ambiental tiveram suas áre- 17 as de proteção reduzidas9. 1.3.3. Princípio do Progresso Ecológico É o princípio contrário ao princípio do retro- cesso ambiental, segundo o qual o Estado deve aprimorar a legislação de proteção ambiental, utilizando a melhor técnica possível de acordo com os avanços da tecnologia. Traduz-se na chamada cláusula de pro- gressividade ou o dever de progressiva realiza- ção, prevista no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (DESC; art. 2.º, § 1.º) e também no caput, do art. 225, da CF, segundo o qual é dever de todos e do Estado garantir o meio ambiente ecologicamente equili- brado para as futuras gerações. 9 Por exemplo, o art. 12, inciso II, §§§ 6.º, 7.º e 8.º do novo Código Flo- restal (Lei n.º 12.651/12), dispensam a instituição de reserva legal para, respectivamente, empreendimentos relacionados ao abastecimento públi- co de água e tratamento de esgoto; à áreas adquiridas ou desapropriadas por detentor de concessão, permissão ou autorização para exploração de potencial de energia hidráulica e à áreas adquiridas ou desapropriadas com o objetivo de implantação e ampliação de capacidade de rodovias e ferrovias o que não era previsto pelo antigo Código Florestal (Lei n.º 4.717/65). 18 1.3.4. Princípio do Mínimo Existencial Ecológico O princípio do mínimo existencial ecoló- gico tem por finalidade inserir a dimensão ambien- tal no mínimo existencial, nos mesmos moldes do que se é apregoado no direito constitucional. 1.3.5. Princípio do Desenvolvimento Sustentável (Art. 170, VI, CF) O nosso ordenamento jurídico visa à compatibilização das atividades econômicas com a proteção ao meio ambiente10, uma vez que a ordem econômica se funda também na defesa do meio ambiente. Caso haja um confronto com a ordem econômica e meio ambiente, deverá prevalecer o meio ambiente, mas a ideia é sempre a de COM- PATIBILIZAÇÃO, pois, o desenvolvimento nãopode ser feito à custa do meio ambiente. 10 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasi- leiro. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 29-32. O art 1.º do novo Código Florestal (Lei n.º 12.651/12) é expresso ao mencionar este princípio, estabelecendo a sustentabilidade florestal ou de qualquer outra forma de vegetação. 19 1.3.6. Princípio da Solidariedade In- tergeracional (art. 225, caput, CF) O princípio da solidariedade interge- racional impõe o uso dos recursos naturais de forma consciente, isto é, sem esgotá-los para as futuras gerações. Mas o que seriam as “futuras gerações”? Trata-se, em verdade, da proteção ju- rídica a um sujeito indeterminado, alguém que sequer nasceu, mas que já possui, ao menos, um direito assegurado: o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. 1.3.7. Princípio da Função Sócio-Am- biental da Propriedade (art. 186, II e art. 187, § 2.º, CF; art. 1228, § 1.º, CC) Função é o contrário da autonomia da vontade, ou seja, é um poder de agir que se tra- duz em verdadeiro dever jurídico. Onde há fun- ção, não há autonomia de vontade, não deve ha- ver, portanto, busca de interesses pessoais. Segundo o art. 186 da CF, a propriedade possui três funções: a econômica (inciso I), a am- biental (inciso II) e a social (incisos III e IV). 20 Todas as propriedades rurais privadas, para que cumpram minimamente a sua função sócio-ambiental, devem possuir uma área desti- nada à reserva legal florestal e algumas, porém, nem todas as propriedade rurais privadas devem possuir a denominada área de preservação per- manente (APP). A propriedade urbana, por sua vez, para cumprir a sua função ambiental deve observar as previsões do Plano Diretor, que é obrigatório para as cidades com mais de 20 mil habitantes. No entanto, cabe observar que o art. 41 da Lei 10.257 (Estatuto da Cidade) prevê um rol maior de cidades que devem adotar um Plano Diretor. Vale observar que a função social não limita a propriedade, mas verdadeiramente um elemento essencial interno ao conceito de pro- priedade. Antes de exercer o direito de proprie- dade, devem-se ser exercidos os deveres ineren- tes à propriedade, seja por meio de obrigações negativas que implicam em um não fazer (tal como: não poluir, não desmatar, não degradar), seja por meio de obrigações positivas que impli- cam em um fazer (tal como: recompor, regene- rar, vedação acústica). Nos termos do art. 1228, § 1.º, CC, a 21 responsabilidade pelo passivo ambiental é uma obrigação propter rem, isto é, quem adquire a propriedade responde pelos danos causados ao meio ambiente. O fato do novo proprietário não ter causado ou desconhecer a existência do dano não importa, pois, segundo já decido pelo STJ, não há nexo causal para esta hipótese (AgRg no REsp 1206484/SP). 1.3.8. Princípio da Prevenção A essência do direito ambiental é ter um viés preventivo11 que significa agira de forma an- tecipada quando há dados, pesquisas e informa- ções ambientais a fim de que o dano ambiental não ocorra, há neste caso, a chamada certeza científica que se traduz em um dano certo ao meio ambiente. Um exemplo de dano ambiental certo é a atividade minerária (art. 225, § 2.º, CF). Basicamente são dois os motivos para a adoção do princípio da prevenção: (i) os danos ambientais são normalmente irreversíveis (v.g. o vazamento nuclear ocorrido na Usina de Cher- nobyl em 1986 na Ucrânia) e (ii) pode ser extinta 11 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Bra- sileiro. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 42-44. 22 uma espécie da fauna e da flora que já se encon- tra ameaçada, caso nenhuma medida preventiva seja adotada. 1.3.9. Princípio da Precaução O princípio da precaução, ao contrário do princípio da prevenção, trabalha com a ideia de dano incerto ou de perigo em abstrato, isso porque há uma incerteza científica sobre a ocor- rência ou não do dano ambiental. Mas, mesmo diante da incerteza cientí- fica da ocorrência ou não do dano ambiental12, utiliza-se o seguinte pensamento: “in dubio pro ambiente” ou “in dubio pro natura”, ou seja, na dúvida, a decisão deve ser tomada em favor da proteção ao meio ambiente. O exemplo mais mencionado para ilus- trar a aplicação deste princípio é o dos alimentos transgênicos, uma vez que ainda não há certeza científica quanto aos eventuais riscos que podem ser causados à saúde humana pela ingestão e ao meio ambiente natural pelo plantio de OGMO’s. 12 LEME MACHADO, Paulo Affonso. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 74-97 23 O princípio da precaução foi previsto ex- pressamente na Declaração do Rio (1992), trata- -se do Princípio 15: Com a finalidade de proteger o meio ambien- te, os Estados deverão aplicar amplamente o critério de precaução conforme suas capacida- des. Quando houver perigo de dano grave ou irreversível, a falta de certeza científica absoluta não deverá ser utilizada como razão para que seja adiada a adoção de medidas eficazes em função dos custos para impedir a degradação ambiental. O art. 1.º, caput, da Lei n.º 11.105/05 (Lei de Biossegurança) determina expressamente a observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente. 1.3.10. Princípio do Usuário-Pagador O princípio do usuário-pagador está pre- visto expressamente no art. 19 da Lei n.º 9433/97 (Política Nacional dos Recursos Hídricos) que 24 estabeleceu a água como um bem econômico. Este princípio traduz a ideia de quantificação e valoração dos recursos naturais, fixando-se um preço para sua utilização. 1.3.11. Princípio do Poluidor-Pagador (art. 4.º, VII, Lei 6.938/81) O princípio do poluidor pagador é um princípio do direito econômico aplicado às ques- tões ambientais e, segundo este princípio quem desenvolve atividade poluidora deve pagar os custos ambientais. A relação estabelecida com o direito econômico ocorre porque os bens ambientais transformam-se em insumos. Deve haver um investimento para não degradar e se degradar, deve pagar para degradar. Portanto, este princí- pio pode ser encarado sob dois aspectos13: (i) preventivo: que é a “internalização das ex- ternalidades negativas”, ou seja, agregar ao processo produtivo (internalização) tudo o 13 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Bra- sileiro. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 32-33. 25 que está fora do processo produtivo (externa- lidades negativas, tais como poluição; resíduo; efluente; gás), mas dele decorrente, evitando- -se a privatização dos lucros e a solidarização dos prejuízos. Dessa forma os custos ambien- tais também são inseridos no preço do produ- to ou serviço oferecido no mercado de con- sumo. Podemos citar como exemplos disso o tratamento dos resíduos dos laticínios que não podem ser lançados no rio diretamente ou a colocação de filtros para evitar a emissão de gases poluentes. (ii) reparador ou repressivo: que é a res- ponsabilidade civil objetiva (art. 14, § 1.º da Lei n.º 938/81). 1.3.12. Princípio da Ubiquidade ou da Variável Ambiental no Processo Deci- sório das Políticas de Desenvolvimento O princípio da ubiquidade ou princípio da variável ambiental no processo decisório das políticas de desenvolvimento está previsto no art. 17 da Declaração do Rio. 26 Ubiquidade significa colocar o meio am- biente no epicentro dos direitos humanos14, na medida em que todas as decisões judiciais, pro- jetos e políticas públicas devem contemplara questão ambiental. Um exemplo prático deste princípio é a exigência do estudo e do relatório de impacto ambiental (EIA/RIMA) para as obras que cau- sem significativa degradação ambiental. 1.3.13. Princípio da Obrigatoriedade da Intervenção do Poder Público (art. 225, § 1.º, V, CF) Segundo este princípio o Poder Público deve efetuar o controle do poluidor15, através, por exemplo, do exercício do poder de polícia ambiental e do licenciamento ambiental, temas que serão mais explorados no item 6. 14 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Bra- sileiro. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 48-49. 15 LEME MACHADO, Paulo Affonso. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 113-118. 27 1.3.14. Princípio da Informação Am- biental O princípio da informação ambiental tem relação com o direito do consumidor, uma vez que deve ser assegurada ao cidadão e ao consumi- dor, respectivamente, todas as informações sobre possíveis consequências ao meio ambiente em ra- zão de determinado projeto público ou privado16 e sobre os produtos e/ou serviços oferecidos. O art. 40 da Lei n.º 11.105/05 (Lei de Biossegurança) estabelece que alimentos trans- gênicos devem conter esta indicação na embala- gem. Há também a lei que garante o acesso aos bancos públicos de informações ambientais, ex- ceto se houver sigilo industrial, trata-se a Lei n.º 10.650/03. 1.3.15. Princípio da Paticipação Co- munitária O princípio da participação comunitária estabelece a participação da sociedade no que se 16 LEME MACHADO, Paulo Affonso. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 102-105. 28 refere às questões ambientais e ele engloba três aspectos: (i) aspecto administrativo, exemplificada pelo di- reito de petição, pelas audiências públicas e pela participação do cidadão em Conselhos do meio ambiente; (ii) aspecto legislativo, que é o cidadão partici- pando nas políticas públicas ambientais por meio de plebiscito, referendo ou de iniciativa de lei (art. 14, CF); (iii) aspecto judicial, por meio da propositura da ação popular ambiental ou de ação civil pública em defesa do meio ambiente. 1.3.16. Princípio da Cooperação Inter- nacional A poluição ambiental transpõe as fron- teiras geográficas dos países e normalmente os fenômenos de desastres ambientais são mun- diais. Portanto, os países devem buscar soluções conjuntas, trabalhando em harmonia porque um dano causado ao meio ambiente pode causar prejuízos a todos os países. 29 O clássico exemplo de um fenômeno na- tural que é intensificado pelas emissões de gás carbônico é o efeito estufa que atinge todos os países do mundo e que exige assim uma coope- ração entre as nações para uma solução efetiva. 1.4. Política Nacional do Meio Ambiente A Lei n.º 6.938 de 31 de agosto de 1981 (LPNMA) foi o diploma normativo que introdu- ziu no ordenamento jurídico brasileiro a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), estabe- lecendo seus objetivos, o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), os instrumentos de proteção ambiental, dentre os quais se desta- cam a avaliação de impactos ambientais17 (AIA) e o licenciamento ambiental. Mas, o artigo mais importante da LPN- MA é o que prevê a responsabilidade civil objetiva para os casos de dano ambiental (art. 14, § 1.º) – 17 AIA é gênero do qual são espécies os diversos estudos ambientais, tais como o Estudo Prévio de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto de Meio Ambiente (EPIA/RIMA) e o Estudo de Impacto de Vizinhança (EPIV). Tais instrumentos serão melhor analisado no item 6.. 30 assunto que será melhor detalhado no item 3. 1.4.1. O Sistema Nacional de Meio Am- biente (Sisnama) O Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA), é composto: pelo Conselho Na- cional do Meio Ambiente (CONAMA) que é o órgão consultivo e deliberativo, pelo Ministério do Meio Ambiente (MAM) que é o órgão cen- tral e pelos Órgãos Executores: o Instituto Chico Mendes (ICMBIO – autarquia federal), o Institu- to Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), por órgãos esta- duais e municipais. Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) Instituto Chico Men- des (ICMBIO); Instituto Brasileiro do Meio Ambien- te e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA); Órgãos estaduais/seccionais e municipais/locais. Órgão consultivo e deliberativo Órgão central Órgãos executores 31 1.4.2. As Unidades De Conservação (UC’s) Muito embora na LPNMA só exista uma breve referência às Unidades de Conservação (UC’s) em seu art. 17-M, trata-se de um tema muito importante e de grande incidência em pro- vas de concursos, por isso, trataremos neste item um pouco sobre as UC’s. A Lei n.º 9.985/00 regulamentou os inci- sos I, II e III do §1.º do art. 225 da CF e dispôs sobre a criação e manutenção das UC’s, a política para as UC’s, bem como os instrumentos neces- sários a essa política em razão justamente da im- portância ecológica das UC’s. A UC cuida-se então de um espaço es- pecialmente protegido, criado por ato do Poder Público, em regra, mediante Decreto e, precedi- do de estudos técnicos e consulta pública18. O Instituto Chico Mendes é o responsável pelas unidades de conservação. Existem duas categorias de Unidades de Conservação: 18 Vale observar que para a criação de ESTAÇÃO ECOLÓGICA e RE- SERVA BIOLÓGICA, ambas UC’s de proteção integral, não é necessária a realização de consulta pública, bastando apenas a apresentação dos es- tudos técnicos. 32 a)UNIDADESDECONSERVAÇÃODEPRO- TEÇÃO INTEGRAL (PRESERVAÇÃO): são aquelas que possuem uma proteção por toda a unidade e que precisam ser mais reservadas, e, por tal motivo, pouquíssimas atividades podem ser desenvolvidas nelas. Não há que se falar em exploração econômica, admitindo-se somente o chamado “uso indireto”, isto é, a pesquisa cien- tífica, a observação, a coleta para pesquisa. Elas devem ser criadas em áreas públicas e caso pre- cisem ser criadas em área privada, o Estado deve desapropriar o imóvel, sob pena de restar confi- gurada a chamada “desapropriação indireta”. O art. 8.º da Lei n.º 9985/00 estabelece quais são os 5 (cinco) tipos das UC’s de proteção integral: • Estação Ecológica Reserva Biológica • Parque Nacional • Monumento Natural • Refúgio da Vida Silvestre. Excepcionalmente admite-se alguma atividade nas UC’s de proteção integral, é o que ocorre, por exemplo, com o Parque Nacional (ex.: Foz do Iguaçu – adite-se visitação contro- lada); com o Monumento Nacional e o Refúgio 33 da vida silvestre. Nestes dois últimos casos admi- tem-se pequenas criações de animais. b) UNIDADESDECONSERVAÇÃODEUSO SUSTENTÁVEL (CONSERVAÇÃO): essa ca- tegoria possui uma proteção legal mais branda se comparada à categoria anterior (proteção in- tegral) e são elas que compatibilizam as ativida- des econômicas e a proteção ao meio ambiente. Admite-se então o uso de parcela dos seus recur- sos naturais. É o art. 14 da Lei n.º 9985/00 que estabelece os seus 7 (sete) tipos: • Área de Proteção Ambiental • Área de Relevante Interesse Ecológico • Floresta Nacional • Reserva Extrativista • Reserva de Fauna • Reserva de Desenvolvimento Sustentável • Reserva Particular do Patrimônio Natural É possível converter uma unidade de uso sustentável em unidade de proteção integral, pelo mesmo instrumento que foi criado (ex.: criada por Decreto pode serconvertida por Decreto), observados estudos técnicos e consulta popular. 34 Por outro lado, a redução ou a desafetação de uma área de proteção somente poderá ocorrer por lei específica. Segundo o art. 22-A, da Lei n.º 9985/00 é possível estabelecerem-se limitações administrativas na UC, cujo prazo máximo será o de 7 (sete) meses. A gestão das UC’s ocorre por meio de um PLANO DE MANEJO (art. 27 da Lei n.º 9985/00) que é um documento técnico que re- gulamente a UC, estabelecendo, por exemplo, o seu zoneamento, seus equipamentos, o que pode e o que não pode ser feito em uma UC. Uma vez criada a UC em até 5 (cinco) anos deverá ser elaborado o seu respectivo plano de manejo. No âmbito federal, em regra, quem elabora o Plano de Manejo da UC é o ICMBIO. O Plano de Manejo da UC deve conter: • Área da UC19; • Zona de amortecimento; • Corredores ecológicos, se necessários20; • Medidas de integração à vida econômica e so- cial das comunidades vizinhas; 19 ATENÇÃO: é possível que o SUBSOLO e o ESPAÇO AÉREO inte- grem os limites da UC, desde que afetem a estabilidade do ecossistema (art. 24 da Lei n.º 9985/00). 20 Os corredores ecológicos só serão necessários quando for preciso ligar o fluxo gênico de duas UC’s. 35 A zona de amortecimento é o entorno da UC, onde são estabelecidas as limitações ad- ministrativas. Nem todas as UC’s possuem zona de amortecimento. A ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL (APA) e a RESERVA PARTI- CULAR DO PATRIMÔNIO NATURAL, não possuem zona de amortecimento, todas as demais devem obrigatoriamente ter zona de amortecimento. Cuidado não se deve confundir zona de amortecimento com ZONA DE TRANSI- ÇÃO que está prevista no art. 27 do Decreto n.º 99.274/90 (regulamenta a PNMA) e que é o raio de 10 (dez) Km contados das áreas circundantes que afetam a BIOTA (seres vivos), subordinada às normas do CONAMA. A zona de amortecimen- to, por sua vez, não tem tamanho previamente de- finido, podendo ser maior ou menor, de acordo com o determinado pelo plano de manejo. Duas UC’s são criadas para as popula- ções tradicionais (seringueiros, pescadores): a RESERVA EXTRATIVISTA e a RESERVA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL. Em regra, não é possível o plantio de organismos geneticamente modificados (OGM) em UC. Mas há duas exceções: na APA e nas 36 ZONAS DE AMORTECIMENTO DAS DE- MAIS UC’s, desde que a autorização para o plan- tio esteja prevista no plano de manejo (art. 27, § 4.º, da Lei 9985/00; Decreto n.º 5.950/06). Muitas vezes não temos o Plano de Ma- nejo aprovado (as chamas UC’s de papel), logo, a não fixação da zona de amortecimento, então, é o Poder Executivo quem fixará os limites do plantio dos OGM’s, exceto na APA e na RESER- VA PARTICULAR DO PATRIMÔNIO NA- TURAL21 (art. 57-A da Lei 9985/00). E, o Poder Executivo já definiu esses limites para a soja e o algodão geneticamente modificados, nos termos do Decreto n.º 5950/06. As UC’s podem ter Conselhos Consulti- vos (meramente opinativo), com exceção da Re- serva Extrativista e Reserva de Desenvolvimento Sustentável que possuem Conselhos Deliberati- vos (há decisões, em razão das populações tradi- cionais que devem participar das decisões con- cernentes à área em que vivem). O ICMBIO aprova o Plano de Manejo da Reserva Extrativista e Reserva De Desen- volvimento Sustentável por meio de RESOLU- ÇÃO, enquanto nas demais UC’s a aprovação se 21 Observe que o legislador errou na lei ao escrever ”patrimônio nacional”. 37 dá por meio de PORTARIA. Atenção, quando há a criação da Flores- ta Nacional e existem populações tradicionais vivendo no local, caso a permanência dessas pessoas não contrariem os objetivos da floresta nacional, elas poderão permanecer. O art. 26 da Lei nº 9985/00 prevê o Mo- saico da UC quando existem várias UC’s próxi- mas ou justapostas, havendo então uma gestão integrada/conjunta entre elas. É possível a pesquisa científica na UC, sempre à sujeição à fiscalização do órgão gestor e desde que haja aprovação prévia do órgão gestor, exceto na APA (porque é uma área de grande extensão, com áreas públicas e privadas e com certo grau de ocupação humana) e na Reserva Particular do Patrimônio Natural (porque é uma UC criada por um particular). É possível também existir exploração econômica em uma UC e o recebimento de doa- ções ou recursos financeiros, mesmo que de en- tes internacionais. As UC’s podem ser geridas com as OCIP’s, mediante instrumento firmado com o órgão responsável. (art. 30 da Lei n.º 9985/00). O art. 231, da CF dispõe que só pode ter 38 UC na área indígena se ela for estabelecida ante- riormente à demarcação da terra indígena (ex.: Raposa Serra do Sol). 1.5. Limites e Possibilidades dos Direitos Sociais O artigo 165, §§ 1.º e 2.º, da Constitui- ção Federal, dispõe que a lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e ou- tras delas decorrentes e para as relativas aos pro- gramas de duração continuada, bem como que a lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subsequente, orientará a ela- boração da lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelece- rá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento. O Estado deve garantir um mínimo exis- tencial, bens e utilidades indispensáveis a uma 39 vida humana digna. Sobre os Limites e possibilidades dos direitos sociais, no julgamento do Recurso Ex- traordinário nº 482.611/SC, o Supremo Tribunal Federal asseverou que: Não se ignora que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais - além de carac- terizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização - depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a ale- gação de incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmen- te exigir, então, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fun- dado no texto da Carta Política. Não se mostrará lícito, contudo, ao Poder Públi- co, em tal hipótese, criar obstáculo artificial que revele – a partir de indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa - o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabele- cimento e a preservação, em favor da pessoa e 40 dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência (ADPF 45/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Infor- mativo/STF n.º 345/2004). Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da “reserva do possível” - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se, dolosamente, do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniqui- lação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade. Tratando-se de típico direito de prestação positi- va, que se subsume ao conceito de liberdade real ou concreta, a proteção à criança e ao adoles- cente – que compreende todas as prerrogativas, individuais ou coletivas, referidas na Constitui- ção da República (notadamente em seuart. 227) – tem por fundamento regra constitucional cuja densidade normativa não permite que, em tor- no da efetiva realização de tal comando, o Poder Público, especialmente o Município, disponha de 41 um amplo espaço de discricionariedade que lhe enseje maior grau de liberdade de conformação, e de cujo exercício possa resultar, paradoxalmen- te, com base em simples alegação de mera conve- niência e/ou oportunidade, a nulificação mesma dessa prerrogativa essencial, tal como já advertiu o Supremo Tribunal Federal. (...) Nesse contexto constitucional, que implica também na renovação das práticas políticas, o administrador está vinculado às políticas públi- cas estabelecidas na Constituição Federal; a sua omissão é passível de responsabilização e a sua margem de discricionariedade é mínima, não contemplando o não fazer. Como demonstrado no item anterior, o adminis- trador público está vinculado à Constituição e às normas infraconstitucionais para a implementa- ção das políticas públicas relativas à ordem social constitucional, ou seja, própria à finalidade da mesma: o bem-estar e a justiça social. Conclui-se, portanto, que o administrador não 42 tem discricionariedade para deliberar sobre a oportunidade e conveniência de implementação de políticas públicas discriminadas na ordem social constitucional, pois tal restou deliberado pelo Constituinte e pelo legislador que elaborou as normas de integração. As dúvidas sobre essa margem de discriciona- riedade devem ser dirimidas pelo Judiciário, ca- bendo ao Juiz dar sentido concreto à norma e controlar a legitimidade do ato administrativo (omissivo ou comissivo), verificando se o mes- mo não contraria sua finalidade constitucional, no caso, a concretização da ordem social consti- tucional. (grifo nosso) (...) 10. Reitere-se que a proteção contra aquelas si- tuações compõe o mínimo existencial, de aten- dimento obrigatório pelo Poder Público, dele não podendo se eximir qualquer das entidades que exercem as funções estatais, posto que tais condutas ilícitas afrontam o direito universal à vida com dignidade, à liberdade e à segurança.” (grifo nosso) 43 Isso significa, portanto, que a ineficiência admi- nistrativa, o descaso governamental com direi- tos básicos da pessoa, a incapacidade de gerir os recursos públicos, a falta de visão política na justa percepção, pelo administrador, do enorme significado social de que se reveste a proteção à criança e ao adolescente, a inoperância funcio- nal dos gestores públicos na concretização das imposições constitucionais não pode nem deve representar obstáculos à execução, pelo Poder Público, da norma inscrita no art. 227, “caput”, da Constituição da República, que traduz e im- põe, ao Estado, um dever inafastável, sob pena de a ilegitimidade dessa inaceitável omissão go- vernamental importar em grave vulneração a um direito fundamental e que é, no contexto ora examinado, a proteção integral da criança e do adolescente. (STF. RE 482.611/SC. Min. Celso Mello. 23.03.2010) A expressão reserva do possível surgiu em 1972, pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, num caso muito famoso que tra- tava da questão de vagas em universidades. Há autores que criticam a transposição dessa expres- 44 são para o direito brasileiro, diante da desigual- dade social, e outros que defendem sua aplicação por causa da limitação orçamentária estatal. 45 Capítulo 2 Os Danos Causados ao Meio Ambiente Com o advento da Constituição Federal de 1988, a responsabilidade pelos danos causa- dos ao meio ambiente passou a ser disciplinada da seguinte forma: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presen- tes e futuras gerações. (...) § 3.º - As condutas e atividades consideradas le- sivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obriga- ção de reparar os danos causados. Nos termos do texto constitucional res- tou estabelecido que o dever de proteger e pre- servar o meio ambiente é do Poder Público e da coletividade, e que as pessoas, físicas ou jurídi- cas, são responsáveis civil, administrativa e pe- nalmente pelas condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. 49 Conforme a natureza dos ilícitos pratica- dos e do objeto jurídico tutelado, a responsabili- dade pelos danos causados ao meio ambiente su- jeita seus infratores às sanções de natureza civil, administrativa e penal. Segundo aponta Celso Antônio Pacheco Fiorilloa Constituição Federal de 1988 “consagrou aregradacumulatividadedassanções”,poisassan- ções civis, administrativas e penais, “além de prote- geremobjetosdistintos,estãosujeitasaregimesjurídicos diversos22”. Na medida em que tutelam objetos dis- tintos e sujeitam-se a regimes jurídicos diversos, podem ser cumuladas sem violar o princípio do “non bis in idem”, isto é, de que ninguém deve ser punido duas vezes pelo mesmo fato. Uma determinada pessoa que causa dano ao meio ambiente pode ser responsabilizada, si- multaneamente, nas esferas civil, administrativa e penal pela conduta ou atividade lesiva praticada. Em caso análogo, no julgamento do Re- cuso Especial nº 677.585/RS, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, ressaltou o seguinte: 22 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Bra- sileiro. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 50. 50 RECURSO ESPECIAL EM AGRAVO DE INSTRU- MENTO. TUTELA ANTECIPADA. TRANSPOR- TADORAS DE VEÍCULOS. “CEGONHEIROS”. INDÍCIOS DE ABUSO DE PODER ECONÔMI- CO E FORMAÇÃO DE CARTÉIS. (...) 16. Inexiste violação ao princípio do ne bis in idem, tendo em vista a possibilidade de instau- ração concomitante de ação civil pública e de processo administrativo, in casu, perante a SDE - Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Ministério da Justiça, para investigação e punição de um mesmo fato, porquanto as esferas de res- ponsabilização civil, penal e administrativa são independentes. (REsp 677.585/RS. Min. Luiz Fux. Primeira Turma. 06/12/2005) Da análise da doutrina e da jurisprudên- cia, verifica-se, pois, que o artigo 225, §3.º, con- sagrou em nível constitucional o princípio da au- tonomia e independência entre os três sistemas de responsabilidade civil, administrativa e penal. Em atenção ao texto constitucional, a Lei nº 9.638 de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e meca- 51 nismos de formulação e aplicação, e dá outras providências, disciplina a responsabilidade por danos causados ao meio ambiente. Diante da cumulatividade de sanções cada uma das responsabilidades será analisada individualmente. Porém, antes de tecer conside- rações sobre a responsabilidade civil, administra- tiva e penal, cumpre trazer à baila alguns concei- tos sobre o dano ambiental. 2.1. O Dano Ambiental O dano, ou seja, as lesões que resultam das atividades degradantes ou que causam im- pacto ao meio ambiente em todas as suas for- mas de acepção (natural, artificial ou cultural, e também do trabalho), e que dá ensejo à respon- sabilização civil,administrativa e penal, quanto ao objeto jurídico tutelado, pode ser material ou patrimonial e imaterial ou extrapatrimonial, e, quanto à titularidade do bem lesado, pode ser individual ou coletivo. O artigo 1.º, “caput” da Lei nº 7.347 de 1985, que disciplina a ação civil pública por da- nos causados ao meio ambiente, entre outros, 52 dispõe que: Art. 1.º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabi- lidade por danos morais e patrimoniais causados: l - ao meio-ambiente; Nos termos do artigo 81, incisos I e II, da Lei nº 8.078 de 1990, o dano ambiental cole- tivo afeta (i) interesses ou direitos difusos, assim entendidos, os transindividuais, de natureza in- divisível, de que sejam titulares pessoas indeter- minadas e ligadas por circunstâncias de fato; e (ii) interesses ou direitos coletivos propriamente ditos, tais como os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. De acordo com Édis Milaré, o dano am- biental individual afeta, de forma reflexa, a esfera de interesses patrimoniais ou extrapatrimoniais de determinada pessoa23. 23 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. A Gestão Ambiental em Foco. Doutrina. Jurisprudência. Glossário. 6ª ed. Editora Revista dos Tribunais: São Paulo, 2009. p. 869. 53 Aponta, ainda, referido autor que, em certos casos, o dano ambiental pode “refletir-se, material ou moralmente, sobre o patrimônio, os interesses ou a saúde de uma determinada pes- soa ou de um grupo de pessoas determinadas ou determináveis”: o dano ambiental, embora sempre recaia direta- mente sobre o ambiente e os recursos e elemen- tos que o compõem, em prejuízo da coletividade, pode, em certos casos, refletir-se, material ou mo- ralmente, sobre o patrimônio, os interesses ou a saúde de uma determinada pessoa ou de um gru- po de pessoas determinadas ou determináveis. (...) A doutrina leciona que os danos ambientais coleti- vos ‘dizem respeito aos sinistros causados ao meio ambiente lato sensu, repercutindo em interesses difusos, pois lesam diretamente uma coletividade indeterminada ou indeterminável de titulares. Os direitos decorrentes dessas agressões caracteri- zam-se pela inexistência de uma relação jurídica base, no aspecto subjetivo, e pela indivisibilidade (ao contrário dos danos ambientais pessoais) do bem jurídico, diante do aspecto objetivo’. 54 (...) Quando, ao lado da coletividade, é possível iden- tificar um ou alguns lesados em seu patrimônio particular, tem-se o dano ambiental individual, também chamado dano ricochete ou reflexo (...). A vítima do dano ambiental reflexo pode buscar a reparação do dano sofrido, no âmbito de uma ação indenizatória de cunho individual, fundada nas regras gerais que regem o direito de vizinhan- ça. (Direito do Ambiente. A Gestão Ambiental em Foco. Doutrina. Jurisprudência. Glossário. 6ª Edição. Editora Revista dos Tribunais: São Pau- lo, 2009. p. 868/869) Helita Barreira Custódio ensina que o dano ambiental decorre da poluição do ar, da água, do solo, dos alimentos, e das bebidas em geral, da degradação da flora, da fauna, dos re- cursos hídricos e da destruição progressiva dos recursos naturais e culturais, caracterizada pelo uso nocivo e irracional da propriedade imobiliá- ria e demais condutas lesivas ao meio ambiente, que colocam em perigo a própria sobrevivência humana, bem como de atos contrários à moral e 55 aos bons costumes24. 2.2. O Dano Moral Diz-se que o dano ambiental pode ser material ou patrimonial e, imaterial ou extrapa- trimonial, e ainda, individual ou coletivo. O dano material, conforme visto, ocor- re quando um bem ambiental, isto é, os recursos naturais, artificiais e culturais são degradados, ou, quando é colocada em risco a saúde das presentes e futuras gerações, e o moral, quando lesado direi- tos inerentes à personalidade da pessoa humana. Por sua vez, o dano ambiental material é coletivo quando afeta diretamente uma coleti- vidade indeterminada ou indeterminável de titu- lares, mas também pode ser individual, quando recai reflexamente sobre o patrimônio, os inte- resses ou a saúde de uma determinada pessoa25. 24 CUSTÓDIO, Helita Barreira. Uma Introdução à Responsabilidade Civil por Dano Ambiental. Disponível em: <http://www.mp.ba.gov.br/atuacao/ceama/material/doutrinas/esgota- mento/uma_introducao_a_r esponsabilidade_civil_por_dano_ambiental. pdf> Acesso em: 12/12/2011. 25 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. A Gestão Ambiental em Foco. Doutrina. Jurisprudência. Glossário. 6ª ed. Editora Revista dos Tribunais: São Paulo, 2009. p. 868/869. 56 http://www.mp.ba.gov.br/atuacao/ceama/material/doutrinas/esgota- http://www.mp.ba.gov.br/atuacao/ceama/material/doutrinas/esgota- Diante do caráter transindividual e in- divisível dos direitos difusos e coletivos, há dis- cussão acerca da existência de um dano moral coletivo. Para a doutrina o dano moral pode ser individual e ainda coletivo. Na jurisprudência há divergência. No julgamento do recurso especial in- terposto em sede de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Rio Gran- de do Sul, autos nº 1.057274/RS, objetivando re- paração de dano moral coletivo, “assim entendido aquelequeviolauminteressecoletivoedifuso”,aMinis- tra Eliana Calmon aponta a existência de prece- dentes da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que seria inadmissível a ocorrência de dano moral coletivo, e refuta a tese de que não há um dano moral coletivo. Ao discordar do entendimento firmado pela Primeira Turma, transcreve as duas emen- tas exaradas nos recursos especiais nº 598.281/ MG e n.º 821.891/RS, e destaca o voto proferido pelo Ministro Luiz Fux, cujo texto ora se copia: Sobre a indenizabilidade do dano moral coletivo destaque-se, pela juridicidade de suas razões, os fundamentos desenvolvidos pelo Ministro Teori 57 Zavascki, no voto-vencedor do RESP 598.281/ MG, perfeitamente aplicáveis à hipótese in foco: ‘2. O dano ambiental ou ecológico pode, em tese, acarretar também dano moral — como, por exemplo, na hipótese de destruição de árvore plantada por antepassado de determinado indi- víduo, para quem a planta teria, por essa razão, grande valor afetivo. Todavia, a vítima do dano moral é, necessaria- mente, uma pessoa. Não parece ser compatível com o dano moral a idéia da “transindividualida- de” (= da indeterminabilidade do sujeito passivo e da indivisibilidade da ofensa e da reparação) da lesão. É que o dano moral envolve, necessaria- mente, dor, sentimento, lesão psíquica, afetando “a parte sensitiva do ser humano, como a intimi- dade, a vida privada, a honra e a imagem das pes- soas” (Clayton Reis, Os Novos Rumos da Inde- nização do Dano Moral, Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 236), “tudo aquilo que molesta grave- mente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua perso- nalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado” (Yussef Said Cahali, Dano Moral, 2ª ed., São Paulo: RT, 1998, p. 20, apud Clayton Reis, op. cit., p. 237). 58 Nesse sentido é a lição de Rui Stoco, em seu Tra- tado de Responsabilidade Civil, 6ª ed., São Paulo: RT, que refuta a assertiva segundo a qual ‘sempre que houver um prejuízo ambiental objeto de co- moção popular, com ofensa ao sentimento co- letivo, estará presente o dano moral ambiental’ (José Rubens Morato Leite,Dano Ambiental: do individual ao extrapatrimonial, 1ª ed., São Paulo: RT, 2000, p. 300, apud Rui Stoco, op. cit., p. 854): ‘No que pertine ao tema central do estudo, o pri- meiro reparo que se impõe é no sentido de que não existe ‘dano moral ao meio ambiente’. Muito menos ofensa moral aos mares, rios, à Mata Atlântica ou mesmo agressão moral a uma coletivi- dade ou a um grupo de pessoas não identificadas. A ofensa moral sempre se dirige à pessoa en- quanto portadora de individualidade própria; de um vultus singular e único. Os danos morais são ofensas aos direitos da per- sonalidade, assim como o direito à imagem cons- titui um direito de personalidade, ou seja, àqueles direitos da pessoa sobre ela mesma. (...) A Constituição Federal, ao consagrar o direito de reparação por dano moral, não deixou margem à dúvida, mostrando-se escorreita sob o aspec- 59 to técnico-jurídico, ao deixar evidente que esse dever de reparar surge quando descumprido o preceito que assegura o direito de resposta nos casos de calúnia, injúria ou difamação ou quan- do o sujeito viola a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas (art. 5.º, incisos V e X), todos estes atributos da personalidade. Ressuma claro que o dano moral é personalís- simo e somente visualiza a pessoa, enquanto detentora de características e atributos próprios e invioláveis. Os danos morais dizem respeito ao foro íntimo do lesado, pois os bens morais são inerentes à pessoa, incapazes, por isso, de subsistir sozinhos. Seu patrimônio ideal é marcadamente individual, e seu campo de incidência, o mundo interior de cada um de nós, de modo que desaparece com o próprio indivíduo. (...) Dúvida, portanto, não pode ressumir de que a natureza e o meio ambiente podem ser degra- dados e danificados. Esse dano é único e não se confunde com seus efeitos, (...). Do que se conclui mostrar-se impróprio, tanto no plano fático como sob o aspecto lógico-ju- rídico, falar em dano moral ao ambiente, sendo 60 insustentável a tese de que a degradação do meio ambiente por ação do homem conduza, através da mesma ação judicial, à obrigação de reconsti- tuí-lo, e, ainda, de recompor o dano moral hipo- teticamente suportado por um número indeter- minado de pessoas. Se para a Primeira Turma, “o dano moral deveservinculadoànoçãodedor,desofrimentopsíquico, decaráterindividual”,eportanto,“éincompatívelcom anoçãodetransindividualidade(indeterminabilidade dosujeitopassivoeindivisibilidadedaofensaedare- paração)”, para a Ministra Eliana Calmon, não é “essencialàcaracterizaçãododanomoralcoletivoprova dequeftouvedor,sentimento,lesãopsíquica,afetando‘a partesensitivadoserftumano,comoaintimidade,avida privada, a ftonra e a imagem das pessoas’”. Sustenta a tese de que o dano moral deve ser averiguado de acordo com as caracterís- ticas próprias aos interesses difusos e coletivos, distanciando-se quanto aos caracteres próprios das pessoas físicas que compõe determinada co- letividade ou grupo determinado ou indetermi- nado de pessoas, sem olvidar que é a confluência 61 dos valores individuais que dão singularidade ao valor coletivo. As relações jurídicas caminham para uma massificação e a lesão aos interesses de massa não podem ficar sem reparação. Para refutar a tese de que não há dano moral coletivo, a Ministra também colaciona far- ta doutrina acerca do tema, cujo texto para fins didáticos se aproveita e se transcreve: Na doutrina, já há vários pronunciamentos pela pertinência e necessidade de reparação do dano moral coletivo. José Antônio Remédio, José Fer- nando Seifarth e José Júlio Lozano Júnior infor- mam a evolução doutrinária: Diversos são os doutrinadores que sufragam a essência da existência e reparabilidade do dano moral coletivo: Limongi França sustenta que é possível afirmar a existência de dano moral ‘à coletividade, como sucederia na hipótese de se destruir algum ele- mento do seu patrimônio histórico ou cultural, sem que se deva excluir, de outra parte, o refe- rente ao seu patrimônio ecológico’. Carlos Augusto de Assis também corrobora a 62 posição de que é possível a existência de dano moral em relação à tutela de interesses difusos, indicando hipótese em que se poderia cogitar de pessoa jurídica pleiteando indenização por dano moral, como no caso de ser atingida toda uma categoria profissional, coletivamente falando, sem que fosse possível individualizar os lesados, caso em que se ria conferida legitimidade ativa para a entidade representativa de classe pleitear indenização por dano moral. A sustentar e esclarecer seu posicionamen- to, aponta Carlos Augusto de Assis, a título de exemplo: ‘Imagine-se o caso de a classe dos ad- vogados sofrer vigorosa campanha difamatória. Independente dos danos patrimoniais que po- dem se verificar (e que também seriam de difícil individualização) é quase certo que os advoga- dos, de uma maneira geral, experimentariam pe- nosa sensação de desgosto, por ver a profissão a que se dedicam desprestigiada. Seria de admitir que a entidade de classe (no caso, a Ordem dos Advogados do Brasil) pedisse indenização pelo dano moral sofrido pelos advogados considera- dos como um todo, a fim de evitar que este fique sem qualquer reparação em face da indetermina- ção das pessoas lesadas. 63 Carlos Alterto Bittar Filho leciona: ‘quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absoluta- mente injustificável do ponto de vista jurídico’. Assim, tanto o dano moral coletivo indivisível (gerado por ofensa aos interesses difusos e co- letivos de uma comunidade) como o divisível (gerado por ofensa aos interesses individuais ho- mogêneos) ensejam reparação. Doutrinariamente, citam-se como exemplos de dano moral coletivo aqueles lesivos a interesses difusos ou coletivos: “dano ambiental (que con- siste na lesão ao equilíbrio ecológico, à qualidade de vida e à saúde da coletividade), a violação da honra de determinada comunidade (a negra, a judaica etc.) através de publicidade abusiva e o desrespeito à bandeira do País (o qual corporifica a bandeira nacional). (in Dano moral. Doutrina, jurisprudência e legislação. São Paulo: Saraiva, 2000, pp. 34-5). Pela doutrina e pela tese defendida pela Ministra Eliana Calmon, parece que o dano mo- 64 ral deve ser reparado quando em razão de um dano ambiental houver ofensa aos interesses de uma coletividade. 2.3. A Responsabilidade Civil No ordenamento jurídico pátrio há três princípios que orientam a responsabilização ci- vil por danos ambientais. Na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desen- volvimento, no Rio de Janeiro (ECO 92), restou estabelecido o seguinte: Os Estados devem desenvolver legislação nacional relativa à responsabilidade e indenização das vítimas de poluição e outros danos ambientais. (Princípio da responsabilidade ambiental – princípio nº 13) Tendo em vista que o poluidor deve, em princí- pio, arcar com o custo decorrente da poluição, as autoridades nacionais, devem procurar promover a internalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, levando na devida conta o interesse público, sem distorcer o comér- cio e os investimentos internacionais. (Princípio 65 do poluidor pagador – princípio nº 16) De modo a proteger o meio ambiente, o prin- cípio da precaução deve ser amplamente obser- vado pelos Estados,de acordo com suas capaci- dades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não dever ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental (Princípio da Precaução – princípio nº 15) A responsabilidade civil tem como pres- supostos os princípios da precaução ou preven- ção, do poluidor-pagador, e da responsabilidade integral pelos danos causados ao meio ambiente. Como um dos objetivos fundamentais do Direito Ambiental é prevenir a atividade da- nosa aos bens jurídicos tutelados, o princípio da prevenção ou precaução objetiva coibir práticas potencialmente lesivas ao meio ambiente, para que os riscos inerentes às determinadas ativida- des sejam mitigados26. 26 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. A Gestão Ambiental em Foco. Doutrina. Jurisprudência. Glossário. 6ª ed. Editora Revista dos Tribunais: São Paulo, 2009. p. 956. 66 Por sua vez, o princípio do poluidor- -pagador objetiva assegurar que o beneficiário da atividade responda pelo risco ou pelas desvan- tagens dela resultantes, para evitar que o dano ambiental fique sem reparação27. Por força do §3.º, do artigo 225, da Cons- tituição Federal, e do §1.º, do artigo 14, da Lei nº 6.938 de 1981, a lesão causado ao meio ambiente deve ser reparada na sua integralidade. Ainda que não seja possível a reparação do dano, será sem- pre devida a indenização pecuniária correlata ao evento danoso28. São dois os tipos de reparação do dano ambiental. A reparação específica ou in natura e a indenização. O dever de indenizar no Direito Ambiental, não excluir a reparação específica do dano ambiental29. 27 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. A Gestão Ambiental em Foco. Doutrina. Jurisprudência. Glossário. 6ª ed. Editora Revista dos Tribunais: São Paulo, 2009. p. 956-957. 28 Idem. p. 957. 29 FIORILLO, Celso Antônio Pachecco. Curso de Direito Ambiental Bra- sileiro. Editora Saraiva: São Paulo, 2007. p. 35/36. 67 2.4. Responsabilidade Civil Objetiva e Solidária A responsabilidade civil pelos danos causados ao meio ambiente é objetiva e solidária. Objetiva, pois o artigo 225, §3.º, da Constituição Federal, ao impor a obrigação de reparar o dano, não exige elemento subjetivo para configuração da conduta lesiva, e, solidária, pois além do “ca- put” de referido dispositivo dispor que é atribuí- do tanto ao Poder Público quanto à coletividade o dever jurídico de tutelar o meio ambiente, o artigo 3.º, inciso I, do diploma constitucional, elenca como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, a construção de uma socie- dade livre, justa e solidária30. À propósito ensina Édis Milaré o seguinte: A responsabilidade civil pressupõe prejuízo a ter- ceiro, ensejando pedido de reparação do dano, consistente na recomposição do status quo ante (repristinação = obrigação de fazer) ou numa im- portância em dinheiro (indenização = obrigação de dar). 30 FIORILLO, Celso Antônio Pachecco. Curso de Direito Ambiental Bra- sileiro. Editora Saraiva: São Paulo, 2007. p. 35/36. 68 (...) O Código Civil de 2002, atento à crescente com- plexidade das relações presentes na moderna sociedade brasileira, introduziu importantes mo- dificações nas normas que disciplinam a respon- sabilidade civil. Migrou de um sistema único do Código de 1916, de exclusiva consagração da regra da responsabili- dade fundada na culpa (art.159), para um sistema dualista que, sem prejuízo desse princípio básico, reproduzido agora no art. 186, agregou, com igual força de incidência, a responsabilidade sem culpa, esteada no risco da atividade (art. 927, § único). (...) Imaginou-se, no início da preocupação com o meio ambiente, que seria possível resolver os problemas relacionados com o dano a ele infli- gido nos limites estreitos da teoria da culpa. Mas, rapidamente a doutrina, a jurisprudência e o le- gislador perceberam que as regras clássicas de responsabilidade, contidas na legislação civil de então, não ofereciam proteção suficiente e ade- quada às vítimas do dano ambiental, relegando- -as, no mais das vezes, ao completo desamparo. (...) Coube à Lei nº 6.938, de 31.08.1981, instituido- 69 ra da Política Nacional do Meio Ambiente (...) dar adequado tratamento à matéria, substituindo, decididamente, o princípio da responsabilidade objetiva, fundamentado no risco da atividade.31 Para o referido autor a Carta de 1988 fez com que a responsabilidade civil objetiva do po- luidoreinclusiveadoEstado,“commaisrazãoain- daemmatériaambiental”,fosseconstitucionaliza- da, e fortaleceu o princípio do poluidor-pagador, “quefazrecairsobreoautordodanooônusdecorrente dos custos sociais de sua atividade”32. Conforme aponta, em tema de tutela am- biental, a responsabilidade objetiva foi então vin- culada à teoria do risco integral. Para que haja res- ponsabilidade civil, basta a prova da ocorrência do dano e o nexo causal deste com a prática de uma determinada conduta ou atividade humana33. Tratando-se de responsabilidade objetiva, 31 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. A Gestão Ambiental em Foco. Doutrina. Jurisprudência. Glossário. 6ª ed. Editora Revista dos Tribunais: São Paulo, 2009. p. 952-954. 32 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. A Gestão Ambiental em Foco. Doutrina. Jurisprudência. Glossário. 6ª ed. Editora Revista dos Tribunais: São Paulo, 2009. p. 952-954. 33 Idem, p. 954-955. 70 o dever de reparar o dano independe de culpa, da licitude da atividade e da presença de excludentes e de cláusulas de não indenizar. Com efeito, dispõe o §1.º, do artigo 14, da Lei nº 6.938 de 1981 o seguinte: § 1.º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos cau- sados ao meio ambiente. Em atenção à teoria do risco integral, a legislação ordinária atribuiu ao causador do dano o dever da reparação independentemente da in- vestigação da culpa ou da contribuição do agente poluidor para a produção do dano. 71 2.5. Responsabilidade Administrativa O artigo 225 da Constituição Federal conforme dito dispõe que as pessoas, físicas ou jurídicas, sujeitam-se às sanções administrativas pela prática de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Celso Antônio Bandeira de Mello34 en- sinaque“InfraçãoAdministrativaéodescumprimento voluntáriodeumanormaadministrativa”,e“Sanção administrativaéaprovidênciagravosaprevistaemcaso deincursãodealguémemumainfraçãoadministrativa (...)”,e, também, que“arazãopelaqualaleiqualifi- cacertoscomportamentoscomoinfraçõesadministrativas, eprevêsançõesparaquemnelasincorra,éadedesestimu- larapráticadaquelascondutascensuradasouconstranger ao cumprimento das obrigatórias.” Celso Antônio Pacheco Fiorillo, por sua vez, afirma o seguinte: Sanções administrativas são penalidades impos- tas por órgãos vinculados de forma direta ou in- direta aos entes estatais (União, Estados, Muni- 34 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Adminis- trativo. 18ª ed. Malheiros. São Paulo, 2005. pg. 777. 72 cípios e mesmo Distrito Federal), nos limites de competências estabelecidas em lei, com o objeti- vo de impor regras de conduta àqueles que tam- bém estão ligadosà Administração no âmbito do Estado Democrático de Direito35. Segundo a doutrina, as sanções adminis- trativas estão ligadas ao poder de polícia, isto é, à atividade da administração pública que, limi- tando ou disciplinando direito, interesse ou li- berdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exer- cício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à proprieda- de e aos direitos individuais ou coletivos (artigo 78, do Código Tributário Nacional). O poder de polícia, segundo afirma Édis Milaré, é prerrogativa do Poder Público, e é dota- do dos atributos da discricionariedade, da auto- executoriedade e da coercibilidade, inerentes aos 35 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Bra- sileiro. Editora Saraiva: São Paulo, 2007. p. 52-53. 73 atos administrativos36. Em matéria ambiental, o poder de polícia que justifica a incidência de sanções administrati- vas, e tem por objetivo desestimular a prática de condutas lesivas ao meio ambiente e constranger ao cumprimento das obrigatórias, encontra fun- damento no artigo 225 da Constituição Federal: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presen- tes e futuras gerações. De acordo com o comando normativo constitucional destacado, a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal devem assegurar a defesa dos bens de uso comum do povo re- putados essenciais à sadia qualidade de vida das presentes e futuras gerações. Esse dever é exercido por todos os en- 36 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. A Gestão Ambiental em Foco. Doutrina. Jurisprudência. Glossário. 6ª ed. Editora Revista dos Tribunais: São Paulo, 2009. p.878. 74 tes federativos por meio de ações fiscalizadoras e medidas corretivas. São deveres específicos do Poder Público na tutela do ambiente a preser- vação e restauração dos processos ecológicos essenciais, promoção do manejo ecológico das espécies e ecossistemas, preservação da biodi- versidade e controle das entidades de pesquisa e manipulação de material genético, definição de espaçosterritoriais especialmente protegidos, re- alização de Estudo Prévio de Impacto Ambien- tal, controle da produção, comercialização e utili- zação de técnicas, métodos e substâncias nocivas à vida, à qualidade de vida e ao meio ambiente, educação ambiental, e proteção à fauna e flora. Como por força do princípio da legali- dade a imposição de penalidades depende da ocorrência concreta no mundo dos fatos das condutas descritas nos antecedentes das normas jurídicas, a atividade administrativa que tem por finalidade inibir e punir a prática das condutas lesivas em razão da defesa e proteção dos bens é plenamente vinculada. O artigo 37, “caput”, da Constituição Fe- deral, dispõe que a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios 75 obedecerá aos princípios de legalidade, impesso- alidade, moralidade, publicidade e eficiência. Celso Antônio Bandeira de Mello37 res- salta que o princípio da legalidade: é o princípio basilar do regime jurídico-adminis- trativo, já que o Direito Administrativo (...) nasce com o Estado de Direito: é uma consequência dele. É o fruto da submissão do Estado à lei (...) a consagração da idéia de que a Administração Pú- blica só pode ser exercida na conformidade da lei e que, de conseguinte, a atividade administrativa é atividade sublegal, infralegal, consistente na ex- pedição de comandos complementares à lei. (...) a atividade de todos os seus agentes (...) só pode ser a de dóceis (...) cumpridores das dis- posições gerais fixadas pelo Poder Legislativo, pois esta é a posição que lhes compete no Di- reito brasileiro. Ainda que, o princípio da legalidade, radicado nos artigos 5.º, inciso II, 37, “caput”, e 84, inciso IV, da Carta Maior, está assentado 37 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Adminis- trativo. 18ª ed. Malheiros: São Paulo, 2005. p. 92-93. 76 na própria estrutura do Estado Democrático de Direito, e que os dispositivos constitucionais lhe atribuem “uma compostura muito estrita e rigo- rosa, não deixando válvula para que o Executivo se evada de seus grilhões”38. No julgamento do Recurso Especial nº 1137314/MG, o Superior Tribunal de Justiça de- cidiu que: (...) 2. A multa aplicada pela autoridade administrativa é autônoma e distinta das sanções criminais co- minadas à mesma conduta, estando respaldada no poder de polícia ambiental. 3. Sanção administrativa, como a própria expres- são já indica, deve ser imposta pela Administração, e não pelo Poder Judiciário, porquanto difere dos crimes e contravenções. 4. A Lei 9.605/1998, embora conhecida popular e imprecisamente por Lei dos Crimes contra o Meio Ambiente, a rigor trata, de maneira simultânea e em partes diferentes do seu texto, de infrações pe- nais e infrações administrativas. 5. No campo das infrações administrativas, exige- 38 MELLO, Celso Antonio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 18ª ed. Malheiros: São Paulo, 2005. p. 92-93. 77 -se do legislador ordinário apenas que estabeleça as condutas genéricas (ou tipo genérico) consideradas ilegais, bem como o rol e limites das sanções pre- vistas, deixando-se a especificação daquelas e des- tas para a regulamentação, por meio de Decreto. 6. De forma legalmente adequada, embora ge- nérica, o art. 70 da Lei 9.605/1998 prevê, como infração administrativa ambiental, “toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio am- biente”. É o que basta para, com a complementa- ção do Decreto regulamentador, cumprir o princí- pio da legalidade, que, no Direito Administrativo, não pode ser interpretado mais rigorosamente que no Direito Penal, campo em que se admitem tipos abertos e até em branco. 7. O transporte de carvão vegetal sem prévia licen- ça da autoridade competente caracteriza, a um só tempo, crime ambiental (art. 46 da Lei 9.605/1998) e infração administrativa, nos termos do art. 70 da Lei 9.605/1998 c/c o art. 32, parágrafo único, do Decreto 3.179/1999, revogado pelo Decreto 6.514/2008, que contém dispositivo semelhante. 8. As normas em comento conferem sustentação legal à imposição de sanção administrativa. Pre- cedentes do STJ. (...)” (REsp 1137314/MG. Mi- 78 nistro HERMAN BENJAMIN. Segunda Turma. 17/11/2009) Em que pese o quanto aduzido pelo Superior Tribunal de Justiça, parece que, assim como no Direito Penal, ante a necessidade de as- segurar um mínimo de segurança jurídica aos ad- ministrados, a atividade administrativa ambiental depende da previsão legal e da tipicidade das con- dutas consideradas lesivas ao meio ambiente39. 2.6. Processo Administrativo Ambiental Em atenção ao texto constitucional, e ao 39 Édis Milaré, embora reconheça que “A Administração Pública e, por conseguinte, a aplicação de sanções administrativas pelos entes federativos pautam-se pelo princípio da legalidade, certo que ‘ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei’.”, sustenta que “a incidência princípio da legalidade, salvo disposição de lei em con- trário,