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1 AS EXPRESSÕES TÍPICAS DO SERTÃO EM O QUINZE, DE RAQUEL DE QUEIROZ.¹ ALVES, Maria Kelly Azevedo² FREIRE, Raquel Oliveira SILVA, Janielle Sales da RESUMO: Este artigo tem por objetivo analisar algumas expressões linguísticas típicas do sertão na obra O Quinze, da escritora Raquel de Queiroz, bem como a forma que a referida autora usou tais expressões de forma simples e direta estabelecendo assim a relação entre a linguagem e a cultura do povo nordestino. Desta forma foi realizada uma seleção de palavras do léxico regional nordestino e uma pesquisa dos significados de tais palavras na composição da obra, compreendendo o quanto elas revelam a cultura desse povo. Tais considerações foram subsidiadas com base nos estudos feitos por autores como Pereira(1973), Biderman (2001), Pretti(1982), dentre outros. PALAVRAS-CHAVE: Expressões. Léxico. O Quinze. Sertão 1. INTRODUÇÃO A linguagem humana considerada um instrumento de comunicação é o ponto de partida da ação cognitiva, social e cultural das comunidades humanas. Através dela é possível ter acesso à cultura de um determinado povo, suas crenças e costumes. Na obra O Quinze os termos utilizados denotam um léxico próprio do sertão, com suas singularidades linguísticas. Nessa perspectiva busca-se através deste artigo analisar algumas das principais expressões do sertão na obra, bem como seus significados. Desta forma este trabalho se divide em três seções. Na primeira discutiu-se um pouco sobre a vida de Raquel de Queiroz, sua trajetória enquanto escritora, assim como o contexto, a motivação, o enredo e a repercussão da obra O Quinze. ____________________________ ¹Trabalho como requisito para obtenção da nota final da disciplina Estilística do Português. 2 ² Acadêmicas do 8º período do curso de Licenciatura em Letras-Português da Universidade Estadual Vale do Acaraú. Na segunda seção, denominada Léxico versou-se sobre essa linha de pesquisa abordando sua mutabilidade, os envolvidos em tal processo e sua importância na vida social de um povo, soma-se a isso o estudo sobre o Léxico Regional pontuando como se dá a formação desse conjunto de palavras particular de cada sociedade. Por fim, na última seção, apresenta-se algumas expressões presentes em O Quinze com seus respectivos significados e momentos em que foram utilizados dentro da narrativa. O estudo dessas expressões dentro de uma obra tão grandiosa como O Quinze, possibilita uma reflexão sobre a importância de se conhecer o vasto vocabulário nordestino que é um caminho de acesso à cultura desse povo. 2. RAQUEL DE QUEIROS E O QUINZE Primeira mulher a ocupar a Academia Brasileira de Letras, Maria Raquel Moura de Queiroz, possui uma invejável trajetória literária, professora, jornalista, romancista, cronista e teatróloga brasileira nascida em Fortaleza, filha de proprietários rurais, com uma vida marcada por idas e vindas, Raquel escreve com menos de vinte anos o livro pela qual ela seria conhecida até os dias de hoje. Publicado em 1930, O Quinze, considerado um romance de estreia, é uma obra que teve uma grande repercussão, primeiro por ter sido escrito por uma mulher o que causava certa desconfiança por parte de escritores e críticos daquela época, segundo por seu caráter regionalista e a riqueza de detalhes retratados na obra. Contudo recebe críticas positivas de Tristão de Athayde e Agripino Guedes. Quando completou 70 anos de publicação da obra em entrevista ao Jornal O Povo, Rachel de Queiroz expõe seu ponto de vista sobre alguns aspectos de O Quinze, reconhecendo a precocidade em que a obra fora escrita, mas o cuidado em escrevê-la de forma simples sem muitos adornos literários. [...] na época eu não sabia como se fazia romance. Comecei a escrever, a história foi saindo, eu não mostrava a ninguém. Mas depois comecei a mostrar umas partes pra mamãe [...]. E para surpresa minha o negócio 3 estourou. Um tema difícil, seca, né? E eu não tratei daquela forma trágica do Rodolfo Teófilo, aqueles esqueletos ambulantes, aquela coisa, o realismo romântico, delirante que tinha imperado até então. [...] Eu era muito metida... Em real, sempre achei que a precocidade não é uma virtude, porque se a gente tivesse esperado mais um pouco tinha saído melhor. Escrever é uma vocação. Algumas pessoas têm jeito pra escrever. Eu vivia no coração da seca, no sertão do Ceará. Na seca de 15 eu era muito pequena, tinha quatro anos. Mas a seca de 19 eu assisti, tinha nove anos. [...] Depois assisti a pequenas secas. Era um tema que tava ali na mão. No começo você é tímido, fica repetindo tipos que você já conhece, situações, mas depois começa a inventar, toma mais segurança no ofício. O ambiente literário brasileiro da época era muito menor. E eu dei sorte porque os críticos gostaram muito. Minha preocupação sempre foi com uma singeleza sem literatice. Nesta obra cuja temática central é a seca, a luta pela sobrevivência do povo nordestino, a autora faz denuncias sociais, aponta o descaso das autoridades nacionais com relação aos problemas naturais e sociais existentes no Nordeste, especificamente no ano de 1915 quando a seca de forma impiedosa deixou nestas terras sinais de destruição, sofrimento e fome. Tendo como cenário a região de Quixadá, a narrativa mostra a triste e dura realidade enfrentada pelos nordestinos durante a seca, quando estes são obrigados a deixar suas casas, suas terras para tentar uma melhor qualidade de vida nos centros urbanos. A autora consegue de forma simples e emocionante prender a atenção do leitor nos dois planos da narração, seja por sua sensibilidade feminina, seja pelo olhar de quem viu de perto, experimentou na própria vida a ação devastadora da seca que não escolhe vitima, mas atinge a todos. Pois como se sabe a família da autora foi obrigada a deixar o sertão em 1917, rumo ao Rio de Janeiro, movida pelos horrores da seca. A obra divide-se em dois planos muito bem elaborados, o primeiro gira em torno do amor entre Conceição e Vicente que não é consumado, uma vez que estes apresentam diferenças sociais e intelectuais e o segundo plano a dolorosa saga da 4 família de Chico Bento, os fiéis representantes dos retirantes na obra. Ele, a esposa, a cunhada e cinco filhos partem de Logradouro e, durante o caminho até a capital, são assolados pela fome, doenças e abandonos. O romance regionalista “O Quinze” retrata a realidade sofrida dos personagens que viveram o cruel período de estiagem. Narrada em terceira pessoa a obra apresenta uma linguagem simples e direta, se privando de termos rebuscados e construções longas, explorando as tradições do Ceará como as cantigas próprias do vaqueiro na condução do gado, as rezas das benzedeiras e outros aspectos folclóricos que revelam a identidade desse povo. 1. LÉXICO A língua é constituída por um sistema de signos intimamente ligados às relações sociais, pois na maioria das vezes o processo de comunicação ocorre por meio de palavras. O léxico de uma língua é considerado o ponto principal no que se refere à cultura relacionando o homem e a sociedade, pelo fato de comportar todo um conjunto de aquisições culturais por meio das vivências de uma comunidade. O léxico está ligado a tudo o que os seres humanos são capazes de inventar, construir ou até mesmo tornar importante dentro da sociedade, como seus interesses e suas crenças. Uma das características do léxico é a capacidade de mutabilidade que ocorre constantemente. Nota-se que as palavras tornam-se antigas mudam a pronúncia e o significado, aparecem umas novas e outras somem por completo, fato que ocorre lentamente, mas é imperceptível. Portanto pode-se considerar o léxico como uma espécie de tesouro herdado por uma determinada comunidade e que vai ao longo do tempo se transformando e gerando novaspalavras. Os responsáveis por essas mudanças são os próprios falantes da língua, que ao sentirem necessidades comunicativas, vão inserido novos sentidos às palavras, devido a isso, a língua vai se estendendo cada vez mais. A respeito disso Biderman (2001,p.180), afirma que : “No processo de aquisição da linguagem, o léxico é o domínio cuja aprendizagem jamais cessa durante toda a vida do indivíduo”. Esta assertiva remete a ideia de que a linguagem está em constante processo de mudança, e se adaptar a elas é reaprender a comunicar-se. 5 1.1. LÉXICO REGIONAL Ao tratar das expressões típicas do sertão dentro da obra “O Quinze” de Rachel de Queiróz, não se pode deixar de mencionar o léxico regional, que compreende a língua e suas variações dentro da sociedade. As variações da língua são apresentadas pelos níveis fonético-fonológico, morfológico, sintático e semântico, que ocorrem pelo modo em que os indivíduos, de um grupo social, constroem o pensamento e a linguagem de acordo com o modo de vida e cultura em que estão inseridos. Assim, essas variações são relacionadas a fatores de natureza geográfica, sociocultural e histórica. A respeito das variações linguísticas Dino Pretti(1982,p.62), afirma que: “a língua no seu conjunto é um dissistema que compreende as variações ocorridas: as variações diastráticas que determinam os fatores socioculturais, as diatópicas que denominam as variações de natureza espacial, como os falares regionais ou locais e as variantes diafásicas determinadas pela situação, pelo ambiente em que se encontra o falante, são as variações observadas entre a oralidade e a escrita” (PRETTI, 1982,p.62). A variável de idade é uma das principais no que se refere à identidade sociocultural, pois compreende-se que as pessoas idosas geralmente apresentam um vocabulário diferente dos jovens, algumas expressões que antes se falavam e hoje já não são usadas. Há ainda outros tipos de variáveis como, sexo, raça, classe econômica, grau de escolaridade, entre outras. Estas são relacionadas a duas variedades linguísticas: culta e popular, sendo a primeira regida por regras gramaticais e a segunda está inserida dentro da linguagem falada do povo. O léxico regional brasileiro se deu por meio de migrações dentro do país, que ocasionou aos indivíduos possuírem seu próprio modo de vida, seus costumes e as culturas regionais, além do uso da língua dentro de cada comunidade. Com isso atende- se às necessidades comunicativas que ocorrem com a relação do homem com o meio, ou seja, cada região passou a ter um falar linguístico e não linguístico peculiar, denominando esse fato como léxico regional, que por sua vez, constitui os diferentes falares das regiões. 6 2. EXPRESSÕES TÍPICAS DO SERTÃO DENTRO DA OBRA “O QUINZE” O regionalismo na literatura apresenta as expressões típicas da região e seus vários significados. Ao estudar as expressões dentro de uma obra literária, entra-se em uma constante relação existente entre língua e cultura. Quando se fala em cultura, há uma referência aos valores espirituais, materiais, qualidades peculiares do homem, da sua interação e principalmente da aquisição da linguagem. Neste caso é imprescindível compreender a cultura popular, as diversas expressões que envolvem as tradições populares regionais, que estão dentro da linguagem da sociedade retratada na obra O Quinze de Rachel de Queiróz. De acordo com Lúcia Miguel Pereira (1973, p.179), “costumes e linguagens locais, cujo conteúdo perderia a significação sem esses elementos exteriores, e que se passam em ambientes onde os hábitos e os estilos de vida se diferenciem dos que imprime a civilização niveladora”. Ou seja, os dialetos e as inúmeras expressões de diversas regiões, e a junção dessas expressões inferindo novos sentidos. Na obra Raquel apresenta de forma genial recursos da língua falada, da língua popular de forma escrita. Seguem algumas expressões da obra que de certo modo mostram a maneira vivida pelos nordestinos, em particular, os que viviam no sertão cearense durante o período da seca de 1915. Mandacaru – Esse termo refere-se a uma planta muito comum no nordeste, que contém frutos comestíveis, e a poupa do caule serve como remédio no combate a bronquite, entre outras doenças. “Enquanto houver juazeiro e mandacaru em pé e água de açude, trato do que é meu! Aquela velha é doida! Mal empregado tanto gado bom!” (p.12, linha 4). Verãozão – para descrever o clima intenso, sem previsão de chuva. 7 “Inda por cima do verãozão, diabo de tanto carrapato... Da vontade é de deixar morrer logo!” (p.15, linha 23). Entanguida ou entanguida – refere-se aquele que fica sem ação, tolhido pelo frio. “Quando Vicente foi chegando em casa,...a família toda cercava uma ovelha...que toda entanguida, tremia, com as pernas duras e os olhos vidrados...”(p.26, linha 20). Espritado – presente no vocabulário de pessoas com ou sem instrução, o termo significa raivoso, louco, alucinado, enfurecido. “Vai dormir, dianho! Parece que tá espritado!” (p.52, linha 27). Como se pode perceber através desse trecho, o termo está relacionado aos espíritos do mal, por causa de alterações no psicológico e no comportamento. Pé de pau – qualquer árvore. “─ Em todo pé de pau há um galho mode a gente armar a tipóia...” (p. 32, linha 6). Magote – refere-se a uma grande quantidade. “ ─ [...] veja que ir por terra, com esse magote de meninos, é uma morte!” (p.34 linha 17). Mode – modo, por causa de, para que. “─ Tem lá uma mulher que carece de uma moça mode ajudar na cozinha e vender na Estação.” (p.54, linha 19). Ganhar o mundo – sair do local que se encontra, ir embora sem destino exato. “Se chovesse, quer de noite, quer de dia, tinha carecido se ganhar o mundo atrás de um gancho?” (p. 32, linha 9). Tanger – espantar, expulsar, dar impulso. “Afinal o pequeno tornou; e Chico Bento tangeu a burra.” (p. 56, linha 2). Abestado – otário, tolo, bobo. 8 “─ Que foi Josias? Você anda abestado, ou isso é ruindade? Que foi que andou fazendo?” (p. 58, linha 23). Em tempo de ─ significa em risco de, a ponto de. "─ Ô Mocinha! vê se tu dás um pirão de peixe a este menino que anda em tempo de me comer os peitos!” (p. 35, linha 26). 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao final dos estudos propostos verifica-se que através do cenário da seca Raquel de Queiroz em O Quinze mostra a alma do sertão e do seu povo, enfatizando nos personagens a força do homem e principalmente da mulher nordestina, dando ênfase na linguagem típica do nordeste. A autora traz por meio das falas dos personagens um vasto número de expressões presentes no vocabulário nordestino. Desde as primeiras páginas da obra até o fim, o leitor se depara com palavras que remete ao sertão e ao seu povo. Portanto pode-se verificar que Raquel de Queiroz através das variações lexicais resgata na obra a cultura e a riqueza de detalhes tão significativos dentro do cenário do nordeste. 9 REFERÊNCIAS Dicionário de Termos Nordestinos. Disponível em http://culturanordestina.blogspot.com.br/2007/11/dicionario-nordestino.html. Acesso em: 23 de novembro de 2016 Dicionário de termos nordestinos, disponível em http://www.jessierquirino.com.br/site/wpcontent/uploads/2013/06/dicionario.pdf http://www.noolhar.com/opovo/especiais/Rachel/16912.html, de 17/04/2001 [Responsável: Cecília Cunha, Profª de Literatura e Pesquisadora nesta área de conhecimento ─ membro docente da EEFM Dragão do Mar] QUEIROZ, Raquel de. O Quinze. 97ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2014. http://culturanordestina.blogspot.com.br/2007/11/dicionario-nordestino.html
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