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1. DISCUTIR AS PRINCIPAIS CAUSAS DE DOR TORÁCICA AGUDA E SISTEMAS ENVOLVIDOS (QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO) Diversas classificações já foram propostas e a mais utilizada é a que divide a dor torácica em três grupos: típica, atípica e não cardíaca (Quadro1). Pode ser classificada conforme sua severidade (Quadro2). A angina é também classificada como estável e instável. É importante identificar a angina instável, pois está muito relacionada com o evento coronariano agudo. A angina instável pode ser dividida em três grupos, conforme certas características clínicas: em repouso, de aparecimento recente e em crescendo (Quadro 3). TIPOS DE DOR A dor torácica pode ser classificada pela característica anginosa da dor: Dor TIPO A (DEFINITIVAMENTE ANGINOSA): Desconforto retroesternal precipitado pelo esforço, com irradiação típica para o ombro, mandíbula ou face interna do braço esquerdo, aliviado pelo repouso ou nitrato. Características que dão certeza de Síndrome Coronariana Aguda, independentemente dos exames complementares. Presença de características típicas. Dor TIPO B (PROVAVELMENTE ANGINOSA): Dor torácica cujas características faz da Síndrome Coronariana Aguda a principal hipótese diagnóstica, porém com necessidade de exames complementares para a confirmação do diagnóstico. Tem a maioria das características da dor definitivamente anginosa, podendo ser típica sob alguns aspectos, mas atípica em outras. Presença de 2 características típicas. Dor TIPO C (PROVAVELMENTE NÃO ANGINOSA): Dor torácica cujas características não faz da Síndrome Coronariana Aguda a principal hipótese diagnóstica, mas devido à existência de múltiplos fatores de risco, doença coronária prévia ou mesmo dor sem causa aparente, necessita de outros exames para excluí-la. Definida como um padrão atípico de dor torácica que não se adapta à descrição da dor definitivamente anginosa. Presença de 1 característica típica. Dor TIPO D (DEFINITIVAMENTE NÃO ANGINOSA): Dor torácica cujas características não incluem a Síndrome Coronariana Aguda no diagnóstico diferencial. Dor com aspectos evidentes de origem não cardíaca. Nenhuma característica típica. CAUSAS DA DOR TORÁCICA A dor torácica pode ser decorrente de causas cardíacas isquêmicas e não isquêmicas, ou de causas não cardíacas, tais como: gastrointestinal, pulmonar, musculoesquelética ou ainda por herpes zoster. Isquemia miocárdica: ocorre quando há desequilíbrio entre a oferta e o consumo de oxigênio pelo miocárdio produzido pela diminuição na oferta e/ou aumento no consumo de oxigênio. A causa mais comum de isquemia miocárdica é a obstrução das artérias coronárias pela aterosclerose. Angina estável (AE): refere-se ao desconforto no peito que ocorre de forma previsível e reprodutível em um determinado nível de esforço, com duração média de 1 a 5 minutos, é aliviada com repouso ou com nitratos e cujas características não se alteram no período de 2 meses. A angina estável é o quadro clínico inicial da doença cardíaca isquêmica em 50% dos casos. Angina instável: possui duração maior e é desencadeada por esforços menores ou até mesmo em repouso. Essa diferenciação é fundamental porque a ocorrência de angina instável sugere risco iminente de evento coronariano agudo em curto intervalo de tempo. O desconforto ou a dor não cessa com o repouso IAM: A dor do IAM se deve à redução de fluxo sanguíneo ocasionado pelo estreitamento ou obstrução de uma artéria do coração, impedindo que oxigênio chegue em quantidade adequada para as células cardíacas. É descrito como uma dor súbita, sobre o esterno (osso localizado no meio do peito), constante e constritiva, que pode ou não se irradiar para várias partes do corpo, como a mandíbula, costas, pescoço e braços, especialmente a face interna do braço esquerdo, e falta de ar Pericardite: A dor na pericardite ocorre pela inflamação da pleura parietal adjacente, visto que a maior parte do pericárdio é insensível à dor. O atrito pericárdico pode ou não estar presente. A pericardite pós-infarto ocorre geralmente após alguns dias do evento isquêmico. A febre pode acompanhar os casos de pericardite bacteriana ou viral. A pericardite urêmica pode ou não estar acompanhada por dor ou febre. Dissecção da aorta: é uma condição catastrófica que consiste na ruptura da íntima da parede da aorta, com formação e progressão de um hematoma subintimal. Pode ser secundária a trauma da aorta, como na passagem de cateteres (balão intra-aórtico). Geralmente ocorre por necrose médio-cística da aorta, com ruptura do vasavasorum e consequente hemorragia dentro da camada média. Causas pulmonares: Na embolia pulmonar, a dor torácica é secundária à distensão da artéria pulmonar ou ao infarto de um segmento do pulmão adjacente à pleura. Na pneumonia e nas lesões pulmonares com inflamação da pleura (pleurite) adjacente ao pulmão, causam dor aguda semelhante a uma facada, que piora com inspiração ou tosse. O pneumotórax espontâneo é comumente causado por ruptura de bolhas pulmonares, associando-se com dispneia e dor súbita na face lateral do tórax. Causas digestivas: a dor consequente ao refluxo gastroesofágico é descrita na região retroesternal, com sensação de queimação, sendo difícil diferenciar das síndromes coronárias agudas. A dor é frequentemente precipitada pela ingestão de alimentos, em geral os condimentados, as bebidas alcoólicas ou aspirina, e quando o paciente assume a posição de decúbito, não tendo relação com esforços físicos. Pode ocorrer espasmo esofágico, que melhora com a administração de nitratos, confundindo ainda mais o raciocínio clínico e podendo ser interpretada como isquemia miocárdica. A ruptura de esôfago ocorre geralmente por náuseas e vômitos persistentes, ocasionando dor intensa na região central do tórax e dorso, geralmente associada com enfisema mediastinal. Doença ulcerosa péptica, doença biliar e pancreatite geralmente causam dor abdominal associada com desconforto torácico. A dor comumente não tem relação com esforços físicos e costuma ocorrer em um período de tempo variável após as refeições. Causas neuromusculares: as alterações musculoesqueléticas são a principal causa de dor na parede anterior do tórax. Em um estudo, as causas musculoesqueléticas foram responsáveis por 36% de todas as causas de dor torácica atendidas no serviço de emergência. O herpes zoster geralmente acomete os nervos intercostais, com dor que pode ser confundida com infarto do miocárdio. Os sintomas iniciam-se antes do aparecimento da lesão dermatológica, o que confirma o diagnóstico. As síndromes radiculares podem provocar dor torácica pela compressão das raízes nervosas. Na costocondrite, a dor pode ser reproduzida pela compressão das articulações condroesternal e costocondral. Causas psiquiátricas: cerca de 8% dos pacientes que procuram o serviço de emergência com dor torácica têm transtorno do pânico ou outras alterações emocionais. A dor torácica nessas situações é muito variável, geralmente dura mais do que 30 minutos e o ECG pode ser difícil de interpretar em razão das alterações na onda T e segmento ST pela hiperventilação. 2. ENTENDER O ALGORITMO DE CONDUTA FRENTE À DOR TORÁCICA AGUDA No Brasil, estimam-se 4 milhões de pacientes atendidos em emergências anualmente com queixa de dor torácica. Há confirmação diagnóstica em apenas em metade dos casos. De 2% a 3% dos pacientes com infarto agudo do miocárdio (IAM) são liberados sem diagnóstico. PROTOCOLO DE DOR TORÁCICA - New England Journal of Medicine 2017 Em 2017 saiu na New England Journal of Medicine um excelente artigo de revisão cujo título era “Acute Myocardial Infarction”, mas que, na verdade, discute as novidades na abordagem à síndrome coronarianaaguda na sala de emergência Passo 1: inicie o protocolo de dor torácica. Você tem 10 min para rodar ECG, monitorar o paciente e obter história + exame físico sucintos História: Tipo de dor (A, B ou C); Fatores de risco; Alergias Exame Físico: Procure sinais de gravidade: Má perfusão, Congestão pulmonar, Arritmias ventriculares Passo 2: defina seu plano terapêutico Monitore o ritmo cardíaco; Deixe fonte de O2 disponível; Obtenha acesso venoso periférico Eletrocardiograma: A questão norteadora é: há supra de ST? O ECG é o divisor de águas: o Paciente com supradesnível do segmento ST necessita de reperfusão emergencial, mecânica (angioplastia) ou química (trombólise). o Já os pacientes sem supradesnível do segmento ST deverão estratificar o seu risco cardiovascular ↳ se moderado a alto, vão para estratégia invasiva precoce; ↳ se baixo, devem avaliar melhor o grau de isquemia por um teste funcional Passo 3: hora da alta Pacientes submetidos ao tratamento invasivo com revascularização percutânea são os que mais rapidamente vão para casa – alguns em menos de três dias! Quando houver revascularização de todas as lesões, o paciente poderá gradualmente (leia-se uma semana) retomar suas atividades habituais. Nos pacientes que realizaram apenas revascularização da artéria culpada, é necessário um teste funcional, em geral um ergométrico submáximo, para avaliação funcional e de isquemia residual Escores de estratificação: Os principais escores disponíveis para SCA são: TIMI: Muito usado nos EUA, é composto de 7 itens, cada um valendo 1 ponto. GRACE: Com uso mais difundido na Europa, avalia as seguintes variáveis: Um TIMI risk > 2 ou um GRACE > 140 são considerados pacientes de maior risco e, portanto, candidatos à estratégia invasiva precoce. HEART: foi desenvolvido especificamente para o cenário da dor precordial na emergência. Os parâmetros analisados são: Cada critérios é pontuado de 0 a 2, podendo o escore variar de 0 a 10: Baixo risco: 0-3 Risco intermediário: 4-6 Alto risco: 7-10 E há, ainda, o HRV (Heart Rate Variability Risk Score), que leva em consideração a FC, PA sistólica, FR e a variabilidade dos batimentos cardíacos. Apesar de correlacionar bem com desfechos a curto prazo (< 72h), necessita de equipamento especializado para medida da variabilidade da FC. E qual critério você deve utilizar? Muitos optam pela avaliação clínica. Dor recorrente, instabilidade hemodinâmica, congestão pulmonar e arritmias ventriculares malignas são os principais fatores de alto risco e mandatórios para uma estratificação invasiva precoce. O mesmo se aplica a pacientes com anatomia ruim ou com procedimento invasivo recente (angioplastia ou cirurgia). Para os demais, o artigo de revisão citado conclui que todos os escores são bons, mas prefere o HEART, pela melhor correlação com eventos cardiovasculares no curto e médio prazo PROTOCOLO DE DOR TORÁCICA - Manual de cardiologia Cardiopapers 2013 O protocolo de diagnóstico da unidade de dor torácica visa à redução da incidência de IAM não diagnosticado, de internações desnecessárias e dos custos médicos. Após a adequada caracterização da dor, é necessário definir qual a probabilidade de se estar diante de uma SCA. Para isso, são utilizados dados da anamnese (tipo da dor e fatores de risco cardiovascular), exame físico e ECG. Alterações do exame físico Sinais de insuficiência cardíaca aguda. Hipotensão arterial. B3. Insuficiência mitral nova. Congestão pulmonar. Alterações eletrocardiográficas Supra ou infradesnivelamento do segmento ST. Bloqueio de ramo novo. Onda Q. Alteração dinâmica. Fibrilação ventricular e taquicardia ventricular. Fatores de risco Hipertensão arterial sistêmica (HAS). Idade avançada (> 60 anos). Dislipidemia. Tabagismo. Diabetes mellitus (DM). Aterosclerose manifesta Doença cerebrovascular. Doença aneurismática ou estenótica de aorta abdominal ou seus ramos. Doença arterial periférica, carotídea ou coronariana prévia. Hipertensão renovascular (aterosclerose). Protocolo de dor torácica • Observação por, no mínimo, 9 horas do início da dor (para tempo hábil de alteração dos marcadores cardíacos). • Exame físico de 3/3 horas ou se houver dor. • ECG de 3/3 horas ou se houver dor. • Marcadores de necrose miocárdica de 3/3 horas (CK-MB e troponina I). Após a aplicação do protocolo de dor torácica, há duas possibilidades: Protocolo negativo • Evolui sem dor. • Sem alteração do exame físico. • ECGs seriados sem alterações. • Marcadores de necrose miocárdica negativos. Não descarta a possibilidade de SCA. Mesmo se for SCA, esta não apresenta alto risco de evoluir com IAM ou morte. Há duas possibilidades: alta hospitalar e orientação para consulta ambulatorial e programação de teste não invasivo para avaliar isquemia em 72 horas. Outra possibilidade é realizar teste não invasivo em ambiente hospitalar no final do protocolo. Esses métodos são úteis para avaliação prognóstica do paciente. Protocolo positivo - Pelo menos uma das seguintes alterações: • Exame físico sugestivo de insuficiência cardíaca aguda. • Novas alterações no ECG (bloqueio de ramo, alteração do segmento ST). • Elevação de marcadores de necrose miocárdica É confirmada SCA e deve ser iniciado o tratamento adequado. Teste ergométrico: Método de estresse de escolha para fins diagnóstico e/ou prognóstico em pacientes com dor torácica e com baixa/média probabilidade de doença coronária. Baixo custo, valor preditivo (VP) negativo de 98%. Ecocardiograma sob estresse: Estresse (dobutamina). Poderá ser realizado em pacientes nos quais o teste ergométrico foi inconclusivo ou quando não for possível sua realização (incapacidade motora, distúrbios da condução no ECG, entre outros). Sensibilidade de 90%. Especificidade 80% a 90%. VPN de 98%. Cintilografia miocárdica sob estresse: Estresse físico ou dipiridamol. Após 12 horas da dor, com probabilidade moderada de SCA, quadro clínico, ECG e marcadores sem alterações. Alto valor preditivo negativo. Exame normal = baixo risco de eventos. Se os testes não invasivos forem positivos, os pacientes devem ser tratados como SCA. PROTOCOLO DE DOR TORÁCICA - Associação Beneficente Síria – HCor Todo paciente com dor torácica visto na sala de emergência deve ser submetido imediatamente a um eletrocardiograma, o qual deverá ser prontamente interpretado. Primeiro eletrocardiograma: realizado na triagem para todo paciente que chegar relatando dor torácica (Dor Tipo A, B, C, e D), com interpretação imediata (menor 10 minutos) sem passar por processo administrativo na recepção. Rx de Tórax: na admissão de todos os pacientes com dor torácica, definitivamente anginosa, provavelmente anginosa, não anginosa (Dor Tipo A, B, e C) e casos selecionados naqueles com dor do tipo definitivamente não anginosa (Dor tipo D). Novo eletrocardiograma pode ser obtido no máximo 3h após o 1º em pacientes com suspeita clínica de síndrome coronariana aguda ou qualquer outra doença cardiovascular aguda, mesmo que o eletrocardiograma inicial tenha sido normal, ou a qualquer momento em caso de recorrência da dor torácica ou surgimento de instabilidade clínica ECG de 12 derivações aos pacientes que tiverem piora ou mudança da característica da dor torácica ou sempre na 3ª hora junto com a coleta de Troponina para os pacientes com dor torácica definitivamente anginosa, provavelmente anginosa ou provavelmente não anginosa (Dor Tipo A, B e C). Devido à sua baixa sensibilidade para o diagnóstico de síndrome coronariana aguda, o ECG nunca deve ser o único exame complementar utilizadopara confirmar ou afastar o diagnóstico da doença, necessitando de outros testes simultâneos, como marcadores de necrose miocárdica, monitor do segmento ST, ecocardiograma e testes de estresse Troponinas: As troponinas são os marcadores de necrose miocárdica recomendados para o diagnóstico da SCA. As troponinas de alta sensibilidade, cada vez mais utilizadas, alteram-se precocemente, habitualmente dentro das 3 primeiras horas de evolução. Embora possam estar elevadas em outras situações clínicas como insuficiência cardíaca, miocardites ou mesmo embolia pulmonar, a sua associação com evidências de SCA como dor torácica aguda e/ou alterações de ECG sugestiva podem fazer o diagnóstico. A última definição de IAM incorporou definitivamente a alteração de troponina como marcador. Uma troponina normal após a 6h de evolução seriada afasta definitivamente o diagnóstico de SCA. As diretrizes atuais contraindicam a realização de CKMB 3. ELUCIDAR A EPIDEMIOLOGIA, ETIOLOGIA, FISIOPATOLOGIA, QUADRO CLÍNICO, DIAGNÓSTICO, DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL, TRATAMENTO E COMPLICAÇÕES DA PERICARDITE O pericárdio consiste na membrana relativamente avascular que recobre o epicárdio, consistindo em uma membrana serosa formada por duas camadas, a parietal e a visceral, a qual está em íntimo contato com o tecido cardíaco. O espaço potencial da cavidade pericárdica varia entre 10 a 50 mL de fluido, que consiste em um ultrafiltrado plasmático. Ao exercer uma força de restrição, o pericárdio normal previne dilatação súbita das câmaras cardíacas, especialmente átrio e ventrículo direitos, durante o exercício e na presença de hipervolemia. Ele também mantém a posição anatômica do coração e provavelmente retarda a disseminação das infecções provenientes dos pulmões e das cavidades pleurais para o coração. Todavia, a completa ausência do pericárdio, congênita ou causada por cirurgia, não causa doença clínica óbvia. Nos defeitos parciais do pericárdio esquerdo, a artéria pulmonar principal e o átrio esquerdo podem abaular-se através do defeito; em casos muito raros, a herniação e o subsequente estrangulamento do átrio esquerdo podem causar morte súbita. EPIDEMIOLOGIA Não existem dados epidemiológicos oficiais no Brasil referentes ao comprometimento pericárdico. Mesmo os disponíveis na literatura internacional são escassos e certamente sofrem a influência das características de cada centro. Os dados referentes a serviços de emergência mostram que 5% dos pacientes com queixa de dor torácica nos quais foi afastada insuficiência coronariana aguda165 e 1% daqueles com supradesnível de segmento ST tinham pericardite aguda. Quanto ao derrame pericárdico, é mais frequente quando o comprometimento é por tuberculose ou neoplasia, e o mesmo acontece em relação ao tamponamento cardíaco. Já nos casos em que outras etiologias são responsáveis pelo quadro clínico, a frequência é menor. CLASSIFICAÇÃO Pericardite é um processo inflamatório do pericárdio que tem múltiplas causas e se apresenta tanto como doença primária quanto secundária. Geralmente benigna e autolimitada, a pericardite pode cursar com derrame ou constrição pericárdica, o que aumenta sua morbidez As pericardites são classificadas de acordo com a evolução e forma de apresentação clínica (classificação segundo a I Diretriz Brasileira de Miocardites e Pericardites): • Pericardite aguda; • Pericardite crônica; • Derrame pericárdico e tamponamento cardíaco; • Pericardite constritiva; • Pericardite recorrente. ETIOPATOGENIA As causas de pericardite são divididas em infecciosas e não-infecciosas (tabela 21). Entre as infecções pericárdicas, a pericardite viral é a mais comum e seu processo inflamatório deve-se à ação direta do vírus ou a uma resposta imune. Os mais comuns são: enterovírus, ecovírus, Epstein barr, herpes simples, influenza e citomegalovírus (CMV), sendo o último mais frequente em imunodeprimidos e soropositivos. A pericardite nos soropositivos pode ser devida a doenças infecciosas, não infecciosas ou neoplásicas (sarcoma de Kaposi ou linfoma), podendo por vezes resultar em miopericardite. A pericardite bacteriana manifesta-se geralmente com derrame pericárdico, e sua origem pode estar em situações como pneumonia, empiema, disseminação hematogênica, pós-cirurgia cardíaca ou torácica – possui ampla gama de agentes infecciosos como causa. A pericardite tuberculosa tem diminuído com o controle efetivo da tuberculose pulmonar, mas mostra- se presente principalmente em pacientes HIV positivos. Já o envolvimento autoimune do pericárdico acontece especialmente nos casos de lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide, esclerodermia, polimiosite e dermatomiosite. A pericardite pós-infarto pode ocorrer precocemente nos três primeiros dias do infarto agudo do miocárdio (IAM), pericardite epistenocárdica. Nesses casos está relacionada ao acometimento do epicárdio e pericárdio adjacente e, tardiamente, de três semanas a seis meses, a atividade autoimune denominada síndrome de Dressler. A insuficiência renal é causa comum de doença pericárdica, produzindo derrame em 20% dos pacientes. Pode se manifestar como pericardite urêmica ou pericardite associada a diálise. Já as pericardites neoplásicas são devidas à invasão tumoral ou linfática, ou ocorrem por disseminação hematogênica QUADRO CLINICO Pericardite aguda: A pericardite aguda classicamente se manifesta como uma síndrome febril com frequente acometimento de vias aéreas superiores, dor torácica e atrito pericárdico. A dor torácica pode variar com a respiração ou posição do tórax, variando também de intensidade e duração. O atrito pericárdico pode compreender de um a três tempos e pode ser transitório. Podemos ter acometimento pleural, associado à presença de derrame ou atrito pleural. Por vezes, a pericardite encontra-se associada a miocardite, que deve ser suspeitada na presença de exame clínico de disfunção ventricular aguda. Os marcadores de alto risco da pericardite aguda são: elevação de enzimas de necrose miocárdica, febre acima de 38o C e leucocitose (elevada possibilidade de pericardite purulenta), derrames pericárdicos volumosos com ou sem tamponamento cardíaco, pacientes imunocomprometidos, história prévia de anticoagulação oral, disfunção global pelo ecocardiograma, sugerindo miopericardite. Esses marcadores indicam a necessidade de admissão hospitalar, intensificação da avaliação etiológica e otimização terapêutica Resumindo: • Dor torácica: é o sintoma mais frequente. Tem início súbito, é retroesternal, contínua, do tipo pleurítica, que melhora na posição sentada e inclinada para frente (posição genupeitoral) ou abraçado ao travesseiro e piora em decúbito dorsal. • Dispneia: Devido à dor pleurítica, pode ocorrer hipoventilação, causando sensação de dispneia. • Atrito Pericárdico: É altamente específico para pericardite aguda. Ruído mais intenso na borda esternal esquerda quando o paciente senta com tronco inclinado para frente, de tom áspero, presente tanto na sístole quanto na diástole. DIAGNÓSTICO Abaixo, o fluxograma de avaliação admissional na pericardite Eletrocardiograma: Eletrocardiograma (ECG): as alterações típicas incluem supradesnivelamento do segmento ST com concavidade para cima e infradesnivelamento de PR (Fig. 2). Tipicamente, há envolvimento mais frequente das derivações DI, DII, aVF e V3-V6. Na evolução natural, quatro estágios são descritos: • Estágio I: supradesnível do segmento ST côncavo e difuso, exceto em aVR e V1, aonde ocorre infradesnível; onda T apiculada, com leve aumento da amplitude; infradesnível do segmento PR (exceto em aVR, aonde ocorre supradesnível). Essas alterações acontecem em maisde 80% dos casos • Estágio II: normalização do segmento ST e PR, além do achatamento da onda T. • Estágio III: inversão da onda T difusa, simulando isquemia miocárdica. • Estágio IV: Retorno à normalidade da onda T. Pode ocorrer semanas ou meses após o evento inicial. Na pericardite crônica observam-se predominantemente ondas T invertidas e baixa amplitude do QRS Laboratório: leucocitose e elevação de PCR e VHS são comuns. A alteração dos marcadores de necrose miocárdica (CK-MB e troponina) pode ocorrer por comprometimento miocárdico e deve sugerir o diagnóstico de miopericardite. A realização de sorologias virais e cultura para vírus tem baixo rendimento diagnóstico e não altera a conduta. As provas de atividade reumatológica, como FAN e FR, não devem ser realizadas rotineiramente, mas apenas guiadas pela suspeita clínica de doença autoimune. Radiografia: Na pericardite aguda, a radiografia de tórax é normal na maioria das vezes. A presença de cardiomegalia ocorre apenas quando há mais de 200 ml de fluido no saco pericárdico. O aumento progressivo do derrame pericárdico, que ocorre, por exemplo, no tamponamento cardíaco, resulta em formato globular da silhueta cardíaca à radiografia de tórax Ecocardiografia: é a técnica de imagem mais utilizada. O exame é sensível, específico, simples e não invasivo, pode ser realizado à beira do leito, e permite a localização e estimativa da quantidade de líquido pericárdico. A ecocardiografia tem se mostrado uma ferramenta muito útil no diagnóstico das doenças do pericárdio, assim como no acompanhamento da resposta terapêutica e do prognóstico. Também tem sido utilizada como guia na drenagem do derrame pericárdico. A presença de líquido pericárdico é demonstrada pela ecocardiografia transtorácica bidimensional como um espaço relativamente anecoico entre o pericárdio posterior e o epicárdio ventricular esquerdo e/ou como um espaço entre o ventrículo direito anterior e o pericárdio parietal logo abaixo da parede torácica anterior Tomografia computadorizada e ressonância magnética (RNM) cardíacas: devem ser indicadas nos casos duvidosos por causa do alto custo e da baixa disponibilidade em nosso meio. Têm boa sensibilidade para detecção de derrame pericárdico, avaliação da espessura do pericárdio e comprometimento do miocárdico. O método mais sensível para detecção de pericardite aguda é a pesquisa de realce tardio pela RNM. Pericardiocentese e biópsia pericárdica: A pericardiocentese é um procedimento invasivo utilizado com objetivo terapêutico e diagnóstico. Nos derrames pericárdicos importantes assintomáticos (mais de 20 mm ao ecocardiograma na diástole), a pericardiocentese está indicada para avaliação diagnóstica e pela possibilidade de evolução para tamponamento pericárdico de forma súbita. A biópsia pericárdica, por sua vez, está indicada na investigação diagnóstica em pacientes com pericardite persistente refratária ao tratamento clínico, sem diagnóstico definitivo estabelecido. A biópsia pode ser coadjuvante na drenagem pericárdica terapêutica para o tamponamento pericárdico recidivante ou em derrames volumosos associados à importantes sintomas clínicos. Na figura 4 observamos o fluxograma de abordagem no derrame pericárdico com as indicações de pericardiocentese e biópsia pericárdica. Análise histológica: O quadro histológico pode ser agrupado segundo categorias etiológicas, sendo a etiologia da tuberculose a mais frequente. Acredita-se que alguns vírus causem pericardite autolimitada. Pericardite fibrinosa - graus variados de espessamento por edema, discreto infiltrado inflamatório e fibrina na superfície, com espessamento do colágeno e tecido de granulação nos casos mais crônicos. Por vezes há proliferação exuberante de células mesoteliais. Pericardite fibrino-purulenta - infiltrado neutrofílico, por vezes formando abscessos, em meio a fibrina e restos celulares na superfície serosa. O encontro do agente etiológico é frequente. Pericardite crônica inespecífica - infiltrado linfo-histiocitário associado a fibrose de grau variável. Acredita-se que pode estar associada a infecção viral. Pericardite hemorrágica - encontrada em associação com pericardites agudas, é acompanhada de componente hemorrágico expressivo. As principais causas são: tuberculose, infiltração neoplásica e cirurgia cardíaca. Pericardite granulomatosa - o principal agente causal é a tuberculose, mas também micobactérias atípicas e fungos como histoplasma e cândida. Na tuberculose é comum necrose caseosa, e pode evoluir para pericardite constritiva. Pericardite constritiva - é o resultado da cicatrização de uma pericardite prévia. Caracteriza-se por espessamento fibroso acentuado e aderências entre os folhetos visceral e parietal. Às vezes coexiste calcificação extensa ou em placas. Pericardite pós-infarto do miocárdio e síndrome de Dressler - admite-se que a vizinhança com o miocárdio necrótico possa causar inflamação do pericárdio pós-infarto do miocárdio, que quando ocorre tardiamente é denominado de síndrome de Dressler. A histologia é uma pericardite crônica inespecífica. A tabela 29 resume as indicações para da imunohistoquímica para o diagnóstico de pericardite TRATAMENTO A hospitalização é desejável na maioria dos pacientes para determinação da etiologia - observar sinais ou sintomas de tamponamento e iniciar com anti- inflamatórios não hormonais (AINH) e tratamento sintomático. AINH são a droga principal para o início do tratamento. Ibuprofeno é preferido, com raros efeitos colaterais e efeitos favoráveis no fluxo coronariano em altas doses. O tratamento com corticosteroides sistêmicos deve ser restrito a doenças do tecido conjuntivo, doenças autoimunes ou pericardite urêmica. A aplicação intrapericárdica de corticosteroides evita efeitos colaterais sistêmicos e é altamente efetiva para retirar prednisona, ibuprofeno ou colchicina, e devem ser introduzidos precocemente. Pacientes em recuperação devem ser observados para possível recorrência ou constrição. Se o paciente necessitar de anticoagulantes, a heparina é recomendada com observação estrita. Anti-inflamatórios não hormonais e colchicina: Os AINH são os principais medicamentos para o tratamento das pericardites idiopática e viral. O objetivo principal do tratamento é o alívio da dor e a resolução do processo inflamatório Os AINH devem ser utilizados nas doses anti- inflamatórias: ácido acetil salicílico (AAS), 500 a 750mg a cada 6 ou 8 horas, por 7 a 10 dias, seguido de redução gradual de 500 mg por semana, por três semanas; ibuprofeno, 400 a 800mg a cada 6 ou 8 horas, por 14 dias; indometacina, 75 a 150 mg ao dia. Na pericardite pós-infarto agudo do miocárdio, deve-se evitar o uso de indometacina, por estar relacionada à redução do processo cicatricial da área infartada O tempo de tratamento da pericardite com AINH é em torno de 14 dias, usualmente, podendo ser guiado pelos níveis séricos da PCRT como marcador de atividade inflamatória. A retirada dos AINH deve ser progressiva e lenta para reduzir a possibilidade de recorrência. Todos os pacientes devem fazer uso de inibidores de prótons para proteção da mucosa gástrica. A colchicina tem demonstrado ser efetiva como terapêutica coadjuvante da pericardite aguda, no alívio da dor e na prevenção da recorrência ao fim de dezoito meses. A dose é de 0,5 mg de 12/12 horas ou 0,5 mg a cada 24 horas nos pacientes com menos de 70 kg, pelo período de três meses no primeiro evento e 6 meses na pericardite recorrente Nas formas mais graves e recorrentes, alguns estudos sugerem o uso da colchicina por 12 a 24 meses após o último evento de recorrência com retirada gradual O principal efeito adverso da colchinha éa diarreia que acomete cerca de 8% dos pacientes, e, com menos frequência, hepatotoxidade, miotoxidade e supressão da medula óssea. Assim, deve ser evitada em pacientes com insuficiência renal severa, disfunção hepática, discrasia sanguínea e distúrbios da motilidade gastrointestinal Imunossupressão: A utilização de corticoides para supressão da atividade inflamatória da pericardite usualmente ocasiona dramática melhora clínica e inflamatória. Mas devem-se levar em consideração vários aspectos clínicos e fisiopatológicos que limitam a sua eficácia clínica como: 1) A terapia com corticoides favorece o desenvolvimento de recorrência por ocasionar o fenômeno de ancoramento imunológico; 2) Deve-se tentar definir o fator etiológico da pericardite para se ter uma previsão da resposta terapêutica, assim como de sua posologia; 3) Na suspeita de pericardite viral, deve-se pesquisar a presença viral através de análise do líquido pericárdico e por biópsia endopericárdica, para se afastar a presença viral antes da utilização do corticoide A indicação da terapia com corticoide na pericardite aguda idiopática é para as situações de ausência de resposta terapêutica aos anti-inflamatórios não hormonais e à colchicina, ou quando a pericardite é secundária a doença autoimune, doença do tecido conectivo ou pericardite urêmica. A posologia recomendada é de 1 mg/kg de peso com duração de 2 a 4 semanas. Para se evitar o fenômeno de recorrência imunológica com reativação da pericardite, a retirada do corticoide deve ser lenta e deve-se se associar colchicina na dose de 1 mg por dia A utilização de corticosteroide intrapericárdico demonstrou importante melhora clínica e baixa recorrência de pericardite ao fim de um ano. A vantagem dessa forma de terapêutica é evitar os efeitos do uso do corticoide sistêmico e o desenvolvimento de recorrência. O esquema terapêutico é a infusão de triancinolona 300 mg/12- 12h/dose única, associada ao uso de colchicina por 6 meses. Todos os pacientes foram submetidos a biópsia pericárdica e epimiocárdica, para comprovação do processo inflamatório e para se afastar a presença de infecção viral ou de outros agentes etiológicos. A limitação desse procedimento se deve ao seu caráter invasivo A utilização de baixas doses de prednisona (0,2 a 0,5 mg/ kg/dia/4 semanas) demonstrou a mesma eficácia terapêutica quando comparada a doses de 1 mg/kg/dia, mas com menor taxa de desenvolvimento de paraefeitos Antiviral: As pericardites virais podem ser ocasionadas por diversos agentes virais. O diagnóstico é estabelecido através de pesquisa viral no tecido epimiocárdico, pericárdico e no líquido pericárdico. A terapêutica antiviral tem como objetivo não somente a melhora dos sintomas e a remissão da doença como também evitar a sua recorrência. Tratamento no tamponamento cardíaco: Esse tratamento é a drenagem do líquido pericárdico de forma a reduzir a pressão intrapericárdica e, dessa forma, melhorar a hemodinâmica do paciente. Na estabilização da hemodinâmica do paciente, anterior à drenagem pericárdica, pode-se fazer a infusão rápida de cristaloide com objetivo de melhorar a perfusão, e na presença de bradicardia indica-se a utilização de aminas ou atropina. A drenagem pericárdica pode ser realizada através de inserção de uma punção percutânea e colocação de um cateter de drenagem ou através drenagem cirúrgica aberta com ou sem pericardioctomia (janela pericárdica), ou ainda através de pericardioscopia assistida do vídeo. A pericardiocentese por cateter deve ser guiada pela ecocardiografia, que permite a identificação do melhor local e ângulo de pressão, reduzindo as complicações e aumentando as taxas de sucesso. A drenagem por cateter pode necessitar alguns dias e o cateter não deve ser removido até a drenagem ser inferior a 20–30 ml/24h. A drenagem cirúrgica tem a vantagem de permitir a realização de biópsia pericárdica, sendo a forma recomendada em casos de recidiva do derrame após a drenagem via cateter e em casos de coágulos ou derrames localizados não acessíveis pela via percutânea Tratamento cirúrgico das afecções pericárdicas: A síndrome de constrição pericárdica é tratada pela excisão do pericárdio. Por causa de aderências densas e calcificação que podem penetrar no miocárdio, a ressecção pericárdica pode ser um desafio técnico. Na maioria dos centros, o procedimento é feito através de esternotomia mediana, com a eventual necessidade do uso de circulação extracorpórea. O objetivo do procedimento é liberar os ventrículos do pericárdio densamente aderido. A ressecção completa do pericárdio, entretanto, não é viável em todos os casos, notadamente na pericardite constritiva induzida por radiação. A mortalidade operatória tem sido relatada tão alta quanto 10 a 20%. A sobrevida a longo prazo é menor em pacientes com cirurgia cardíaca prévia, e particularmente em pacientes com pericardite constritiva induzida por radiação DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Como não há exames específicos para a pericardite aguda idiopática, o diagnóstico é firmado por exclusão. Por essa razão, todos os outros distúrbios que podem estar associados à pericardite fibrinosa aguda devem ser considerados. Um erro diagnóstico comum é confundir a pericardite aguda viral ou idiopática com IAM e vice-versa. A pericardite secundária à síndrome pós-lesão cardíaca pode ser diferenciada da pericardite aguda idiopática basicamente por sua evolução ao longo do tempo. Se a pericardite ocorrer alguns dias ou semanas após traumatismo torácico, perfuração cardíaca, cirurgia cardíaca ou IAM, pode-se concluir que os dois estão relacionados. É importante distinguir entre a pericardite decorrente de doenças vasculares do colágeno e a pericardite aguda idiopática. O distúrbio mais importante nesse diagnóstico diferencial é a pericardite devida a lúpus eritematoso sistêmico ou lúpus induzido por fármaco (procainamida ou hidralazina). Quando a pericardite ocorre sem distúrbio subjacente evidente, o diagnóstico de LES pode ser sugerido por uma elevação nos títulos dos fatores antinucleares. A pericardite aguda é uma complicação eventual de artrite reumatoide, esclerodermia e poliarterite nodosa, havendo, geralmente, outras evidências dessas doenças. A pericardite piogênica (purulenta) geralmente é secundária a cirurgias cardiotorácicas, por extensão de infecção dos pulmões ou das cavidades pleurais, de ruptura do esôfago no saco pericárdico ou de ruptura de abscesso anular em um paciente com endocardite infecciosa. Ela pode também complicar as infecções virais, bacterianas, micobacterianas e fúngicas que ocorrem com a infecção por HIV. Em geral, há febre, calafrios, sepse e evidências de infecção em outros locais, e geralmente o prognóstico é ruim. O diagnóstico é estabelecido por meio de exame do líquido pericárdico. Ela requer drenagem imediata, bem como tratamento antibiótico vigoroso. A pericardite da insuficiência renal (pericardite urêmica) ocorre em até um terço dos pacientes com disfunção renal grave e é vista em pacientes submetidos à diálise crônica que têm níveis normais de ureia no sangue (pericardite associada à diálise). Essas duas formas de pericardite podem ser fibrinosas e geralmente estão associadas a derrames sanguinolentos. Um ruído de atrito pericárdico é comum, mas a dor é leve ou ausente. O tratamento com um AINE e a intensificação da diálise costumam ser suficientes. Alguns pacientes apresentam tamponamento, precisando ser submetidos à pericardiocentese. Quando a pericardite da insuficiência renal é recidivante ou persistente, deve- se realizar uma janela pericárdica, ou pode ser necessária uma pericardiectomia. A pericardite decorrente de doenças neoplásicas resulta daextensão ou invasão do pericárdio por tumores metastáticos (geralmente carcinomas de pulmão e da mama, melanoma maligno, linfoma e leucemia). Ocasionalmente ocorrem complicações, como dor, tamponamento e arritmias atriais. O diagnóstico é estabelecido por citologia do líquido pericárdico ou biópsia pericárdica. A irradiação do mediastino para tratar o câncer pode causar pericardite aguda e/ou pericardite constritiva crônica. As causas incomuns de pericardite aguda são sífilis, infecções fúngicas (histoplasmose, blastomicose, aspergilose e candidíase), bem como parasitoses (amebíase, toxoplasmose, equinococose e triquinelose) PROGNÓSTICO A maioria dos doentes com pericardite aguda (habitualmente os que apresentam pericardite viral presumível ou «idiopática») têm um bom prognóstico a longo prazo. O tamponamento cardíaco raramente ocorre em doentes com pericardite aguda idiopática. O risco de desenvolver constrição é baixo (< 1%) nas pericardites idiopática e viral presumível, intermédio (2-5%) nas etiologias autoimunes, imuno-mediadas e neoplásicas e elevado (20-30%) nas etiologias bacterianas, especialmente a tuberculose e a pericardite purulenta. Cerca de 15 a 30% dos doentes com pericardite idiopática aguda, que não foram tratados com colchicina, desenvolverão doença recorrente ou permanente. A colchicina pode reduzir a taxa de recorrência para metade. COMPLICAÇÕES As principais complicações da pericardite são derrame pericárdico, tamponamento e constrição, porém sua incidência é baixa nos pacientes com causa viral ou não identificável. Tamponamento cardíaco: O saco pericárdico contém uma pequena quantidade de líquido (30 a 50 ml) que envolve o coração. Quando uma quantidade significativa de líquido se acumula e ultrapassa a capacidade de distensão do tecido fibroelástico pericárdico, ocorre progressiva compressão de todas as câmaras cardíacas decorrente do aumento da pressão intrapericárdica, redução do volume de enchimento cardíaco e maior interdependência ventricular O desenvolvimento do tamponamento depende da velocidade de instalação e do fator causal: o tamponamento cardíaco agudo ocorre em minutos, devido ao trauma, ruptura do coração e aorta, ou como complicação de procedimentos diagnósticos e terapêuticos (biópsias cardíacas, estudo eletrofisiológico, oclusão de apêndice atrial, oclusores de septo interatrial etc.), resultando num quadro de choque. Já o tamponamento cardíaco subagudo ocorre entre dias e semanas e poder estar associado com dispneia e fadiga. Tamponamento de baixa pressão (oculto) ocorre em pacientes que estão hipovolêmicos, com consequente redução da pressão intracardíaca, favorecendo a compressão extrínseca do derrame pericárdico. Tamponamento cardíaco regional ocorre quando um derrame localizado ou um hematoma produz compressão regional em uma única câmara. O diagnóstico é clínico, baseado na história e no exame físico: taquicardia, pressão venosa elevada, hipotensão arterial e a presença de pulso arterial paradoxal. Os achados ecocardiográficos usuais na presença de síndrome clínica de tamponamento são: dilatação das cavas com pouca variação respiratória, colapso diastólico da parede livre do ventrículo direito, do átrio direito, do átrio esquerdo e raramente do ventrículo esquerdo. O colapso do AD é um sinal mais sensível de tamponamento, ao passo que o do VD, quando dura mais de 1/3 da diástole, é mais específico. Ao Doppler podemos observar aumento do fluxo tricúspide e redução do fluxo mitral na inspiração, e na expiração, um aumento no fluxo mitral de até 25% e redução do tricúspide. Os achados ao Doppler ecocardiograma nada mais são do que a expressão ecocardiográfica do pulso paradoxal. Pericardite Constritiva: A pericardite constritiva frequentemente está associada a um paciente sintomático com dispneia de esforço e/ou fadiga associada a disfunção diastólica e presença de ascite desproporcional ao edema de membros inferiores. No pulso venoso jugular observamos colapso “Y” proeminente e sinal de Kussmaul. No pulso arterial podemos encontrar a presença de pulso paradoxal em um terço dos casos. Formas transitórias de pericardites efusivas constritivas (constrição sem importante espessamento do pericárdio parietal, geralmente associada a derrame) podem acontecer no contexto da pericardite aguda, frequentemente associada a tuberculose, neoplasias malignas e hemopericárdio De uma forma geral, 80% dos casos podem registrar espessamento pericárdico. Porém, como este nem sempre pode ser detectado pela ecocardiografia, mesmo que pelo ETE, outros métodos diagnósticos, como ressonância ou tomografia computadorizada, podem ser indicados. Os achados usuais na presença de constrição pericárdica são: movimentação anormal do septo interventricular, aumento moderado biatrial do fluxo restritivo, variação respiratória maior que 25% na velocidade do fluxo mitral. Essa variação não é patognomônica da pericardite, já que também ocorre nas doenças respiratórias (doença pulmonar obstrutiva crônica). Nestas, contudo, ocorre grande variação respiratória do fluxo da veia cava superior, que na pericardite é menor. Outro achado útil para o diagnóstico de pericardite constritiva, especialmente no seu diagnóstico diferencial das síndromes restritivas, é a presença de velocidade normal da onda e’ ao Doppler tecidual (> 8 cm/seg), o que não ocorre nas cardiopatias restritivas. É importante destacar: na presença de doenças do pericárdio, deve ser usada a onda e’ septal, e não a lateral, devido à possível influência do espessamento/ derrame pericárdico na parede livre do VE. Além disso, a calcificação do anel mitral pode levar à diminuição da onda e’ septal Derrame pericárdico: A ecocardiografia bidimensional permite a avaliação semiquantitativa do derrame pericárdico e de sua repercussão hemodinâmica. Em geral, quando o tamanho do derrame ao modo M é < 10 mm e é visualizado apenas na parte posterior ao ventrículo esquerdo, trata-se de um derrame pequeno. Quando mede entre 10 e 20 mm e circunda todo o coração, é moderado. Finalmente, espaços livres de eco > 20 mm caracterizam derrame importante198. Derrames pequenos geralmente só são vistos posteriores ao ventrículo esquerdo, enquanto os que são suficientemente grandes para causar tamponamento cardíaco geralmente são vistos circundando todo o coração. O ecocardiograma pode oferecer informações sobre a etiologia, pois permite caracterizar a natureza do líquido (se transudato ou exsudato), verificar se existe fibrina (como na tuberculose), cálcio, coágulos, massas sugestivas de tumor ou cisto, permitindo portanto inferências sobre o diagnóstico etiológico. 4. LEVANTAR DADOS A RESPEITO DOS DIAGNÓSTICOS ERRÔNEOS DE DOR TORÁCICA AGUDA E CONSEQUÊNCIAS Casos de dor torácica são praticamente obrigatórios em qualquer plantão de emergência. O acometimento é responsável por aproximadamente 6 milhões de visitas anuais às emergências nos Estados Unidos, isto é, a segunda queixa mais comum no departamento de emergência. Na emergência é necessário ter uma análise diagnóstica direcionada: começando por excluir o que pode levar o paciente à morte se não for abordado prontamente. Para dor torácica, têm-se seis grandes catástrofes: • Síndrome Coronariana Aguda (SCA); • Síndrome Aórtica Aguda (SAA); • Tromboembolismo Pulmonar (TEP); • Pneumotórax Hipertensivo; • Tamponamento Cardíaco e; • Ruptura esofágica. É preciso abordar cada uma dessas condições de maneira sistemática. No artigo já clássico sobre erros diagnósticos em medicina, realizado por Schiff et al. (2009), três das seis catástrofes são citadas como entre os diagnósticos mais errados pelos médicos. São elas: TEP, SCA e dissecção aórtica. Observe a tabela ao lado.O artigo vai além e tenta destrinchar em que momento do processo diagnóstico o erro ocorreu, conseguindo identificar os seguintes pontos onde ocorrem as falhas: • Na anamnese, ao atrasar ou não extrair partes pertinentes da história. • No exame físico, ao deixar passar achados críticos. • Em não solicitar os exames complementares pertinentes. • E também ao não considerar a hipótese diagnóstica correta. Com o objetivo de reduzir esses erros, vamos sistematizar nossa abordagem diante de uma dor torácica: • Na anamnese: extrair os dados pertinentes em relação a dor. • No exame físico o foco é nos achados críticos. • Nos exames complementares importantes, sempre solicitar um eletrocardiograma e uma radiografia de tórax. • E, para evitar que diagnósticos relevantes sejam esquecidos, vamos sempre concentrar nas seis catástrofes da dor torácica.
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