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CONVERSAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical

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Tal como ocorreu com a 
publicação da obra de grandes 
p e n s a d o r e s o c id e n t a i s , a 
divulgação da obra de B. F. Skinner 
(1 9 0 4 -1 9 9 0 ) na com unidade 
acadêmica brasileira, a partir da 
década de 1960, provocou, de um 
lado, o surgimento de grupos de 
admiradores e defensores, e, de 
outro, daqueles que a rejeitam. São 
decorridos aproximadamente 50 
anos da apresentação da obra 
skinneriana no Brasil e o seu 
pensamento ainda hoje se mantém 
vivo, tal como o atesta a publicação 
deste livro e a existência daqueles 
dois grupos em departamentos e 
cursos de Psicologia.
O livro se dirige aos 
diferentes tipos de leitores - 
àqueles que admiram a obra de 
Skinner, àqueles que a rejeitam e, 
àqueles que a desconhecem. Os 
autores estipulam, entretanto, uma 
condição: que o leitor se mostre 
“sensível a outros textos”, “de 
mente aberta”, mas nem por isso 
conformista, uma vez que não 
pretendem fazer prosélitos. Enfim, 
um leitor disposto a dialogar, tarefa 
árdua, mas, paradoxalmente, que 
pode se tomar prazerosa.
CONVERSAS
Pragmatistas
sobre
Comportamentalismo Radical
Mundo, homem e ética
Copyright © desta edição:
ESETec Editores A ssociados, Santo André, 2012. 
Todos os direitos reservados
Lopes, C.E.
C o n v e r s a s P r a g m a t i s t a s s o b r e C o m p o r t a m e n t a l i s m o R a d i c a l , C a r l o s E d u a r d o 
L op es . C a r o l i n a La u r e nt i e J o sé A n t ô n i o D a m á sio Abi b . 1. ed, S u m o A n d r é . SP: 
ES E T ec F d i io res Associados. 10)2.
176p. 21cm
1. Pragmatismo
2. C om portam entalism o Radical
3. A nálise do C om portam ento
CDD 155.2
CDU 159.9.019.4 ISB N 97 8 8 5 7 9180385
Capa: Im agem IR feita com o telescópio 
Spitzer, da rem anescente de supernova 
Cassiopeia A, que explodiu cerca de 320 anos 
atrás, a m ais jovem s\ipernova na Via Láctca. 
N A SA /JPL-C A LTEC H /Science photo library
Solicitação de exemplares: comercial@esetec.com.br 
Tel. 11 4990 56 83 " 
www.esetec.com.br
mailto:comercial@esetec.com.br
http://www.esetec.com.br
CONVERSAS
Pragmatistas
sobre
Comportamentalismo Radical
Mundo, homem e ética
Carlos Eduardo Lopes 
Carolina Laurenti 
José António Damásio Abib
ESETec
2012
A Miryam Mager, 
Por sempre respeitar nossas diferenças...
S u m ário
Apresentação.................................................................................9
Introdução.....................................................................................15
Capítulo 1
Da Ação ao Comportamento........................................................ 19
Capítulo 2
Visão de Mundo Pluralista............................................................43
Capítulo 3
Homem Complexo........................................................................85
Capítulo 4
Ética sem Absoluto.....................................................................131
Referências.................................................................................167
Sobre os autores 175
A p re s e n ta ç ã o
Segundo os autores, este livro é produto de uma conversa 
especial entre amigos interessados no pragmatismo e no 
comportamentalismo radical skinneriano. Mas j á podemos adiantar que 
não se trata de uma conversa qualquer, mas de um exame minucioso 
das possibilidades de aproximação entre os textos skinnerianos e o 
pensamento pragmatista. Já podemos adiantar, também, que o resultado 
foi um texto competente e cuidadoso porque juntou três autores que 
demonstram entusiasmo e dominam os dois assuntos.
O convite para eu entrar nessa conversa, fazendo esta 
apresentação, foi recebido com muita alegria e como um privilégio. 
Isto porque já tive oportunidade de ter muitas conversas profícuas 
com os três autores e tenho adotado seus textos em cursos que 
ministro. Nos meus contatos com alunos de graduação e de pós- 
graduação, venho observando um crescente interesse deles em 
compreender melhor o comportamentalismo radical e seus 
compromissos filosóficos. Com isso, quero dizer que minha alegria 
foi também porque muitos de nós, que nos interessamos por esse 
assunto, esperávamos por um livro desse escopo.
O livro está dividido em quatro capítulos, cada um deles 
contendo temas bastante densos. Tendo isso em conta, escolhi fazer 
uma breve apresentação de cada capítulo, selecionando ao menos 
dois ou três pontos que mais me chamaram atenção (ou que me 
surpreenderam) em cada um.
No primeiro capítulo - Da ação ao comportamento - a 
surpresa foi encontrar uma interpretação histórica do desenvolvimento 
do conceito de comportamento, promovido por B. F. Skinner, diferente 
do que vemos nos livros de história da Psicologia ou da Análise do 
Comportamento. Nesses livros temos encontrado a descrição da 
passagem do conceito de comportamento reflexo para o conceito de 
comportamento operante. O tema aqui é outro; é anterior e paralelo 
a esse: trata-se de apresentar uma história da “filosofia da ação” que 
se inicia com Aristóteles, passa por autores pragmatistas como J. 
Dewey e G. H. Mead, até receber retoques marcantes com o 
comportamentalismo radical de B. F. Skinner. Ao chegar até Skinner, 
já não se trata mais só de ação, mas de comportamento, O capítulo 
cumpre exatamente o que consta no seu título: esclarece o que constitui 
a passagem da noção de ação para a noção de comportamento. 
Cabe destacar dois pontos que ganharam esclarecimentos cruciais 
neste capítulo. O primeiro deles é o deslocamento promovido por 
Skinner do papel até então atribuído ao comportamento nas teorias 
psicológicas tradicionais: de coadjuvante, o comportamento passa a 
protagonista no comportamentalismo radical. Outro ponto que merece 
destaque é a defesa de uma concepção relacional de comportamento 
ou, nas palavras dos autores, a defesa skinneriana de um “relacionismo 
comportamental”.
Na leitura do segundo capítulo o leitor irá deparar-se com 
diversos temas difíceis que deixam dúvidas recorrentes na leitura 
dos textos skinnerianos. Uma questão importante a ser respondida 
neste capítulo é se, além de afinidades no campo da epistemologia 
[na concepção de ciência], o comportamentalismo radical 
compartilharia também com o pragmatismo uma visão de mundo 
pluralista. Aqui o debate é ousado [e não poderia ser de outra forma] 
na defesa de uma visão de mundo pluralista [pragmatista] em 
contraponto com concepções tradicionais da Psicologia e da
10 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib
Filosofia. Neste capítulo os autores subvertem várias teses próprias 
do pensamento modemo e, inclusive, algumas das teses comumente 
defendidas por analistas do comportamento. Entre as primeiras estão 
o monismo e o substancialismo, e entre as segundas estão o 
determinismo e a ideia de que a explicação do comportamento se 
esgotaria [ou se fecharia] entre a hereditariedade e as variáveis 
ambientais. No entanto, os autores escrevem como pragmatistas. 
Como tal, são cuidadosos na defesa das teses pluralistas, sugerindo 
que elas constituem uma alternativa de interpretação, entre outras 
possíveis, a respeito de com prom issos filosóficos do 
comportamentalismo radical.
Na passagem para o terceiro capítulo, o leitor não vai 
encontrar temas mais amenos, mas a leitura do livro não é pesada e 
nem maçante. Isto se deve tanto à novidade encontrada em boa 
parte da argumentação, mas, a meu ver, porque a visão pragmatista 
que vai se descortinando desde o primeiro capítulo é de que 
comportamento e mundo se definem não só por relações regulares 
e estáveis, mas também por processos, por mudanças, e como tal 
perm item que se desenvolva a esperança de que ambos 
(comportamento e mundo) possam ser mudados para melhor.
O capítulo terceiro - Homem complexo - centra-se na 
defesa da tese de que não há uma natureza ou essência humana 
imutável. No entanto, há características específicas a serem 
consideradas na compreensão do que constitui a “humanidade” do 
homem. Umahumanidade que se define antes de tudo pela 
complexidade de um homem que só pode ser compreendido por 
meio das múltiplas faces que ele apresenta. Aqui há um longo e 
árduo caminho percorrido pelos autores descrevendo, uma a uma, 
diferentes faces desse homem complexo; um caminho feliz porque, 
em minha opinião, consegue esclarecer o que vem a ser a concepção 
de homem pragmatista. Isto é bem diferente do que normalmente
CONVERSAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical II
vemos em textos de Psicologia: afirmações de que o homem é 
complexo sem maiores especificações do que isto quer dizer. 
Gostaria de chamar atenção especial para a última seção deste 
capítulo (Um homem no comportamentalismo radical). Nela os 
autores resumem o que esclareceram até então a respeito das 
especificidades do homem, mostrando de modo particularmente 
cativante o que é o homem para o pragmatismo e para o 
comportamentalismo radical. Vale a pena ler cuidadosamente este 
capitulo não só para poder apreciar melhor essa seção final, mas 
também para compreender uma sólida argumentação que se 
contrapõe à tese de que o comportamentalismo radical “esvaziou” 
o homem.
Após ler o final quase apoteótico do terceiro capítulo, e 
tendo em conta tudo que foi contemplado nos capítulos anteriores, 
eram tantas informações e análises relevantes, que tive a impressão 
de que o livro já estava completo. Mas havia ainda mais, o quarto 
capítulo trazia novas e boas surpresas. O caráter não absolutista do 
pragmatismo, com uma visão relacional e processual de mundo, 
agora se estende ao contexto ético, fazendo um contraponto à ética 
de tradição platônica e kantiana. Destacam-se neste capítulo a 
proposta de conciliação entre sentimento e razão, colocando ambos 
como igualmente necessários na mediação de conflitos humanos e 
a defesa de uma ética criativa que se afasta tanto de posições 
universalistas (fundacionistas), quanto do relativismo. Os autores 
demonstram, ainda, estreitas afinidades entre os compromissos 
filosóficos do comportamentalismo radical e do pragmatismo ao 
esclarecerem a defesa skinneriana de uma ética que privilegia a 
pluralidade e a sobrevivência das culturas.
Finalmente, olhando-se para o livro como um todo, chama 
atenção a subversão conduzida pelos autores, em cada capítulo, ao 
desconstruir, um a um, importantes pressupostos filosóficos 
tradicionais. Desse modo, palavras-chave como monismo, verdades
12 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib
absolutas, essências, universais, natureza humana, certeza, 
necessidade, determinismo, substancialismo, razão, e tantas outras, 
vão sendo substituídas (ou complementadas) por outras como: 
pluralismo, efetividade, relação, estabilidade, contexto, variabilidade, 
indeterminismo, possibilidades, contingência, criatividade, mudança, 
responsabilidade e, sobretudo, esperança. O livro abre um horizonte 
para a possibilidade e a esperança de que o comportamentalismo 
radical, ao compartilhar de importantes compromissos filosóficos e 
éticos pragmatistas, possa contribuir com mudanças decisivas em 
questões cruciais do mundo atual.
Dra. Maura Alves Nunes Gongora
Docente do Programa de Mestrado em Análise do 
Comportamento da Universidade Estadual de Londrina
CONVERSAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 13
In tro d u çã o
O livro Conversas pragmatistas sobre comportamen­
talismo radical: mundo, homem e ética é o resultado de um trabalho 
intelectual coletivo. 0 termo conversas pode soar até irreverente e 
sugerir uma troca superficial de ideias sobre um assunto vago e 
corriqueiro. Não foi esse o caso. Mais do que trocar ideias, essa 
conversa enredou diferentes textos. Em primeiro lugar, o texto de 
Skinner atravessado por textos pragmatistas. O pragmatismo atuou 
como pré-texto interpelando o comportamentalismo radical quanto 
ao seu posicionamento sobre questões capitais: mundo, homem e 
ética. Mas a relação entre esses textos obedeceu, algumas vezes, à 
dinâmica de uma Gestalt. ora o texto comportamentalista era fundo, 
e o texto pragmatista figura; ora a relação era invertida. Não foi uma 
conversa fácil, já que as teorias em jogo são densas e complexas, 
além de cercadas por preconceitos e vulgatas de toda a sorte. Além 
disso, houve a intromissão de outros textos: o texto dos próprios 
autores, suas biografias que carregam diferentes relações com os temas 
cm curso no livro; o que, em alguns casos, conduziu a divergências, 
ainda que pontuais. Por vezes, é o texto dos autores que aparece 
como figura, relegando os textos comportamentalista e pragmatista a 
pano de fundo.
A conversa não foi fácil por uma razão mais óbvia: hoje é 
difícil conversar. Em uma época na qual se valoriza a 
hiperespecialização e a pesquisa factual em detrimento da teórica,
propor uma conversa transdisciplinar em um campo conceituai soa 
como um projeto natimorto. É árduo conversar, pois a bolha 
individualista que nos envolve está cada vez mais difícil de ser 
rompida: a despeito das críticas aoprodutivismo acadêmico, ele, 
inconscientemente ou não, nos consome. A era do homo lattes foi 
inaugurada. Nessa toada, as relações acadêmicas tomam-se ainda 
mais frias, já que estritamente burocráticas, e mediadas por e-mail 
e torpedos. Enfim, o diálogo parece estar fora de moda.
Tendo isso em vista, o termo conversas, que inaugura o 
título, adquire um sentido especial. Ele marca os bastidores e as 
pretensões deste trabalho. O livro foi fruto de uma conversa face a 
face entre os autores; uma conversa intertextual complexa e 
prazerosa, que agrega o calor e o deleite da amizade ao debate 
intelectual. A intenção deste livro não poderia ser outra, senão a de 
fazer um convite à resistência: resistamos ao isolamento e 
conversemos; sejamos sensíveis a outros textos, deixemo-nos tocar 
por textos diferentes, estranhos, para que a conversa nunca finde.
Talvez não haja nada perene na história do pensamento 
ocidental a não ser nossas intermináveis indagações sobre temas 
candentes, como o são, o mundo, o homem e a ética. Não foram 
poucas as tentativas que proliferaram no pensamento ocidental no 
afã de oferecer respostas definitivas a nossas inquietações, mais do 
que justificadas, sobre assuntos de tão elevado valor para as nossas 
vidas. Foram, e continuam sendo, muitas as disciplinas e os modos 
de pensamento que tentaram, e por vezes acreditaram, que haviam 
desvelado a natureza do mundo, do homem e da ética. Felizmente 
para uns, infelizmente para outros, o mundo, o homem e a ética são 
realidades tão suscetíveis às contingências históricas e antropológicas 
que respostas definitivas são nada mais do que doce ilusão.
Evidentemente não estamos interessados nem acalentamos 
a esperança de encontrar respostas definitivas. As conversas tratadas
16 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib
neste livro tem um estilo heurístico; com elas esperamos apenas 
descortinar horizontes possíveis de reflexão que possam sugerir 
ações éticas dos humanos nos mundos atuais agonísticos e 
imprevisíveis. Façamos então um breve esboço dessa conversa.
No capítulo 1 partimos da filosofia de Aristóteles para 
elucidar o conceito de ação, e mostramos, com base nos textos de 
John Dewey e George Herbert Mead, como a filosofia do 
pragmatismo transforma o conceito de ação no conceito de 
comportamento, e como, enfim, o conceito de comportamento de 
B. F. Skinner tem afinidades com essa transformação.
No capítulo 2 discutim os que as afinidades do 
comportamentalismo radical com a visão de mundo do pragmatismo, 
o pluralismo, poderiam ampliar as relações entre essas filosofias para 
além do campo estritamente epistemológico, atingindo também 
questões de natureza cosmológica e ética.
No capítulo 3 argumentamos que, à semelhança do 
pragmatismo, a filosofia skinneriana, com a noção de comportamento, 
não decreta a abolição do homem. E justamente no comportamento 
que emerge um homem complexo, multifacetado. Pragmatismoe 
comportamentalismo radical, opondo-se à noção de natureza e 
essência humanas, podem situar a problemática do homem em uma 
condição de complexidade.
No capítulo 4 as filosofias pragmatista e comportamentalista 
envolvem-se em um diálogo profícuo para, agora, pensar o eu moral. 
Mostram a possibilidade de um projeto ético se estabelecer mesmo 
dispensando fundamentos extra-humanos e incondicionais. É resistindo 
a classificações estanques (fundacionismo, relativismo) que as teorias 
éticas do pragmatismo e comportamentalismo radical se fazem 
entender.
CONVERSAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical I I
Se tomarmos o cuidado de afastar-nos das vulgatas para 
lá de simplórias e dos reducionismos das lógicas utilitárias, de viés 
econômico e político, que a todo instante ouvimos na mídia, 
proferidas por políticos, economistas, tecnocratas, e até mesmo 
por “intelectuais”, veremos que o pragmatismo, como disse Rorty 
(2000), é uma filosofia da esperança. E acrescentamos: o 
comportamentalismo radical também.
18 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib
C apítulo 1 
Da A ção ao C om portam ento
Skinner (1989) afirma que a palavra behave é mais 
recente do que a palavra do. De acordo com dicionários da língua 
inglesa, as palavras behave e do podem ser traduzidas por agir; e 
behavior e doing, por ação (Sykes, 1982; Yerkes, 1989). Skinner 
refere-se à longa entrada da palavra agir (do) no OxfordEnglish 
Dictionary dc 1928 e escreve que ela “sempre tem enfatizado 
consequências - o efeito que alguém produz no mundo” (p. 14). Às 
vezes, Skinner (1953,1957,1974,1989) menciona a palavra ação 
em trechos nos quais poderia ter mencionado a palavra 
comportamento. Faz sentido. Ele está apenas usando a palavra 
mais antiga, ação, e não a palavra mais recente, comportamento, 
para se referir a efeitos, consequências.
Aparentemente, há uma estreita relação semântica 
envolvendo as palavras comportamento c ação que justifica o uso 
ora de uma ora de outra. Um uso que é confirmado por Zuriff (1985) 
ao observar que uma prática comum entre comportamcntalistas 
consiste precisamente em descrever o comportamento na linguagem 
da ação. Diante desse cenário, parece plausível dizer que 
comportamento é ação, bem como indagar se, sendo mais recente, 
o conceito de com portam ento não apresen ta novos 
desenvolvimentos.
Com o propósito de examinar em mais detalhes a prosa 
de Skinner, sugerindo a presença de uma sinonímia envolvendo os
conceitos de ação e comportamento, faremos dois recortes na 
filosofia da ação. O primeiro, na filosofia da ação de Aristóteles; o 
segundo, na filosofia da ação do pragmatismo clássico.
O recorte que faremos na filosofia da ação de Aristóteles 
justifica-se porque a análise que ele faz do conceito de ação é um 
pressuposto da filosofia da ação, que, na cena contemporânea, 
encontra expressão na filosofia romântica alemã, no marxismo, no 
existencialismo, nas últimas fases da filosofia analítica e no 
pragmatismo (Abbagnano, 1971/2000; Ferrater Mora, 1986/ Vol. 1; 
Joas, 1993). Além disso, James (1907/1988) relaciona o termo 
pragmatismo com a palavra grega que corresponde à ação, 
sugerindo que esclarecimentos sobre essa palavra podem contribuir 
para elucidar o pragmatismo; e, certamente, a filosofia da ação de 
Aristóteles constitui-se como local privilegiado para tais 
esclarecimentos.
O recorte que faremos na filosofia da ação do pragmatismo 
clássico justifica-se porque a filosofia do pragmatismo de Dewey 
(1896/1981) e de Mead (1934/1962) carrega o conceito de ação 
de acepções que a transformam no conceito de comportamento.
Após tais exames, mostraremos as aproximações que 
podem ser realizadas envolvendo a filosofia da ação do pragmatismo 
e a filosofia do comportamento de Skinner, bem como em que sentido 
essa filosofia contribui para o desenvolvimento do conceito de 
comportamento.
No Rastro de Aristóteles
James (1907/1988) diz o seguinte sobre a origem do teimo 
pragmatismo: “uma olhadela na história da ideia mostrará melhor 
o que significa pragmatismo. O termo é derivado da mesma palavra 
grega Jipay^ia, que significa ação, da qual vêm nossas palavras 
‘prática’ e 'prático” ’ (p. 26). James está dizendo que os termos
20 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib
pragmatismo e ação,prática eprático são derivados da mesma 
palavra grega. De acordo com Murphy (1990/1993), essa palavra 
é prâgma. E, portanto, da palavraprâgma que são derivados os 
termos pragmatismo, ação, prática e prático.
Segundo Houaiss e Villar (2001), a palavra prâgma é a 
forma substantiva do verboprásso ouprátto e significa:
“Negócio, coisa por fazer, o que se faz; ação, atividade” 
e o adjetivopragmatikós “que concerne à ação, próprio 
da ação, capaz de agir, eficaz; relativo a negócios, próprio 
para manejo de negócios; relativo a assuntos judiciais; 
que se refere a fatos (por oposição a palavras)”, donde 
o vernáculo pragmático e derivados, (p. 2276)
Segundo Chauí (1994), “o verbo prátto (no infinitivo 
práttein) significa: percorrer um caminho até o fim, chegar ao fim, 
alcançar o objetivo, executar, cumprir, realizar, agir, conseguir, fazer 
acontecer alguma coisa, fazer por si mesmo” (p. 358).
Segundo Peters (1974/1983), a palavra grega que significa 
ação é poieín, e para Aristóteles (s.d J 1984a), a ação é uma categoria, 
‘corta’ e ‘queima’ são os seus exemplos. Mas Peters declara que 
“num contexto ético Aristóteles distingue... poieín, no sentido de 
‘produzir’ (daípoietike episteme, ciência produtora) depratein [s/c] 
(actuar), (daí praktike episteme, ciência prática)” (pp. 193-194). 
Poieín, a ação, significa tanto ação prática quanto ação produtiva.
Se prâgma é a forma substantiva do verbo prátto, 
práttein no infinitivo, e se práttein significa praktike episteme, 
ciência prática, então, o esclarecimento do significado de prâgma, 
depende da elucidação do sentido aristotélico de praktike episteme 
ou de ciência prática. Sendo assim, seguiremos o rastro de Aristóteles 
com a finalidade de elucidar o conceito de ação.
Aristóteles (s.d./1979) afirma que existem em nossa alma 
um princípio racional científico e um princípio racional deliberativo.
CONVERSAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radicai 21
Com o prim eiro, “contemplamos as coisas cujas causas 
determinantes são invariáveis” (p. 141) e, com o segundo, 
“contemplamos as coisas variáveis” (p. 141). Deliberamos sobre 
as coisas variáveis, mas não deliberamos sobre as coisas invariáveis. 
O filósofo é taxativo: “ninguém delibera sobre o invariável” (p. 141). 
A contemplação aparece soberana em ambos os princípios; há 
coisas que contemplamos sobre as quais não podemos deliberar, e 
há coisas que contemplamos sobre as quais podemos deliberar.
O princípio racional científico é a fonte do conhecimento 
(Aristóteles, s.d./l 979, s.d./1984b). Nas palavras do filósofo, “o 
conhecimento é a crença acerca de coisas que são universais e 
necessárias” (s.d./1984b, p. 1801). Assinalar que o conhecimento 
é sobre o necessário significa dizer isto: “o que conhecemos não 
pode ser de outro modo” (s.d./1984b, p. 1799). O conhecimento 
assim concebido é o conhecimento científico. Em suas palavras, 
“o objeto do conhecimento científico existe necessariamente; donde 
se segue que é eterno, pois todas as coisas que existem por 
necessidade no sentido absoluto do termo são eternas, e as coisas 
eternas são ingênitas e imperecíveis” (s.d./l979, p. 143).
O princípio racional deliberativo é a fonte da ação 
(Aristóteles, s.d./1979). A ação decorre da deliberação, refere-se 
ao que não é necessário, ao que não é universal, ao que pode deixar 
de ser como é, ao que pode ser de outro modo. Deliberar consiste 
no raciocínio desiderativo ou no desejo raciocinativo com um fim 
em vista, que está na origem da escolha, que, por sua vez, está na 
origem da ação. E o que o filósofo escreve: “a origem da ação... é 
a escolha, e a da escolha é o desejo e o raciocíniocom um fim em 
vista” (p. 142).
O princípio racional deliberativo é também a fonte da ação 
prática (Aristóteles, s.d./l 979). Aaçãoprática consiste em mover- 
se com um fim em vista, um fim que nem é meio para outro fim nem
22 Carlos Eduardo Lopes, Ca rol i na Laurenti e José Antônio Damásio Abib
é diferente da ação. Uma ação que vise à felicidade como um fim, e 
não como meio para outro fim, só pode ser uma ação feliz. A ação 
prática é um fim em si, e como o fim pode ser bom ou mau, a ação 
também pode ser boa ou má. A ação prática boa é a sabedoria 
prática, que Aristóteles atribui a “Péricles e a homens como ele, 
porque percebem o que é bom para si e para os homens em geral: 
pensamos que homens dotados de tal capacidade são bons 
administradores de casas e de Estados” (p. 144).
O princípio racional deliberativo é, enfim, a fonte da ação 
produtiva (Aristóteles, s.d./l 979). De modo similar à ação prática, 
a ação produtiva é mover-se com um fim em vista. É o que diz 
Aristóteles em uma passagem sobre a deliberação. Ela, a deliberação, 
“vale também para o intelecto produtivo, já que todo aquele que 
produz alguma coisa o faz com um fim em vista” (p. 142). Mas a 
ação produtiva não é um fim cm si: ela tem um fim que é diferente 
de si mesma. Passando a palavra a Aristóteles: “ao passo que o 
produzir tem uma finalidade diferente de si mesmo, isso não acontece 
com o agir, pois que a boa ação é o seu próprio fim” 1 (p. 144). Na 
ação produtiva, o fim é externo à ação, o fim é restrito, pois é 
dependente de produções particulares, o que se deseja é o fim. Na 
ação prática, o fim é interno à ação, o fim é irrestrito, pois não 
depende de produções particulares, o que se deseja é a própria 
ação. Na ação produtiva o intelecto é produtivo; na ação prática o 
intelecto é prático. Eis o que diz Aristóteles: “só o que se pratica é 
um fim irrestrito, pois a boa ação é um fim ao qual visa o desejo” (p. 
142). O fim na ação prática não é externo à ação. O fim na ação 
produtiva é externo à ação.
O próximo passo de Aristóteles (s. d./1984b) consiste em 
diferenciar a episteme da doxa: a doxa refere-se à opinião e à crença,
‘Nessa passagem os termos agir e ação referem-se à ação prática. 
CONVERSAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical «
que “podem enganar-se” (p. 1799), e a episteme refere-se à ciência. 
Para o filósofo* a ciência refere-se a um corpo organizado de 
conhecimento que inclui a ciência teórica, a ciência prática e a ciência 
produtiva, como ele escreve, “ciência-prática, produtiva, teórica” 
(p. 1621). As ciências teórica, prática, produtiva, referem-se, 
respectivamente, ao conhecimento científico, à ação prática, à ação 
produtiva. A ciência é theoria (teoria), práxis (prática), poíesis 
(produção)2.
As ciências teóricas são: matemática, física, teologia. As 
ciências produtivas são: as artes, as técnicas, a medicina, a estratégia, 
a construção naval, a agricultura, a retórica etc. A ciência prática é a 
política no amplo sentido do termo, que envolve a ética e outras 
disciplinas. Como observa Kury (1985a): “ciência política no sentido 
mais amplo, incluindo, além da ética, a sociologia, a economia política 
c a política propriamente dita” (p. 15).
O objeto da ação política é a boa ação, que é o sumo bem, 
o bem incondicional. Passando a palavra a Aristóteles (s.d./1979):
Se, pois, para as coisas que fazemos existe um fim que 
desejamos por ele mesmo e tudo o mais é desejado no 
interesse desse fim; e se é verdade que nem toda coisa 
desejamos com vistas em outra... evidentemente tal fim 
será o bem, ou antes, o sumo bem. (p. 49)
E qual é a ciência que estuda esse bem? Aí está a resposta 
de Aristóteles (s.d./l 985):
Não terá então uma grande influência sobre a vida o 
conhecimento deste bem? ... Cumpre-nos tentar
2 A episteme aristotéliea envolve o princípio racional científico e o princípio racional 
deliberativo. O primeiro refere-se à ciência teórica, e o segundo, à ciência prática e à 
ciência produtiva. Isso equivale a dizer que stricto sertsu ciência é teoria; e que laia 
sensu, ciência é ciência teórica, ciência prática e ciência produtiva.
24 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásic Abib
determinar... o que é este bem, e de que ciências ou 
atividades ele é objeto. Aparentemente ele é objeto da 
ciência mais imperativa e predominante sobre tudo. 
Parece que cia é a ciência política... A finalidade [dessa 
ciência] deve ser o bem do homem... Embora seja 
desejável atingir a finalidade apenas para um único 
homem, é mais nobilitante e mais divino atingi-la para 
uma nação ou para as cidades. Sendo este o objetivo de 
nossa investigação, tal investigação é dc certo modo o 
estudo da ciência política, (p. 18)
A ética, então, é introdução à ciência política. Com efeito, 
Aristóteles (s.d./1985) conclui a Ética aNicômacos com esta frase: 
“comecemos a nossa discussão” (p. 211). Kury (1985b) comenta 
que a expressão “nossa discussão” refere-se à “Política, à qual a 
Ética a Nicomaquéia serve de introdução” (p. 225).
Aristóteles (s.d./1985) assevera que a ética e a política 
constituem a filosofia das coisas humanas. Em suas palavras:
Nossos predecessores se omitiram quanto ao exame do 
assunto da legislação; talvez seja melhor, portanto, que 
nós mesmos o estudemos, e estudemos de um modo geral 
a questão das constituições, a fim de completarmos da 
melhor maneira possível, nos limites de nossa capacidade, 
nossa filosofia das coisas humanas [itálicos nossos], 
(p. 210)
Por fim, Aristóteles (s.d./1979) afirma que a origem da 
ação é um homem; é um homem que delibera, escolhe e age. Em 
suas palavras: “a origem de uma ação dessa espécie é um homem” 
(p. 142). O homem não delibera sobre a teoria, pois não é possível 
deliberar sobre o que é necessário. O homem delibera sobre o 
possível, sobre a ação, sobre a ação prática e sobre a ação 
produtiva.
CONVERSAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 28
O simples fato de ter sua origem na palavra ação afasta o 
pragmatismo da ciência teórica. Sendo filosofia da ação, o 
pragmatismo é ciência da ação prática, e como veremos, é também 
ciência da ação produtiva. Como ciência da ação prática, é mais 
perfeita do que como ciência da ação produtiva. Com efeito, por 
ter um fim em si, interno, irrestrito e incondicional, a ação prática é 
mais perfeita do que a ação produtiva. A ação produtiva (poíesis) é 
subordinada à ação prática (práxis). Como escreve o filósofo Comte- 
Sponville (2003), “a vida, por exemplo, é uma práxis: viver é criar 
sem obra. E o trabalho ou a arte, uma poíesis. Esta só tem sentido 
a serviço daquela” (p. 467). Cabe ressaltar ainda a ênfase que James 
(1907/1988) atribuiu à relação entre os termos prática, prático, 
ação e pragmatismo. Recordemos: o termo pragmatismo “é 
derivado da mesma palavra grega T rpayjia , que significa ação, da 
qual vêm nossas palavras ‘prática’ e ‘prático’” (p. 26). O filósofo 
não disse: produtiva, produtivo. Em princípio, portanto, o 
pragmatismo é filosofia da ação prática.
O conceito de prática não recobre, portanto, todo o 
conceito de ação porque a ação pode ser prática ou produtiva. Se 
o pragmatismo é uma filosofia da ação prática, a ação produtiva 
está excluída de seu âmbito. Mas se é filosofia da ação, é filosofia 
da ação prática e da ação produtiva.
Mas então, é o pragmatismo uma filosofia da ação prática 
e produtiva ou é somente uma filosofia da ação prática? A resposta 
a essa indagação requer um exame mais detalhado do conceito de 
ação no pragmatismo. E o que faremos a seguir.
Pragmatismo
Joas (1993) declara que o pragmatismo concebe a ação 
humana como ação criativa. O pragmatismo seria desse modo uma 
filosofia da ação criativa. Mas se trata de criatividade situada. Em 
suas palavras, a “criatividade está sempre encerrada em uma
26 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José António Damásio Abib
situação” (p. 4). Joas ressalta que a referência à situação leva 
frequentemente os críticos dopragmatismo a acusá-lo de ser uma 
filosofia da adaptação. O sociólogo rebate frisando que a ação 
situada é ação criativa: é ação de resolução de problemas, E de 
resoluções que não são dadas de antemão. É o que Joas escreve: 
“queiram ou não, os atores defrontam-se com problemas, cuja 
solução, contudo, não está prescrita claramente de antemão pela 
realidade, mas requer criatividade e traz alguma coisa objetivamente 
nova ao mundo” (p. 4). Há um problema que exige resolução, mas 
não há resolução conhecida.
Brüning (1963/1983) assevera que no pragmatismo o 
homem é ativo, e, por paradoxal que possa parecer, é exatamente 
isso que, por um lado, o toma inadaptado ao mundo e, por outro, 
possibilita-lhe novos desenvolvimentos. Nas palavras de Brüning, 
o homem “não está seguramente adaptado a um mundo ambiente 
prévio, mas possui um vasto campo de possibilidades em que se 
pode desenvolver nas mais variadas direções” (p. 545). É 
precisamente nesse aspecto que o homem se distingue do animal, 
pois “o animal se encontra seguro pela sua adaptação às condições 
do mundo ambiente” (Brüning, p. 545). O animal vive em relação 
fechada, acabada, especializada, com o mundo. O homem vive em 
relação aberta, inacabada, não especializada, com o mundo. No 
pragmatismo o homem tem uma natureza informe e provisória, 
maleável à aprendizagem. Nas palavras do filósofo, “para esta 
concepção, homem e mundo não representam nada de 
definitivamente dado, que se teria simplesmente que aceitar, mas 
algo a formar e transformar num trabalho construtivo” (Brüning, p. 
545).
Joas (1993) ressalta que o pragmatismo é uma filosofia 
da ação focada em novas possibilidades de ação, sem as quais os 
atores ficariam com uma limitada capacidade de resolução de 
problemas. Saberiam solucionar problemas cujas resoluções já
CONVERSAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 27
fossem conhecidas. Mas ficariam paralisados diante de novas 
dificuldades e obstáculos. As novas possibilidades de ação são 
sondadas no curso da própria ação com vistas à efetiva resolução 
dos problemas. Ocorre uma transformação que vai do problema à 
sua solução. Todos os problemas cujas resoluções são conhecidas 
passaram um dia pelo exame das possibilidades. O ator, então, não 
se adapta às circunstâncias, à situação, ao problema. Se ele se 
adapta, o faz em relação à solução que criou ao resolver o problema.
A ação criativa situada mostra três coisas. Primeiro, que a 
ação se relaciona com possibilidades e não com necessidade; pois, 
se fosse com a necessidade, não haveria abertura, não haveria 
inacabamento, não haveria criatividade. Na verdade, em termos 
aristotélicos, nada do que depende da ação seria possível: a prática 
não seria possível, a produção não seria possível, as ações ética e 
política não seriam possíveis, a arte não seria possível, pois, ao fim 
e ao cabo, a ação não seria possível. Estaríamos condenados à 
necessidade, só nos restaria a contemplação de relações invariáveis: 
a theoria’.
Segundo, a ação situada mostra também que o conceito 
aristotélico de ação prática não recobre completamente a noção de
* Talvez nem isso. Koyré (1957/1979) assinala que a revolução científica moderna, 
que ocorreu nos séculos XVI e XVII, originou uma crise na consciência europeia que 
consistiu, entre outras coisas, na passagem da scientia contemplativa à scientia activa. 
Essa transição “transformou o homem de espectador da natureza em seu possuidor 
e mestre” (p. 7). Segundo Rossi (1989), a defesa das artes mecânicas entre 1400 e 
1700 implicava “o abandono da concepção de ciência como desinteressada 
contemplação da verdade” (p, 17). Referindo-se à tecnociência, Sibilia (2003) afirma 
que “existiria um ‘programa tecnológico oculto’, como assinala Hermínio Martins, de 
maneira que a sua fecundidade nessa área não seria um mero subproduto da ciência... 
mas o seu objetivo primordial” (pp. 47*48). Rorty (1990/1993) declara que o abandono 
da versão contemplativa do conhecimento significa o “abandono da distinção aparência/ 
realidade” (p. 9). No entanto, ressaltamos que Aristóteles (s .d ./l979, s.d./1984b, 
s.d./1985) referiu-sc a contemplar coisas invariáveis e a contemplar coisas variáveis.
28 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib
prática. Podemos, evidentemente, concordar com Comte-Sponvilíe 
(2003), quando escreve que a palavra prática (práxis) “só me parece 
útil numa oposição, de origem aristotélica, àpoíesis” (p. 467). Mas 
há acepções da ação cotidiana que são chamadas de prática sem 
que a marcada oposição aristotélica esteja emjogo. Assim, dizemos 
que determinadas pessoas são práticas quando mostram habilidade 
na resolução de problemas cotidianos, às vezes os mais banais, 
mas que seriam capazes de infernizar a vida de pessoas que não 
são nem um pouco práticas. As profissões, como a medicina, a 
advocacia e a engenharia, por exemplo, também podem ser vistas 
como corpus de ações práticas com vistas à resolução de problemas 
que, de um modo ou de outro, afligem as pessoas, as comunidades, 
as sociedades, as culturas. O que verificamos nesses casos é que a 
palavra prática é vinculada à existência de problemas e à sua efetiva 
resolução. Parece também serem esses os usos do verbo prátto, 
práttein, “percorrer um caminho até o fim, chegar ao fim, alcançar 
o objetivo... conseguir, fazer acontecer alguma coisa” (Chauí, 1994, 
p. 338). Essa acepção de prática parece estar relacionada também 
com o substantivoprâgma, “relativo a negócios, próprio para manejo 
de negócios, relativo a assuntos judiciais” (Houaiss & Villar, 2001). 
É evidente a proximidade desses usos da noção dc prática com o 
conceito aristotélico de ação produtiva. Vale, portanto, ressaltar, 
como o fez Comte-Sponville, que a ação produtiva só tem sentido 
a serviço da ação prática.
Terceiro, a ação situada mostra finalmente que a ação, 
por ser situada, pode contribuir para elucidar a passagem da ação 
ao comportamento. Um texto canônico nesse sentido é O conceito 
de arco reflexo na psicologia, de John Dewey (1859-1952), 
publicado cm 1896.0 filósofo argumenta que, de acordo com esse 
conceito tradicional, a ação consiste em uma composição aditiva 
das fases do arco. Essas fases obedecem a uma ordem, que começa 
nos estímulos externos e termina nas reações dos organismos a esses
CONVERSAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 29
estímulos, passando por uma fase intermediária que conecta as fases 
anteriores e que consiste no processamento interno de estímulos. 
Dewey não aceita que a ação seja reduzida a uma composição 
aditiva das fases do arco. Em suas palavras: “o que temos é um 
circuito; não um arco ou segmento quebrado de um círculo. Esse 
circuito é mais verdadeiramente denominado orgânico do que 
reflexo” (Dewey, 1896/1981, p. 141). No circuito, a ação consiste 
na interpelação das fases do arco. Elas interpenetram-se, perdem 
sua independência, e transformam-se. A ação pode ter início no 
ambiente ou nos organismos, a ordem das fases perde sua 
linearidade, deixa de ser uni direcional. É nesse sentido que, 
comentando o famoso texto de Dewey, Joas (1993) escreve: “a 
esse ‘modelo de arco reflexo' ele opõe a totalidade da ação. É a 
ação que determina os estímulos que são relevantes no contexto 
definido pela ação” (p. 21). A ação é totalidade: é inter-relação. 
Não pode ser totalidade se for composição aditiva.
Tanto no arco quanto no circuito a ação é situada. Na 
medida em que a ação situada é seminal para a passagem da ação 
ao comportamento, ambos os conceitos representam itinerários para 
elucidar essa transição. Mas no arco a ação é reduzida à composição 
aditiva de fases e não fecha o arco: há um curso, mas não um recurso. 
O ambiente exerce efeitos na ação, mas a ação não exerce efeitos 
no ambiente: a relação de transformação entre o ambiente e a ação 
não se instaura no arco. Para que isso aconteça é necessário que o 
arco seja substituído pelo circuito. No pragmatismo de Dewey, a 
ação étotalidade situada.
Outro texto canônico para explicar a passagem da ação 
ao comportamento é o livro Mente, Sujeito e Sociedade de George 
Herbert Mead (1863-1931), publicado em 1934. Mead (1934/ 
1962) afirma que a ação é ação social, e que a ação social é ação 
comunicativa. Na linguagem do filósofo, a ação comunicativa envolve 
uma conversação de gestos que pode ser descrita por uma relação
30 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib
tríplice. Por exemplo: “a resposta do pinto ao cacarejo da galinha 
mãe é uma resposta ao significado do cacarejo; dependendo do 
caso, o cacarejo refcre-se a perigo ou alimento, e é esse o significado 
ou conotação que tem para o pinto” (p. 71).
Essa tríplice relação está presente em qualquer tipo de 
ação comunicativa; envolvendo ou não a participação dos atores 
sociais. Quando envolve, o significado do gesto é compartilhado; 
quando não, o significado do gesto não é compartilhado. Digamos 
que José faça um gesto violento em relação a João, e que João faça 
um gesto de fuga ao significado do gesto de José (perigo, ferimento, 
dor etc.). Em resposta ao gesto de João, José pode fugir do 
significado de seu próprio gesto (perigo, ferimento, dor etc.). Se 
José foge, ele adota o papel (ou a atitude) do outro em relação ao 
seu próprio gesto. Os dois atores sociais fogem do mesmo significado 
(perigo, ferimento, dor etc.). Nessa hipótese, a ação comunicativa 
envolve compartilhamento de significado.
Mas digamos que em resposta ao gesto de João, José 
faça um gesto ainda mais violento com relação ao significado do 
gesto de João (“fraqueza”, “covardia” etc.). Se José se toma ainda 
mais violento, ele não toma o papel (ou a atitude) do outro em 
relação ao seu próprio gesto. Os gestos dos dois atores não têm o 
mesmo significado (João responde ao perigo, ferimento, dor etc.; 
José responde à “fraqueza”, “covardia” etc.). Nessa hipótese, a 
ação comunicativa não envolve compartilhamento de significado.
A diferença entre a ação comunicativa com participação e 
ação comunicativa sem participação é crucial, porque a concepção 
que é relevante para a noção de ação no pragmatismo de Mead é a 
ação comunicativa com participação. Cabe enfatizar que as pessoas 
podem estar se comunicando sem estar compartilhando significados, 
mas como estão se comunicando, pode-se pensar, erroneamente,
CONVERSAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 31
que estão compartilhando significados. Cabe então ressaltar que as 
pessoas podem se comunicar compartilhando ou não significados.
Morris (1962) chama de signo o gesto na ação 
comunicativa sem participação, e de símbolo significante o gesto 
na ação comunicativa com participação. Em ambos os casos, a 
ação comunicativa é mediada pelo significado; no primeiro caso, 
pelo significado do signo; no segundo, pelo significado do símbolo. 
As respostas dos organismos e das pessoas não são ao gesto em 
si, mas ao significado do gesto, ao significado do signo ou do 
símbolo. O que caracteriza a ação social no pragmatismo é a ação 
comunicativa simbólica.
A ação simbólica é adquirida na interação entre os atores 
sociais: é intersubjetiva. O que é crucial para a constituição do sujeito: 
“a autoconstituição tinha as suas raízes completamente no sujeito 
individual e a forma pragmática [itálicos nossos] de constituição 
toma o seu ponto de partida na intersubjetividade dos indivíduos 
em comunidade” (Brüning, 1963/1983, p. 545). O indivíduo é 
constituído pela sociedade, mas é por meio da ação criativa que ele 
se autoconstitui em comunidade. Com efeito, no pragmatismo, “a 
estrutura do homem e do seu mundo é projetada pelos indivíduos 
em comunidade; neste caso, esse projecto realiza-se, em especial, 
na atividade criadora [itálicos nossos]” (Brüning, pp. 544-545).
Adquire-se a ação social sim bólica no contexto 
intersubjetivo da interação social quando as pessoas tomam a atitude 
do outro, ou o gesto do outro, em relação ao seu próprio gesto: se 
o outro foge em resposta ao nosso gesto violento, nós também 
fugimos. Mas a ação social simbólica pode ser questionada pela 
ação social não simbólica: o signo pode interpelar o símbolo. Ao 
assumir uma atitude pacífica em relação aos gestos violentos de 
seus opressores, Mahatma Gandhi e Martin Luther King criaram 
uma oportunidade para que seus tiranos assumissem uma atitude
32 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib
pacífica em relação aos seus gestos violentos iniciais. O signo do 
gesto pacífico sinalizou a possibilidade de transição de uma ação 
social simbólica violenta para uma ação social simbólica pacífica. 
Mahatma Gandhi e Martin Luther King legaram-nos, desse modo, 
um modelo que, se for abraçado pelos indivíduos, comunidades e 
sociedades, poderá, quem sabe, contribuir para a construção de 
relações mais pacíficas.
As concepções de Dewey (1896/1981) e de Mead (1934/ 
1962) sobre a ação representam a virada da ação para o 
comportamento. Essa metamorfose foi claramente percebida por 
Abbagnano (1971 /2000) ao afirmar que o pragmatismo encaminhou 
a noção de ação para uma nova fase interpretativa. O filósofo 
menciona o que lhe parece ser uma ironia do pensamento que ao 
explorar a ação em seus limites máximos tenha transformado essa 
noção em comportamento. Em um comentário relativamente longo, 
Abbagnano esclarece essa ironia:
As análises empiristas de James e, melhor ainda, as de 
Dewey deveriam evidenciar o condicionamento da ação 
por parte das circunstâncias que a provocam, sua relação 
com a situação que constitui seu estímulo e, daí, os limites 
de sua eficiência e liberdade. Mas, desse ponto de vista, 
a ação deixa de estar ligada unicamente ao sujeito e de 
encontrar unicamente nele ou na atividade dele (vontade) 
o seu princípio. Perde a possibilidade de consumar-se e 
de exaurir-se no próprio sujeito; e torna-se um 
comportamento, cuja análise deve prescindir da divisão 
das faculdades ou dos poderes da alma, enquanto deve 
ter presente a situação ou o estado de coisas a que deve 
adequar-se. (p. 9)
O sujeito perde sua soberania na explicação da ação, sua 
vontade passa a ser limitada pela situação, e é esse limite que 
transforma o conceito de ação em comportamento. Isso não quer
CONVERSAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 33
dizer, contudo, que o sujeito perdeu sua liberdade de ação; de modo 
algum, porque, como já sabemos, a lógica da ação opera na esfera 
do possível e não do necessário.
Em 1930, Dewey modificou o título de seu artigo O 
conceito de arco reflexo na psicologia. McDermott (1981) escreve 
que esse artigo “foi reimpresso por Dewey em Filosofia e 
C ivilização (1930) sob o novo títu lo : ‘A U nidade do 
Comportamento’” (p. 136). McDermott menciona ainda que “o 
uso da palavra ‘comportamento’ na segunda edição é instrutivo, 
pois se trata precisamente da consciência de Dewey das dimensões 
comportamentais na psicologia que caracteriza ‘O Conceito de Arco 
Reflexo na Psicologia’” (p. 136).
Mead (1834/1962) relaciona explicitam ente sua 
investigação em M ente, Sujeito e Sociedade ao comporta- 
mentalismo. Passando-lhe a palavra: “abordamos a psicologia do 
ponto de vista do comportamentalismo; isto é, comprometemo- 
nos a considerar a conduta do organismo e localizar o que é 
denominado de ‘inteligência’, e, em particular, ‘inteligência 
autoconsciente’, dentro dessa conduta” (p. 328).
Por fim, ao explicar a concepção de Mead sobre a ação, 
Joas (1993) escreve que “é possível compreender a ação como 
comportamento autocontrolado” (p. 24). E o que isso significa? O 
“comportamento humano toma-se orientado às possíveis reações 
dos outros: através de símbolos, são formados modelos de 
expectativa recíprocos de comportamento, que, contudo, sempre 
permanecem imersos no fluxo de interação, de verificação e de 
antecipações” (Joas, p. 24).
Comportamentalismo
A noção de ação situada transforma o conceito de ação 
porque limita a vontade soberana do sujeito na explicaçãoda ação. 
A ação é, portanto, comportamento, se for situada. Se não for, não
34 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib
é. E vice-versa, o comportamento é ação, se a ação for situada. Se 
não for, não é. Desse modo, há um sentido preciso em que o 
comportamento pode ser identificado com a ação, bem como há 
outro sentido, bastante preciso também, em que o comportamento 
não pode ser identificado com a ação. A noção de comportamento 
carrega consigo todo o sentido da ação situada. A tal ponto que 
podemos ex abrupto definir o comportamento como ação situada.
Essa herança do pragmatismo, essa concepção de 
comportamento como ação situada, é preservada na filosofia do 
comportamento de B. F. Skinner (1904-1990). Nessa filosofia a 
ação é situada, pois se não o fosse, o sujeito seria soberano. Sua 
vontade não seria situada. No comportamentalismo radical de 
Skinner (1953,1969,1974,1987) a ação é situada em um contexto 
complexo do qual participam eventos antecedentes e consequentes.
Outra herança do pragmatismo, a referência aos efeitos, 
consequências, resultados da ação, também é preservada na filosofia 
do comportamento de Skinner. Assim, no pragmatismo, a ação 
criativa de resolução de problemas, bem como a ação produtiva e 
a ação prática, dão origem a efeitos, tais como, solução de 
problemas, técnicas, e novas práticas éticas e políticas. E quando 
Skinner (1989) aproxima as palavras behave c do, o faz referindo- 
se à ênfase da palavra do (agir) nas consequências - “o efeito que 
alguém produz no mundo” (p. 14).
Se, de um lado, o comportamentalismo radical preservou 
esse legado do pragmatismo, de outro lado, contribuiu para o 
desenvolvimento do conceito de comportamento. Isso ocorreu, em 
primeiro lugar, porque Skinner (1953,1969,1989) radicalizou o 
conceito de comportamento: radicalização que consiste em estudar 
o comportamento em seu próprio domínio. Com base nessa guinada, 
argumentaremos que Skinner dcslocou o comportamento do papel 
de coadjuvante para o papel de protagonista.
CONVERSAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical II
O comportamento é coadjuvante quando desempenha um 
papel secundário em teorias do comportamento. O interesse principal 
dessas teorias consiste em explicar o comportamento com base em 
processos mentais e em processos neurais. Isso significa dizer que 
elas estão realmente interessadas em compreender os processos 
mentais e os processos neurais, e que o comportamento é somente a 
via de acesso a tais processos. Os protagonistas dessas teorias são 
esses processos. Dois exemplos desse tipo de teoria discutidos por 
Skinner (1969) são as teorias comportamentalistas de Clark Hull 
(1884-1952) e Edward Tolman (1886-1959). Ele escreve que “para 
Clark Hull a ciência do comportamento toma-se, em última instância, 
o estudo de processos centrais, principalmente conceituais, mas 
frequentemente atribuídos ao sistema nervoso” (p. xi). Com relação 
a Tolman, embora concorde com ele em vários aspectos importantes, 
comenta que sua explicação do comportamento terminou centrada 
em “processos mentais” (p. 28)4. Diz ainda com relação a Hull que 
ele “não somente apelou para processos centrais”, mas “os tomou 
como o principal objeto de investigação” (p. 28, itálicos nossos). 
Nessa linha de argumentação, Skinner diria que Tolman tomou os 
processos mentais como o seu principal objeto de investigação (mas 
não é tão explícito nesse aspecto quanto o foi em relação a Hull). O 
verdadeiro objeto de estudo são os processos centrais (Hull) ou os 
processos mentais (Tolman) e não o comportamento. O 
comportamento apenas ajuda a investigar e conhecer esses processos. 
Os processos centrais e mentais que são tomados como explicação, 
são, em última análise, o que é explicado. Portanto, em teorias desse 
gênero, a expressão explicação do comportamento não explica o
4 A interpretação skinneriana da proposta dc Tolman é questionável. O conceito de 
mapas, por exemplo, não parece ter uma conotação mentalista, pelo menos quando se 
entende o conceito no âmbito de uma epistemologia instrumentalista (cf. Lopes, 
2009b).
36 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib
comportamento. Explica, isto sim, o que é tomado como explicação 
do comportamento.
Para que seja explicado, o comportamento precisa participar 
de sua própria explicação. O comportamento precisa se tomar 
protagonista. Precisa desempenhar o papel principal na teoria do 
comportamento. Ao criticar Hull e Tolman, Skinner (1969) quer que 
o comportamento desempenhe o papel de protagonista e não o de 
coadjuvante. Essa mudança representa uma revolução no interior do 
próprio comportamentalismo, e a teoria do comportamento de Skinner 
(1953,1969,1971) pode ser compreendida como a expressão mais 
lídima dessa revolução.
Skinner (1953, 1969, 1974, 1987) quer mostrar que o 
comportamento é a relação original da ação com o mundo. O que 
é procedente porque o comportamento é ação situada; logo é 
relação com o mundo. No princípio está a relação da ação com o 
mundo. Os processos centrais e os processos mentais têm origem 
nessa relação. Portanto, devem ser estudados no interior dessa 
relação. É sob essa perspectiva que Skinner (1969,1974) analisa 
“processos mentais” como, por exemplo, percepção, pensamento, 
conhecimento, consciência.
A segunda contribuição do comportamentalismo radical 
para o desenvolvimento do conceito de comportamento consiste 
no esclarecim ento da noção de mundo. Na perspectiva 
comportamentalista radical, o comportamento é a relação interna 
entre ação e mundo, mas, aqui, mundo não é apenas situação 
presente, é também história; comportamento é ação contextualizada 
e não apenas ação situada. A noção de ação ainda estaria 
preservada, mas agora a sua inserção no mundo, no contexto, é 
mais ampla, é histórica. Skinner (1989) assinala que o indivíduo 
pode ser um organismo (depende da seleção natural); uma pessoa 
(depende do condicionamento operante), um se lf (depende da
CONVERSAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 37
evolução de culturas). Isso significa dizer que as ações do indivíduo 
podem ser as ações de um organismo, de uma pessoa, de um self 
Com base nessas considerações de Skinner, podemos declarar que 
o comportamento humano refere-se às ações do indivíduo vistas 
sob todas essas designações, às ações em contexto: é no 
comportamento que emerge um indivíduo total. O indivíduo que 
Skinner (1971) define como “um lócus em que muitas linhas de 
desenvolvimento reúnem-se em um único conjunto” (p. 209).
As ações humanas produzem consequências que 
transformam o mundo, que, por sua vez, transformam, não só o 
comportamento, mas também os estados do organismo. Sentimos os 
estados do organismo, do corpo que faz coisas, do corpo que trabalha 
(Skinner, 1989). E isso que sentimos, os estados do corpo que faz 
coisas, do corpo que trabalha, é derivado de nossas relações com o 
mundo e participa da explicação de nosso comportamento5. Mas os 
estados do corpo são coadjuvantes de nossas relações com o mundo, 
pois, agora, o protagonista é o comportamento. Surge, desse modo, 
a possibilidade de elevar nossa compreensão do comportamento 
partindo do estudo da relação das ações com o mundo. Doravante, 
o comportamento é o objeto seminal de investigação.
A terceira contribuição do comportamentalismo radical 
para o conceito de comportamento está na afirmação de que a 
relação das ações humanas com o mundo é entranhada. As ações 
entranham-se no mundo, e o mundo entranha-se nas ações. Essa 
relação é interna: nem a ação nem o mundo existem previamente 
um ao outro para, só então, serem colocados em relação. Longe 
da relação desentranhada, longe da relação externa, a ação só existe 
em relação com o mundo, e o mundo só existe em relação com a
5 Mutatis mutandis é o que Skinner (1978) insinua: “pensamentos, imagens, 
conhecimento, ideias, c conceitos não explicam absolutamente até que sejam, por sua 
vez, explicados” (p.18).
38 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib
ação. A relação interna da ação com o mundo transforma o que 
entra em relação. A relação externa da ação com o mundo não 
transforma o que entra em relação. A relação entranhada da ação 
com o mundo, com o contexto, pode ser denominada de 
relacionismo comportamentaf.
Como relação interna das ações com o mundo, o 
comportamento é contextuai e complexo, porque envolve as 
contingências filogenéticas, as contingências culturais e as 
contingências ontogenéticas. O comportamento consiste na relação 
interna das ações com a história da espécie humana, com a história 
cultural do sujeito, e com a história da pessoa. A história da espécie 
e a história cultural alcançam a pessoa em seu tempo e espaço de 
vida, adquire uma configuração peculiar, formando o indivíduo total, 
como um lócus, um ponto, um produto. É por esse caráter 
contextuai e complexo que o estudo do comportamento requer uma 
orientação transdisciplinar. Skinner assinala (1990a) que essa 
orientação envolve a análise do comportamento, a antropologia, a 
etologia e a fisiologia. Tomadas isoladamente, qualquer uma dessas 
disciplinas é insuficiente para explicar o comportamento. A ciência 
do comportamento é uma ciência transdisciplinar.
6 De acordo com Abbagnano (1971/2000), “o termo relacionismo (relazionismo) foi 
usado na Itália para indicar uma filosofia que considera a relação como fenômeno 
essencial do universo e do homem, mas sem implicações relativistas” (p. 844). 
Abbagnano está se referindo à obra Dali 'esistenzialisma al relazionismo (1957) do 
filósofo italiano Enzo Paci (1911-1976). De acordo com Ferrater Mora (1984), Paci
“entende a relação como ‘processo’ e, portanto, como modo de uniâo dinâmica7’ (v. 4, 
p. 2827). Isso significa dizer que o relacionismo é uma defesa da tese da relação 
intema, bem como uma ontologia antagônica à ontologia do substancialismo. No 
substancialismo as coisas existem antes de serem postas cm relação. No relacionismo 
as coisas são constituídas pelas relações. Ferrater Mora refere-se a outras filosofias 
que defendem a ontologia da relação intema, por exemplo, o idealismo absoluto, que 
afirma a realidade do Todo, e o empirismo radical de William James, que afirma que 
as relações que unem as coisas são relações experimentadas. Ferrater Mora refere-se 
ainda ao atomismo lógico como uma filosofia que defende a tese da relação externa.
CONVERSAS Pragmatistas sobre Comportamentaiismo Radical w
A relação interna, contextuai e complexa, das ações 
humanas com o mundo, pode sugerir que o homem é vítima das 
configurações específicas de suas histórias filogenética, cultural e 
pessoal. Isso, contudo, não procede porque essas relações são 
relações de contingência. O que equivale a dizer que os homens 
são livres em situação, são livres em contexto, pois as relações de 
contingência são relações de possibilidade7. As relações de 
contingência não são relações de necessidade; se fossem os 
indivíduos não poderiam ser livres em situação, não poderiam ser 
livres em contexto. As relações de possibilidade podem deixar de 
ser como são; já as relações de necessidade não podem deixar de 
ser como são. As relações de contingências filogenéticas, 
ontogenéticas e culturais são relações de possibilidade e não de 
necessidade8. Relações realizadas das ações humanas com o mundo, 
relações internas, contextuais e complexas, sao relações que, por 
mais sólidas que pareçam ser, podem ser desfeitas, porque são
7 Na filosofia antiga, medieval e moderna, a noção de contingência significa 
possibilidade. Ferrater Mora (1986) escreve que, “para Aristóteles, o contingente sc 
contrapõe ao necessário” (v. 1, p. 616). Escreve ainda que “as definições medievais dc 
contingência podem ser resumidas na tese de Santo Tomás, segundo a qual o 
contingente é aquilo que pode scr ou não ser ... o ens contingens sc contrapõe ao ens 
necessarium” (v. 1, p. 616), Segundo Ferrater Mora, na filosofia de Leibniz, “a 
conhecida distinção entre verdades dc razão e verdades de fato pode ser equiparada a 
uma distinção entre o necessário e o contingente” (p. 617). Ferrater Mora refere-se 
ainda ao filósofo francês Émile Boutroux (1845-1921) que desenvolveu uma filosofia 
completa com base no conceito de contingência, tendo escrito, entre outras obras, Da 
contingência das leis da natureza em 1874, e A filosofia da contingência em 1904.
Nem mesmo os estímulos liberadores, que participam da explicação dos instintos 
ou dos comportamentos específicos da espécie, inscrevem-se na ordem da necessidade. 
Passando a palavra a Skinner (1969): “os ‘liberadores’ dos etólogos... simplesmente 
estabelecem uma ocasião. Como um estímulo discriminativo, eles aumentam a 
probabilidade de ocorrência dc uma unidade de comportamento, mas não a força” (p. 
175). Mesmo no caso do reflexo, aparentemente somente o reflexo incondicionado 
pertence à ordem da necessidade. O reflexo condicionado pertence à ordem da 
possibilidade. Passando a palavra a Pavlov (s.d./1972): “é legítimo chamar reflexo 
absoluto à conexão permanente do agente externo com a atividade do organismo 
determinado por ele, e refiexo condicionado à conexào temporária” (pp. 184-185).
40 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib
relações de possibilidade. Sendo assim, o homem pode desfazer 
relações de possibilidade realizadas, bem como pode sondar 
relações de possibilidade não realizadas. Pode fazê-lo nas margens 
das relações de possibilidade realizadas, bem como pode imaginar 
novas relações de possibilidade.
Epílogo
O pragmatismo configura-se como uma filosofia original 
da ação ao transformá-la em comportamento. Skinner radicalizou 
o conceito de comportamento ao elevá-lo ao papel de protagonista 
do debate do homem com o mundo ao mesmo tempo em que 
deslocou os processos mentais e neurais para o papel de 
coadjuvantes. O solo estava preparado por James, Dewey e Mead. 
Não é o Sol que gira em tomo da Terra. É a Terra que gira em 
tomo do Sol.
CONVERSAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 41
C apítu lo 2 
Visão de M undo P luralista
A modernidade instituiu a crença de que o conhecimento 
científico desenvolve-se independente de questões teórico-filosóficas 
(Machado, Lourenço & Silva, 2000). Nessa perspectiva, o dado, obtido 
pela aplicação do método científico, não se mistura com a interpretação 
que se tem dele, o mundo dos fatos não se subjuga à teoria. Isso fomenta 
uma separação radical entre fato e teoria, entre observação e 
interpretação: diante de um mesmo fato observado, diferentes teorias 
apresentam suas interpretações (Hanson, 1975). De modo geral, essa 
perspectiva nutre a esperança de que, no limite, o progresso 
metodológico de uma ciência propiciará, em algum momento, uma 
perfeita unidade teórica que descreva fielmente os fatos.
Contrapondo-se a essa proposta moderna, a filosofia da 
ciência contemporânea tem argumentado que a compreensão de 
projetos científicos depende do esclarecimento dos compromissos 
filosóficos subjacentes a eles (Burtt, 1932/1983; Kuhn, 1970/2003). 
Isso quer dizer que não há método descontextualizado de 
compromissos filosóficos, pelo contrário, é de uma filosofia que se 
deriva o método. Como consequência, a defesa de uma separação 
absoluta entre discurso científico e filosófico começa a perder força, 
uma vez que a cicncia, como todo conhecimento, parte de uma 
visão de mundo mais ou menos explícita (Pepper, 1942/1961).
Ademais, alguns autores têm atribuído um estatuto positivo 
à pluralidade teórica (e.g. Abib, 2009). Isso quer dizer que a
diversidade de propostas não é apenas um estágio preliminar da 
construção do conhecimento científico, que será, em algum momento, 
substituído por uma unidade. A busca por uma teoria completamente 
unificada, que retira a legitimidade da pluralidade, parece ser 
subsidiária da concepção de que a complexidade da natureza é a 
manifestação de uma unidade profunda emtudo o que existe - uma 
visão que tem suas raízes na crença religiosa de unidade de todas 
as coisas (Gleiser, 2010; James, 1907/1988).
Destoando dessa concepção, admite-se atualmente que 
tal pluralidade é uma característica indelével da própria ciência. A 
pluralidade atinge, agora, não apenas as teorias, mas o próprio 
mundo dos fatos. Ao invés de apenas simetrias, agora a ciência 
também se interessa por assimetrias, abdicando da velha estética 
do perfeito, na qual a perfeição é bela, e beleza é verdade. Em 
contraste, a ciência começa a ser orientada por uma nova estética, 
baseada na imperfeição: “é o imperfeito, e não o perfeito que deve 
ser celebrado” (Gleiser, 2010, p. \ 5). Um mundo assimétrico é 
plural e não uno. Nessa ótica, o pluralismo epistemológico insurge 
como uma ferramenta para lidarmos de maneira mais efetiva com a 
natureza, com o homem e com a sociedade.
Diante dessa situação, o desafio que fica é: como tratar 
da pluralidade sem incorrer na tentação de reduzi-la a uma unidade? 
Seria possível pensar um mundo plural, em contraste com o mundo 
unitário, simples, há muito defendido na filosofia e na ciência? Essas 
questões foram elegantemente enfrentadas por William James (1842- 
1910). Com seu pragmatismo, James (1907/1988, (909/1970) 
defenderá que uma visão de mundo pluralista, na qual a 
complexidade das coisas não é redutível a uma unidade, é a forma 
mais promissora para se assumir o projeto de um mundo melhor. 
Nesse sentido, o pluralismo redunda em consequências éticas, o 
principal critério de decisão para o pragmatismo.
44 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib
Essa defesa do pluralismo pelo pragmatismo jamesiano 
pode ter implicações para a interpretação dos compromissos 
filosóficos do comportamentalismo radical de B. F. Skinner. Isso 
porque, não raro, essa proposta psicológica é considerada de 
inspiração pragmatista (Abib, 1994; Baum, 1994/1999; Carrara, 
2004,2005; Hayes, Hayes & Reese, 1988; Laurenti, 2009a, 2009b; 
Lopes, 2009a; Morris, 1993; Moxley, 2001, 2007; Tourinho & 
Neno, 2003). Se o pluralismo é a visão de mundo do pragmatismo, 
e se o comportamentalismo skinneriano tem notáveis afinidades com 
o pragmatismo, cabe perguntar: o comportamentalismo é também 
um pluralismo? Tentar responder essa questão é o objetivo deste 
capítulo. Para tanto, o texto é dividido em três partes. Na primeira 
parte, o alvo de análise será a afirmação de que o pragmatismo, 
especificamente na sua versão jamesiana, inclui o compromisso com 
uma visão de mundo. Na segunda parte, o pluralismo será 
apresentado como a visão de mundo pragmatista. Por fim, serão 
discutidas algumas evidências a favor de uma interpretação pluralista 
do comportamentalismo radical, bem como as consequências dessa 
leitura.
Pragmatismo, método e filosofia
Na segunda conferência sobre pragmatismo, James (1907/ 
1988) apresenta o método pragmático para resolver debates 
filosóficos. De acordo com esse método, as divergências devem 
ser avaliadas perguntando-se por diferenças práticas entre elas. Se 
tais diferenças puderem ser encontradas, o debate é legítimo, 
devendo-sc escolher pelo lado que produza consequências mais 
efetivas. Se não houver diferença prática, o debate simplesmente 
não vale a pena.
A forma despojada com que James (1907/1988) apresenta 
o método pragmático - tratando a história da filosofia como uma 
disputa de temperamentos - pode encorajar a ideia de que o
CONVERSAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 49
pragmatismo não é exatamente lima filosofia9. Afinal, como “puro 
método”, ele não seria isento de compromissos ontológicos ou 
mesmo éticos, podendo ser aplicado por qualquer um em qualquer 
contexto? James estaria aceitando a separação entre método e 
filosofia, mantendo-se apenas do lado do método? Acompanhando 
o texto jamesiano, essa conclusão não parece se sustentar. Em 
primeiro lugar, o método pragmático depende de uma “atitude” diante 
de questões filosóficas, bastante incomum em relação às concepções 
tradicionais de filosofia: atitude de olhar além das primeiras 
coisas, princípios, ‘categorias ’, supostas necessidades; e de 
procurar pelas últimas coisas, frutos, consequências, fa tos” (p. 
29). Ao dar mais importância para as consequências, o pragmatismo 
deixa para trás séculos de filosofias assentadas na metafísica dos 
princípios, no substancialismo, nos fundamentos, nas essências.
Em segundo lugar, essa atitude pragmática inclui uma nova 
teoria da verdade: “a palavra pragmatismo tem sido usada em um 
sentido ainda mais amplo, como significando também certa teoria 
da verdade” (James, 1907/1988, p. 29). Nessa teoria da verdade, 
as teorias não devem ser avaliadas por sua capacidade de espelhar 
um “modelo” estático chamado Realidade. Ao invés disso, o 
pragmatismo considera verdadeiras as teorias capazes de conduzir 
os homens a ações que tenham consequências efetivas ou úteis: 
“tudo que o método pragmático implica é que verdades devem ter 
consequências práticas” (James, 1909/1970, p. 52). Novamente 
uma diferença substancial em relação à tradição.
9 Essa conclusão parece reiterada quando alguns trechos do próprio texto jamesiano são 
considerados de modo descontextualizado, como por exemplo: “quanto ao termo 
‘pragmatismo’, eu mesmo tenho apenas usado-o para indicar um método de levar uma 
discussão abstrata” (James, 1909/1970, p. 51); ou ainda: “é somente um método” 
(James, 1907/1988, p. 28).
46 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib
Em terceiro lugar, a noção de efetividade ou utilidade 
adotada pelo pragmatismo tem uma conotação ampla, que cobre 
desde a organização da vida cotidiana, passando por questões 
psicológicas, chegando até preocupações éticas, como o convívio 
com outras pessoas, a conduta correta, o diálogo, o respeito. Nas 
palavras de James (1909/1970), um efeito útil é aquele que permite 
“que possamos prever melhor o curso de nossas experiências, 
comunicarmo-nos uns com os outros, e dirigir nossas vidas por 
regras. Também que possamos ter uma visão mental mais inclusiva, 
mais clara, mais limpa” (pp. 62-63).
Em quarto lugar, a atitude pragmática, com sua teoria da 
verdade, permite uma visão crítica não só das teorias filosóficas, 
mas também do conhecimento científico tradicional. Isso quer dizer 
que o pragmatismo também envolve questões de uma epistemologia 
científica. Nas palavras de James ( 1909/1970):
Conforme compreendo a maneira pragmatista de ver as 
coisas, deve sua existência à derrocada que os últimos 
cinquenta anos imprimiram às noções mais antigas de 
verdade científica... Até por volta de 1850, quase todos 
acreditavam que as ciências expressavam verdades que 
eram cópias exatas de um código definido de realidades 
não humanas.... Ouvimos leis científicas tratadas agora, 
quando muito, como ‘taquigrafia conceituar verdadeiras 
só na medida em que são úteis, e nada mais. (pp. 57-58)
Em suma, o pragmatismo é uma atitude filosófica da qual 
é derivado um método de decisão de problemas filosóficos, e que 
inclui, pelo menos, uma teoria da verdade, uma preocupação ética 
e uma epistemologia. Não obstante essas diferentes referências de 
pragmatismo, uma questão ainda permanece: será que a “atitude 
pragmatista” pode ser considerada uma visão de mundo? Em outras 
palavras, o pragmatismo pode ser interpretado como uma 
cosmovisão?
CONVERSAS Pragmatistas sobre Com porta mental ismo Radical 47
Pragmatismo e visão de mundo
Seguindo o método pragmático, essa questão deveria ser 
compreendida pautando-se nas possíveis consequências práticas 
envolvidas na adoção de uma visão de mundo. Trata-se de indagar 
sobre a utilidade de uma visão de mundo. Será que acreditar que o 
mundo é de uma forma ou de outra faz diferença? Talvez uma 
pergunta anterior seja esta: é possível agir de modo efetivo no mundo 
sem qualquer crença sobre o mundo?
Para responder essa questão é preciso trazer à baila a noção 
de crença, em especial, a relaçãoentre crença e hipótese na proposta 
jamesiana (James, 1897/1912). Embora o assunto seja complexo, 
para os propósitos deste texto basta saber que crença é uma hipótese 
viva, uma hipótese que se apresenta como real para uma pessoa, o 
que quer dizer que ela desperta, nessa pessoa, uma disposição para 
agir de determinada maneira; por outro lado, uma hipótese morta é 
aquela que gera indiferença, não sendo, portanto, acompanhada por 
qualquer disposição de agir. Nesse sentido, há uma íntima relação 
entre crença e ação, de modo que não há crença que não envolva 
ação. É isso que James (1897/1912) parece querer dizer quando 
afirma que: “[as condições de morte e de vida de uma hipótese] são 
medidas pela disposição do indivíduo para agir. O máximo de vida 
em uma hipótese significa disposição irrevogável para agir. Em termos 
práticos, isso significa crença; mas há alguma tendência de acreditar 
sempre que há alguma disposição para agir” (p. 3).
Isso conduz a uma segunda constatação, a de que as 
crenças estão na base das ações motivadas. A crença é a motivação 
para agir de uma determinada maneira. Dessa forma, as decisões 
tomadas, no sentido de agir de uma maneira ou de outra, são 
condicionadas por crenças, por hipóteses vivas. Essas ações 
motivadas produzem, por sua vez, resultados que, se forem 
satisfatórios, mantêm a hipótese viva, e, se forem frustrantes, 
enfraquecem a hipótese, podendo, no limite, matá-la completamente.
48 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib
Em terceiro lugar, James (1897/1912) argumenta que no 
âmbito das crenças, das hipóteses vivas, as escolhas não são 
completamente racionais. Em linhas gerais, a crença nem sempre 
está ancorada exclusivamente em um julgamento racional acertado; 
na maioria das vezes há um elemento irracional na crença, que escapa 
ao controle intelectual, resistindo a argumentos puramente racionais. 
Assim, muitas ações são dirigidas, em alguma medida, por esse 
elemento passional da crença; e, por isso, justificativas puramente 
intelectuais para essas ações são contrafactuais e, com efeito, 
escondem seus motivos. Nas palavras de James (1897/1912):
Evidentemente, então, nossa natureza não-intelectual 
influencia nossas convicções. Há tendências passionais 
e volições que correm na frente e outras que chegam 
depois da crcnça, somente essas últimas estão atrasadas 
para a festa; e elas não estão tão atrasadas quando o 
trabalho passional prévio já aponta em sua própria 
direção.... Evidentemente, o estado de coisas está longe 
de ser simples; e o puro discernimento e a lógica, o que 
quer que possam fazer idealmente, não são as únicas 
coisas que realmente produzem nossos credos, (p. 11)
Voltando à questão inicial: é possível agir no mundo sem 
qualquer crença sobre ele? A resposta parece, agora, mais simples. 
Se toda ação traz consigo um elemento de crença, se as ações são 
motivadas, não há como escapar de acreditar para agir. Essa conclusão 
ajuda a esclarecer uma questão muitas vezes presente em 
interpretações “pragmatistas,, de ciência (cf. Wilson, 1958/1974, p. 
238). Não raro, diz-se que se pode agir “pragmaticamente” adotando 
uma “hipótese de trabalho” : o cientista se comporta como se um 
fenômeno fosse assim, mas sem acreditar que ele é assim. Com isso, 
tenta-se eliminar o elemento irracional inerente à crença, colocando 
as decisões em bases completamente intelectuais: o cientista “finge 
que acredita”, age, e depois vê o resultado. Em termos jamesianos,
CONVERSAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 49
isso equivaleria a uma ação que parte de uma hipótese morta, uma 
vez que a motivação da ação depende do lado passional ou irracional 
da crença. Mas, como diante de uma hipótese morta há indiferença, 
inação, ou o cientista acredita e age, ou não acredita e não age.
A defesa de que a ação científica parte de uma “simples 
hipótese de trabalho” talvez esteja assentada na crença de que a 
ciência opera de maneira exclusivamente racional, ironicamente, a 
defesa da ausência de crença parece se pautar em uma crença. Se 
essa hipótese se sustenta, não seria surpresa encontrar certo grau 
de irracionalidade nas tentativas de apagar o elemento irracional 
das ações científicas. Isso porque o apego dos cientistas por suas 
crenças também é uma expressão dessa dimensão irracional, que 
mantém as crenças, levando o cientista a lutar por elas. James (1897/ 
1912) dá um exemplo provocante desse tipo de defesa “cega” de 
uma crença no contexto científico:
Por que tão poucos “cientistas” chegam a pelo menos 
examinar evidências a favor da chamada telepatia? 
Porque pensam, como certa vez me disse um importante 
biólogo, já falecido, que mesmo que tal coisa fosse 
verdade, os cientistas deveriam se unir para mantê-la 
suprimida e escondida. Ela desfaria a uniformidade da 
Natureza e todo o tipo de outras coisas sem as quais os 
cientistas não podem levar adiante seus projetos, (p. 10)
Dessa forma, uma visão de mundo, uma crença sobre como 
é o mundo, é nossa motivação para agir nesse mundo. E na medida em 
que se trata de nossa visão, de nossa filosofia, sempre a defenderemos 
como uma verdadeira parte de nós10. Isso toma a compreensão da
lüEsse ponto é analisado por James (1890/1955) em sua teoria do self apresentada no 
capítulo X do Principies ofpsychology. Uma discussào pormenorizada desse assunto, 
infelizmente;, foge aos objetivos deste texto. Em linhas gerais, James argumenta que o 
seZ/espiritual, que inclui minhas crenças, é parte de mim na medida em que tenho por 
minhas crenças um sentimento de calor e intimidade; além disso, sinto-w?<? atacado 
quando elas são atacadas, e feliz quando são valorizadas e respeitadas.
50 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib
visão de mundo de algucm um assunto de grande importância, o que é 
reiterado por James (1907/1988) logo na abertura da primeira 
conferência sobre pragmatismo: “sei que vocês, senhores e senhoras, 
têm uma filosofia, cada qual e todos vocês, e que a coisa mais interessante 
e importante sobre vocês é a maneira pela qual ela determina a 
perspectiva em seus diversos mundos” (p. 7).
Visão de mundo como crença e como teoria
Mas afinal o que é uma visão dc mundo? A literatura 
filosófica tem uma extensa discussão sobre o assunto (cf. Ferrater 
M ora, 1994/2001c, pp. 2026-2030). Em um sentido 
contemporâneo, essa discussão assenta-se, em boa medida, na 
diferença presente nos termos alemães Weltbilde e Weltanschauung 
(Cicero, 1994). Em linhas gerais, Weltbilde é uma imagem do mundo, 
uma concepção estritamente teórica ou intelectual acerca do mundo; 
já Weltanschauung, a visão de mundo propriamente dita, envolveria 
uma mistura indissociável entre pensamento, vontade, açào e mundo 
(Cicero). Assim, em uma visão dc mundo (Weltanschauung) não 
há distância entre mundo, ações, disposições, e desejos em relação 
a esse mundo; não há uma imagem pura do mundo que depois é 
poluída por crenças; são as crcnças que constituem o mundo, que 
projetam as ações no mundo dando forma e sentido a cie11. E isso 
que está no horizonte desta assertiva: uma visão de mundo é 
indispensável para agir no mundo.
"James tenta evitar que isso o conduza ao idealismo absoluto (Conant, 1997/2010). 
Se, por um lado, projetamos nossas ações no mundo, por outro, o mundo mais cedo 
ou mais tarde oferecerá alguma resistência a nossas ações. A questão importante é: 
como entendemos essa resistência? Ou, que importância damos a ela? Muitas ve?es 
nossa visão dc mundo é tão enraizada, é tão dogmática, que agimos ignorando essa 
resistência; olhamos para o mundo como se nossa visão não tivesse qualquer oposição. 
Nesse contexto, a proposta do pragmatismo c tentar “olhar também para o outro 
lado”, buscar uma visão de mundo mais inclusiva, menos dogmática (James, 1907/ 
1988, 1909/1970). Discutiremos esse ponto no decorrer do texto.
CONVERSAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 51
Dessa perspectiva, o senso comum já

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