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Tal como ocorreu com a publicação da obra de grandes p e n s a d o r e s o c id e n t a i s , a divulgação da obra de B. F. Skinner (1 9 0 4 -1 9 9 0 ) na com unidade acadêmica brasileira, a partir da década de 1960, provocou, de um lado, o surgimento de grupos de admiradores e defensores, e, de outro, daqueles que a rejeitam. São decorridos aproximadamente 50 anos da apresentação da obra skinneriana no Brasil e o seu pensamento ainda hoje se mantém vivo, tal como o atesta a publicação deste livro e a existência daqueles dois grupos em departamentos e cursos de Psicologia. O livro se dirige aos diferentes tipos de leitores - àqueles que admiram a obra de Skinner, àqueles que a rejeitam e, àqueles que a desconhecem. Os autores estipulam, entretanto, uma condição: que o leitor se mostre “sensível a outros textos”, “de mente aberta”, mas nem por isso conformista, uma vez que não pretendem fazer prosélitos. Enfim, um leitor disposto a dialogar, tarefa árdua, mas, paradoxalmente, que pode se tomar prazerosa. CONVERSAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical Mundo, homem e ética Copyright © desta edição: ESETec Editores A ssociados, Santo André, 2012. Todos os direitos reservados Lopes, C.E. C o n v e r s a s P r a g m a t i s t a s s o b r e C o m p o r t a m e n t a l i s m o R a d i c a l , C a r l o s E d u a r d o L op es . C a r o l i n a La u r e nt i e J o sé A n t ô n i o D a m á sio Abi b . 1. ed, S u m o A n d r é . SP: ES E T ec F d i io res Associados. 10)2. 176p. 21cm 1. Pragmatismo 2. C om portam entalism o Radical 3. A nálise do C om portam ento CDD 155.2 CDU 159.9.019.4 ISB N 97 8 8 5 7 9180385 Capa: Im agem IR feita com o telescópio Spitzer, da rem anescente de supernova Cassiopeia A, que explodiu cerca de 320 anos atrás, a m ais jovem s\ipernova na Via Láctca. N A SA /JPL-C A LTEC H /Science photo library Solicitação de exemplares: comercial@esetec.com.br Tel. 11 4990 56 83 " www.esetec.com.br mailto:comercial@esetec.com.br http://www.esetec.com.br CONVERSAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical Mundo, homem e ética Carlos Eduardo Lopes Carolina Laurenti José António Damásio Abib ESETec 2012 A Miryam Mager, Por sempre respeitar nossas diferenças... S u m ário Apresentação.................................................................................9 Introdução.....................................................................................15 Capítulo 1 Da Ação ao Comportamento........................................................ 19 Capítulo 2 Visão de Mundo Pluralista............................................................43 Capítulo 3 Homem Complexo........................................................................85 Capítulo 4 Ética sem Absoluto.....................................................................131 Referências.................................................................................167 Sobre os autores 175 A p re s e n ta ç ã o Segundo os autores, este livro é produto de uma conversa especial entre amigos interessados no pragmatismo e no comportamentalismo radical skinneriano. Mas j á podemos adiantar que não se trata de uma conversa qualquer, mas de um exame minucioso das possibilidades de aproximação entre os textos skinnerianos e o pensamento pragmatista. Já podemos adiantar, também, que o resultado foi um texto competente e cuidadoso porque juntou três autores que demonstram entusiasmo e dominam os dois assuntos. O convite para eu entrar nessa conversa, fazendo esta apresentação, foi recebido com muita alegria e como um privilégio. Isto porque já tive oportunidade de ter muitas conversas profícuas com os três autores e tenho adotado seus textos em cursos que ministro. Nos meus contatos com alunos de graduação e de pós- graduação, venho observando um crescente interesse deles em compreender melhor o comportamentalismo radical e seus compromissos filosóficos. Com isso, quero dizer que minha alegria foi também porque muitos de nós, que nos interessamos por esse assunto, esperávamos por um livro desse escopo. O livro está dividido em quatro capítulos, cada um deles contendo temas bastante densos. Tendo isso em conta, escolhi fazer uma breve apresentação de cada capítulo, selecionando ao menos dois ou três pontos que mais me chamaram atenção (ou que me surpreenderam) em cada um. No primeiro capítulo - Da ação ao comportamento - a surpresa foi encontrar uma interpretação histórica do desenvolvimento do conceito de comportamento, promovido por B. F. Skinner, diferente do que vemos nos livros de história da Psicologia ou da Análise do Comportamento. Nesses livros temos encontrado a descrição da passagem do conceito de comportamento reflexo para o conceito de comportamento operante. O tema aqui é outro; é anterior e paralelo a esse: trata-se de apresentar uma história da “filosofia da ação” que se inicia com Aristóteles, passa por autores pragmatistas como J. Dewey e G. H. Mead, até receber retoques marcantes com o comportamentalismo radical de B. F. Skinner. Ao chegar até Skinner, já não se trata mais só de ação, mas de comportamento, O capítulo cumpre exatamente o que consta no seu título: esclarece o que constitui a passagem da noção de ação para a noção de comportamento. Cabe destacar dois pontos que ganharam esclarecimentos cruciais neste capítulo. O primeiro deles é o deslocamento promovido por Skinner do papel até então atribuído ao comportamento nas teorias psicológicas tradicionais: de coadjuvante, o comportamento passa a protagonista no comportamentalismo radical. Outro ponto que merece destaque é a defesa de uma concepção relacional de comportamento ou, nas palavras dos autores, a defesa skinneriana de um “relacionismo comportamental”. Na leitura do segundo capítulo o leitor irá deparar-se com diversos temas difíceis que deixam dúvidas recorrentes na leitura dos textos skinnerianos. Uma questão importante a ser respondida neste capítulo é se, além de afinidades no campo da epistemologia [na concepção de ciência], o comportamentalismo radical compartilharia também com o pragmatismo uma visão de mundo pluralista. Aqui o debate é ousado [e não poderia ser de outra forma] na defesa de uma visão de mundo pluralista [pragmatista] em contraponto com concepções tradicionais da Psicologia e da 10 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib Filosofia. Neste capítulo os autores subvertem várias teses próprias do pensamento modemo e, inclusive, algumas das teses comumente defendidas por analistas do comportamento. Entre as primeiras estão o monismo e o substancialismo, e entre as segundas estão o determinismo e a ideia de que a explicação do comportamento se esgotaria [ou se fecharia] entre a hereditariedade e as variáveis ambientais. No entanto, os autores escrevem como pragmatistas. Como tal, são cuidadosos na defesa das teses pluralistas, sugerindo que elas constituem uma alternativa de interpretação, entre outras possíveis, a respeito de com prom issos filosóficos do comportamentalismo radical. Na passagem para o terceiro capítulo, o leitor não vai encontrar temas mais amenos, mas a leitura do livro não é pesada e nem maçante. Isto se deve tanto à novidade encontrada em boa parte da argumentação, mas, a meu ver, porque a visão pragmatista que vai se descortinando desde o primeiro capítulo é de que comportamento e mundo se definem não só por relações regulares e estáveis, mas também por processos, por mudanças, e como tal perm item que se desenvolva a esperança de que ambos (comportamento e mundo) possam ser mudados para melhor. O capítulo terceiro - Homem complexo - centra-se na defesa da tese de que não há uma natureza ou essência humana imutável. No entanto, há características específicas a serem consideradas na compreensão do que constitui a “humanidade” do homem. Umahumanidade que se define antes de tudo pela complexidade de um homem que só pode ser compreendido por meio das múltiplas faces que ele apresenta. Aqui há um longo e árduo caminho percorrido pelos autores descrevendo, uma a uma, diferentes faces desse homem complexo; um caminho feliz porque, em minha opinião, consegue esclarecer o que vem a ser a concepção de homem pragmatista. Isto é bem diferente do que normalmente CONVERSAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical II vemos em textos de Psicologia: afirmações de que o homem é complexo sem maiores especificações do que isto quer dizer. Gostaria de chamar atenção especial para a última seção deste capítulo (Um homem no comportamentalismo radical). Nela os autores resumem o que esclareceram até então a respeito das especificidades do homem, mostrando de modo particularmente cativante o que é o homem para o pragmatismo e para o comportamentalismo radical. Vale a pena ler cuidadosamente este capitulo não só para poder apreciar melhor essa seção final, mas também para compreender uma sólida argumentação que se contrapõe à tese de que o comportamentalismo radical “esvaziou” o homem. Após ler o final quase apoteótico do terceiro capítulo, e tendo em conta tudo que foi contemplado nos capítulos anteriores, eram tantas informações e análises relevantes, que tive a impressão de que o livro já estava completo. Mas havia ainda mais, o quarto capítulo trazia novas e boas surpresas. O caráter não absolutista do pragmatismo, com uma visão relacional e processual de mundo, agora se estende ao contexto ético, fazendo um contraponto à ética de tradição platônica e kantiana. Destacam-se neste capítulo a proposta de conciliação entre sentimento e razão, colocando ambos como igualmente necessários na mediação de conflitos humanos e a defesa de uma ética criativa que se afasta tanto de posições universalistas (fundacionistas), quanto do relativismo. Os autores demonstram, ainda, estreitas afinidades entre os compromissos filosóficos do comportamentalismo radical e do pragmatismo ao esclarecerem a defesa skinneriana de uma ética que privilegia a pluralidade e a sobrevivência das culturas. Finalmente, olhando-se para o livro como um todo, chama atenção a subversão conduzida pelos autores, em cada capítulo, ao desconstruir, um a um, importantes pressupostos filosóficos tradicionais. Desse modo, palavras-chave como monismo, verdades 12 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib absolutas, essências, universais, natureza humana, certeza, necessidade, determinismo, substancialismo, razão, e tantas outras, vão sendo substituídas (ou complementadas) por outras como: pluralismo, efetividade, relação, estabilidade, contexto, variabilidade, indeterminismo, possibilidades, contingência, criatividade, mudança, responsabilidade e, sobretudo, esperança. O livro abre um horizonte para a possibilidade e a esperança de que o comportamentalismo radical, ao compartilhar de importantes compromissos filosóficos e éticos pragmatistas, possa contribuir com mudanças decisivas em questões cruciais do mundo atual. Dra. Maura Alves Nunes Gongora Docente do Programa de Mestrado em Análise do Comportamento da Universidade Estadual de Londrina CONVERSAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 13 In tro d u çã o O livro Conversas pragmatistas sobre comportamen talismo radical: mundo, homem e ética é o resultado de um trabalho intelectual coletivo. 0 termo conversas pode soar até irreverente e sugerir uma troca superficial de ideias sobre um assunto vago e corriqueiro. Não foi esse o caso. Mais do que trocar ideias, essa conversa enredou diferentes textos. Em primeiro lugar, o texto de Skinner atravessado por textos pragmatistas. O pragmatismo atuou como pré-texto interpelando o comportamentalismo radical quanto ao seu posicionamento sobre questões capitais: mundo, homem e ética. Mas a relação entre esses textos obedeceu, algumas vezes, à dinâmica de uma Gestalt. ora o texto comportamentalista era fundo, e o texto pragmatista figura; ora a relação era invertida. Não foi uma conversa fácil, já que as teorias em jogo são densas e complexas, além de cercadas por preconceitos e vulgatas de toda a sorte. Além disso, houve a intromissão de outros textos: o texto dos próprios autores, suas biografias que carregam diferentes relações com os temas cm curso no livro; o que, em alguns casos, conduziu a divergências, ainda que pontuais. Por vezes, é o texto dos autores que aparece como figura, relegando os textos comportamentalista e pragmatista a pano de fundo. A conversa não foi fácil por uma razão mais óbvia: hoje é difícil conversar. Em uma época na qual se valoriza a hiperespecialização e a pesquisa factual em detrimento da teórica, propor uma conversa transdisciplinar em um campo conceituai soa como um projeto natimorto. É árduo conversar, pois a bolha individualista que nos envolve está cada vez mais difícil de ser rompida: a despeito das críticas aoprodutivismo acadêmico, ele, inconscientemente ou não, nos consome. A era do homo lattes foi inaugurada. Nessa toada, as relações acadêmicas tomam-se ainda mais frias, já que estritamente burocráticas, e mediadas por e-mail e torpedos. Enfim, o diálogo parece estar fora de moda. Tendo isso em vista, o termo conversas, que inaugura o título, adquire um sentido especial. Ele marca os bastidores e as pretensões deste trabalho. O livro foi fruto de uma conversa face a face entre os autores; uma conversa intertextual complexa e prazerosa, que agrega o calor e o deleite da amizade ao debate intelectual. A intenção deste livro não poderia ser outra, senão a de fazer um convite à resistência: resistamos ao isolamento e conversemos; sejamos sensíveis a outros textos, deixemo-nos tocar por textos diferentes, estranhos, para que a conversa nunca finde. Talvez não haja nada perene na história do pensamento ocidental a não ser nossas intermináveis indagações sobre temas candentes, como o são, o mundo, o homem e a ética. Não foram poucas as tentativas que proliferaram no pensamento ocidental no afã de oferecer respostas definitivas a nossas inquietações, mais do que justificadas, sobre assuntos de tão elevado valor para as nossas vidas. Foram, e continuam sendo, muitas as disciplinas e os modos de pensamento que tentaram, e por vezes acreditaram, que haviam desvelado a natureza do mundo, do homem e da ética. Felizmente para uns, infelizmente para outros, o mundo, o homem e a ética são realidades tão suscetíveis às contingências históricas e antropológicas que respostas definitivas são nada mais do que doce ilusão. Evidentemente não estamos interessados nem acalentamos a esperança de encontrar respostas definitivas. As conversas tratadas 16 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib neste livro tem um estilo heurístico; com elas esperamos apenas descortinar horizontes possíveis de reflexão que possam sugerir ações éticas dos humanos nos mundos atuais agonísticos e imprevisíveis. Façamos então um breve esboço dessa conversa. No capítulo 1 partimos da filosofia de Aristóteles para elucidar o conceito de ação, e mostramos, com base nos textos de John Dewey e George Herbert Mead, como a filosofia do pragmatismo transforma o conceito de ação no conceito de comportamento, e como, enfim, o conceito de comportamento de B. F. Skinner tem afinidades com essa transformação. No capítulo 2 discutim os que as afinidades do comportamentalismo radical com a visão de mundo do pragmatismo, o pluralismo, poderiam ampliar as relações entre essas filosofias para além do campo estritamente epistemológico, atingindo também questões de natureza cosmológica e ética. No capítulo 3 argumentamos que, à semelhança do pragmatismo, a filosofia skinneriana, com a noção de comportamento, não decreta a abolição do homem. E justamente no comportamento que emerge um homem complexo, multifacetado. Pragmatismoe comportamentalismo radical, opondo-se à noção de natureza e essência humanas, podem situar a problemática do homem em uma condição de complexidade. No capítulo 4 as filosofias pragmatista e comportamentalista envolvem-se em um diálogo profícuo para, agora, pensar o eu moral. Mostram a possibilidade de um projeto ético se estabelecer mesmo dispensando fundamentos extra-humanos e incondicionais. É resistindo a classificações estanques (fundacionismo, relativismo) que as teorias éticas do pragmatismo e comportamentalismo radical se fazem entender. CONVERSAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical I I Se tomarmos o cuidado de afastar-nos das vulgatas para lá de simplórias e dos reducionismos das lógicas utilitárias, de viés econômico e político, que a todo instante ouvimos na mídia, proferidas por políticos, economistas, tecnocratas, e até mesmo por “intelectuais”, veremos que o pragmatismo, como disse Rorty (2000), é uma filosofia da esperança. E acrescentamos: o comportamentalismo radical também. 18 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib C apítulo 1 Da A ção ao C om portam ento Skinner (1989) afirma que a palavra behave é mais recente do que a palavra do. De acordo com dicionários da língua inglesa, as palavras behave e do podem ser traduzidas por agir; e behavior e doing, por ação (Sykes, 1982; Yerkes, 1989). Skinner refere-se à longa entrada da palavra agir (do) no OxfordEnglish Dictionary dc 1928 e escreve que ela “sempre tem enfatizado consequências - o efeito que alguém produz no mundo” (p. 14). Às vezes, Skinner (1953,1957,1974,1989) menciona a palavra ação em trechos nos quais poderia ter mencionado a palavra comportamento. Faz sentido. Ele está apenas usando a palavra mais antiga, ação, e não a palavra mais recente, comportamento, para se referir a efeitos, consequências. Aparentemente, há uma estreita relação semântica envolvendo as palavras comportamento c ação que justifica o uso ora de uma ora de outra. Um uso que é confirmado por Zuriff (1985) ao observar que uma prática comum entre comportamcntalistas consiste precisamente em descrever o comportamento na linguagem da ação. Diante desse cenário, parece plausível dizer que comportamento é ação, bem como indagar se, sendo mais recente, o conceito de com portam ento não apresen ta novos desenvolvimentos. Com o propósito de examinar em mais detalhes a prosa de Skinner, sugerindo a presença de uma sinonímia envolvendo os conceitos de ação e comportamento, faremos dois recortes na filosofia da ação. O primeiro, na filosofia da ação de Aristóteles; o segundo, na filosofia da ação do pragmatismo clássico. O recorte que faremos na filosofia da ação de Aristóteles justifica-se porque a análise que ele faz do conceito de ação é um pressuposto da filosofia da ação, que, na cena contemporânea, encontra expressão na filosofia romântica alemã, no marxismo, no existencialismo, nas últimas fases da filosofia analítica e no pragmatismo (Abbagnano, 1971/2000; Ferrater Mora, 1986/ Vol. 1; Joas, 1993). Além disso, James (1907/1988) relaciona o termo pragmatismo com a palavra grega que corresponde à ação, sugerindo que esclarecimentos sobre essa palavra podem contribuir para elucidar o pragmatismo; e, certamente, a filosofia da ação de Aristóteles constitui-se como local privilegiado para tais esclarecimentos. O recorte que faremos na filosofia da ação do pragmatismo clássico justifica-se porque a filosofia do pragmatismo de Dewey (1896/1981) e de Mead (1934/1962) carrega o conceito de ação de acepções que a transformam no conceito de comportamento. Após tais exames, mostraremos as aproximações que podem ser realizadas envolvendo a filosofia da ação do pragmatismo e a filosofia do comportamento de Skinner, bem como em que sentido essa filosofia contribui para o desenvolvimento do conceito de comportamento. No Rastro de Aristóteles James (1907/1988) diz o seguinte sobre a origem do teimo pragmatismo: “uma olhadela na história da ideia mostrará melhor o que significa pragmatismo. O termo é derivado da mesma palavra grega Jipay^ia, que significa ação, da qual vêm nossas palavras ‘prática’ e 'prático” ’ (p. 26). James está dizendo que os termos 20 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib pragmatismo e ação,prática eprático são derivados da mesma palavra grega. De acordo com Murphy (1990/1993), essa palavra é prâgma. E, portanto, da palavraprâgma que são derivados os termos pragmatismo, ação, prática e prático. Segundo Houaiss e Villar (2001), a palavra prâgma é a forma substantiva do verboprásso ouprátto e significa: “Negócio, coisa por fazer, o que se faz; ação, atividade” e o adjetivopragmatikós “que concerne à ação, próprio da ação, capaz de agir, eficaz; relativo a negócios, próprio para manejo de negócios; relativo a assuntos judiciais; que se refere a fatos (por oposição a palavras)”, donde o vernáculo pragmático e derivados, (p. 2276) Segundo Chauí (1994), “o verbo prátto (no infinitivo práttein) significa: percorrer um caminho até o fim, chegar ao fim, alcançar o objetivo, executar, cumprir, realizar, agir, conseguir, fazer acontecer alguma coisa, fazer por si mesmo” (p. 358). Segundo Peters (1974/1983), a palavra grega que significa ação é poieín, e para Aristóteles (s.d J 1984a), a ação é uma categoria, ‘corta’ e ‘queima’ são os seus exemplos. Mas Peters declara que “num contexto ético Aristóteles distingue... poieín, no sentido de ‘produzir’ (daípoietike episteme, ciência produtora) depratein [s/c] (actuar), (daí praktike episteme, ciência prática)” (pp. 193-194). Poieín, a ação, significa tanto ação prática quanto ação produtiva. Se prâgma é a forma substantiva do verbo prátto, práttein no infinitivo, e se práttein significa praktike episteme, ciência prática, então, o esclarecimento do significado de prâgma, depende da elucidação do sentido aristotélico de praktike episteme ou de ciência prática. Sendo assim, seguiremos o rastro de Aristóteles com a finalidade de elucidar o conceito de ação. Aristóteles (s.d./1979) afirma que existem em nossa alma um princípio racional científico e um princípio racional deliberativo. CONVERSAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radicai 21 Com o prim eiro, “contemplamos as coisas cujas causas determinantes são invariáveis” (p. 141) e, com o segundo, “contemplamos as coisas variáveis” (p. 141). Deliberamos sobre as coisas variáveis, mas não deliberamos sobre as coisas invariáveis. O filósofo é taxativo: “ninguém delibera sobre o invariável” (p. 141). A contemplação aparece soberana em ambos os princípios; há coisas que contemplamos sobre as quais não podemos deliberar, e há coisas que contemplamos sobre as quais podemos deliberar. O princípio racional científico é a fonte do conhecimento (Aristóteles, s.d./l 979, s.d./1984b). Nas palavras do filósofo, “o conhecimento é a crença acerca de coisas que são universais e necessárias” (s.d./1984b, p. 1801). Assinalar que o conhecimento é sobre o necessário significa dizer isto: “o que conhecemos não pode ser de outro modo” (s.d./1984b, p. 1799). O conhecimento assim concebido é o conhecimento científico. Em suas palavras, “o objeto do conhecimento científico existe necessariamente; donde se segue que é eterno, pois todas as coisas que existem por necessidade no sentido absoluto do termo são eternas, e as coisas eternas são ingênitas e imperecíveis” (s.d./l979, p. 143). O princípio racional deliberativo é a fonte da ação (Aristóteles, s.d./1979). A ação decorre da deliberação, refere-se ao que não é necessário, ao que não é universal, ao que pode deixar de ser como é, ao que pode ser de outro modo. Deliberar consiste no raciocínio desiderativo ou no desejo raciocinativo com um fim em vista, que está na origem da escolha, que, por sua vez, está na origem da ação. E o que o filósofo escreve: “a origem da ação... é a escolha, e a da escolha é o desejo e o raciocíniocom um fim em vista” (p. 142). O princípio racional deliberativo é também a fonte da ação prática (Aristóteles, s.d./l 979). Aaçãoprática consiste em mover- se com um fim em vista, um fim que nem é meio para outro fim nem 22 Carlos Eduardo Lopes, Ca rol i na Laurenti e José Antônio Damásio Abib é diferente da ação. Uma ação que vise à felicidade como um fim, e não como meio para outro fim, só pode ser uma ação feliz. A ação prática é um fim em si, e como o fim pode ser bom ou mau, a ação também pode ser boa ou má. A ação prática boa é a sabedoria prática, que Aristóteles atribui a “Péricles e a homens como ele, porque percebem o que é bom para si e para os homens em geral: pensamos que homens dotados de tal capacidade são bons administradores de casas e de Estados” (p. 144). O princípio racional deliberativo é, enfim, a fonte da ação produtiva (Aristóteles, s.d./l 979). De modo similar à ação prática, a ação produtiva é mover-se com um fim em vista. É o que diz Aristóteles em uma passagem sobre a deliberação. Ela, a deliberação, “vale também para o intelecto produtivo, já que todo aquele que produz alguma coisa o faz com um fim em vista” (p. 142). Mas a ação produtiva não é um fim cm si: ela tem um fim que é diferente de si mesma. Passando a palavra a Aristóteles: “ao passo que o produzir tem uma finalidade diferente de si mesmo, isso não acontece com o agir, pois que a boa ação é o seu próprio fim” 1 (p. 144). Na ação produtiva, o fim é externo à ação, o fim é restrito, pois é dependente de produções particulares, o que se deseja é o fim. Na ação prática, o fim é interno à ação, o fim é irrestrito, pois não depende de produções particulares, o que se deseja é a própria ação. Na ação produtiva o intelecto é produtivo; na ação prática o intelecto é prático. Eis o que diz Aristóteles: “só o que se pratica é um fim irrestrito, pois a boa ação é um fim ao qual visa o desejo” (p. 142). O fim na ação prática não é externo à ação. O fim na ação produtiva é externo à ação. O próximo passo de Aristóteles (s. d./1984b) consiste em diferenciar a episteme da doxa: a doxa refere-se à opinião e à crença, ‘Nessa passagem os termos agir e ação referem-se à ação prática. CONVERSAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical « que “podem enganar-se” (p. 1799), e a episteme refere-se à ciência. Para o filósofo* a ciência refere-se a um corpo organizado de conhecimento que inclui a ciência teórica, a ciência prática e a ciência produtiva, como ele escreve, “ciência-prática, produtiva, teórica” (p. 1621). As ciências teórica, prática, produtiva, referem-se, respectivamente, ao conhecimento científico, à ação prática, à ação produtiva. A ciência é theoria (teoria), práxis (prática), poíesis (produção)2. As ciências teóricas são: matemática, física, teologia. As ciências produtivas são: as artes, as técnicas, a medicina, a estratégia, a construção naval, a agricultura, a retórica etc. A ciência prática é a política no amplo sentido do termo, que envolve a ética e outras disciplinas. Como observa Kury (1985a): “ciência política no sentido mais amplo, incluindo, além da ética, a sociologia, a economia política c a política propriamente dita” (p. 15). O objeto da ação política é a boa ação, que é o sumo bem, o bem incondicional. Passando a palavra a Aristóteles (s.d./1979): Se, pois, para as coisas que fazemos existe um fim que desejamos por ele mesmo e tudo o mais é desejado no interesse desse fim; e se é verdade que nem toda coisa desejamos com vistas em outra... evidentemente tal fim será o bem, ou antes, o sumo bem. (p. 49) E qual é a ciência que estuda esse bem? Aí está a resposta de Aristóteles (s.d./l 985): Não terá então uma grande influência sobre a vida o conhecimento deste bem? ... Cumpre-nos tentar 2 A episteme aristotéliea envolve o princípio racional científico e o princípio racional deliberativo. O primeiro refere-se à ciência teórica, e o segundo, à ciência prática e à ciência produtiva. Isso equivale a dizer que stricto sertsu ciência é teoria; e que laia sensu, ciência é ciência teórica, ciência prática e ciência produtiva. 24 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásic Abib determinar... o que é este bem, e de que ciências ou atividades ele é objeto. Aparentemente ele é objeto da ciência mais imperativa e predominante sobre tudo. Parece que cia é a ciência política... A finalidade [dessa ciência] deve ser o bem do homem... Embora seja desejável atingir a finalidade apenas para um único homem, é mais nobilitante e mais divino atingi-la para uma nação ou para as cidades. Sendo este o objetivo de nossa investigação, tal investigação é dc certo modo o estudo da ciência política, (p. 18) A ética, então, é introdução à ciência política. Com efeito, Aristóteles (s.d./1985) conclui a Ética aNicômacos com esta frase: “comecemos a nossa discussão” (p. 211). Kury (1985b) comenta que a expressão “nossa discussão” refere-se à “Política, à qual a Ética a Nicomaquéia serve de introdução” (p. 225). Aristóteles (s.d./1985) assevera que a ética e a política constituem a filosofia das coisas humanas. Em suas palavras: Nossos predecessores se omitiram quanto ao exame do assunto da legislação; talvez seja melhor, portanto, que nós mesmos o estudemos, e estudemos de um modo geral a questão das constituições, a fim de completarmos da melhor maneira possível, nos limites de nossa capacidade, nossa filosofia das coisas humanas [itálicos nossos], (p. 210) Por fim, Aristóteles (s.d./1979) afirma que a origem da ação é um homem; é um homem que delibera, escolhe e age. Em suas palavras: “a origem de uma ação dessa espécie é um homem” (p. 142). O homem não delibera sobre a teoria, pois não é possível deliberar sobre o que é necessário. O homem delibera sobre o possível, sobre a ação, sobre a ação prática e sobre a ação produtiva. CONVERSAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 28 O simples fato de ter sua origem na palavra ação afasta o pragmatismo da ciência teórica. Sendo filosofia da ação, o pragmatismo é ciência da ação prática, e como veremos, é também ciência da ação produtiva. Como ciência da ação prática, é mais perfeita do que como ciência da ação produtiva. Com efeito, por ter um fim em si, interno, irrestrito e incondicional, a ação prática é mais perfeita do que a ação produtiva. A ação produtiva (poíesis) é subordinada à ação prática (práxis). Como escreve o filósofo Comte- Sponville (2003), “a vida, por exemplo, é uma práxis: viver é criar sem obra. E o trabalho ou a arte, uma poíesis. Esta só tem sentido a serviço daquela” (p. 467). Cabe ressaltar ainda a ênfase que James (1907/1988) atribuiu à relação entre os termos prática, prático, ação e pragmatismo. Recordemos: o termo pragmatismo “é derivado da mesma palavra grega T rpayjia , que significa ação, da qual vêm nossas palavras ‘prática’ e ‘prático’” (p. 26). O filósofo não disse: produtiva, produtivo. Em princípio, portanto, o pragmatismo é filosofia da ação prática. O conceito de prática não recobre, portanto, todo o conceito de ação porque a ação pode ser prática ou produtiva. Se o pragmatismo é uma filosofia da ação prática, a ação produtiva está excluída de seu âmbito. Mas se é filosofia da ação, é filosofia da ação prática e da ação produtiva. Mas então, é o pragmatismo uma filosofia da ação prática e produtiva ou é somente uma filosofia da ação prática? A resposta a essa indagação requer um exame mais detalhado do conceito de ação no pragmatismo. E o que faremos a seguir. Pragmatismo Joas (1993) declara que o pragmatismo concebe a ação humana como ação criativa. O pragmatismo seria desse modo uma filosofia da ação criativa. Mas se trata de criatividade situada. Em suas palavras, a “criatividade está sempre encerrada em uma 26 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José António Damásio Abib situação” (p. 4). Joas ressalta que a referência à situação leva frequentemente os críticos dopragmatismo a acusá-lo de ser uma filosofia da adaptação. O sociólogo rebate frisando que a ação situada é ação criativa: é ação de resolução de problemas, E de resoluções que não são dadas de antemão. É o que Joas escreve: “queiram ou não, os atores defrontam-se com problemas, cuja solução, contudo, não está prescrita claramente de antemão pela realidade, mas requer criatividade e traz alguma coisa objetivamente nova ao mundo” (p. 4). Há um problema que exige resolução, mas não há resolução conhecida. Brüning (1963/1983) assevera que no pragmatismo o homem é ativo, e, por paradoxal que possa parecer, é exatamente isso que, por um lado, o toma inadaptado ao mundo e, por outro, possibilita-lhe novos desenvolvimentos. Nas palavras de Brüning, o homem “não está seguramente adaptado a um mundo ambiente prévio, mas possui um vasto campo de possibilidades em que se pode desenvolver nas mais variadas direções” (p. 545). É precisamente nesse aspecto que o homem se distingue do animal, pois “o animal se encontra seguro pela sua adaptação às condições do mundo ambiente” (Brüning, p. 545). O animal vive em relação fechada, acabada, especializada, com o mundo. O homem vive em relação aberta, inacabada, não especializada, com o mundo. No pragmatismo o homem tem uma natureza informe e provisória, maleável à aprendizagem. Nas palavras do filósofo, “para esta concepção, homem e mundo não representam nada de definitivamente dado, que se teria simplesmente que aceitar, mas algo a formar e transformar num trabalho construtivo” (Brüning, p. 545). Joas (1993) ressalta que o pragmatismo é uma filosofia da ação focada em novas possibilidades de ação, sem as quais os atores ficariam com uma limitada capacidade de resolução de problemas. Saberiam solucionar problemas cujas resoluções já CONVERSAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 27 fossem conhecidas. Mas ficariam paralisados diante de novas dificuldades e obstáculos. As novas possibilidades de ação são sondadas no curso da própria ação com vistas à efetiva resolução dos problemas. Ocorre uma transformação que vai do problema à sua solução. Todos os problemas cujas resoluções são conhecidas passaram um dia pelo exame das possibilidades. O ator, então, não se adapta às circunstâncias, à situação, ao problema. Se ele se adapta, o faz em relação à solução que criou ao resolver o problema. A ação criativa situada mostra três coisas. Primeiro, que a ação se relaciona com possibilidades e não com necessidade; pois, se fosse com a necessidade, não haveria abertura, não haveria inacabamento, não haveria criatividade. Na verdade, em termos aristotélicos, nada do que depende da ação seria possível: a prática não seria possível, a produção não seria possível, as ações ética e política não seriam possíveis, a arte não seria possível, pois, ao fim e ao cabo, a ação não seria possível. Estaríamos condenados à necessidade, só nos restaria a contemplação de relações invariáveis: a theoria’. Segundo, a ação situada mostra também que o conceito aristotélico de ação prática não recobre completamente a noção de * Talvez nem isso. Koyré (1957/1979) assinala que a revolução científica moderna, que ocorreu nos séculos XVI e XVII, originou uma crise na consciência europeia que consistiu, entre outras coisas, na passagem da scientia contemplativa à scientia activa. Essa transição “transformou o homem de espectador da natureza em seu possuidor e mestre” (p. 7). Segundo Rossi (1989), a defesa das artes mecânicas entre 1400 e 1700 implicava “o abandono da concepção de ciência como desinteressada contemplação da verdade” (p, 17). Referindo-se à tecnociência, Sibilia (2003) afirma que “existiria um ‘programa tecnológico oculto’, como assinala Hermínio Martins, de maneira que a sua fecundidade nessa área não seria um mero subproduto da ciência... mas o seu objetivo primordial” (pp. 47*48). Rorty (1990/1993) declara que o abandono da versão contemplativa do conhecimento significa o “abandono da distinção aparência/ realidade” (p. 9). No entanto, ressaltamos que Aristóteles (s .d ./l979, s.d./1984b, s.d./1985) referiu-sc a contemplar coisas invariáveis e a contemplar coisas variáveis. 28 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib prática. Podemos, evidentemente, concordar com Comte-Sponvilíe (2003), quando escreve que a palavra prática (práxis) “só me parece útil numa oposição, de origem aristotélica, àpoíesis” (p. 467). Mas há acepções da ação cotidiana que são chamadas de prática sem que a marcada oposição aristotélica esteja emjogo. Assim, dizemos que determinadas pessoas são práticas quando mostram habilidade na resolução de problemas cotidianos, às vezes os mais banais, mas que seriam capazes de infernizar a vida de pessoas que não são nem um pouco práticas. As profissões, como a medicina, a advocacia e a engenharia, por exemplo, também podem ser vistas como corpus de ações práticas com vistas à resolução de problemas que, de um modo ou de outro, afligem as pessoas, as comunidades, as sociedades, as culturas. O que verificamos nesses casos é que a palavra prática é vinculada à existência de problemas e à sua efetiva resolução. Parece também serem esses os usos do verbo prátto, práttein, “percorrer um caminho até o fim, chegar ao fim, alcançar o objetivo... conseguir, fazer acontecer alguma coisa” (Chauí, 1994, p. 338). Essa acepção de prática parece estar relacionada também com o substantivoprâgma, “relativo a negócios, próprio para manejo de negócios, relativo a assuntos judiciais” (Houaiss & Villar, 2001). É evidente a proximidade desses usos da noção dc prática com o conceito aristotélico de ação produtiva. Vale, portanto, ressaltar, como o fez Comte-Sponville, que a ação produtiva só tem sentido a serviço da ação prática. Terceiro, a ação situada mostra finalmente que a ação, por ser situada, pode contribuir para elucidar a passagem da ação ao comportamento. Um texto canônico nesse sentido é O conceito de arco reflexo na psicologia, de John Dewey (1859-1952), publicado cm 1896.0 filósofo argumenta que, de acordo com esse conceito tradicional, a ação consiste em uma composição aditiva das fases do arco. Essas fases obedecem a uma ordem, que começa nos estímulos externos e termina nas reações dos organismos a esses CONVERSAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 29 estímulos, passando por uma fase intermediária que conecta as fases anteriores e que consiste no processamento interno de estímulos. Dewey não aceita que a ação seja reduzida a uma composição aditiva das fases do arco. Em suas palavras: “o que temos é um circuito; não um arco ou segmento quebrado de um círculo. Esse circuito é mais verdadeiramente denominado orgânico do que reflexo” (Dewey, 1896/1981, p. 141). No circuito, a ação consiste na interpelação das fases do arco. Elas interpenetram-se, perdem sua independência, e transformam-se. A ação pode ter início no ambiente ou nos organismos, a ordem das fases perde sua linearidade, deixa de ser uni direcional. É nesse sentido que, comentando o famoso texto de Dewey, Joas (1993) escreve: “a esse ‘modelo de arco reflexo' ele opõe a totalidade da ação. É a ação que determina os estímulos que são relevantes no contexto definido pela ação” (p. 21). A ação é totalidade: é inter-relação. Não pode ser totalidade se for composição aditiva. Tanto no arco quanto no circuito a ação é situada. Na medida em que a ação situada é seminal para a passagem da ação ao comportamento, ambos os conceitos representam itinerários para elucidar essa transição. Mas no arco a ação é reduzida à composição aditiva de fases e não fecha o arco: há um curso, mas não um recurso. O ambiente exerce efeitos na ação, mas a ação não exerce efeitos no ambiente: a relação de transformação entre o ambiente e a ação não se instaura no arco. Para que isso aconteça é necessário que o arco seja substituído pelo circuito. No pragmatismo de Dewey, a ação étotalidade situada. Outro texto canônico para explicar a passagem da ação ao comportamento é o livro Mente, Sujeito e Sociedade de George Herbert Mead (1863-1931), publicado em 1934. Mead (1934/ 1962) afirma que a ação é ação social, e que a ação social é ação comunicativa. Na linguagem do filósofo, a ação comunicativa envolve uma conversação de gestos que pode ser descrita por uma relação 30 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib tríplice. Por exemplo: “a resposta do pinto ao cacarejo da galinha mãe é uma resposta ao significado do cacarejo; dependendo do caso, o cacarejo refcre-se a perigo ou alimento, e é esse o significado ou conotação que tem para o pinto” (p. 71). Essa tríplice relação está presente em qualquer tipo de ação comunicativa; envolvendo ou não a participação dos atores sociais. Quando envolve, o significado do gesto é compartilhado; quando não, o significado do gesto não é compartilhado. Digamos que José faça um gesto violento em relação a João, e que João faça um gesto de fuga ao significado do gesto de José (perigo, ferimento, dor etc.). Em resposta ao gesto de João, José pode fugir do significado de seu próprio gesto (perigo, ferimento, dor etc.). Se José foge, ele adota o papel (ou a atitude) do outro em relação ao seu próprio gesto. Os dois atores sociais fogem do mesmo significado (perigo, ferimento, dor etc.). Nessa hipótese, a ação comunicativa envolve compartilhamento de significado. Mas digamos que em resposta ao gesto de João, José faça um gesto ainda mais violento com relação ao significado do gesto de João (“fraqueza”, “covardia” etc.). Se José se toma ainda mais violento, ele não toma o papel (ou a atitude) do outro em relação ao seu próprio gesto. Os gestos dos dois atores não têm o mesmo significado (João responde ao perigo, ferimento, dor etc.; José responde à “fraqueza”, “covardia” etc.). Nessa hipótese, a ação comunicativa não envolve compartilhamento de significado. A diferença entre a ação comunicativa com participação e ação comunicativa sem participação é crucial, porque a concepção que é relevante para a noção de ação no pragmatismo de Mead é a ação comunicativa com participação. Cabe enfatizar que as pessoas podem estar se comunicando sem estar compartilhando significados, mas como estão se comunicando, pode-se pensar, erroneamente, CONVERSAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 31 que estão compartilhando significados. Cabe então ressaltar que as pessoas podem se comunicar compartilhando ou não significados. Morris (1962) chama de signo o gesto na ação comunicativa sem participação, e de símbolo significante o gesto na ação comunicativa com participação. Em ambos os casos, a ação comunicativa é mediada pelo significado; no primeiro caso, pelo significado do signo; no segundo, pelo significado do símbolo. As respostas dos organismos e das pessoas não são ao gesto em si, mas ao significado do gesto, ao significado do signo ou do símbolo. O que caracteriza a ação social no pragmatismo é a ação comunicativa simbólica. A ação simbólica é adquirida na interação entre os atores sociais: é intersubjetiva. O que é crucial para a constituição do sujeito: “a autoconstituição tinha as suas raízes completamente no sujeito individual e a forma pragmática [itálicos nossos] de constituição toma o seu ponto de partida na intersubjetividade dos indivíduos em comunidade” (Brüning, 1963/1983, p. 545). O indivíduo é constituído pela sociedade, mas é por meio da ação criativa que ele se autoconstitui em comunidade. Com efeito, no pragmatismo, “a estrutura do homem e do seu mundo é projetada pelos indivíduos em comunidade; neste caso, esse projecto realiza-se, em especial, na atividade criadora [itálicos nossos]” (Brüning, pp. 544-545). Adquire-se a ação social sim bólica no contexto intersubjetivo da interação social quando as pessoas tomam a atitude do outro, ou o gesto do outro, em relação ao seu próprio gesto: se o outro foge em resposta ao nosso gesto violento, nós também fugimos. Mas a ação social simbólica pode ser questionada pela ação social não simbólica: o signo pode interpelar o símbolo. Ao assumir uma atitude pacífica em relação aos gestos violentos de seus opressores, Mahatma Gandhi e Martin Luther King criaram uma oportunidade para que seus tiranos assumissem uma atitude 32 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib pacífica em relação aos seus gestos violentos iniciais. O signo do gesto pacífico sinalizou a possibilidade de transição de uma ação social simbólica violenta para uma ação social simbólica pacífica. Mahatma Gandhi e Martin Luther King legaram-nos, desse modo, um modelo que, se for abraçado pelos indivíduos, comunidades e sociedades, poderá, quem sabe, contribuir para a construção de relações mais pacíficas. As concepções de Dewey (1896/1981) e de Mead (1934/ 1962) sobre a ação representam a virada da ação para o comportamento. Essa metamorfose foi claramente percebida por Abbagnano (1971 /2000) ao afirmar que o pragmatismo encaminhou a noção de ação para uma nova fase interpretativa. O filósofo menciona o que lhe parece ser uma ironia do pensamento que ao explorar a ação em seus limites máximos tenha transformado essa noção em comportamento. Em um comentário relativamente longo, Abbagnano esclarece essa ironia: As análises empiristas de James e, melhor ainda, as de Dewey deveriam evidenciar o condicionamento da ação por parte das circunstâncias que a provocam, sua relação com a situação que constitui seu estímulo e, daí, os limites de sua eficiência e liberdade. Mas, desse ponto de vista, a ação deixa de estar ligada unicamente ao sujeito e de encontrar unicamente nele ou na atividade dele (vontade) o seu princípio. Perde a possibilidade de consumar-se e de exaurir-se no próprio sujeito; e torna-se um comportamento, cuja análise deve prescindir da divisão das faculdades ou dos poderes da alma, enquanto deve ter presente a situação ou o estado de coisas a que deve adequar-se. (p. 9) O sujeito perde sua soberania na explicação da ação, sua vontade passa a ser limitada pela situação, e é esse limite que transforma o conceito de ação em comportamento. Isso não quer CONVERSAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 33 dizer, contudo, que o sujeito perdeu sua liberdade de ação; de modo algum, porque, como já sabemos, a lógica da ação opera na esfera do possível e não do necessário. Em 1930, Dewey modificou o título de seu artigo O conceito de arco reflexo na psicologia. McDermott (1981) escreve que esse artigo “foi reimpresso por Dewey em Filosofia e C ivilização (1930) sob o novo títu lo : ‘A U nidade do Comportamento’” (p. 136). McDermott menciona ainda que “o uso da palavra ‘comportamento’ na segunda edição é instrutivo, pois se trata precisamente da consciência de Dewey das dimensões comportamentais na psicologia que caracteriza ‘O Conceito de Arco Reflexo na Psicologia’” (p. 136). Mead (1834/1962) relaciona explicitam ente sua investigação em M ente, Sujeito e Sociedade ao comporta- mentalismo. Passando-lhe a palavra: “abordamos a psicologia do ponto de vista do comportamentalismo; isto é, comprometemo- nos a considerar a conduta do organismo e localizar o que é denominado de ‘inteligência’, e, em particular, ‘inteligência autoconsciente’, dentro dessa conduta” (p. 328). Por fim, ao explicar a concepção de Mead sobre a ação, Joas (1993) escreve que “é possível compreender a ação como comportamento autocontrolado” (p. 24). E o que isso significa? O “comportamento humano toma-se orientado às possíveis reações dos outros: através de símbolos, são formados modelos de expectativa recíprocos de comportamento, que, contudo, sempre permanecem imersos no fluxo de interação, de verificação e de antecipações” (Joas, p. 24). Comportamentalismo A noção de ação situada transforma o conceito de ação porque limita a vontade soberana do sujeito na explicaçãoda ação. A ação é, portanto, comportamento, se for situada. Se não for, não 34 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib é. E vice-versa, o comportamento é ação, se a ação for situada. Se não for, não é. Desse modo, há um sentido preciso em que o comportamento pode ser identificado com a ação, bem como há outro sentido, bastante preciso também, em que o comportamento não pode ser identificado com a ação. A noção de comportamento carrega consigo todo o sentido da ação situada. A tal ponto que podemos ex abrupto definir o comportamento como ação situada. Essa herança do pragmatismo, essa concepção de comportamento como ação situada, é preservada na filosofia do comportamento de B. F. Skinner (1904-1990). Nessa filosofia a ação é situada, pois se não o fosse, o sujeito seria soberano. Sua vontade não seria situada. No comportamentalismo radical de Skinner (1953,1969,1974,1987) a ação é situada em um contexto complexo do qual participam eventos antecedentes e consequentes. Outra herança do pragmatismo, a referência aos efeitos, consequências, resultados da ação, também é preservada na filosofia do comportamento de Skinner. Assim, no pragmatismo, a ação criativa de resolução de problemas, bem como a ação produtiva e a ação prática, dão origem a efeitos, tais como, solução de problemas, técnicas, e novas práticas éticas e políticas. E quando Skinner (1989) aproxima as palavras behave c do, o faz referindo- se à ênfase da palavra do (agir) nas consequências - “o efeito que alguém produz no mundo” (p. 14). Se, de um lado, o comportamentalismo radical preservou esse legado do pragmatismo, de outro lado, contribuiu para o desenvolvimento do conceito de comportamento. Isso ocorreu, em primeiro lugar, porque Skinner (1953,1969,1989) radicalizou o conceito de comportamento: radicalização que consiste em estudar o comportamento em seu próprio domínio. Com base nessa guinada, argumentaremos que Skinner dcslocou o comportamento do papel de coadjuvante para o papel de protagonista. CONVERSAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical II O comportamento é coadjuvante quando desempenha um papel secundário em teorias do comportamento. O interesse principal dessas teorias consiste em explicar o comportamento com base em processos mentais e em processos neurais. Isso significa dizer que elas estão realmente interessadas em compreender os processos mentais e os processos neurais, e que o comportamento é somente a via de acesso a tais processos. Os protagonistas dessas teorias são esses processos. Dois exemplos desse tipo de teoria discutidos por Skinner (1969) são as teorias comportamentalistas de Clark Hull (1884-1952) e Edward Tolman (1886-1959). Ele escreve que “para Clark Hull a ciência do comportamento toma-se, em última instância, o estudo de processos centrais, principalmente conceituais, mas frequentemente atribuídos ao sistema nervoso” (p. xi). Com relação a Tolman, embora concorde com ele em vários aspectos importantes, comenta que sua explicação do comportamento terminou centrada em “processos mentais” (p. 28)4. Diz ainda com relação a Hull que ele “não somente apelou para processos centrais”, mas “os tomou como o principal objeto de investigação” (p. 28, itálicos nossos). Nessa linha de argumentação, Skinner diria que Tolman tomou os processos mentais como o seu principal objeto de investigação (mas não é tão explícito nesse aspecto quanto o foi em relação a Hull). O verdadeiro objeto de estudo são os processos centrais (Hull) ou os processos mentais (Tolman) e não o comportamento. O comportamento apenas ajuda a investigar e conhecer esses processos. Os processos centrais e mentais que são tomados como explicação, são, em última análise, o que é explicado. Portanto, em teorias desse gênero, a expressão explicação do comportamento não explica o 4 A interpretação skinneriana da proposta dc Tolman é questionável. O conceito de mapas, por exemplo, não parece ter uma conotação mentalista, pelo menos quando se entende o conceito no âmbito de uma epistemologia instrumentalista (cf. Lopes, 2009b). 36 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib comportamento. Explica, isto sim, o que é tomado como explicação do comportamento. Para que seja explicado, o comportamento precisa participar de sua própria explicação. O comportamento precisa se tomar protagonista. Precisa desempenhar o papel principal na teoria do comportamento. Ao criticar Hull e Tolman, Skinner (1969) quer que o comportamento desempenhe o papel de protagonista e não o de coadjuvante. Essa mudança representa uma revolução no interior do próprio comportamentalismo, e a teoria do comportamento de Skinner (1953,1969,1971) pode ser compreendida como a expressão mais lídima dessa revolução. Skinner (1953, 1969, 1974, 1987) quer mostrar que o comportamento é a relação original da ação com o mundo. O que é procedente porque o comportamento é ação situada; logo é relação com o mundo. No princípio está a relação da ação com o mundo. Os processos centrais e os processos mentais têm origem nessa relação. Portanto, devem ser estudados no interior dessa relação. É sob essa perspectiva que Skinner (1969,1974) analisa “processos mentais” como, por exemplo, percepção, pensamento, conhecimento, consciência. A segunda contribuição do comportamentalismo radical para o desenvolvimento do conceito de comportamento consiste no esclarecim ento da noção de mundo. Na perspectiva comportamentalista radical, o comportamento é a relação interna entre ação e mundo, mas, aqui, mundo não é apenas situação presente, é também história; comportamento é ação contextualizada e não apenas ação situada. A noção de ação ainda estaria preservada, mas agora a sua inserção no mundo, no contexto, é mais ampla, é histórica. Skinner (1989) assinala que o indivíduo pode ser um organismo (depende da seleção natural); uma pessoa (depende do condicionamento operante), um se lf (depende da CONVERSAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 37 evolução de culturas). Isso significa dizer que as ações do indivíduo podem ser as ações de um organismo, de uma pessoa, de um self Com base nessas considerações de Skinner, podemos declarar que o comportamento humano refere-se às ações do indivíduo vistas sob todas essas designações, às ações em contexto: é no comportamento que emerge um indivíduo total. O indivíduo que Skinner (1971) define como “um lócus em que muitas linhas de desenvolvimento reúnem-se em um único conjunto” (p. 209). As ações humanas produzem consequências que transformam o mundo, que, por sua vez, transformam, não só o comportamento, mas também os estados do organismo. Sentimos os estados do organismo, do corpo que faz coisas, do corpo que trabalha (Skinner, 1989). E isso que sentimos, os estados do corpo que faz coisas, do corpo que trabalha, é derivado de nossas relações com o mundo e participa da explicação de nosso comportamento5. Mas os estados do corpo são coadjuvantes de nossas relações com o mundo, pois, agora, o protagonista é o comportamento. Surge, desse modo, a possibilidade de elevar nossa compreensão do comportamento partindo do estudo da relação das ações com o mundo. Doravante, o comportamento é o objeto seminal de investigação. A terceira contribuição do comportamentalismo radical para o conceito de comportamento está na afirmação de que a relação das ações humanas com o mundo é entranhada. As ações entranham-se no mundo, e o mundo entranha-se nas ações. Essa relação é interna: nem a ação nem o mundo existem previamente um ao outro para, só então, serem colocados em relação. Longe da relação desentranhada, longe da relação externa, a ação só existe em relação com o mundo, e o mundo só existe em relação com a 5 Mutatis mutandis é o que Skinner (1978) insinua: “pensamentos, imagens, conhecimento, ideias, c conceitos não explicam absolutamente até que sejam, por sua vez, explicados” (p.18). 38 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib ação. A relação interna da ação com o mundo transforma o que entra em relação. A relação externa da ação com o mundo não transforma o que entra em relação. A relação entranhada da ação com o mundo, com o contexto, pode ser denominada de relacionismo comportamentaf. Como relação interna das ações com o mundo, o comportamento é contextuai e complexo, porque envolve as contingências filogenéticas, as contingências culturais e as contingências ontogenéticas. O comportamento consiste na relação interna das ações com a história da espécie humana, com a história cultural do sujeito, e com a história da pessoa. A história da espécie e a história cultural alcançam a pessoa em seu tempo e espaço de vida, adquire uma configuração peculiar, formando o indivíduo total, como um lócus, um ponto, um produto. É por esse caráter contextuai e complexo que o estudo do comportamento requer uma orientação transdisciplinar. Skinner assinala (1990a) que essa orientação envolve a análise do comportamento, a antropologia, a etologia e a fisiologia. Tomadas isoladamente, qualquer uma dessas disciplinas é insuficiente para explicar o comportamento. A ciência do comportamento é uma ciência transdisciplinar. 6 De acordo com Abbagnano (1971/2000), “o termo relacionismo (relazionismo) foi usado na Itália para indicar uma filosofia que considera a relação como fenômeno essencial do universo e do homem, mas sem implicações relativistas” (p. 844). Abbagnano está se referindo à obra Dali 'esistenzialisma al relazionismo (1957) do filósofo italiano Enzo Paci (1911-1976). De acordo com Ferrater Mora (1984), Paci “entende a relação como ‘processo’ e, portanto, como modo de uniâo dinâmica7’ (v. 4, p. 2827). Isso significa dizer que o relacionismo é uma defesa da tese da relação intema, bem como uma ontologia antagônica à ontologia do substancialismo. No substancialismo as coisas existem antes de serem postas cm relação. No relacionismo as coisas são constituídas pelas relações. Ferrater Mora refere-se a outras filosofias que defendem a ontologia da relação intema, por exemplo, o idealismo absoluto, que afirma a realidade do Todo, e o empirismo radical de William James, que afirma que as relações que unem as coisas são relações experimentadas. Ferrater Mora refere-se ainda ao atomismo lógico como uma filosofia que defende a tese da relação externa. CONVERSAS Pragmatistas sobre Comportamentaiismo Radical w A relação interna, contextuai e complexa, das ações humanas com o mundo, pode sugerir que o homem é vítima das configurações específicas de suas histórias filogenética, cultural e pessoal. Isso, contudo, não procede porque essas relações são relações de contingência. O que equivale a dizer que os homens são livres em situação, são livres em contexto, pois as relações de contingência são relações de possibilidade7. As relações de contingência não são relações de necessidade; se fossem os indivíduos não poderiam ser livres em situação, não poderiam ser livres em contexto. As relações de possibilidade podem deixar de ser como são; já as relações de necessidade não podem deixar de ser como são. As relações de contingências filogenéticas, ontogenéticas e culturais são relações de possibilidade e não de necessidade8. Relações realizadas das ações humanas com o mundo, relações internas, contextuais e complexas, sao relações que, por mais sólidas que pareçam ser, podem ser desfeitas, porque são 7 Na filosofia antiga, medieval e moderna, a noção de contingência significa possibilidade. Ferrater Mora (1986) escreve que, “para Aristóteles, o contingente sc contrapõe ao necessário” (v. 1, p. 616). Escreve ainda que “as definições medievais dc contingência podem ser resumidas na tese de Santo Tomás, segundo a qual o contingente é aquilo que pode scr ou não ser ... o ens contingens sc contrapõe ao ens necessarium” (v. 1, p. 616), Segundo Ferrater Mora, na filosofia de Leibniz, “a conhecida distinção entre verdades dc razão e verdades de fato pode ser equiparada a uma distinção entre o necessário e o contingente” (p. 617). Ferrater Mora refere-se ainda ao filósofo francês Émile Boutroux (1845-1921) que desenvolveu uma filosofia completa com base no conceito de contingência, tendo escrito, entre outras obras, Da contingência das leis da natureza em 1874, e A filosofia da contingência em 1904. Nem mesmo os estímulos liberadores, que participam da explicação dos instintos ou dos comportamentos específicos da espécie, inscrevem-se na ordem da necessidade. Passando a palavra a Skinner (1969): “os ‘liberadores’ dos etólogos... simplesmente estabelecem uma ocasião. Como um estímulo discriminativo, eles aumentam a probabilidade de ocorrência dc uma unidade de comportamento, mas não a força” (p. 175). Mesmo no caso do reflexo, aparentemente somente o reflexo incondicionado pertence à ordem da necessidade. O reflexo condicionado pertence à ordem da possibilidade. Passando a palavra a Pavlov (s.d./1972): “é legítimo chamar reflexo absoluto à conexão permanente do agente externo com a atividade do organismo determinado por ele, e refiexo condicionado à conexào temporária” (pp. 184-185). 40 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib relações de possibilidade. Sendo assim, o homem pode desfazer relações de possibilidade realizadas, bem como pode sondar relações de possibilidade não realizadas. Pode fazê-lo nas margens das relações de possibilidade realizadas, bem como pode imaginar novas relações de possibilidade. Epílogo O pragmatismo configura-se como uma filosofia original da ação ao transformá-la em comportamento. Skinner radicalizou o conceito de comportamento ao elevá-lo ao papel de protagonista do debate do homem com o mundo ao mesmo tempo em que deslocou os processos mentais e neurais para o papel de coadjuvantes. O solo estava preparado por James, Dewey e Mead. Não é o Sol que gira em tomo da Terra. É a Terra que gira em tomo do Sol. CONVERSAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 41 C apítu lo 2 Visão de M undo P luralista A modernidade instituiu a crença de que o conhecimento científico desenvolve-se independente de questões teórico-filosóficas (Machado, Lourenço & Silva, 2000). Nessa perspectiva, o dado, obtido pela aplicação do método científico, não se mistura com a interpretação que se tem dele, o mundo dos fatos não se subjuga à teoria. Isso fomenta uma separação radical entre fato e teoria, entre observação e interpretação: diante de um mesmo fato observado, diferentes teorias apresentam suas interpretações (Hanson, 1975). De modo geral, essa perspectiva nutre a esperança de que, no limite, o progresso metodológico de uma ciência propiciará, em algum momento, uma perfeita unidade teórica que descreva fielmente os fatos. Contrapondo-se a essa proposta moderna, a filosofia da ciência contemporânea tem argumentado que a compreensão de projetos científicos depende do esclarecimento dos compromissos filosóficos subjacentes a eles (Burtt, 1932/1983; Kuhn, 1970/2003). Isso quer dizer que não há método descontextualizado de compromissos filosóficos, pelo contrário, é de uma filosofia que se deriva o método. Como consequência, a defesa de uma separação absoluta entre discurso científico e filosófico começa a perder força, uma vez que a cicncia, como todo conhecimento, parte de uma visão de mundo mais ou menos explícita (Pepper, 1942/1961). Ademais, alguns autores têm atribuído um estatuto positivo à pluralidade teórica (e.g. Abib, 2009). Isso quer dizer que a diversidade de propostas não é apenas um estágio preliminar da construção do conhecimento científico, que será, em algum momento, substituído por uma unidade. A busca por uma teoria completamente unificada, que retira a legitimidade da pluralidade, parece ser subsidiária da concepção de que a complexidade da natureza é a manifestação de uma unidade profunda emtudo o que existe - uma visão que tem suas raízes na crença religiosa de unidade de todas as coisas (Gleiser, 2010; James, 1907/1988). Destoando dessa concepção, admite-se atualmente que tal pluralidade é uma característica indelével da própria ciência. A pluralidade atinge, agora, não apenas as teorias, mas o próprio mundo dos fatos. Ao invés de apenas simetrias, agora a ciência também se interessa por assimetrias, abdicando da velha estética do perfeito, na qual a perfeição é bela, e beleza é verdade. Em contraste, a ciência começa a ser orientada por uma nova estética, baseada na imperfeição: “é o imperfeito, e não o perfeito que deve ser celebrado” (Gleiser, 2010, p. \ 5). Um mundo assimétrico é plural e não uno. Nessa ótica, o pluralismo epistemológico insurge como uma ferramenta para lidarmos de maneira mais efetiva com a natureza, com o homem e com a sociedade. Diante dessa situação, o desafio que fica é: como tratar da pluralidade sem incorrer na tentação de reduzi-la a uma unidade? Seria possível pensar um mundo plural, em contraste com o mundo unitário, simples, há muito defendido na filosofia e na ciência? Essas questões foram elegantemente enfrentadas por William James (1842- 1910). Com seu pragmatismo, James (1907/1988, (909/1970) defenderá que uma visão de mundo pluralista, na qual a complexidade das coisas não é redutível a uma unidade, é a forma mais promissora para se assumir o projeto de um mundo melhor. Nesse sentido, o pluralismo redunda em consequências éticas, o principal critério de decisão para o pragmatismo. 44 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib Essa defesa do pluralismo pelo pragmatismo jamesiano pode ter implicações para a interpretação dos compromissos filosóficos do comportamentalismo radical de B. F. Skinner. Isso porque, não raro, essa proposta psicológica é considerada de inspiração pragmatista (Abib, 1994; Baum, 1994/1999; Carrara, 2004,2005; Hayes, Hayes & Reese, 1988; Laurenti, 2009a, 2009b; Lopes, 2009a; Morris, 1993; Moxley, 2001, 2007; Tourinho & Neno, 2003). Se o pluralismo é a visão de mundo do pragmatismo, e se o comportamentalismo skinneriano tem notáveis afinidades com o pragmatismo, cabe perguntar: o comportamentalismo é também um pluralismo? Tentar responder essa questão é o objetivo deste capítulo. Para tanto, o texto é dividido em três partes. Na primeira parte, o alvo de análise será a afirmação de que o pragmatismo, especificamente na sua versão jamesiana, inclui o compromisso com uma visão de mundo. Na segunda parte, o pluralismo será apresentado como a visão de mundo pragmatista. Por fim, serão discutidas algumas evidências a favor de uma interpretação pluralista do comportamentalismo radical, bem como as consequências dessa leitura. Pragmatismo, método e filosofia Na segunda conferência sobre pragmatismo, James (1907/ 1988) apresenta o método pragmático para resolver debates filosóficos. De acordo com esse método, as divergências devem ser avaliadas perguntando-se por diferenças práticas entre elas. Se tais diferenças puderem ser encontradas, o debate é legítimo, devendo-sc escolher pelo lado que produza consequências mais efetivas. Se não houver diferença prática, o debate simplesmente não vale a pena. A forma despojada com que James (1907/1988) apresenta o método pragmático - tratando a história da filosofia como uma disputa de temperamentos - pode encorajar a ideia de que o CONVERSAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 49 pragmatismo não é exatamente lima filosofia9. Afinal, como “puro método”, ele não seria isento de compromissos ontológicos ou mesmo éticos, podendo ser aplicado por qualquer um em qualquer contexto? James estaria aceitando a separação entre método e filosofia, mantendo-se apenas do lado do método? Acompanhando o texto jamesiano, essa conclusão não parece se sustentar. Em primeiro lugar, o método pragmático depende de uma “atitude” diante de questões filosóficas, bastante incomum em relação às concepções tradicionais de filosofia: atitude de olhar além das primeiras coisas, princípios, ‘categorias ’, supostas necessidades; e de procurar pelas últimas coisas, frutos, consequências, fa tos” (p. 29). Ao dar mais importância para as consequências, o pragmatismo deixa para trás séculos de filosofias assentadas na metafísica dos princípios, no substancialismo, nos fundamentos, nas essências. Em segundo lugar, essa atitude pragmática inclui uma nova teoria da verdade: “a palavra pragmatismo tem sido usada em um sentido ainda mais amplo, como significando também certa teoria da verdade” (James, 1907/1988, p. 29). Nessa teoria da verdade, as teorias não devem ser avaliadas por sua capacidade de espelhar um “modelo” estático chamado Realidade. Ao invés disso, o pragmatismo considera verdadeiras as teorias capazes de conduzir os homens a ações que tenham consequências efetivas ou úteis: “tudo que o método pragmático implica é que verdades devem ter consequências práticas” (James, 1909/1970, p. 52). Novamente uma diferença substancial em relação à tradição. 9 Essa conclusão parece reiterada quando alguns trechos do próprio texto jamesiano são considerados de modo descontextualizado, como por exemplo: “quanto ao termo ‘pragmatismo’, eu mesmo tenho apenas usado-o para indicar um método de levar uma discussão abstrata” (James, 1909/1970, p. 51); ou ainda: “é somente um método” (James, 1907/1988, p. 28). 46 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib Em terceiro lugar, a noção de efetividade ou utilidade adotada pelo pragmatismo tem uma conotação ampla, que cobre desde a organização da vida cotidiana, passando por questões psicológicas, chegando até preocupações éticas, como o convívio com outras pessoas, a conduta correta, o diálogo, o respeito. Nas palavras de James (1909/1970), um efeito útil é aquele que permite “que possamos prever melhor o curso de nossas experiências, comunicarmo-nos uns com os outros, e dirigir nossas vidas por regras. Também que possamos ter uma visão mental mais inclusiva, mais clara, mais limpa” (pp. 62-63). Em quarto lugar, a atitude pragmática, com sua teoria da verdade, permite uma visão crítica não só das teorias filosóficas, mas também do conhecimento científico tradicional. Isso quer dizer que o pragmatismo também envolve questões de uma epistemologia científica. Nas palavras de James ( 1909/1970): Conforme compreendo a maneira pragmatista de ver as coisas, deve sua existência à derrocada que os últimos cinquenta anos imprimiram às noções mais antigas de verdade científica... Até por volta de 1850, quase todos acreditavam que as ciências expressavam verdades que eram cópias exatas de um código definido de realidades não humanas.... Ouvimos leis científicas tratadas agora, quando muito, como ‘taquigrafia conceituar verdadeiras só na medida em que são úteis, e nada mais. (pp. 57-58) Em suma, o pragmatismo é uma atitude filosófica da qual é derivado um método de decisão de problemas filosóficos, e que inclui, pelo menos, uma teoria da verdade, uma preocupação ética e uma epistemologia. Não obstante essas diferentes referências de pragmatismo, uma questão ainda permanece: será que a “atitude pragmatista” pode ser considerada uma visão de mundo? Em outras palavras, o pragmatismo pode ser interpretado como uma cosmovisão? CONVERSAS Pragmatistas sobre Com porta mental ismo Radical 47 Pragmatismo e visão de mundo Seguindo o método pragmático, essa questão deveria ser compreendida pautando-se nas possíveis consequências práticas envolvidas na adoção de uma visão de mundo. Trata-se de indagar sobre a utilidade de uma visão de mundo. Será que acreditar que o mundo é de uma forma ou de outra faz diferença? Talvez uma pergunta anterior seja esta: é possível agir de modo efetivo no mundo sem qualquer crença sobre o mundo? Para responder essa questão é preciso trazer à baila a noção de crença, em especial, a relaçãoentre crença e hipótese na proposta jamesiana (James, 1897/1912). Embora o assunto seja complexo, para os propósitos deste texto basta saber que crença é uma hipótese viva, uma hipótese que se apresenta como real para uma pessoa, o que quer dizer que ela desperta, nessa pessoa, uma disposição para agir de determinada maneira; por outro lado, uma hipótese morta é aquela que gera indiferença, não sendo, portanto, acompanhada por qualquer disposição de agir. Nesse sentido, há uma íntima relação entre crença e ação, de modo que não há crença que não envolva ação. É isso que James (1897/1912) parece querer dizer quando afirma que: “[as condições de morte e de vida de uma hipótese] são medidas pela disposição do indivíduo para agir. O máximo de vida em uma hipótese significa disposição irrevogável para agir. Em termos práticos, isso significa crença; mas há alguma tendência de acreditar sempre que há alguma disposição para agir” (p. 3). Isso conduz a uma segunda constatação, a de que as crenças estão na base das ações motivadas. A crença é a motivação para agir de uma determinada maneira. Dessa forma, as decisões tomadas, no sentido de agir de uma maneira ou de outra, são condicionadas por crenças, por hipóteses vivas. Essas ações motivadas produzem, por sua vez, resultados que, se forem satisfatórios, mantêm a hipótese viva, e, se forem frustrantes, enfraquecem a hipótese, podendo, no limite, matá-la completamente. 48 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib Em terceiro lugar, James (1897/1912) argumenta que no âmbito das crenças, das hipóteses vivas, as escolhas não são completamente racionais. Em linhas gerais, a crença nem sempre está ancorada exclusivamente em um julgamento racional acertado; na maioria das vezes há um elemento irracional na crença, que escapa ao controle intelectual, resistindo a argumentos puramente racionais. Assim, muitas ações são dirigidas, em alguma medida, por esse elemento passional da crença; e, por isso, justificativas puramente intelectuais para essas ações são contrafactuais e, com efeito, escondem seus motivos. Nas palavras de James (1897/1912): Evidentemente, então, nossa natureza não-intelectual influencia nossas convicções. Há tendências passionais e volições que correm na frente e outras que chegam depois da crcnça, somente essas últimas estão atrasadas para a festa; e elas não estão tão atrasadas quando o trabalho passional prévio já aponta em sua própria direção.... Evidentemente, o estado de coisas está longe de ser simples; e o puro discernimento e a lógica, o que quer que possam fazer idealmente, não são as únicas coisas que realmente produzem nossos credos, (p. 11) Voltando à questão inicial: é possível agir no mundo sem qualquer crença sobre ele? A resposta parece, agora, mais simples. Se toda ação traz consigo um elemento de crença, se as ações são motivadas, não há como escapar de acreditar para agir. Essa conclusão ajuda a esclarecer uma questão muitas vezes presente em interpretações “pragmatistas,, de ciência (cf. Wilson, 1958/1974, p. 238). Não raro, diz-se que se pode agir “pragmaticamente” adotando uma “hipótese de trabalho” : o cientista se comporta como se um fenômeno fosse assim, mas sem acreditar que ele é assim. Com isso, tenta-se eliminar o elemento irracional inerente à crença, colocando as decisões em bases completamente intelectuais: o cientista “finge que acredita”, age, e depois vê o resultado. Em termos jamesianos, CONVERSAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 49 isso equivaleria a uma ação que parte de uma hipótese morta, uma vez que a motivação da ação depende do lado passional ou irracional da crença. Mas, como diante de uma hipótese morta há indiferença, inação, ou o cientista acredita e age, ou não acredita e não age. A defesa de que a ação científica parte de uma “simples hipótese de trabalho” talvez esteja assentada na crença de que a ciência opera de maneira exclusivamente racional, ironicamente, a defesa da ausência de crença parece se pautar em uma crença. Se essa hipótese se sustenta, não seria surpresa encontrar certo grau de irracionalidade nas tentativas de apagar o elemento irracional das ações científicas. Isso porque o apego dos cientistas por suas crenças também é uma expressão dessa dimensão irracional, que mantém as crenças, levando o cientista a lutar por elas. James (1897/ 1912) dá um exemplo provocante desse tipo de defesa “cega” de uma crença no contexto científico: Por que tão poucos “cientistas” chegam a pelo menos examinar evidências a favor da chamada telepatia? Porque pensam, como certa vez me disse um importante biólogo, já falecido, que mesmo que tal coisa fosse verdade, os cientistas deveriam se unir para mantê-la suprimida e escondida. Ela desfaria a uniformidade da Natureza e todo o tipo de outras coisas sem as quais os cientistas não podem levar adiante seus projetos, (p. 10) Dessa forma, uma visão de mundo, uma crença sobre como é o mundo, é nossa motivação para agir nesse mundo. E na medida em que se trata de nossa visão, de nossa filosofia, sempre a defenderemos como uma verdadeira parte de nós10. Isso toma a compreensão da lüEsse ponto é analisado por James (1890/1955) em sua teoria do self apresentada no capítulo X do Principies ofpsychology. Uma discussào pormenorizada desse assunto, infelizmente;, foge aos objetivos deste texto. Em linhas gerais, James argumenta que o seZ/espiritual, que inclui minhas crenças, é parte de mim na medida em que tenho por minhas crenças um sentimento de calor e intimidade; além disso, sinto-w?<? atacado quando elas são atacadas, e feliz quando são valorizadas e respeitadas. 50 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib visão de mundo de algucm um assunto de grande importância, o que é reiterado por James (1907/1988) logo na abertura da primeira conferência sobre pragmatismo: “sei que vocês, senhores e senhoras, têm uma filosofia, cada qual e todos vocês, e que a coisa mais interessante e importante sobre vocês é a maneira pela qual ela determina a perspectiva em seus diversos mundos” (p. 7). Visão de mundo como crença e como teoria Mas afinal o que é uma visão dc mundo? A literatura filosófica tem uma extensa discussão sobre o assunto (cf. Ferrater M ora, 1994/2001c, pp. 2026-2030). Em um sentido contemporâneo, essa discussão assenta-se, em boa medida, na diferença presente nos termos alemães Weltbilde e Weltanschauung (Cicero, 1994). Em linhas gerais, Weltbilde é uma imagem do mundo, uma concepção estritamente teórica ou intelectual acerca do mundo; já Weltanschauung, a visão de mundo propriamente dita, envolveria uma mistura indissociável entre pensamento, vontade, açào e mundo (Cicero). Assim, em uma visão dc mundo (Weltanschauung) não há distância entre mundo, ações, disposições, e desejos em relação a esse mundo; não há uma imagem pura do mundo que depois é poluída por crenças; são as crcnças que constituem o mundo, que projetam as ações no mundo dando forma e sentido a cie11. E isso que está no horizonte desta assertiva: uma visão de mundo é indispensável para agir no mundo. "James tenta evitar que isso o conduza ao idealismo absoluto (Conant, 1997/2010). Se, por um lado, projetamos nossas ações no mundo, por outro, o mundo mais cedo ou mais tarde oferecerá alguma resistência a nossas ações. A questão importante é: como entendemos essa resistência? Ou, que importância damos a ela? Muitas ve?es nossa visão dc mundo é tão enraizada, é tão dogmática, que agimos ignorando essa resistência; olhamos para o mundo como se nossa visão não tivesse qualquer oposição. Nesse contexto, a proposta do pragmatismo c tentar “olhar também para o outro lado”, buscar uma visão de mundo mais inclusiva, menos dogmática (James, 1907/ 1988, 1909/1970). Discutiremos esse ponto no decorrer do texto. CONVERSAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 51 Dessa perspectiva, o senso comum já
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