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Pericardite Aguda: Epidemiologia, Diagnóstico e Tratamento

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Case 8 – módulo de tórax 
Objetivo:
1. Abordar aspectos epidemiológicos e identificar as principais etiologias da pericardite.
2. Conhecer o quadro clínico da pericardite aguda.
3. Discutir a investigação diagnóstica da pericardite aguda.
4. Conhecer as complicações da pericardite aguda.
5. Abordar aspectos no tratamento da pericardite aguda.
Pericárdio
O pericárdio é uma serosa que é constituída por dois folhetos, o visceral e o parietal, separados entre si por uma lâmina de líquido chamada de líquido pericárdico. O pericárdio visceral recobre quase toda a superfície epicárdica das câmaras cardíacas e a porção proximal dos vasos da base. O pericárdio visceral é uma fina membrana serosa, intimamente ligada à gordura epicárdica, e revestida por uma camada única de células mesoteliais. O pericárdio parietal é uma membrana mais espessa e com uma constituição fibrosa. É nele que estão as terminações nervosas nociceptivas. O líquido pericárdico preenche o espaço virtual entre os dois folhetos, de modo a reduzir o atrito entre eles. Seu volume normal está entre 20-50 ml.
Síndromes pericárdicas 
O pericárdio pode ser acometido por inúmeras doenças, localizadas ou sistêmicas. As principais pericardiopatias são: pericardite aguda, derrame pericárdico, tamponamento cardíaco, pericardite constritiva, pericardite efusivo-constritiva. O pericárdio parietal possui ligamentos que o fixam ao diafragma, ao esterno e às outras estruturas no mediastino anterior. Essas estruturas asseguram que o coração ocupe uma posição relativamente fixa no interior da cavidade torácica, a despeito da fase da respiração e da posição corporal.
Epidemiologia Pericardite 
A pericardite é uma doença sub-diagnosticada, com incidência descrita entre 3 e 28 casos/100 mil pessoas/ano, sendo maior em homens de 16-65 anos. Em autópsia aproxima-se de 1%. Até 15% dos casos associam-se a miocardite (miopericardite). 
A pericardite aguda é responsável por cerca de 5% dos casos de dor torácica de etiologia não isquêmica no atendimento emergencial, pode acometer indivíduos de todas as idades, independentemente do sexo.
Pericardite aguda
A inflamação aguda dos folhetos pericárdicos pode levar a uma condição sindrômica onde a dor torácica é o principal marcador. A dor torácica tem características que sugerem a origem pericárdica: localização precordial ou retroesternal, duração contínua, longa duração (dias, horas), irradia para a região cervical e para o trapézio, tipo pleurítica (piora nítida com a inspiração profunda, tosse e espirro), piora com o decúbito dorsal, alivia na posição sentada com o tronco inclinado para a frente). Eventualmente, a dor é de caráter constritivo, com irradiação para o braço esquerdo, simulando a dor anginosa.
Outro sintoma que pode ser encontrado em pacientes com pericardite aguda é a dispneia, que, geralmente, decorre devido à necessidade de respirar superficialmente para evitar a dor pericárdica. 
Exame físico:
Ao exame físico, o paciente encontra-se frequentemente taquicárdico e com leve taquipneia.
O achado patognomônico de pericardite aguda é o atrito pericárdico, que é presente em 85% dos casos.
Obs.: O atrito pericárdico é um som áspero, geralmente sisto-diastólico, mais audível, com o diafragma firmemente pressionado na borda esternal esquerda baixa e com o paciente sentado com o tronco inclinado para frente. O som lembra o ranger entre duas superfícies rugosas (ex.: lixas).
Exames complementares e diagnóstico:
Não existe um exame padrão ouro para confirmar diagnosticamente a pericardite aguda. Contudo, o diagnóstico pode ser firmado por um quadro clínico característico + exames complementares demonstrando padrões característicos.
� Eletrocardiograma
O pericárdio é eletricamente silencioso, porém a pericardite aguda pode estender-se para a região epicárdica, levando a repercussões eletrocardiográficas em quase 90% dos casos.
O mais característico é o aparecimento de uma corrente de lesão do tipo supradesnível de ST, com o ST de aspecto côncavo e a onda T positiva e apiculada. Este aspecto normalmente é visto em várias derivações, poupando, na maioria das vezes, V1 e aVR.
O principal diagnóstico diferencial é com o IAM. O que sugere pericardite é: (1) a concavidade mantida do ST quando supradesnivelado; (2) o infradesnível do PR; (3) o fato da inversão da onda T só ocorrer quando o ST já voltou à linha de base; (4) e a ausência de onda Q de necrose na evolução do ECG.
� Ecocardiograma
Principal achado é derrame pericárdico, que pode ser de extensão variável, de pequena a grande monta. Entretanto, o mais comum é a ausência de derrame, ou um derrame leve. A ausência de derrame pericárdico no eco não exclui diagnóstico de pericardite aguda.
� Outros exames
A radiografia de tórax geralmente é normal, exceto se houver derrame pericárdico de moderada a grande quantidade. 
O exame de sangue pode revelar leucocitose discreta e aumento do VHS. Na pericardite piogênica, há leucocitose acentuada e desvio a esquerda.
Etiologia:
Na maioria das vezes a etiologia é um infecção viral do pericárdio ou a pericardite é idiopática. 
� Pericardite viral e idiopática
As duas causas representam as causas mais comuns de pericardite aguda. 
Entre os vírus os que com maior frequência estão envolvidos são o Coxsackie B e o Echovirus tipo 8, vírus que comumente estão associados a gripe e resfriado comum.
No quadro clínico, geralmente há um pródomo de uma síndrome gripal e de virose de vias respiratórias superiores, precedendo o quadro de pericardite em 1-3 semanas. O diagnóstico, em geral, é presuntivo simplesmente pela clínica compatível.
Tanto o quadro viral quanto idiopático costumam ser autolimitados, com regressão dos sintomas em 1-3 semanas.
A complicação mais comum é a pericardite recorrente.
� Pericardite piogênica
A síndrome clínica da pericardite bacteriana ou piogênica costuma ser diferente: o paciente apresenta um quadro agudo de febre alta (39-40 °C), calafrios, sudorese noturna, dor no corpo, prostração e dispneia. A dor torácica e a síndrome pericárdica não são tanto valorizados devido os outros sintomas que podem estar associados.
O atrito pericárdico está presente em menos de 50% dos casos.
O diagnóstico devido a essa ampla gama de sintomas é bastante difícil. Essa condição tem alta mortalidade, pois mesmo diante do uso de antibioticoterapia parenteral, a chance de tamponamento cardíaco é muito grande não havendo drenagem do pericárdio.
A pericardite piogênica geralmente ocorre como complicação de uma infecção bacteriana torácica ou abdominal alta, como pneumonia, empiema pleural, mediastinite, abscesso subfrênico passando para o pericárdio por contiguidade. É uma das complicações infecciosas do pós-operatório de cirurgia torácica ou relacionada a trauma torácico.
As bactérias mais comuns são: Staphylococcus aureus, Streptococcus pneumoniae, Streptococcussp., seguidos por Gram-negativos entéricos (E. coli, Klebsiella sp...), Neiseria meningitidis e Haemophilus influenzae.
Deve-se suspeitar dessa forma de pericardite em pacientes com quadro clínico sugestivo de infecção bacteriana, com hemograma mostrando leucocitose acentuada e desvio para a esquerda, associado ao aumento da área cardíaca pela radiografia de tórax. O ECG frequentemente também é uma pista, revelando alterações compatíveis com pericardite aguda.
Ao suspeitar, deve-se solicitar imediatamente um eco para avaliar a presença de derrame pericárdico e programar a drenagem se presente. Associado a essas medidas, deve-se utilizar um esquema antibioticoterápico parenteral (ex.: oxacilina + gentamicina).
Obs.: O líquido pericárdico deve ser colhido e mandado para exames de bacterioscopia (Gram) e cultura bacteriana, com antibiograma, para posteriormente orientar o uso adequado de antibióticos.
� Pericardite relacionada ao HIV
A infecção por HIV, principalmente na fase de imunodepressão, é associada ao aumento da incidência de pericardite aguda, pericardite subaguda/crônica e derrame pericárdico assintomático. A pericardite aguda é causada mais comumente por infecçãoviral ou pelo próprio HIV.
� Pericardite urêmica
Antes da diálise era comum que ocorresse pericardite aguda, derrame pericárdico crônico e tamponamento cardíaco em pacientes com insuficiência renal crônica. O principal mecanismo proposto para a inflamação pericárdica na insuficiência renal é a ação direta das toxinas nitrogenadas urêmicas sobre os folhetos pericárdicos.
Este quadro costuma responder muito bem ao início da diálise. A pericardite urêmica contraindica o uso de anticoagulantes, e a heparina deve ser usada com muito cuidado nas sessões de hemodiálise.
� Pericardite pós-cirúrgica ou pós-traumática
Eventualmente, após procedimentos cirúrgicos cardíacos o paciente apresenta dor pericárdica, febre baixa e alterações no ECG de pericardite aguda. Esta é a pericardite aguda precoce pós-cirurgia cardíaca, ocorrendo na 1° semana de pós-operatório; sua causa é o próprio trauma da pericardiotomia.
A pericardite pós-traumática (trauma torácico fechado, perfuração miocárdica iatrogênica) é semelhante à pericardite pós-cirurgia cardíaca, podendo ser a forma precoce ou tardia.
Tratamento pericardite aguda:
Nos casos específicos, como a pericardite piogênica e a pericardite urêmica, o tratamento é orientado diante a causa base.
Na maioria das vezes a pericardite aguda é de causa viral ou idiopática, sendo autolimitada. Assim, o tratamento orientado a essas causas é orientado ao controle sintomático e na prevenção de recidivas após resolução espontânea do quadro. 
A princípio, todos os pacientes com pericardite aguda devem ser internados para observação nos primeiros dias. Deve-se investigar diariamente se há sinais de tamponamento cardíaco (ocorre em 15% dos casos).
O esquema terapêutico de escolha na atualidade consiste na associação de um Anti-Inflamatório Não Esteroidal (AINE), como ibuprofeno ou indometacina, com a colchicina. Os AINEs só são mantidos enquanto durar os sintomas. A colchicina, por outro lado, tem a capacidade de prevenir as recidivas, sendo mantida geralmente por mais três meses após a suspensão do AINE.
Se o paciente mostrar refratariedade ao tratamento inicial com AINE + colchicina, deve ocorrer substituição por corticoterapia.
Complicações da pericardite aguda:
Tamponamento cardíaco _ ocorre em 15% dos casos de pericardite aguda, necessitando, na grande maior parte das vezes, de apenas uma Pericardiocentese de alívio.
Pericardite recorrente _ corresponde a complicação mais comum da pericardite aguda. Entre 1/4 a 1/5 dos pacientes voltam em semanas a meses a apresentar uma recorrência dos sintomas. O tratamento, a princípio, pode ser o mesmo do primeiro episódio, dando preferência para os AINEs, em associação ou não com corticoides ou colchicina. A colchicina, na dose de 1 mg/dia, pode ser utilizada na profilaxia de recorrências por até dois anos.
Pericardite constritiva e efusivo-constritiva _ Na viral e na idiopática essa complicação é rara. Contudo, não é rara quando a causa é piogênica, tuberculosa, neoplásica, actínica ou pela esclerodermia.

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