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SABRINA FEITOSA 1 1 Psicologia e Trabalho A sociedade mudou de uma sociedade industrial para uma sociedade do conhecimento. Os produtos produzidos hoje não só físicos, as empresas também produzem bens intangíveis, como softwares, consultorias, entre outros que não são palpáveis. História do trabalho Em sociedades agrícolas, ser dono de terras era ser valorizado socialmente. Nessa época, o mundo era dividido em dois com Portugal e Espanha como potencias mundiais. Até que o mundo vivenciou a Revolução Industrial. O homem deixou as cidades rurais e foram para as cidades urbanas causando a superlotação nas cidades, não tendo emprego para todos. O que caracterizou o mundo pós-revolução industrial foi o modo de produção em que cada operário exercia, de modo mecânico, apenas uma parte da produção do produto inteiro. Figura 1 – Charles Chaplin O conhecimento é o único recurso de produção que não se esgota, a água, o petróleo, todos os recursos naturais de produção se esgotam. Essa é uma das leis básicas da economia: a escassez. Assim, os países brigam entre si para ser o dono da maior quantidade possível de recursos para produção de seus bens materiais. Segundo Marcos Cavalcanti, não estamos vivendo mudanças na sociedade, estamos mudando de eras. Estamos saindo da era que a produção de bens mecanicamente é valorizada, para uma que valoriza o conhecimento. A tecnologia iguala as empresas, logo, o que diferencia as empresas são as pessoas. As máquinas que precisamos usar agora é o nosso cérebro. É não só ser capaz de produzir, mas também de ser criativo, crítico com conhecimento. Esse será o novo trabalhador do século XXI (CAVALCANTI). No modo tradicional, as escolas e as empresas são uma máquina de “moer” gente, instituições que reprimem a criatividade e tornam o ser humano num robô sem identidade. Entretanto, essa visão industrial acaba perpassando a família, tornando o lar uma instituição que também pode “moer” a sua criança (CAVALCANTI). Visões de Mundo A visão que predomina no mundo acadêmico é uma visão cartesiana: dividir o problema grande em problemas menores para que possamos estudar o problema separadamente. Não é possível lidar com o mundo humano sem ter uma visão holística da situação, por mais que se divida os problemas, é preciso ter em mente o todo. Tendo, então, uma visão sistêmica: visão do todo, não individual; é conseguir pensar o todo. 4 Características de Empresas que Aprendem 1. Visão sistêmica – olhar o todo; 2. Propósito – não são focadas no lucro; SABRINA FEITOSA 2 2 Psicologia e Trabalho 3. Tolerância – aceitar a diversidade, tendo a diversidade como um valor positivo; e 4. Conservadoras nas finanças – não gastam o dinheiro com o primeiro modismo que aparece. Por exemplo: o modelo sustentável só será aplicado se a empresa entender o motivo desse modelo. “O lucro é o oxigênio das empresas, mas viver é muito mais que respirar”, Peter Drucker. Inteligência Coletiva A internet marca um modo de se comunicar de um para muitos. A ciência é feita coletivamente, atualmente. Veja a construção das vacinas da COVID-19, por exemplo, na qual não houve uma única empresa responsável por produzir vacina para todo o mundo, o que houve foi uma busca global pela “cura”. A abordagem da Psicopatologia do Trabalho “O campo específico da psicopatologia do trabalho é o campo do sofrimento, de seu conteúdo, de sua significação e de suas formas” (DEJOURS). Entretanto, as intervenções na psicopatologia do trabalho não são de cunho terapêutico individual, mas sim para benefício da organização (DEJOURS). Segundo Dejours, existem “dois sofrimentos cardeais” do trabalho: o medo e o tédio. Entretanto, os sofrimentos dos trabalhadores não aparecem diretamente porque eles elaboram procedimentos defensivos, assim, o sofrimento só pode ser percebido voltando-se para os mecanismos de defesas. Por isso, a psicologia do trabalha tem mais interesse nas defesas, do que no sofrimento. Os mecanismos de defesa, como proposto na psicanálise, são formas de lidar com o sintoma, com o sofrimento e revelam pessoas mais maduras. O mecanismo mais sofisticado é o da sublimação que tem a ver com usar a pulsão para produzir culturalmente ou socialmente. As instâncias psíquicas sempre desejarão mais do que a cultura pode oferecer. Cabe ao sujeito desenvolver mecanismos para lidar com isso. Dejours propõe que o primeiro objetivo dos mecanismos de defesas é resistir à agressão que é presente em algumas formas de organizações do trabalho, podendo, até mesmo, deixar o sofrimento inconsciente ao trabalhador. Entretanto, as defesas não só permitem aos trabalhadores resistirem aos sofrimentos, mas também geram sofrimentos quando o trabalhador que não se encaixa naquela defesa é excluído. A exemplo, um caso de Dejours: trabalhadores de uma construção usavam o álcool como forma de defesa contra o medo, ao passo que essa mesma forma de defesa também exclui aqueles que não a praticavam. Assim, Dejours teoriza que as defesas podem são meios de adaptação do trabalhador ao meio de trabalho, seja esse trabalho saudável ou não. As defesas podem fazer o trabalhador se adaptar ao ponto de não perceber os riscos, impedindo que venha à consciência a exploração que lhe ocorre (DEJOURS). As defesas não são apenas meios de defesas do trabalhador, elas também são fontes de exploração. Isto é, as organizações exploram o sofrimento dos trabalhadores. “A irritação dos trabalhadores [. . .], por conta do que são submetidos a executar pela hierarquia chega, no limite, a processo compulsivos de autoaceleração diretamente explorados” (DEJOURS). Assim, os trabalhadores interiorizam o que é imposto pelas organizações. Nesse sentido, Dejours propõe o que se pode chamar de ciclo: A defesa protetora se torna uma defesa adaptativa como o melhor modo de lidar com o trabalho/sofrimento e, então, pode passar a ser a única forma que o sujeito ver como possível para lidar com o sofrimento. Quando a defesa passa a ser explorada, nasce, então, a alienação. A nossa obrigação Sofrimento Defesa Protetora Defesa adaptativa Defesa Explorada SABRINA FEITOSA 3 3 Psicologia e Trabalho enquanto psicólogos do trabalho é transformar o trabalho mais “leve”, ao passo que o trabalho pode gerar a alienação, um processo de antitransformação, que é, do nosso ponto de vista de psicólogos do trabalho, conservador (DEJOURS). Nesse sentido, temos a crise de identidade originada do triângulo entre: sofrimento – defesa – alienação. Essas são as condições para uma intervenção coletiva (DEJOURS). A história infantil também tem a ver com o sofrimento atual do trabalhador. O trabalho se constitui como espaço para novas vivências ou revivências das fantasias infantis. Assim, o sofrimento infantil se articula com o sofrimento do trabalho (DEJOURS). Entretanto, a articulação desse sofrimento só se dá quando o sujeito tem a oportunidade de escolher a profissão que deseja exercer. Nos casos que não há essa escolha, o sofrimento laboral se sobrepõe ao sofrimento intrapsíquico (DEJOURS). O trabalho que silencia a criatividade, silencia a sublimação, fazendo com que o trabalhador tenha que conter os seus impulsos e desenvolva a defesa da autoaceleração, perdendo, então, seus desejos, tornando-se um alienado pelo trabalho. Por outro lado, o trabalho que estimula a criatividade abre caminho para a sublimação (DEJOURS). Os coletivos nascem da defesa contra o sofrimento. “Se os coletivos provenientes da defesa pela sublimação mantêm uma relação relativa de continuidade com o desejo, os coletivos provenientes das defesas estritamente adaptativas têm antes a tendência de cortar a expressão do desejo” (DEJOURS). A explicação para isso está na sublimação ser uma defesa que permite a expressão da pulsão, o que não faz desmoronar o funcionamento psíquico e somático, ao contrário darepressão (DEJOURS). Introdução ao pensamento de Christophe Dejours Christophe Dejours foi médico psicanalista. Em suas pesquisas ele não partiu de uma visão valorativa, por isso, em sua teoria, ele aborda o trabalho como produtor de sofrimento e prazer. Isto é, o trabalho pode ser tanto positivo, quanto pode ser negativo no sentido que “suga” o trabalhador, não criando nenhum tipo de identificação com o sujeito. Assim como Freud, Dejours entende o trabalho como estruturante psíquico do sujeito. Dentro da psicanálise há 3 estruturantes psíquicos: 1. Neurose: o sujeito conhece a regra, mas tento negociar com ela; 2. Psicose: não há conhecimento da regra, não compreendendo como a vida funciona. Então o sujeito rompe com a realidade, criando seu próprio mundo; e 3. Perversão: o sujeito toma como ele mesmo a regra, ele se autorrefere como a regra. Ele não se vê como perverso (não é o perverso do senso comum). Dejours se voltou para a Clínica do Trabalho, deixando de trabalhar com a doença/sintoma para trabalhar com a dinâmica que constitui a doença/sintoma. Ele afirma que “o conflito entre a organização do trabalho e o funcionamento psíquico, vai além do modelo causal”. O principal conflito para a psicanálise é o complexo de édipo que instaura o conflito da cultura: conviver em cultura é saber que não posso fazer tudo o que quero pois existem regras de convivência sociais que devem ser respeitadas. O princípio do prazer na psicanálise é buscar o prazer e evitar a dor. Assim, o sintoma seria uma escolha para evitar lidar com algo que causaria mais sofrimento. Ressalta-se que a escolha, na maioria das vezes, é inconsciente. Dejours se interessa pela relação, que será sempre conflituosa (conflito da economia psíquica, não no sentido ruim), do trabalhador com o trabalho. SABRINA FEITOSA 4 4 Psicologia e Trabalho Dejours critica o taylorismo que afirma como trabalhador ideal aquele que não pensa, que apenas se sujeito às condições de trabalho mecânicas. Dejours atribui ao trabalho a responsabilidade pela mediação da política com a psicanálise. Existem duas esferas de realização social: 1. Campo social: trabalho; e 2. Campo erótico: amor e seus fracassos. O sofrimento no trabalho sempre irá acontecer quando ocorrer o choque entre os desejos e expectativas do trabalhador com o quanto seu trabalho incorpora ou não essas coisas, e também o quanto o trabalhador é escutado. Dejours não defende que o trabalho deve realizar os desejos do trabalhador, mas que deve escutar ao trabalhador enquanto sujeito. O conceito de normalidade para Dejours é dividido em 3: 1. Equilíbrio psíquico: sempre será precário, no sentido que ele não tende a evoluir, mas que precisa estar em contato com essa precariedade. Nesse psíquico encontra-se tudo que me afeta; 2. Constrangimentos do trabalho desestabilizantes: constrangimento no sentido da não resposta ao desejo do trabalhador; e 3. Defesas psíquicas: a construção dessas defesas psíquicas para lidar com não correspondência ao desejo do trabalhador. Funcionamento do Aparelho Psíquico Sublimação: o quanto o indivíduo consegue projetar o desejo com algo compartilhado socialmente, algo que é valorizado culturalmente. Os Mecanismos de Defesa para a Psicanálise A partir do olhar para o mecanismo de defesa, é possível construir uma leitura do quanto o sujeito tende a um amadurecimento ou não. Amadurecer seria utilizar mecanismos mais sofisticados. Do mais simples para os mais sofisticados, os mecanismos são: 1. Repressão: retiro o que me causa sofrimento para que eu não precise lidar com isso, reprimindo no inconsciente; 2. Projeção: sentimentos próprios indesejados atribuídos a outras pessoas; 3. Regressão: retorno a formas de gratificação de fases anteriores, devido aos conflitos que surgem em estágios posteriores do desenvolvimento; 4. Racionalização: substituição do verdadeiro, porém assustador, motivo do comportamento por uma explicação razoável e segura; 5. Negação: não é reprimir, negar tem a ver com a consciência. É a recusa consciente para perceber fatos perturbadores; 6. Deslocamento: redirecionamento de um impulso para um alvo substituto; 7. Introjeção: estreitamente relacionada com a identificação, visa resolver alguma dificuldade emocional do indivíduo, ao tornar para a própria personalidade certas características de outras pessoas; e 8. Sublimação: parte da energia investida nos impulsos sexuais é direcionada à consecução de realizações socialmente aceitáveis, por exemplo: arte, ciência, etc. Na perspectiva psicanalítica, nosso papel não é de educar. Ideologias Defensivas – A Crítica ao Taylorismo O Taylorismo é o modo de organizar o modo de trabalho que conta com a ausência do sujeito, um trabalhador que não pensa, se assemelhando a uma máquina. Ganho secundário: não é um termo psicanalítico, mas que tem base na psicanálise. Em que o sujeito tem um ganho secundário com aquele sofrimento. Dejours percebeu que os trabalhos braçais produziam mais sofrimento aos trabalhadores. Assim, na perspectiva dele, eles adoeciam porque ganhavam o ganho secundário: não trabalhar. SABRINA FEITOSA 5 5 Psicologia e Trabalho A ideologia defensiva é composta por estratégias que, em coletivo, os sujeitos adotam para evitar o sofrimento no trabalho. Ao mesmo tempo, os sujeitos experimentam a vergonha por isso. • As defesas materializadas no mundo do trabalho • Hiperatividade; • Cinismo; • Desprezo; • Desesperança de ser reconhecido; • Negação do risco inerente ao trabalho; • Dissimulação; • Distorção da comunicação. Trabalho Prescrito e Trabalho Real 1. Trabalho prescrito: se trata do trabalho que pode ser descrito, os aspectos observáveis e que podem ser descritos. É tudo que pode ser organizado e descrito. 2. Trabalho real: se refere aos modos de relação entre as pessoas. Tarefas que não estão descritas no papel, mas fazem parte do trabalho. Ambas as dimensões são partes reais do trabalho. Dejours propõe que as práticas de organização do trabalho vão se deslocando de uma atuação sobre o corpo para uma atuação no campo do subjetivo, do psiquismo. Isso não quer dizer que as antigas práticas foram extintas, mas sim que elas passaram a conviver com outras práticas de trabalho. Exploração do Sofrimento: Ansiedade A ansiedade surge da necessidade de agir conforme as regras de procedimento de trabalho. “O trabalho não promove sofrimento, é o sofrimento que promove trabalho”, Dejours. Nesse sentido, é porque as pessoas se organizam em torno do sofrimento que o trabalho existe. As pessoas que mais sofrem tentam colocar os mecanismos de defesas para trabalhar de forma mais rápida. Por isso que o que é explorado são os mecanismos de defesas, uma vez que lidando com o sofrimento, o sujeito se torna mais produtivo. • Problemas de trabalho tem que ser discutido no trabalho. O TRABALHO. [S.I.]: Café Filosófico, [21-?]. (46 min.), color. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=vrjEUx9nYjo . Acesso em: 13 set. 2021. DEJOURS, C. Sofrimento e Prazer no Trabalho: a abordagem da psicologia do trabalho. In: Psicodinâmica do Trabalho. Figuras Figura 1 – Charles Chaplin: charles chaplin na fábrica - Bing images. Acesso em 13 de set. 2021. Veja também: Trabalho e Produção de Subjetividade https://www.bing.com/images/search?view=detailV2&ccid=ujGqYHt5&id=CF2F6FF87F760B95E933EEEEF8E9A706D7CBE019&thid=OIP.ujGqYHt5UxAS2dCF14as-QHaFi&mediaurl=https%3a%2f%2fth.bing.com%2fth%2fid%2fR.ba31aa607b79531012d9d085d786acf9%3frik%3dGeDL1wan6fju7g%26riu%3dhttp%253a%252f%252fwww.kitemes.com.br%252fwp-content%252fuploads%252f2015%252f08%252fchaplin.jpg%26ehk%3daQ6LNC9ZMJqLvKI%252fSV2N3S5myNfTp3GI8zCDom1%252bUEY%253d%26risl%3d%26pid%3dImgRaw%26r%3d0&exph=449&expw=600&q=charles+chaplin+na+f%c3%a1brica&simid=608051778800810535&FORM=IRPRST&ck=FFBDA7E78758CF172B76BCA346C44D17&selectedIndex=2&ajaxhist=0&ajaxserp=0https://www.bing.com/images/search?view=detailV2&ccid=ujGqYHt5&id=CF2F6FF87F760B95E933EEEEF8E9A706D7CBE019&thid=OIP.ujGqYHt5UxAS2dCF14as-QHaFi&mediaurl=https%3a%2f%2fth.bing.com%2fth%2fid%2fR.ba31aa607b79531012d9d085d786acf9%3frik%3dGeDL1wan6fju7g%26riu%3dhttp%253a%252f%252fwww.kitemes.com.br%252fwp-content%252fuploads%252f2015%252f08%252fchaplin.jpg%26ehk%3daQ6LNC9ZMJqLvKI%252fSV2N3S5myNfTp3GI8zCDom1%252bUEY%253d%26risl%3d%26pid%3dImgRaw%26r%3d0&exph=449&expw=600&q=charles+chaplin+na+f%c3%a1brica&simid=608051778800810535&FORM=IRPRST&ck=FFBDA7E78758CF172B76BCA346C44D17&selectedIndex=2&ajaxhist=0&ajaxserp=0