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Autor: Prof. Sebastião Mauro Bezerra Duarte Colaboradoras: Profa. Mônica Teixeira Profa. Carolina Kurashima Avaliação Nutricional Avançada Professor conteudista: Sebastião Mauro Bezerra Duarte Graduado em Nutrição (2007) pela Universidade Paulista (UNIP), mestre (2015) e doutor em Ciências (2019) pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Atua como nutricionista clínico e nutricionista do ambulatório de doença hepática gordurosa não alcoólica no Instituto Central do Hospital das Clínicas (ICHC). Professor da UNIP desde 2017. Atua nos cursos de Nutrição e Enfermagem. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) D812a Duarte, Sebastião Mauro Bezerra. Avaliação Nutricional Avançada / Sebastião Mauro Bezerra Duarte. – São Paulo: Editora Sol, 2021. 128 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Histórico. 2. Sinais. 3. Testes. I. Título. CDU 612.39 U512.92 – 21 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Profa. Dra. Marilia Ancona Lopez Vice-Reitora de Graduação Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Unip Interativa Profa. Dra. Cláudia Andreatini Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático Comissão editorial: Profa. Dra. Christiane Mazur Doi Profa. Dra. Angélica L. Carlini Profa. Dra. Ronilda Ribeiro Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista Profa. Deise Alcantara Carreiro Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Auriana Malaquias Willians Calazans Sumário Avaliação Nutricional Avançada APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................9 Unidade I 1 ANAMNESE NUTRICIONAL .......................................................................................................................... 11 1.1 Tipos de registro .................................................................................................................................... 11 1.2 Informações preliminares ................................................................................................................. 12 1.3 Informações da anamnese ............................................................................................................... 12 1.3.1 Histórico socioeconômico-cultural ................................................................................................. 13 1.3.2 Histórico familiar .................................................................................................................................... 13 1.3.3 Histórico clínico ....................................................................................................................................... 13 1.3.4 Histórico nutricional .............................................................................................................................. 14 1.3.5 Histórico alimentar ou dietético ...................................................................................................... 14 2 INQUÉRITOS DIETÉTICOS .............................................................................................................................. 19 2.1 Principais métodos de investigação do consumo alimentar .............................................. 20 2.1.1 Inquérito recordatório de 24 horas (R24h) .................................................................................. 20 2.1.2 Registro de consumo de alimentos (RCA) .................................................................................... 21 2.1.3 Questionário de frequência de consumo de alimentos (QFCA) ........................................... 22 2.1.4 História alimentar ou dietética (HA) ............................................................................................... 23 2.1.5 Análise da duplicata das porções ..................................................................................................... 23 2.1.6 Técnicas para minimizar os erros de medida em inquéritos alimentares ........................ 24 3 DETERMINAÇÃO DO ESTADO NUTRICIONAL POR MACRO E MICRONUTRIENTES ................ 25 3.1 Ingestão dietética de referência (dietary reference intakes – DRI) ................................. 25 3.2 Ingestão dietética recomendada (recommended dietary allowance – RDA) .............. 25 3.3 Necessidade média estimada (estimated average requirement – EAR) ......................... 26 3.4 Ingestão adequada (adequate intake – AI) ................................................................................ 26 3.5 Limite superior tolerável de ingestão (tolerable upper intake level – UL) .................... 27 3.6 Parâmetros usados no desenvolvimento das DRIs ................................................................. 27 3.7 Planejamento de dietas para indivíduos ou grupos usando as DRIs .............................. 30 3.8 Faixas aceitáveis de distribuição de macronutrientes (acceptable macronutrient distribution ranges – AMDRs) ......................................................... 30 3.8.1 Gordura total e carboidratos .............................................................................................................. 32 3.8.2 Proteínas ..................................................................................................................................................... 32 3.8.3 Ácidos graxos poli-insaturados n-6 ................................................................................................ 33 3.8.4 Ácidos graxos poli-insaturados n-3 ................................................................................................ 33 3.8.5 Recomendações de macronutriente adicional ........................................................................... 33 4 PADRÕES PARA PACIENTES HOSPITALIZADOS .................................................................................... 35 4.1 Triagem nutricional ............................................................................................................................. 35 4.1.1 Avaliação nutricional subjetiva global (ANSG) ........................................................................... 37 4.1.2 Miniavaliação nutricional (MAN) ..................................................................................................... 40 4.1.3 Nutritional risk screening (NRS 2002)............................................................................................ 41 4.1.4 Screening tool risk status and growth (ferramenta Strongkids) ......................................... 42 4.1.5 Instrumento de triagem universal de desnutrição ou malnutrition universal screening tool (MUST) ...................................................................................................................................... 43 4.2 Força de preensão manual (FPM)................................................................................................... 44 4.3 Músculo adutor do polegar (MAP) ................................................................................................ 45 Unidade II 5 AVALIAÇÃO CLÍNICA ......................................................................................................................................53 5.1 Semiologia nutricional ....................................................................................................................... 53 5.1.1 Método do exame físico nutricional ............................................................................................... 53 5.2 Indicadores do método do exame físico nutricional ............................................................. 55 5.2.1 Sinais em tecidos de regeneração rápida ..................................................................................... 55 5.2.2 Sinais em massa magra e/ou gorda ................................................................................................ 56 5.2.3 Sinais neurológicos ................................................................................................................................ 56 5.2.4 Sinais cardiopulmonares ...................................................................................................................... 56 5.2.5 Sinais abdominais ................................................................................................................................... 57 5.2.6 Sinais ósseos ............................................................................................................................................. 57 5.2.7 Sinais urinários ........................................................................................................................................ 57 6 AVALIAÇÃO BIOQUÍMICA ............................................................................................................................. 60 6.1 Avaliação do estado nutricional relativo às proteínas viscerais ....................................... 62 6.2 Indicadores hematológicos .............................................................................................................. 68 6.2.1 Hemograma............................................................................................................................................... 69 6.3 Indicadores somáticos ........................................................................................................................ 76 6.3.1 Índice de creatinina-altura (ICA) ...................................................................................................... 76 6.3.2 Excreção de 3-metil-histidina ........................................................................................................... 79 6.3.3 Balanço nitrogenado (BN) ................................................................................................................... 80 6.4 Avaliação da competência imunológica ..................................................................................... 81 6.5 Desordens do equilíbrio ácido-básico .......................................................................................... 82 6.5.1 Acidose metabólica ................................................................................................................................ 83 6.5.2 Alcalose metabólica ............................................................................................................................... 85 6.6 Avaliação do estado férrico ............................................................................................................. 86 6.7 Hepatograma ......................................................................................................................................... 87 6.7.1 Testes para avaliação de lesão hepatocelular ............................................................................. 87 6.7.2 Testes para avaliação do fluxo biliar e lesão de vias biliares ................................................. 89 6.7.3 Testes para avaliação da função de síntese do fígado ............................................................ 90 6.7.4 Testes para avaliação de complicações e estágio da cirrose ................................................. 91 7 AVALIAÇÃO BIOQUÍMICA RELACIONADA A DISTÚRBIOS DE CARBOIDRATOS E PROVAS DE FUNÇÃO RENAL ........................................................................................................................... 94 7.1 Glicemia de jejum ................................................................................................................................ 94 7.2 Glicose plasmática pós-prandial de duas horas ...................................................................... 95 7.3 Teste oral de tolerância à glicose (TOTG) .................................................................................... 95 7.4 Glicose urinária ..................................................................................................................................... 96 7.5 Índice HOMA (homeostasis model assessment) ...................................................................... 97 7.6 Marcadores da função renal ............................................................................................................ 97 8 OUTRAS VARIÁVEIS BIOQUÍMICAS, MICRONUTRIENTES E INDICADORES PROGNÓSTICOS ..............104 8.1 Metabolismo ósseo: cálcio, fósforo, vitamina D e paratormônio cálcio ......................104 8.2 Análise do perfil lipídico ..................................................................................................................106 8.3 Índices de prognóstico nutricional (IPN) ..................................................................................107 8.4 Índice sugestivo de desnutrição (ISD) ........................................................................................108 8.5 Índice de risco nutricional (IRN) ..................................................................................................108 8.6 Índice prognóstico inflamatório e nutricional (IPIN) ...........................................................109 8.7 Relação proteína C reativa/albumina .........................................................................................109 8.8 Vitamina B12 (cianocobalamina) .................................................................................................110 8.9 Ácido fólico (vitamina B9) ..............................................................................................................110 8.10 Avaliação laboratorial de micronutrientes ............................................................................111 8.11 Provas de função pancreática .....................................................................................................111 8.11.1 Função pancreática endócrina – secreção de insulina e glucagon ................................ 112 8.11.2 Função pancreática exócrina – secreção de enzimas .......................................................... 112 8.12 Função tireoidiana ...........................................................................................................................113 8.13 Testes diagnósticos de má absorção ........................................................................................114 8.13.1 Teste da D-xilose.................................................................................................................................114 8.13.2 Teste de absorção de lactose .........................................................................................................114 8.13.3 Avaliação da perfusão tecidual em pacientes críticos ........................................................115 9 APRESENTAÇÃO Esta disciplina tem como objetivo fornecer ao aluno um fundamento teórico-prático para aplicação e interpretação dos inquéritos dietéticos, desenvolver habilidade para realização da avaliação clínica, demonstrar as análises bioquímicas e imunológicas e desenvolver a consciência da importância da avaliação nutricional completa. No decorrer do livro-texto, iremos conhecer, aplicar e analisar os métodos de inquéritos alimentares, identificar e compreendermétodos clínicos de avaliação nutricional, interpretar, realizar e correlacionar a avaliação bioquímica e clínica do paciente com o estado nutricional; assim, o aluno desenvolverá habilidade para executar o diagnóstico nutricional de um indivíduo ou população com o intuito de contribuir para promover, manter e/ou recuperar o estado nutricional através da assistência nutricional. INTRODUÇÃO O estado nutricional de um indivíduo pode ser definido como o equilíbrio entre o consumo de alimentos e nutrientes e a manutenção de suas funções orgânicas e sua saúde. Avaliar o estado nutricional deve ser o primeiro passo do atendimento nutricional para que se possa conhecer os hábitos alimentares e as características físicas dos indivíduos, além de identificar possíveis carências nutricionais que permitam realizar um diagnóstico nutricional e definir estratégias de orientação nutricional individual ou coletivamente. Para um bom diagnóstico nutricional, é importante conhecer os métodos de inquérito alimentar, suas vantagens e desvantagens, identificar e compreender métodos clínicos, interpretação laboratorial dos métodos bioquímicos e imunológicos da avaliação nutricional para, assim, aplicar padrões para indivíduos sadios, enfermos e pacientes hospitalizados. 11 AVALIAÇÃO NUTRICIONAL AVANÇADA Unidade I 1 ANAMNESE NUTRICIONAL A palavra anamnese origina-se do grego aná (recordar) e mnesis (memória), portanto, pode ser definida como uma entrevista que possibilita o levantamento detalhado dos antecedentes fisiológicos, patológicos e socioeconômico-culturais do paciente e de seus familiares, com a finalidade de facilitar o diagnóstico, e tem sido apontada como a parte mais importante no processo de coleta de dados sobre o estado de saúde do paciente, pois, ao ouvi-lo, o entrevistador pode formular hipóteses sobre as queixas relatadas. É por meio da anamnese que o nutricionista humaniza a relação com o paciente e estabelece a base para uma intervenção nutricional bem-sucedida. É preciso estimular a confiabilidade entre o entrevistado e o entrevistador, considerando que o detentor da informação ainda é o entrevistado, por isso a habilidade na condução da entrevista garante as informações necessárias para a concepção e o fortalecimento do vínculo entre ambas as partes. 1.1 Tipos de registro Muitas informações devem ser registradas durante a entrevista. Os formulários onde as informações da anamnese são registradas contêm um roteiro com questões predefinidas que são formuladas para cada faixa etária de pacientes. Dependendo da faixa etária, pode haver necessidade de mais ou menos questões, por exemplo, idosos podem exigir mais detalhes quando comparados com adultos jovens esclarecidos. No entanto, os registros ou as anotações devem ser realizados de tal maneira a não desviar a atenção do entrevistado, por isso o roteiro da anamnese dirigida deve ser construído a fim de facilitar esses registros e possibilitar que a atenção do entrevistador fique voltada para o paciente. O registro das informações pode ser feito em formulários preenchidos a mão ou digitados. Durante esse registro, é importante olhar sempre para o paciente, pois, dependendo das expectativas, algumas pessoas podem se sentir desprestigiadas caso não recebam a atenção esperada. O ambiente onde acontecerá a entrevista deverá ser o mais privado e confortável possível, além de ser confortável no que se refere a temperatura, iluminação, barulho, comodidade e fluxo de pessoas. O paciente precisa se sentir à vontade para relatar sua história. Caso aconteça em um ambiente menos privativo, como numa enfermaria, tente proporcionar condições mais adequadas para o paciente, e, se houver mais pessoas na sala, é necessário o consentimento do entrevistado para que a entrevista ocorra na presença de outras pessoas. 12 Unidade I 1.2 Informações preliminares Em caso de pacientes com histórico médico, a revisão prévia do prontuário pode fornecer informações valiosas para o diagnóstico e/ou a intervenção nutricional e propiciar a exclusão de questões que poderiam estender a entrevista ou ainda constranger o paciente. Deve-se ter em mente o objetivo da entrevista para garantir ao entrevistador a seleção dos tipos de perguntas que o auxiliarão no diagnóstico e na conduta nutricional, evitando perguntas desnecessárias. Durante a entrevista, o nutricionista deve respeitar as diferenças entre as pessoas. É essencial que reconheça seus preconceitos e valores para transcender as diferenças e construir uma parceria de respeito com o paciente. Nenhuma informação relatada pelo entrevistado deve sofrer críticas por parte do profissional, que também não deve emitir opiniões pessoais. 1.3 Informações da anamnese O nutricionista deve definir a abrangência da anamnese, considerando sua especialidade, os objetivos do serviço de nutrição, as características da população assistida (faixa etária, nível de instrução, condição econômica etc.), local (hospital, ambulatório, domicílio etc.) e o tempo disponível, mas, sempre que possível, a anamnese nutricional deve ser composta pelos seguintes dados: • histórico socioeconômico-cultural; • histórico familiar; • histórico clínico; • doenças pregressas; • doença atual; • revisão dos sistemas corporais; • histórico nutricional; • histórico alimentar ou dietético; • recordatório de 24 horas; • registro ou diário alimentar; • questionário de frequência alimentar. 13 AVALIAÇÃO NUTRICIONAL AVANÇADA 1.3.1 Histórico socioeconômico-cultural O histórico socioeconômico-cultural ajuda a conhecer o paciente, sugerindo fatores que podem ter contribuído na etiologia do problema clínico e/ou nutricional apresentados, e ainda oferece instrumentos de apoio para o momento de delinear a prescrição dietética. Deve-se considerar a identificação do paciente, ou seja, nome, gênero, idade e origem étnica, que pode sinalizar predisposição ou componente genético na etiologia da doença apresentada; o endereço, a procedência e a naturalidade indicam possíveis hábitos alimentares regionais. A escolaridade e a ocupação definem a linguagem que deverá ser utilizada tanto no decorrer da anamnese como na orientação nutricional. A atividade ocupacional determina também o fator de atividade que deverá ser aplicado no cálculo das necessidades energéticas. O motivo pelo qual o paciente procurou a assistência nutricional pode ser um indicador da motivação do indivíduo para as possíveis mudanças nos hábitos alimentares. O estado civil e a composição familiar são importantes para conhecer quem são as pessoas que participam da rotina do paciente e de sua alimentação. Se achar pertinente, registrar a renda familiar e/ou o gasto com alimentação para definição dos alimentos que comporão a prescrição dietética. Mas deve-se usar o bom senso de modo a evitar constrangimento para ambas as partes. Qualidade e horas de sono são informações importantes para o planejamento da dieta, e a prática e frequência de atividade física são utilizadas na determinação das necessidades energéticas do paciente. A religião do paciente pode implicar restrições dietéticas que devem ser consideradas no planejamento da dieta, e, por esse motivo, deve ser questionada na anamnese. O uso e a frequência de medicamentos e drogas ilícitas são informações importantes para considerar essa influência sobre a qualidade da dieta do paciente e, também, sobre seu estado nutricional. 1.3.2 Histórico familiar O histórico familiar serve para tomar conhecimento sobre as condições de saúde de pais, irmãos, avós, tios e primos e, se já falecidos, qual a causa da morte, pois várias doenças apresentam fatores genéticos significativos. Deve-se perguntar, por exemplo, se há histórico próximo de obesidade, doenças cardiovasculares ou distúrbios alimentares. 1.3.3 Histórico clínico É importante registrar se existem doenças pregressas, acontecimentos prévios na saúde do paciente que possam influenciar o atual estado de saúde. 14Unidade I O paciente deve relatar se apresenta outras doenças associadas; se passou por internações e quais foram os motivos; se já passou por cirurgias e como foi a evolução pós-operatória; se é portador de alergias, principalmente alimentares; se apresentou doenças da infância que deixaram sequelas; as condições de imunização, tanto de crianças, como de adultos e idosos; se sofreu acidentes ou lesões limitantes sob o ponto de vista motor, cognitivo ou da autonomia; e os medicamentos atualmente utilizados. O paciente saudável relata sobre seu estado de saúde geral. Já o enfermo deve relatar, em ordem cronológica, sintomatologia, queixas, eventos ou motivos que o levaram a procurar a assistência nutricional. Pede-se que apresente o resultado de exames de imagem e laboratoriais mais recentes e sugere-se perguntar se o paciente está ou não em tratamento e qual foi o tratamento indicado, clínico ou cirúrgico. O nutricionista deve identificar problemas que o entrevistado deixou de mencionar anteriormente e questionar as condições de cada sistema: neurológico, visual, auditivo, digestório (condições de dentição, mastigação, deglutição, digestão – queixas e sintomas –, absorção e evacuação), respiratório, cardiovascular, urinário, reprodutor, hematológico, endócrino e locomotor. 1.3.4 Histórico nutricional Nesse item, o paciente relata sua história de peso, uma vez que é o único referencial do estado nutricional para a maior parte da população. São coletados, então, os dados de peso atual e habitual referidos pelo entrevistado, bem como a menção de perda ou ganho recente de peso, sempre buscando associar o período em que houve a alteração. Se o paciente tiver histórico de acompanhamentos nutricionais anteriores, deve relatar o motivo e os resultados obtidos para que o profissional atual trace suas estratégias. As medidas antropométricas (peso atual e estatura reais ou estimados, dobras cutâneas, circunferências etc.) deverão ser obtidas por meio dos instrumentos para a obtenção dos dados. Em geral, tais medidas são coletadas após a anamnese. Observação Em caso de lactentes, deve-se registrar o peso ao nascer; para gestantes, o ganho de peso gestacional. 1.3.5 Histórico alimentar ou dietético Ao finalizar a anamnese nutricional, o histórico alimentar ou dietético contempla informações obtidas pelos inquéritos dietéticos, métodos qualitativos e/ou quantitativos que possibilitam a obtenção de informações sobre o consumo de alimentos e/ou nutrientes do paciente. 15 AVALIAÇÃO NUTRICIONAL AVANÇADA Quadro 1 – Modelo de anamnese nutricional dirigida a adultos Histórico socioeconômico-cultural Nome: __________________________________________________________ Gênero: M ( ) F ( ) Etnia: __________ Nascimento: ____ /____ /____ Idade: ________ Nacionalidade: ___________ Naturalidade: ___________ Residência: ___________ Bairro: _____________ Cidade: _________ Estado: _________ Condições de saneamento: ( ) adequadas ( ) inadequadas Profissão: ____________ Ocupação: __________ Local onde trabalha: ___________ Horas de trabalho: ____________ Nível de instrução: ( ) fundamental ( ) médio ( ) superior ( ) pós-graduação Completo? ( ) sim ( ) não. Se não, ainda estuda? ( ) sim ( ) não Se estuda, em qual local? __________ Horário: _________ Estado civil: ( ) solteiro ( ) casado ( ) amasiado ( ) viúvo ( ) separado Com quantas pessoas reside? ___________ Quem são? ____________ Meios de locomoção: __________ Tempo gasto com locomoção: _________ Horas de sono: __________ Característica do sono: _______________ Atividade física? ___________________ Frequência: _________________ Há quanto tempo? ______________ Atividade de lazer? _____________ Frequência: _______________ Há quanto tempo? ________________ Tem religião? ( ) sim ( ) não. Exige mudança de hábitos? ( ) sim ( ) não Quais são as exigências alimentares? ______________________________________ Faz uso de algum medicamento? ( ) sim ( ) não. Qual(is)?__________________________ Álcool: há quanto tempo? ___________________________ Tipo e quantidade: ___________________ Fumo: há quanto tempo? ___________________________ Quantidade: ___________________________ Faz uso de alguma droga ilícita? ( ) sim ( ) não. Qual? _________________________________________ Considera-se dependente? ( ) sim ( ) não. Em tratamento? ( ) sim ( ) não Motivo pelo qual procurou assistência nutricional: ________________________________________ Histórico familiar Histórico clínico Histórico de doenças pregressas Doenças atualmente associadas: ____________________________________________________ Em tratamento? ( ) sim ( ) não Medicamentos em uso: _______________________________________________________________ Já ficou internado anteriormente? ( ) sim ( ) não Motivo: ____________________________________ Evolução: ____________________________ Alergias? ( ) sim ( ) não. Quais?_____________________________ Vacinação em dia? ( ) sim ( ) não. Por quê?______________________________________ Doenças anteriores deixaram sequelas? ( ) sim ( ) não. Quais doenças?__________________________ Quais são as sequelas? _____________________________________________ 16 Unidade I Histórico familiar Histórico clínico Acidentes anteriores deixaram sequelas? ( ) sim ( ) não. Quais acidentes?_____________________ Quais são as sequelas? ___________________________________________ Histórico da doença atual: ___________________________________________________________________ Resultado de exames mais recentes Exames de imagem: _____________________________________________________________ Exames laboratoriais: _______________________________________________ Em tratamento? ( ) sim ( ) não Medicamentos em uso: _____________________________________________ Revisão dos sistemas Sistema neurológico Capacidade cognitiva: ( ) boa ( ) regular ( ) ruim. Por quê?_______________________________ Estado emocional: ( ) bom ( ) regular ( ) ruim. Por quê? _____________________________________ Em tratamento? ( ) sim ( ) não. Qual?_______________________________ Autonomia: ( ) boa ( ) regular ( ) ruim. Por quê? ____________________________________ Grau de dependência: ( ) parcial ( ) total Em reabilitação? ______________________________________________________________ Comunicação: ( ) boa ( ) regular ( ) ruim. Por quê? ___________________________________ Em reabilitação?_____________________________________ Sistema visual Apresenta dificuldade visual? ( ) sim ( ) não Qual? _______________________________ Utiliza lentes corretivas? ___________________________ Sistema auditivo Apresenta dificuldade auditiva? ( ) sim ( ) não Qual? ____________________________________ Aparelho auditivo?_____________________________ Sistema digestório Dentição: ( ) boa ( ) regular ( ) ruim Prótese? ( ) sim ( ) não ( ) total ( ) parcial ( ) fixa ( ) móvel Deglutição: ( ) boa ( ) regular ( ) ruim Se ruim, qual o motivo? ( ) odinofagia: ( ) leve ( ) moderada ( ) grave ( ) disfagia: ( ) leve ( ) moderada ( ) grave ( ) líquidos ( ) pastosos ( ) sólidos Digestão: ( ) sem queixas ( ) com queixas: ( ) distensão ( ) eructação ( ) dispepsia ( ) pirose ( ) refluxo ( ) náuseas ( ) vômito Evacuação: ( ) sem queixas. Frequência: ____________________ Consistência: _______________ ( ) com queixas: ( ) dor ao evacuar ( ) tenesmo ( ) fezes ressecadas ( ) uso de força ( ) fezes amolecidas ( ) fezes líquidas ( ). Frequência: ____________________ ( ) incontinência ( ) urgência fecal ( ) flatulência ( ) presença de sangue ( ) acolia ( ) fezes fétidas ( ) fezes espumosas 17 AVALIAÇÃO NUTRICIONAL AVANÇADA Histórico familiar Histórico clínico Sistema respiratório Dispneia ( ) não ( ) sim: ( ) leve ( ) moderada ( ) grave Compromete ingestão de alimentos?( ) não ( ) sim Sistema cardíaco Última aferição da pressão arterial: _________________________________ Sistema urinário Diurese: ( ) sem queixas. Frequência: _____________________________ Coloração: ______________ ( ) com queixas: ( ) dor ao urinar ( ) incontinência ( ) sangue Percepção de edema? ( ) não ( ) sim. Local:_____________________________ Sistema reprodutor das mulheres Menstruação: ( ) regular ( ) irregular Sinais de TPM? ( ) não ( ) sim. Quais?__________________________________ Amenorreia? ( ) não ( ) sim. Tempo: ________________________________ Sinais de menopausa? ( ) não ( ) sim. Tempo: ___________________________ Partos anteriores? ( ) não ( ) sim. Quantos?_________________________________ Sistema hematológico: __________________________________________ Dados de exames recentes: __________________________________________ Sistema endócrino Disfunção glandular? ( ) não ( ) sim. Qual?_________________________ Reposição? ( ) não ( ) sim. Qual?__________________________________ Sistema locomotor Mobilidade: ( ) normal ( ) comprometida ( ) restrito ao leito ( ) cadeirante ( ) muletas/andadores Grau de dependência: ( ) parcial ( ) total Em reabilitação? ______________________________________________________________ Histórico nutricional Peso atual: ________________ kg. Peso habitual: _______ kg. Tempo: _______ Perda recente de peso? ( ) não ( ) sim Quanto? _______________________ Em quanto tempo? ______________________ Motivo: __________________________________________________________________ Ganho recente de peso? ( ) não ( ) sim Quanto?__________________________ Em quanto tempo?________________________ Motivo: ______________________________________________ Percepção corporal: ________________________________________________________ Histórico dietético Número de refeições por dia Refeição: ___________________ Local: ____________________ Horário: ____________ Refeição: ___________________ Local: ____________________ Horário: ____________ Refeição: ___________________ Local: ____________________ Horário: ____________ Refeição: ___________________ Local: ____________________ Horário: ____________ Refeição: ___________________ Local: ____________________ Horário: ____________ 18 Unidade I Histórico dietético Refeição: ___________________ Local: ____________________ Horário: ____________ Tempo de duração: ______________ Companhia de quem? __________________________________ Consegue alimentar-se sozinho? ( ) sim ( ) não Ajuda de quem? ______________________________________ Talheres que usa para alimentar-se: ( ) garfo ( ) faca ( ) colher Frequenta: ( ) feira livre ou ( ) sacolão. Periodicidade: ____________________________ ( ) supermercados ou ( ) vendas de bairro. Periodicidade: _______________________________ ( ) outros: ____________________________ Periodicidade: _____________________________ Apetite: ( ) bom ( ) regular ( ) ruim Motivo: ____________________________________________ Preferências alimentares: _____________________________________________________ Alimentos rejeitados: ________________________________________________________ Intolerância ou alergias alimentares: ____________________________________________ Mitos ou tabus alimentares: ___________________________________________________ Em quais situações ocorre mudança do hábito? ____________________________________ Em quais situações omite refeições? _____________________________________________ O que muda nos finais de semana, feriados e férias? _________________________________ Ingestão de líquidos: ____________________________________________ copos/dia Quais? _____________________________________________ Em que momento do dia? ____________________________________________________ Preferência: ( ) doces ( ) salgados Faz uso de alimentos diet? ( ) não ( ) sim Qual(is)? ____________________________________________ Por quê? ____________________________________________ Faz uso de alimentos light? ( ) não ( ) sim Qual(is)? ___________________________________________ Por quê? ___________________________________________ Faz uso de suplemento(s)? ( ) não ( ) sim Qual(is)? ___________________________________________ Quem indicou? _______________________________________ Já fez dieta? ( ) não ( ) sim Quem orientou? ______________________________________ Quais os resultados? ___________________________________ 19 AVALIAÇÃO NUTRICIONAL AVANÇADA 2 INQUÉRITOS DIETÉTICOS Na promoção da saúde, a avaliação regular pode detectar uma insuficiência nutricional nos estágios iniciais, permitindo que a ingestão dietética e o estilo de vida sejam melhorados por meio de suporte nutricional e aconselhamento antes que uma deficiência mais grave e uma mudança funcional se desenvolvam. A avaliação nutricional geralmente começa com a coleta de dados da ingestão dietética, a informação sobre alimentos, bebidas e suplementos consumidos através de inquéritos alimentares. Essa ingestão dietética pessoal é influenciada por fatores como situação econômica, disponibilidade de alimentos, comportamento de ingestão, clima emocional, base cultural, efeitos de doença e capacidade de adquirir e absorver nutrientes. Uma vez coletados os dados da ingestão dietética, eles são analisados com relação a conteúdo de nutrientes e fitonutrientes. Isso é comparado com as recomendações e exigências dietéticas particulares do indivíduo (figura 1). Os métodos de investigação do consumo alimentar vêm evoluindo ao longo dos anos, evidenciando as limitações das metodologias empregadas diante da necessidade de conhecer o hábito alimentar dos indivíduos. Durante a década de 1960, a investigação da frequência de ingestão de alimentos com utilização de questionários recebeu atenção especial. Nessa mesma época, houve mudanças sociais junto a uma consciência global sobre a fome e questões ligadas à saúde, em que foram conduzidos os primeiros estudos epidemiológicos com grande número de indivíduos, tentando estabelecer uma ligação entre a dieta da população e o aparecimento de determinadas doenças (CUPPARI, 2014). Na década seguinte, prosseguiram as discussões a respeito das vantagens e desvantagens das diferentes maneiras de avaliar o consumo alimentar e, a partir do trabalho de Beaton et al. (1979), vieram à discussão os termos de variabilidade intra e interindividual. Os vários métodos para conhecimento e avaliação do hábito alimentar diferem entre si quanto à maneira como a informação é coletada, o tempo necessário para a coleta dos dados e o tipo de informação que se procura (CUPPARI, 2014). Genericamente, é possível subdividir os métodos de investigação do consumo alimentar em dois grupos: • Aqueles utilizados na prática clínica, com interesses individuais e específicos relacionados às quantidades e qualidade da alimentação, podendo inclusive despender, na maioria dos casos, mais tempo e dinheiro para sua aplicação. • Aqueles utilizados em estudos epidemiológicos, que valorizam mais a questão populacional, deixando de lado as particularidades do indivíduo, caso estas não se reflitam na população; nesse caso, a praticidade na aplicação do método e o custo são mais valorizados. 20 Unidade I Ingestão de Ingestão de nutrientesnutrientes Demandas de Demandas de nutrientesnutrientes Estado nutricional idealEstado nutricional ideal Ambiente, doença, estresse fisiológico, problemas mecânicos Manutenção do corpo e bem-estar Estresse psicológico Crescimento Infecção, doença, febre, estresse fisiológico Doença, pressões socioeconômicas, comportamentais, emocionais, culturais Ingestão de Ingestão de alimentoalimento AbsorçãoAbsorção Figura 1 – Estado nutricional ideal: equilíbrio entre ingestão de nutriente e demandas de nutriente Fonte: Mahan e Escott-Stump (2012, p. 130). 2.1 Principais métodos deinvestigação do consumo alimentar Alguns fatores influenciam o consumo alimentar como condições psicológicas, socioeconômicas, idade e sexo, condições culturais e escolaridade. O consumo alimentar e as necessidades nutricionais de um indivíduo ou população são avaliados por métodos indiretos que podem ser retrospectivos e prospectivos e possibilitam um diagnóstico do estado nutricional do indivíduo ou da população, suas preferências e rotinas alimentares. Para avaliar o consumo alimentar e caracterizar a dieta habitual dos indivíduos, são necessários instrumentos de fácil utilização, de rápida aplicação, que tenham uma relação custo-benefício positiva; e considerar os custos totais da coleta de dados e seu processamento. Os principais métodos são inquérito recordatório de 24 horas (R24h), registro de consumo de alimentos (RCA), questionário de frequência de consumo de alimentos (QFCA), história alimentar ou dietética (HA). 2.1.1 Inquérito recordatório de 24 horas (R24h) O R24h é o instrumento mais comum deles onde o indivíduo reporta todo o alimento (sólido e líquido) consumido durante as prévias 24 horas (quadro 2). Esse instrumento é bem aceito pela maioria dos entrevistados, o tempo de administração é curto, o custo é baixo, sendo útil em situações clínicas. 21 AVALIAÇÃO NUTRICIONAL AVANÇADA Outra vantagem do R24h é o fato de que ele não promove alteração na dieta habitual, vez que o relato é posterior à ingestão. Esse método normalmente requer um nutricionista ou entrevistador bem treinado para a realização da entrevista. Para facilitar, muitas vezes são utilizados modelos de alimentos e medidas caseiras para ajudar a quantificar a porção ingerida, o que o torna, desse modo, quantitativo. O recordatório pode também ser de 7 dias, utilizando o mesmo procedimento de se relatar todo alimento e bebida consumidos no período. Como o período de ingestão é imediatamente anterior, os indivíduos se lembram da maior parte de alimentos que ingeriram. Quando aplicado a grupos de indivíduos, fornece a descrição da média de ingestão dietética do grupo. Existem desvantagens do R24h, como o relato de que apenas um dia não reflete o hábito alimentar do indivíduo, não sendo adequado para o estudo da relação entre hábito alimentar e aparecimento de determinadas doenças. Dados oriundos de um recordatório apenas não devem ser utilizados para estimar a proporção da população que tem ou não dietas adequadas (FIDELIX, 2014). Além disso, deve-se levar em consideração que o R24h não avalia todo o hábito alimentar do indivíduo nem o consumo atual, pois trata-se do relato de apenas um dia da alimentação dele. Também é importante chamar atenção para a aplicação desse método em crianças e idosos, que muitas vezes precisam de pais ou cuidadores para recordar os alimentos consumidos (FISBERG et al., 2005). Quadro 2 – Modelo quantitativo de inquérito recordatório de 24 horas (R24h) Identificação do paciente Nome: ______________________________________________ Data de nascimento: ___/___/___ Idade: __________ Sexo: __________ Endereço: ____________________________________________ Recordatório de 24 horas Refeição Local Alimento Quantidade (medida caseira ou g) Marca comercial (se houver) Café da manhã Lanche da manhã Almoço Lanche da tarde Jantar 2.1.2 Registro de consumo de alimentos (RCA) Nesse método, o indivíduo registra o tipo e a quantidade de alimentos e bebidas ingeridos durante um período preestabelecido. Esse período pode incluir 3, 4 ou 7 dias, ou ainda ter registros diários durante 1 mês, ou até mesmo 1 ano. Geralmente, eles não passam de 3 ou 4 dias, pois períodos superiores a 7 dias o tornam cansativo (SLATER et al., 2003). Uma das vantagens da utilização desse método é o fato de que o registro é feito quando o alimento está sendo consumido, assim, ele não se baseia na memória do indivíduo. Além disso, pode fornecer informações detalhadas sobre alimentos e padrões alimentares. As desvantagens no uso dessa técnica residem no fato de que a ingestão pode ser alterada durante o período de registro, sendo que a exatidão geralmente diminui após alguns dias 22 Unidade I consecutivos. É necessário que o indivíduo seja alfabetizado, além de estar altamente motivado para que o registro seja confiável. O método é sujeito a viés de seleção da amostra dado que sua utilização em populações de baixo nível socioeconômico, imigrantes recentes, crianças e alguns grupos de idosos pode ser prejudicada. Além disso, as quantidades ingeridas de alimento devem ser identificadas corretamente e o indivíduo deve conhecer os utensílios de cozinha para relatar sua ingestão. Observação Para otimizar a fidedignidade do registro alimentar é importante orientar antecipadamente o paciente quanto a tamanho de porções e medidas caseiras dos alimentos que serão registrados. 2.1.3 Questionário de frequência de consumo de alimentos (QFCA) O questionário de frequência de consumo de alimentos é composto por uma lista de alimentos e bebidas cuja frequência de consumo é perguntada ao indivíduo (quadro 3). Esse questionário pode se tornar mais sofisticado, fornecendo também uma estimativa quantitativa do consumo alimentar, incluindo-se informações sobre a porção diária consumida ou, por aproximação, comparando-a com uma porção alimentar de referência (CUPPARI, 2014). Quadro 3 – Modelo quantitativo de questionário de frequência de consumo de alimentos (QFCA) Questionário de frequência alimentar (QFA) Alimento Frequência de consumo Nunca < 1x/mês 1-3x/mês 1x/sem 2-4x/sem 1x/dia Pão francês Feijão Arroz Carne vermelha Peixe Banana Iogurte Sorvete Chocolate A obtenção dessas informações pode ser facilitada pela utilização isolada ou combinada de fotos ou modelos alimentares. Para que a seleção dos itens alimentares seja informativa, ela deve ter três características: o alimento deve ser consumido com uma frequência razoável por um número apreciável de indivíduos da população; o alimento deve conter quantidades substanciais do nutriente de interesse; e ter a capacidade de 23 AVALIAÇÃO NUTRICIONAL AVANÇADA discriminar indivíduos da população com alto e baixo consumo do alimento. Questionários de frequência de consumo de alimentos extensos com 100 ou mais itens alimentares podem levar tanto a uma redução da acurácia dos resultados, como a uma superestimação da ingestão; listas muito reduzidas, com 15 a 30 itens de alimentos, podem não ser suficientes para estimar o consumo alimentar do indivíduo, mas podem ser utilizadas para observação de algum nutriente em particular. O fato de poder ser aplicado em estudos com grande número de indivíduos e a sua utilidade na identificação de indivíduos com ingestão acima ou abaixo da distribuição da ingestão da população torna o QFCA muito útil. Além disso, a variação intraindividual observada na ingestão dos alimentos, ao longo dos dias, é minimizada. Sua correlação com outros métodos é boa para alimentos e nutrientes específicos (SLATER et al., 2003). As formas de administração do QFCA incluem entrevistas pessoais ou por telefone ou ainda o autopreenchimento. A maior limitação desse método está na precisão da quantificação da ingestão alimentar, que não pode ser comparada à do R24h e do RCA. Além disso, informações sobre o consumo de alguns alimentos podem ser perdidas, pois, geralmente, no QFCA não são incluídos todos os possíveis itens alimentares. 2.1.4 História alimentar ou dietética (HA) A história alimentar (HA) consiste em uma extensa entrevista, realizada por um nutricionista, para obtenção de um padrão alimentar global. Esse método foi criado por Burke (1947) com o objetivo de estabelecer a ingestão habitual de vários meses ou anos de um indivíduo, baseando-se em informações coletadas do próprio entrevistado ou de seus pais. Esse método inclui três elementos principais: entrevista detalhada sobre opadrão de alimentação; uma lista de alimentos cuja frequência e periodicidade do consumo alimentar é anotada; e um registro alimentar de 3 dias (BURKE, 1947). As vantagens desse método incluem permitir uma descrição mais completa e detalhada dos aspectos qualitativos e quantitativos da ingestão dos alimentos e permitir a avaliação da ingestão habitual de todos os nutrientes, de não sofrer influência das variações sazonais na dieta e de não alterar as dietas habituais (BLOCK, 1982). No entanto, existem algumas desvantagens na utilização da HA, em estudos epidemiológicos, como a necessidade de um nutricionista treinado, a dependência da memória do indivíduo, os altos custos de análise e o tempo necessário para obter dados maior que outros métodos. 2.1.5 Análise da duplicata das porções Considerando que uma das principais fontes de erro na avaliação do consumo alimentar está relacionada à quantidade em gramas dos alimentos ingeridos, foi desenvolvido um método prospectivo mais direto conhecido como análise da duplicata das porções. É um método direto no qual os indivíduos coletam uma porção idêntica aos alimentos ingeridos, a colocam num recipiente durante um ou mais dias e a armazenam na geladeira até serem analisados quimicamente em um laboratório específico. 24 Unidade I Esse método fornece resultados fidedignos da ingestão de nutrientes mesmo que se tenha ingerido um alimento cuja composição não consta em tabelas de composição de alimentos, evitando um importante viés na análise da ingestão alimentar. Os alimentos são homogeneizados para a análise de nutrientes e/ou agentes contaminantes. Um questionário é preenchido juntamente com a coleta dos alimentos, descrevendo o tipo e a quantidade consumida (FISBERG, 2005). A principal vantagem desse método são seus resultados fidedignos, mas há a desvantagem de ser mais trabalhoso para o indivíduo e ter alto custo. Lembrete O R24h é um instrumento muito utilizado e útil em situações clínicas, mas o relato de apenas um dia não reflete o hábito alimentar do indivíduo. 2.1.6 Técnicas para minimizar os erros de medida em inquéritos alimentares Para minimizar erros sistemáticos e aleatórios na utilização de inquéritos alimentares, podemos utilizar alguns mecanismos de controle em cada etapa do processo de coleta e análise de dados dietéticos. Os cuidados para obtenção de uma base de dados dietéticos acurada, utilizando tabela de composição centesimal ou software, são fundamentais para a identificação dos fatores dietéticos determinantes para a prevenção da doença ou promoção da saúde dos indivíduos no atendimento em ambulatórios, hospitais ou clínicas. É importante estabelecer uma relação cordial e respeitosa com o paciente, observar os princípios éticos, esclarecer os objetivos da avaliação do seu consumo dietético, quer seja para ser estabelecido o diagnóstico nutricional ou para a conduta terapêutica. O nutricionista deve ser previamente treinado para utilização do método do inquérito, determinação de porções dos alimentos e utilização de material de apoio, para não cometer erros durante o questionamento. O profissional pode ainda utilizar materiais para esclarecer sobre os utensílios utilizados para preparo, distribuição e consumo dos alimentos, como pratos, canecas, colheres etc. (WRIEDEN; MOMEN, 2009). Para quantificar com exatidão a ingestão de nutrientes provenientes dos inquéritos alimentares, é necessário o uso de tabelas de composição de alimentos e/ou programas computadorizados, softwares, que auxiliam na conversão dos dados de alimentos para energia e nutrientes (FISBERG, 2002; LOPES; BOTELHO, 2008; PINHEIRO et al., 2002; ZABOTTO; VIANNA; GIL, 1996). Para a seleção do software que será utilizado, deve-se considerar a confiabilidade das informações disponíveis, principalmente quanto aos alimentos e preparações, às medidas caseiras existentes e à atualização das bases de dados, como a variedade de alimentos, de nutrientes, de receitas, dados de produtos comerciais, de alimentos fortificados e de suplementos alimentares (CUPPARI; ANÇÃO, 2005). 25 AVALIAÇÃO NUTRICIONAL AVANÇADA 3 DETERMINAÇÃO DO ESTADO NUTRICIONAL POR MACRO E MICRONUTRIENTES 3.1 Ingestão dietética de referência (dietary reference intakes – DRI) As DRIs vêm sendo publicadas desde 1997 por comitês de especialistas organizados entre o Institute of Medicine (IOM) norte-americano e a agência Health Canada, na forma de relatórios parciais que são formados pela revisão dos valores de recomendação de ingestão de nutrientes e energia adotados pelos Estados Unidos e Canadá. Essas publicações substituem as versões anteriores da RDA. Esse conjunto de publicações apresenta um novo sistema de aplicação das quatro categorias de valores de referência para avaliação e planejamento de consumo, rotulagem e fortificação de alimentos. Os novos conceitos de referências foram elaborados a partir da preocupação sobre o aumento do risco de desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis, provocado pela alimentação inadequada, seja por excesso ou por carência de nutrientes. As DRIs surgiram para atender às preocupações em relação ao uso indiscriminado e inadequado de suplementos nutricionais e pela crescente prática de fortificação dos alimentos. É importante lembrar que essas recomendações foram estabelecidas para as populações dos Estados Unidos e do Canadá. Para sua aplicação na população brasileira, deve-se considerar os dados de ingestão dietética com seu erro associado. Nesse sentido, haverá necessidade de um esforço conjunto para a obtenção desses dados. 3.2 Ingestão dietética recomendada (recommended dietary allowance – RDA) A RDA é a média de ingestão do nutriente estimada para atender a necessidade de 97-98% de indivíduos de um grupo de determinada faixa etária e gênero. São referências muito usadas para planejamento e efetivação de suprimento alimentar em subgrupos populacionais, interpretação de consumo alimentar, estabelecimento de padrões para programas de assistência alimentar, avaliação da adequação alimentar para alcançar necessidades nutricionais em nível nacional, designar programas de educação nutricional e desenvolver novos produtos na indústria. Para se estabelecer, uma RDA depende da possibilidade de uma necessidade média estimada (EAR). Portanto, se não for possível obter a EAR, o valor de RDA não será estabelecido. A RDA é situada a dois desvios-padrão (DP) positivos da EAR, considerando a curva normal de distribuição das necessidades (figura 2). Ou seja: RDA = EAR + 2DP 26 Unidade I Nível de ingestão observado 0,0 0,0 0,5 0,5 1,0 1,0ULRDAEAR Ri sc o de in ad eq ua çã o Risco de efeitos adversos Figura 2 – Relação entre RDA e EAR Adaptada de: IOM (2006). A necessidade média estimada (EAR) é a ingestão na qual o risco de inadequação é de 0,5 (50%) para um indivíduo. A ingestão dietética recomendada (RDA) é a ingestão na qual o risco de inadequação é muito pequeno – apenas 0,02 a 0,03 (2% a 3%). A ingestão adequada (AI) não possui uma relação consistente com a EAR ou a RDA, porque é definida sem a estimativa do requisito. Nas ingestões entre o RDA e o nível de ingestão superior tolerável (UL), os riscos de inadequação e excesso são próximos de zero. Em ingestões acima da UL, o risco de efeitos adversos pode aumentar. 3.3 Necessidade média estimada (estimated average requirement – EAR) Esse valor de referência é a necessidade média estimada ou a estimativa do requerimento médio. O valor médio de ingestão diária de um nutriente do qual se espera atender as necessidades de 50% dos indivíduos de um grupo de faixa etária e sexo. É utilizada no cálculo da RDA e, também, para avaliar e/ou planejar a ingestão de grupos populacionais. 3.4 Ingestão adequada (adequate intake – AI) A AI é o valor de consumo recomendável ou ingestão adequada de determinado nutriente baseado em estimativas de ingestão de nutrientes para grupos de pessoas sadias. Estima-se que seu valor sejapróximo ou acima da RDA. É utilizada para estabelecer quantidades de nutrientes que parecem reduzir o risco de doença. Deve ser usada como meta de consumo de nutrientes na prescrição da dieta para indivíduos saudáveis. Nem sempre as informações sobre o nutriente são suficientemente consistentes para o estabelecimento de EAR. Nesses casos, deve-se utilizar o valor de AI, ou seja, o valor de AI é usado quando os valores de EAR ou de RDA não podem ser determinados. 27 AVALIAÇÃO NUTRICIONAL AVANÇADA 3.5 Limite superior tolerável de ingestão (tolerable upper intake level – UL) A UL, ou limite superior tolerável, é o nível mais alto de ingestão diária de nutrientes isento de risco de efeitos adversos à saúde em quase todos os indivíduos de um estágio de vida ou sexo. Não é um nível de ingestão recomendável. Em suma, os valores de RDA e AI podem ser considerados metas de ingestão de determinado nutriente, enquanto os valores de EAR e UL são utilizados para avaliação de dietas. Se a ingestão alimentar estiver abaixo de EAR e acima de UL, há grande probabilidade de inadequação e de efeitos colaterais. O consumo de nutrientes por indivíduos saudáveis, em níveis superiores às RDAs ou AIs, não traz benefícios à saúde. 3.6 Parâmetros usados no desenvolvimento das DRIs Os valores de DRI são atribuídos a grupos de estágios de vida que correspondem a vários períodos da vida humana. As alturas e pesos de referência para o estágio de vida e os grupos de gênero foram usados para extrapolações realizadas com base no peso ou tamanho corporal. Eles também indicam até que ponto os ajustes de ingestão podem ser feitos para indivíduos ou grupos populacionais que se desviam significativamente das alturas e pesos típicos. Populações aplicáveis Um importante princípio subjacente das DRIs é que elas são padrões para pessoas aparentemente saudáveis e não são aplicados a indivíduos com doenças agudas ou crônicas ou para a reposição dos níveis de nutrientes em indivíduos previamente deficientes. O cumprimento das doses recomendadas de nutrientes não seria necessariamente suficiente para indivíduos que já estão desnutridos, nem seria adequado para certos estados de doença marcados por necessidades crescentes de nutrientes. Embora a RDA ou a AI possam servir como base para orientação especializada, o nutricionista deve fazer os ajustes necessários para indivíduos com necessidades específicas. Grupos de fases da vida Onde havia dados disponíveis, as DRIs foram divididas em 12 grupos de estágios de vida e por gênero. Os grupos de estágios de vida foram escolhidos considerando as variações nas necessidades de todos os nutrientes em análise. Se os dados fossem muito limitados para distinguir as diferentes necessidades de nutrientes por estágio de vida ou grupos de gênero, a análise era então apresentada para um agrupamento maior. Infância A infância cobre os primeiros 12 meses de vida e é dividida em dois intervalos de 6 meses. O primeiro intervalo de 6 meses não foi subdividido porque a ingestão é relativamente constante durante esse período. Ou seja, conforme os bebês crescem, eles ingerem mais comida, no entanto, com base no peso corporal, sua ingestão permanece a mesma. Durante os segundos 6 meses de vida, a taxa de crescimento 28 Unidade I diminui. Como resultado, as necessidades diárias totais de nutrientes com base no peso corporal podem ser menores do que durante os primeiros 6 meses de vida. A ingestão média para bebês nascidos a termo saudáveis, mães bem nutridas e aleitamento materno exclusivo tem sido adotada como base primária para derivar o AI para a maioria dos nutrientes durante os primeiros 6 meses de vida. A única exceção a esse critério é a vitamina D, que ocorre em baixas concentrações no leite humano. Em geral, não foi dada consideração especial às possíveis variações nas necessidades fisiológicas durante o primeiro mês após o nascimento ou às variações na ingestão que resultam de diferenças no volume do leite e na concentração de nutrientes durante o início da lactação. A ingestão específica recomendada para atender às necessidades de bebês alimentados com fórmula não foi definida. • Primeiros 6 meses (idades de 0 a 6 meses): a AI de um nutriente para bebês nessa faixa etária foi calculada usando a concentração média do nutriente de 2 a 6 meses de lactação e a ingestão de um volume médio estimado de leite humano de 0,78 L/dia. A AI representa o produto dessas duas medidas. Espera-se que os bebês consumam volumes crescentes de leite humano à medida que crescem. • Próximos 6 meses (idades de 7 a 12 meses): durante esse período, os bebês apresentam crescimento lento e desmame gradual para uma dieta mista com leite humano e alimentos sólidos. Não há evidências de necessidades de nutrientes marcadamente diferentes, exceto para alguns nutrientes, como ferro e zinco, que têm necessidades relativamente altas. A EAR e RDA para ferro e zinco foram derivadas para essa faixa etária. As AIs (com exceção da vitamina D) são baseadas na soma da quantidade média do nutriente fornecido por 0,6 L/dia de leite humano e a quantidade média do nutriente fornecida pela ingestão usual de alimentos complementares de desmame consumidos por crianças nessa idade. Crianças com idade de 1 a 3 anos As crianças pequenas apresentam maior velocidade de crescimento em altura em comparação com as crianças de 4 e 5 anos, e essa distinção fornece a base biológica para o estabelecimento de consumos recomendados separados para essa faixa etária. Crianças com idade de 4 a 8 anos Crianças de 4 a 8 ou 9 anos sofrem grandes mudanças na velocidade de crescimento e no sistema endócrino. Para muitos nutrientes, uma quantidade razoável de dados estava disponível sobre a ingestão de nutrientes e vários critérios de adequação como base para as EARs, RDAs e AIs a esse grupo. Para nutrientes que carecem de dados sobre as necessidades das crianças, EARs e RDAs para crianças são baseadas em extrapolações de valores de adultos. 29 AVALIAÇÃO NUTRICIONAL AVANÇADA Puberdade e adolescência: idades de 9 a 13 anos e 14 a 18 anos Os anos da adolescência foram divididos em duas categorias, porque o crescimento ocorre em algumas crianças até os 20 anos. Para alguns nutrientes, diferentes EARs, RDAs e AIs foram derivados para meninas e meninos. Vários indicadores apoiam a adequação biológica da criação de dois grupos de adolescentes e grupos de gênero: • Idade entre 9 e 10 anos, em que há início de desenvolvimento das mamas em meninas brancas e negras é um marcador físico para o início da secreção aumentada de estrogênio. O surto de crescimento feminino começa antes do início do desenvolvimento da mama, apoiando assim o agrupamento de 9 a 13 anos. • A idade média de início do desenvolvimento testicular em homens é de 10,5 a 11 anos. O surto de crescimento masculino começa 2 anos após o início do desenvolvimento testicular, apoiando assim o agrupamento de 14 a 18 anos. Adultos: idades de 19 a 30 anos e 31 a 50 anos A idade adulta foi dividida em dois grupos para contabilizar o possível valor de potencial genético ideal para o pico de massa óssea com uma ingestão maior de nutrientes durante o início da fase adulta, em vez de mais tarde na vida. Além disso, o gasto energético médio diminui dos 19 aos 50 anos, e as necessidades de nutrientes relacionadas ao metabolismo energético também podem diminuir. Adultos e adultos idosos: idades de 51 a 70 anos e acima de 70 anos O período de 51 a 70 anos abrange anos de trabalho ativo para a maioria dos adultos. Após os 70 anos, as pessoas da mesma idade apresentam cada vez mais níveis diferentes de funcionamento fisiológico e atividade física. Declínios relacionados à idade na absorção de nutrientes e na função renal também podem ocorrer. Gravidez e lactação As recomendações de nutrientes são definidas para essas fases da vida devido às diversas mudanças na fisiologia e nas necessidades nutricionais que ocorrem durante a gravideze a lactação. Ao definir EARs, RDAs e AIs, considerou-se as necessidades do feto durante a gravidez e a produção de leite durante a lactação; adaptações ao aumento da demanda de nutrientes, como maior absorção e maior conservação de muitos nutrientes; e perda líquida de nutrientes devido a mecanismos fisiológicos, independentemente da ingestão, como visto com cálcio na lactação. Devido aos dois últimos fatores, pode não haver uma base para definir os valores de EAR, RDA ou AI para alguns nutrientes para mulheres grávidas ou lactantes que sejam diferentes dos valores definidos para outras mulheres de idade comparável. 30 Unidade I 3.7 Planejamento de dietas para indivíduos ou grupos usando as DRIs A utilização das DRIs tem múltiplos propósitos e, para facilitar o entendimento, estes se dividem basicamente em duas grandes categorias: avaliação e planejamento de dietas. É necessário conhecer as necessidades de nutrientes e estimar a ingestão dos mesmos procedentes de alimentos e de outras fontes, tais como água e suplementos nutricionais, tanto para avaliar como planejar dietas. O que determinará qual padrão de referência será utilizado é identificar se a unidade de interesse é o indivíduo ou um grupo de indivíduos (figura 3). Necessidades de nutrientes Planejamento de dietas Indivíduos RDA (AI), UL Indivíduos EAR (AI), UL Grupos EAR (AI), UL Grupos EAR, UL Avaliação de dietas Ingestão de nutrientes (alimentos + suplementos) Figura 3 – Utilização dos 4 valores que compõem o conceito de ingestão dietética de referência (EAR, RDA, AI e UL) Adaptada de: IOM (2006). Lembrete As DRIs são valores de referência de ingestão de nutrientes que devem ser utilizados para planejar e avaliar dietas para pessoas saudáveis. 3.8 Faixas aceitáveis de distribuição de macronutrientes (acceptable macronutrient distribution ranges – AMDRs) Evidências indicam que um desequilíbrio nos macronutrientes (por exemplo, baixa ou alta porcentagem de energia), particularmente em certos ácidos graxos e quantidades relativas de gordura e carboidratos, pode aumentar o risco de várias doenças crônicas. Com base nessa evidência, as faixas aceitáveis de distribuição de macronutrientes (AMDRs) foram estimadas para indivíduos sadios. Uma AMDR é o intervalo de ingestão de uma fonte de energia que está associado a um risco reduzido de doenças crônicas, mas pode fornecer quantidades adequadas de nutrientes essenciais. A AMDR é expressa como uma porcentagem da ingestão total de energia. A característica principal de cada AMDR é que ela possui um limite inferior e superior. Por exemplo, a AMDR para carboidratos varia 31 AVALIAÇÃO NUTRICIONAL AVANÇADA de 45 a 65% da ingestão total de energia. Ingestão abaixo ou acima dessa faixa aumenta o potencial para um risco elevado de doenças crônicas. Ingestão fora dos limites também aumenta o risco de consumo inadequado de nutrientes essenciais. As AMDRs foram definidas para carboidratos, proteínas, gorduras e ácidos graxos poli-insaturados n-6 e n-3, com base em evidências de ensaios de intervenção, com o apoio de evidências epidemiológicas. As recomendações foram feitas para limitar a ingestão de colesterol, gorduras trans, gordura saturada e açúcares adicionados (tabela 1). Muitas relações causais entre o consumo excessivo ou insuficiente de macronutrientes, inatividade física e doenças crônicas foram propostas. Quando a dieta é modificada para um nutriente produtor de energia, ela invariavelmente altera a ingestão de outros nutrientes, o que torna extremamente difícil obter evidências substanciais adequadas para fornecer orientação nutricional clara e específica. De acordo com a AMDR, não há definição para ingestão de fibras ou ácidos graxos monoinsaturados. Não foi definida AMDR para fibra porque é um contribuinte insignificante para a ingestão total de energia, e não foi encontrado nenhum efeito adverso associado ao seu consumo. Os ácidos graxos monoinsaturados não são essenciais na dieta, e as evidências que relacionam a ingestão baixa ou alta de ácidos graxos monoinsaturados a doenças crônicas são limitadas. Limites práticos sobre a ingestão de ácidos graxos monoinsaturados serão impostos pelas AMDRs para gordura total e outros tipos de ácidos graxos. Tabela 1 – AMDRs AMDR (porcentagem de calorias) a Macronutrientes Crianças 1-3 anos Crianças 4-18 anos Adultos Gorduras 30-40 25-35 20-35 Ácidos graxos poli-insaturados n-6 b (ácido linoleico) 5-10 5-10 5-10 Ácidos graxos poli-insaturados n-3 b (ácido alfalinolênico) 0,6-1,2 0,6-1,2 0,6-1,2 Carboidratos 45-65 45-65 45-65 Proteínas 5-20 10-30 10-35 Recomendações de macronutrientes adicionais Macronutriente Recomendação Colesterol O mais baixo possível em uma dieta nutricionalmente adequada Ácidos graxos trans O mais baixo possível em uma dieta nutricionalmente adequada Ácidos graxos saturados O mais baixo possível em uma dieta nutricionalmente adequada Açúcar adicionado Limitar a ingestão máxima de 25% da energia total diária ς a AMDR: essa é a porcentagem da ingestão de energia associada à redução do risco de doenças crônicas, mas fornece quantidades adequadas de nutrientes essenciais. b Aproximadamente 10% do total pode vir de ácidos graxos n-3 ou n-6 de cadeia mais longa. ς Não é uma ingestão recomendada. Não foi estabelecida uma ingestão diária de açúcares adicionados que os indivíduos deveriam buscar para alcançar uma dieta saudável. Adaptada de: Padovani et al. (2006). 32 Unidade I 3.8.1 Gordura total e carboidratos AMDRs de gordura total e carboidrato para adultos Essas AMDRs foram estimadas com base em evidências que indicam maior risco de doença coronariana cardíaca (DCC) com dietas ricas em carboidratos e pobres em gordura e maior risco de obesidade e suas complicações (incluindo DCC) com dietas com alta ingestão de gordura. Dietas com baixo teor de gordura e ricas em carboidratos, quando comparadas com dieta elevada em gordura, podem induzir aumento de triglicerídeos e colesterol LDL e baixar colesterol HDL, e, desse modo, aumentar o risco de DCC, particularmente em pessoas sedentárias com sobrepeso. Por outro lado, quando a ingestão de gordura é alta, muitos indivíduos consomem energia adicional e, portanto, ganham peso adicional. O ganho de peso com dietas ricas em gordura pode ser prejudicial para indivíduos já suscetíveis à obesidade e pode piorar as consequências metabólicas da obesidade, particularmente o risco de doença coronariana. Além disso, as dietas ricas em gordura geralmente são acompanhadas por aumento da ingestão de ácidos graxos saturados, que podem aumentar os níveis de colesterol LDL, aumentando ainda mais o risco de DCC. As dietas que contêm energia proveniente de gordura e carboidratos nas faixas recomendadas minimizam os riscos de diabetes, obesidade e DCC. Além disso, essas faixas permitem o consumo adequado de nutrientes essenciais e ingestão moderada de gordura saturada. AMDRs de gordura total e carboidrato para crianças As AMDRs para carboidratos para crianças é o mesmo que para adultos. As crianças têm uma taxa de oxidação de gordura mais alta do que os adultos, e dietas com baixo teor de gordura podem levar à redução da ingestão de certos micronutrientes, incluindo vitaminas lipossolúveis. Por outro lado, alta ingestão de gordura durante a infância pode aumentar o rico de sobrepeso, obesidade e doenças cardíacas. Como existem poucas evidências sobre se a ingestão baixa ou alta de gordura durante a infância pode levar ao aumento do risco de doenças crônicas, as AMDRs estimadas para crianças são baseadas principalmente em uma transição da ingestão de alto teor de gordura durante a infância para a de menor AMDR no adulto. Durante a infância, a quantidade de gordura saturada na dieta deve ser a mais baixa possível, sem comprometer a adequação nutricional. 3.8.2 Proteínas AMDRs de proteína para crianças e adultos Não há nenhuma evidência sugerindo que a AMDR para proteína deva estar emníveis abaixo da RDA para adultos, que é cerca de 10% das calorias totais diárias. Além disso, não havia dados suficientes para sugerir um UL para proteína e os dados eram insuficientes para sugerir uma faixa superior ou limite para uma AMDR para proteína. Todas as AMDRs foram definidas, em parte, para complementar as AMDRs para gordura e carboidratos. 33 AVALIAÇÃO NUTRICIONAL AVANÇADA 3.8.3 Ácidos graxos poli-insaturados n-6 AMDRs de ácidos graxos poli-insaturados n-6 para crianças e adultos Com base em consumos médios usuais de energia relatados na U.S. Continuing Survey of Food Intakes by Individuals (CSFII 1994-1996, 1998) (IOM, 2006), estima-se que um nível limite inferior de 5% de ácido linoleico da energia total diária seria necessário para atender a AI. O limite superior para ácido linoleico de 10% da ingestão de energia total diária é baseado nas seguintes informações: • Na América do Norte, a ingestão alimentar individual raramente excede 10% de ácido linoleico da energia total diária. • Geralmente, faltam evidências epidemiológicas seguras de ingestões superiores a 10% da energia total diária. • A alta ingestão de ácido linoleico cria um estado pró-oxidante que pode predispor a várias doenças crônicas, como DCC e câncer. Estudos em humanos demonstram que o enriquecimento de lipoproteínas e membranas celulares com ácidos graxos poli-insaturados n-6 contribui para um estado pró-oxidante. 3.8.4 Ácidos graxos poli-insaturados n-3 AMDRs de ácidos graxos poli-insaturados n-3 para crianças e adultos Com base no consumo médio de energia relatado no CSFII (1994-1996, 1998) (IOM, 2006), estima-se que um nível limite inferior de 0,6% de ácido alfalinolênico da energia total diária seria necessário para atender a AI. O limite superior corresponde à maior ingestão de ácido alfalinolênico de alimentos consumidos por indivíduos nos Estados Unidos e Canadá. Os dados que sustentam o benefício de uma ingestão ainda maior de ácido alfalinolênico não foram considerados fortes o suficiente para justificar um limite superior a 1,2% da energia total diária. Evidências sugerem que a ingestão mais elevada de ácido alfalinolênico, ácido eicosapentaenoico (EPA) e ácido docosa-hexaenoico (DHA) pode proporcionar algum grau de proteção contra DCC. No entanto, é impossível estimar um AMDR para todos os ácidos graxos n-3 porque a potência fisiológica do EPA e do DHA é muito maior do que a do ácido alfalinolênico. Até 10% da AMDR para ácidos graxos n-3 podem ser consumidos como EPA e/ou DHA. 3.8.5 Recomendações de macronutriente adicional Ácidos graxos saturados, ácidos graxos trans e colesterol Não há riscos conhecidos de doenças crônicas associadas ao consumo de dietas com muito baixo teor de ácidos graxos saturados, ácidos graxos trans ou colesterol. Como certos micronutrientes são encontrados principalmente em alimentos de origem animal (que geralmente são ricos em gorduras saturadas e colesterol), é possível que dietas com baixo teor de gordura saturada e colesterol contenham baixos níveis de micronutrientes, como ferro e zinco. Além disso, a análise de cardápios nutricionalmente 34 Unidade I adequados indica que há uma quantidade mínima de gordura saturada que pode ser consumida para que sejam fornecidos níveis adequados de ácidos linoleico e alfalinolênico. Os ácidos graxos saturados, ácidos graxos trans e colesterol aumentam os níveis de colesterol total e LDL no sangue, o que por sua vez aumenta o risco de DCC. Como há uma tendência linear positiva entre a ingestão de cada uma dessas gorduras e o risco de DCC, mesmo uma ingestão muito baixa de cada uma pode aumentar o risco. Portanto, é recomendado que a ingestão de ácidos graxos saturados, ácidos graxos trans e colesterol permaneça o mais baixo possível enquanto uma dieta nutricionalmente adequada é consumida. Açúcares adicionados Foi demonstrado que o aumento da ingestão de açúcares adicionados pode resultar na diminuição da ingestão de certos micronutrientes nas subpopulações dos Estados Unidos. Isso pode ocorrer devido à abundância de açúcares adicionados em alimentos ricos em calorias e pobres em nutrientes em uma dieta. Assim, sugere-se que adultos e crianças garantam o consumo suficiente de micronutrientes essenciais diariamente, e, para isso, é necessário que não consumam mais do que 25% da energia total diária de açúcares adicionados. Observe que não foi definida uma ingestão diária de açúcares adicionados para que os indivíduos alcancem uma dieta saudável. Alimentos que contêm açúcares adicionados e poucos micronutrientes incluem refrigerantes, bolos, biscoitos e doces. O impacto da ingestão total de açúcar sobre a ingestão de micronutrientes não parece ser tão grande quanto para os açúcares adicionados. Os açúcares totais incluem os açúcares adicionados e os açúcares naturais encontrados em frutas, leite e laticínios. Saiba mais Para ter acesso completo às recomendações da DRI para calorias, carboidrato, fibra, gordura e proteína (2002/2005), leia o artigo: PADOVANI, R. M. et al. Dietary reference intakes: aplicabilidade das tabelas em estudos nutricionais. Revista de Nutrição, Campinas, v. 19, n. 6, p. 741-760, nov./dez. 2006. Disponível em: https://bit.ly/3eVumB0. Acesso em: 26 jul. 2021. Exemplo de aplicação Para praticar como utilizar as recomendações nutricionais, estabeleceremos um planejamento alimentar quanto à ingestão de micronutrientes para um homem de 45 anos. Como exemplo, vamos observar os valores de referência dos micronutrientes (cálcio, ferro, vitaminas B1 e B2, niacina e vitamina C), destinados ao caso apresentado e que estão apresentados conforme os seguintes passos: 35 AVALIAÇÃO NUTRICIONAL AVANÇADA 1. Estabelecer os valores de referência de micronutrientes utilizados no planejamento e avaliação da dieta. Micronutrientes – planejamento e avaliação EAR: Ca (mg): NA; Fe (mg): 8,1; B1 (mg): 0,9; B2 (mg): 0,9; niacina (mg): 11; vitamina C (mg): 60 RDA: Ca (mg): NA; Fe (mg): 18; B1 (mg): 1,1; B2 (mg): 1,1; niacina (mg): 14; vitamina C (mg): 90 AI: Ca (mg): 1000; Fe (mg): NA; B1 (mg): NA; B2 (mg): NA; niacina (mg): NA; vitamina C (mg): NA UL: Ca (mg): 2500; Fe (mg): 45; B1 (mg): NA; B2 (mg): NA; niacina (mg): 35; vitamina C (mg): 2000 2. Estabelecer os valores de referência para avaliar a ingestão e então analisar a dieta habitual quanto à ingestão de micronutrientes. A partir dessa referência apresentada anteriormente, o que se observa é que os valores considerados adequados seriam aqueles que se situam entre o EAR ou AI e o UL, ou seja, se tirarmos como exemplo o ferro, utilizar-se-iam os valores entre 8,1 mg/dia e 45 mg/dia. Para analisar a ingestão, devem-se determinar as quantidades de nutrientes ingeridas. Assim, vamos supor que o homem de 45 anos ingerisse as quantidades de micronutrientes apresentadas a seguir: Ingestão: Ca (mg): 820; Fe (mg): 0,78; B1 (mg): 1,2; B2 (mg): 1,1; niacina (mg): 16; vitamina C (mg): 85 Agora vamos avaliar a adequação da ingestão versus a recomendação. Cálcio está inadequado pois está abaixo de 1000 mg (AI), ferro está inadequado pois está abaixo de 8,1 mg (EAR), no entanto, observa-se que a ingestão dos nutrientes B1, B2, niacina e vitamina C se encontra entre os valores de EAR e UL e estão adequados. 4 PADRÕES PARA PACIENTES HOSPITALIZADOS 4.1 Triagem nutricional Em um serviço hospitalar, é recomendável que todos os pacientes sejam submetidos a avaliação nutricional, no entanto, essa prática nem sempre é viável devido à escassez de recursos humanos e financeiros para esse processo, que demanda tempo e equipamentos específicos. É fundamental identificar pacientes em risco nutricional com a finalidade de estabelecer um plano de terapia nutricional para otimizar a qualidade no atendimento. Esse processo é conhecido como triagem ou rastreamento nutricional. 36 Unidade I A triagem nutricional é um processo que possibilita identificar pacientes que devem ser encaminhados para avaliação
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