Prévia do material em texto
CHOQUE Camila Rocha Almeida CONCEITO Choque é a expressão clínica da hipóxia celular, tecidual e orgânica. É causado pela incapacidade do sistema circulatório de suprir as demandas celulares de oxigênio por transporte inadequado, por aumento do consumo ou por alteração da taxa de extração de oxigênio. Trata-se de uma emergência médica potencialmente ameaçadora à vida. Os efeitos da hipóxia tecidual são inicialmente reversíveis, mas rapidamente podem se tornar irreversíveis, resultando em falência orgânica, síndrome de disfunção de múltiplos órgãos e sistemas (SOMOS) e morte. O diagnóstico sindrômico de choque implica não só no tratamento imediato da hipóxia tecidual, mas também na imediata investigação etiológica. Para compreender a definição de choque, é importante compreender o significado de perfusão tecidual efetiva. Certas formas de choque resultam de uma redução global da perfusão sistêmica (baixo débito cardíaco), enquanto outras formas produzem o choque como resultado de uma distribuição inadequada do fluxo sanguíneo ou de um distúrbio da utilização dos substratos ao nível subcelular. Essas últimas formas de choque apresentam um fluxo global para os tecidos normal ou elevado, mas essa perfusão não é eficaz devido a anormalidades a nível microvascular ou subcelular. CLASSIFICAÇÃO Quatro mecanismos de choque são descritos: distributivo, cardiogênico, hipovolêmico e obstrutivo. Os mecanismos de choque não são exclusivos, e muitos pacientes com insuficiência circulatória apresentam mais de uma forma de choque. Choque hipovolêmico Resulta da perda de sangue e/ou volume, sendo devido à diminuição do volume de sangue circulante que leva a uma diminuição das pressões e dos volumes de enchimento dia. Choque cardiogênico Causado por uma grave redução da função cardíaca resultante de uma lesão miocárdica direta ou de uma anormalidade mecânica do coração; o débito cardíaco e a pressão arterial são reduzidos. Choque obstrutivo Resulta da obstrução ao fluxo no circuito cardiovascular, levando a um enchimento diastólico inadequado ou a uma diminuição da função sistólica devida ao aumento da pós-carga; resulta em débito cardíaco inadequado e hipotensão. Choque distributivo As anormalidades cardiovasculares do choque distributivo são mais complexas do que nas outras categorias. O choque distributivo é caracterizado pela vasodilatação: a venodilatação leva a uma redução da pré-carga, que pode ser corrigida pela administração de volume, e a vasodilatação arterial leva à hipotensão associada a um débito cardíaco normal ou elevado. A depressão miocárdica frequentemente acompanha o choque distributivo. O padrão mais característico é a diminuição da resistência vascular, débito cardíaco normal ou elevado e hipotensão. O choque distributivo, o qual resulta do efeito de. mediadores na microcirculação e nas células, pode produzir pressão arterial inadequada e disfunção de múltiplos órgãos e sistemas sem diminuição do débito cardíaco. CHOQUE Camila Rocha Almeida CLASSIFICAÇÃO DE ACORDO COM O MANEJO Choque hemorrágico Traumático Gastrointestinal Cavidade corporal Hipovolemia Perdas gastrointestinais Desidratação por perdas insensíveis Sequestro do terceiro espaço por inflamação Choque séptico Choque anafilático Choque neurogênico central Overdose de drogas Isquemia do miocárdio Trombose arterial coronariana Hipotensão arterial com hipoxemia Cardiomiopatia Miocardite aguda Doenças crônicas do músculo cardíaco (isquêmica, diabética, infiltrativa, endocrinológica, congênita) Distúrbios do ritmo cardíaco Fibrilação atrial com resposta ventricular rápida Taquicardia ventricular Taquicardia supraventricular Choque séptico com falência miocárdica (choque hipodinâmico) Overdose de drogas inotrópicas negativas Betabloqueador Antagonista dos canais de cálcio Lesão cardíaca estrutural Traumática (p. ex., prolapso de valva mitral) Ruptura do septo interventricular Ruptura de músculo papilar Monóxido de carbono Metemoglobinemia Sulfato de hidrogênio Cianeto PRIMARIAMENTE INFUSÃO DE VOLUME INFUSÃO DE VOLUME E SUPORTE VASOPRESSOR MELHORA DA FUNÇÃO DE BOMBA POR INFUSÃO DE SUPORTE INOTRÓPICO OU REVERSÃO DA CAUSA DE DISFUNÇÃO DA BOMBA ANTÍDOTOS ESPECÍFICOS DEVIDO A INTOXICAÇÕES CELULARES OU MITOCONDRIAIS CHOQUE Camila Rocha Almeida CLASSIFICAÇÃO DE ACORDO COM O MANEJO Embolia pulmonar Tamponamento cardíaco Pneumotórax hipertensivo Disfunção valvar Trombose aguda de prótese valvar Estenose aórtica crítica Cardiopatias congênitas em recém-nascido (p. ex., fechamento do ducto arterial patente, com coarctação aórtica crítica) Estenose subaórtica idiopática crítica ( cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva) ALÍVIO IMEDIATO DA OBSTRUÇÃO AO DÉBITO CARDÍACO FISIOPATOLOGIA Difusão do oxigênio dos pulmões ao sangue. Ligação do oxigênio à hemoglobina. Transporte de oxigênio pelo débito cardíaco para a periferia. Difusão de oxigênio para a mitocôndria. Aumento da afinidade: Diminuição da temperatura. Aumento do pH. Diminuição do pCO2 Diminuição do 2,3-DPG. Alterações da hemoglobina (hereditárias). Diminuição da afinidade: Diminuição do pH. Aumento do pCO2. Aumento da temperatura. Aumento do 2,3-DPG. O processo de utilização do oxigênio tecidual envolve os seguintes passos: 1. 2. 3. 4. O oxigênio atmosférico entra nos pulmões a partir da pressão negativa gerada pela inspiração. Posteriormente, o oxigênio alveolar se difunde para o sangue capilar pulmonar. A quantidade de oxigênio que é transferida para o sangue depende da relação ventilação-perfusão e da concentração de oxigênio inspirado (FiO2). Outros fatores importantes são a membrana alvéolo-capilar, a concentração de hemoglobina no sangue e sua afinidade pelo oxigênio, com a maior parte do oxigênio sendo carreada por proteínas plasmáticas com pequena quantidade de O2 que permanece livre no plasma. A afinidade pelo oxigênio da hemoglobina aumenta na medida em que o complexo com a hemoglobina se satura. Algumas situações aumentam ou diminuem a afinidade da hemoglobina pelo oxigênio e influenciam esse pro cesso, entre elas: O oxigênio posteriormente inicia o processo de difusão do sangue para a mitocôndria por um simples princípio de difusão, em uma pressão parcial de oxigênio de apenas 1 mmHg. Dessa forma, o gradiente de difusão do sangue para a célula é grande o suficiente para que tal processo físico suplemente as necessidades fisiológicas, embora em situações extremas esse processo possa ser insuficiente. CHOQUE Camila Rocha Almeida FISIOPATOLOGIA A distribuição do oxigênio aos tecidos também é determinada pelos mecanismos de controle da microcirculação local que controlam o fluxo total, tempo de trânsito e recrutamento capilar. Fatores autonómicos neurais e metabólicos regulam os esfíncteres arteriolares de tal forma a aumentar a densidade capilar. Órgãos com pouca reserva capilar apresentam -se em desvantagem durante hipóxia. Uma vez que o oxigênio chega à mitocôndria, ele deve funcionar como receptor final de elétrons provenientes do metabolismo aeróbico. Mesmo após entrar na mitocôndria, diversos mecanismos em determinadas patologias promovem a má utilização do oxigênio no metabolismo, levando a uma utilização glicolítica anaeróbica da glicose e hiperlactatemia para geração de ATP apesar da presença de O2. Com diminuições graduais da oferta, o consumo permanece constante devido a um aumento da extração periférica. Porém, diminuições progressivas podem superar a capacidade de adaptação da microcirculação e a produção aeróbica de ATP pode cair abaixo da necessidade metabólica. A partir desse ponto, também chamado de D0 2 crítico, a produção anaeróbica de ATP é iniciada. De modo geral, tal ponto se inicia a partir de uma oferta de 10 mL/min/kg. Porém, estudos clínicos não demonstraram a existência de um ponto de inflexão na relação entre oferta e consumo de oxigênio. Alguns demonstraram que a relação é linear até pontos extremos de oferta de oxigênio. Os principais de terminantes fisiológicosda perfusão tecidual (e da PA) são o débito cardíaco e a resistência vascular sistêmica. Assim, PA = DC x RVS. Processos patológicos que alterem qualquer um desses parâmetros fisiológicos podem resultar em hipotensão e choque. Em nível celular, o choque reduz o fornecimento de oxigênio para as mitocôndrias. O choque e a hipóxia tecidual tornam o oxigênio insuficiente em nível mitocondrial para a fosforilação oxidativa de ADP para ATP. Se a atividade metabólica celular continuar mesmo com uma produção insuficiente de energia, os níveis de ATP diminuirão e as vias de morte celular serão ativadas. Uma opção disponível é o aumento na produção de ATP não mitocondrial através da atividade glícolítica . Entretanto, essa é uma solução parcial, relativamente de curto prazo e não pode substituir completamente a produção de ATP mitocondrial. Em segundo lugar, em pacientes em choque séptico, postula-se que uma diminuição na atividade metabólica reduzirá as necessidades energéticas e gerará um novo estado estacionário em que a célula não funciona normalmente e, ao mesmo tempo, não permite que os níveis de ATP caiam para desencadear a morte celular, um mecanismo de defesa corporal semelhante à hibernação. RESUMO No nível subcelular, o choque afeta primeiro as mitocôndrias. As mitocôndrias funcionam na tensão de oxigênio mais baixa no corpo, mas consomem quase todo o oxigênio utilizado por ele. Mais de 95% da energia química aeróbica vem da combustão mitocondrial dos substratos combustíveis (gorduras, carboidratos, cetonas), além do oxigênio transformado em dióxido de carbono (CO2) e água. As mitocôndrias, portanto, são denominadas os canários da mina de carvão porque são afetadas primeiro em condições de perfusão tecidual inadequada. Quando as mitocôndrias têm oxigênio inadequado, a célula cataboliza combustíveis em lactato, que se acumula e difunde no sangue. No contexto de hipóxia, as mitocôndrias não conseguem fornecer energia suficiente para manter os processos celulares e, em certo ponto, uma série irreversível de cascatas intracelulares leva à disfunção celular, falência de órgãos e, finalmente, ao óbito.