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LINGUÍSTICA APLICADA AO ENSINO DO INGLÊS Larissa Hainzenreder Aspectos da interlíngua Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar os aspectos da interlíngua. Relacionar as características da interlíngua com a primeira e a segunda língua. Reconhecer os estágios da aquisição de segunda língua. Introdução Ao longo do seu percurso como aprendiz de inglês como segunda língua, você pode ter observado uma série de fenômenos que parecem ser inerentes à aprendizagem de uma língua estrangeira, desde a clara interferência da sua língua materna até a dificuldade de limitar a aplicação de determinada regra a situações específicas do inglês. Isso acontece porque, enquanto você aprende uma segunda língua, a estrita relação que ela mantém com a sua primeira língua faz emergir um sistema linguístico singular, que vai ser remodelado por você durante todo o processo de aprendizagem e aquisição do novo idioma. Esse sistema é chamado de interlíngua. Neste capítulo, você vai estudar o conceito de interlíngua e suas principais características, além de aprender a relacionar os estágios de aquisição de segunda língua com o desenvolvimento da interlíngua. O que é interlíngua? A noção de interlíngua surgiu de uma preocupação de se descrever “[...] os aspectos linguísticos da psicologia da aprendizagem da segunda língua” (SE- LINKER, 1972, p. 209). Nesse sentido, o conceito de interlíngua é um termo cunhado dentro de uma teoria psicolinguística da aprendizagem de segunda língua (L2). Fala-se em aprendizagem – em vez de “ensino” ou do termo vizi- nho “ensino-aprendizagem” – no sentido de abordar o tema exclusivamente do ponto de vista do aprendiz. Não se trata, contudo, de um modelo de avaliação do sucesso ou insucesso do aprendizado, como costumam estar direcionadas as pesquisas voltadas ao aprendiz, mas, antes, de refl etir sobre “as estruturas e os processos internos do organismo de aprendizagem [learning organism]” (SELINKER, 1972, p. 210). A questão que se coloca, então, diz respeito às evidências que podem ser consideradas “psicologicamente relevantes” para o aprendizado da segunda língua. Essas evidências consistem em “eventos comportamentais” que permitem compreender melhor “as estruturas e os processos psicolinguísticos” subjacentes às tentativas de signifi car algo em L2 (SELINKER, 1972). Convencido da necessidade de identificar o fenômeno da aprendizagem de segunda língua sob o viés psicolinguístico, o linguista Larry Selinker (1972) (Figura 1) propôs um conjunto de critérios e construtos – os quais teorizam sobre os principais aspectos da estrutura psicológica da condição do aprendiz, seja na exposição de input ou na produção-prática de output na segunda língua – para a definição dos eventos comportamentais relevantes para uma teoria psicolinguística da aprendizagem de L2. Desse modo, o autor destaca a habilidade de realizar “identificações interlinguísticas” (WEINREICH, 1953 apud SELINKER, 1972, p. 211) em situações de con- tato de línguas como um aspecto muito importante da estrutura psicológica do falante bilíngue. Selinker enfatiza que a existência de uma estrutura psicológica latente que é ativada quando o falante se lança à tentativa de aprender uma segunda língua é inquestionável. Ainda assim, até então, a linguística aplicada ao ensino de línguas se servia somente da noção de uma estrutura latente meramente linguística (LENNEBERG, 1967 apud SELINKER, 1972) – e não psicológica –, a qual configura um arranjo mental dado de antemão e que funciona como a contraparte biológica da gramática universal (CHOMSKY, 1965) e que a criança, nos seus primeiros anos de vida, transforma na manifestação estrutural de uma língua particular con- forme os estágios de maturação linguística. Segundo Selinker (Figura 1), a estrutura linguística latente fundamenta a estrutura psicológica, que, para o autor, também já está formulada, mas é diferente da estrutura linguística, uma vez que não assume nenhuma contraparte direta como uma gramática e sua manifestação não está garantida na forma estrutural de quaisquer línguas, dada a possibilidade real de falta de sucesso na aprendizagem de segunda língua. Aspectos da interlíngua2 Figura 1. Larry Selinker, fundador da hipótese da interlíngua. Fonte: Aquino (2013, p. 15). Dessa maneira, Selinker parte do pressuposto teórico de que o sucesso absoluto na aprendizagem de segunda língua faz reativar a estrutura linguística latente; contudo, sabe-se que a maioria esmagadora de aprendizes adultos não alcança esse estágio. Por essa razão, você deve compreender que a interlíngua é um construto de uma teoria do processo de aprendizagem, na medida em que considera a investida do aprendiz na segunda língua, e não do seu sucesso – o primeiro é anterior e independente do segundo. Assim sendo, parte-se da premissa de que o aprendiz ativa uma estrutura latente psicológica, que é geneticamente determinada, sempre que tenta produzir significados na língua que está aprendendo. A partir do dado observável de que a produção de output do aprendiz de segunda língua, na maioria dos casos, não é idêntica ao input correspondente produzido por um falante nativo na língua em questão, Selinker defende a hipótese de que, numa situação de contato entre línguas, existe um sistema linguístico à parte do sistema da L1 e do sistema da L2. A interlíngua (IL) é o nome dado a esse sistema. Uma das teses mais importantes de Selinker é a de que as previsões de eventos comportamentais em uma teoria da aprendizagem de segunda língua 3Aspectos da interlíngua devem atentar, antes de tudo, “[...] às formas linguísticas dos enunciados pro- duzidos na interlíngua” (SELINKER, 1972, p. 214). Com a interlíngua assim definida, resta extrair, das situações em que o aprendiz atua diretamente no campo dos significados da segunda língua, os dados observáveis que podem ser considerados relevantes para a realização das identificações interlinguísticas. Na hipótese de Selinker, esses dados compreendem: Enunciados produzidos pelo aprendiz na sua língua nativa. Enunciados produzidos pelo aprendiz na sua interlíngua. Enunciados produzidos por falantes nativos na segunda língua. A cada um desses conjuntos de enunciados Selinker denomina eventos comportamentais psicologicamente relevantes para a aprendizagem de segunda língua, sendo que as previsões teóricas em uma psicologia relevante dessa aprendizagem seriam as estruturas aparentes dos enunciados produzidos na interlíngua do aprendiz. Isso significa que apenas após estabelecer esses três conjuntos de enunciados dentro de um enquadramento teórico e observar os dados relacionados às estruturas linguísticas específicas de cada um desses três sistemas linguísticos é que o pesquisador interessado na psicologia da aprendizagem de segunda língua pode começar a investigar os processos psicolinguísticos pelos quais o conhecimento que serve de base para o com- portamento da interlíngua é estabelecido. Selinker (1972, p. 215) sugere a existência de pelo menos “cinco processos psicolinguísticos centrais” na estrutura psicológica latente do aprendiz de se- gunda língua. Esses processos estão ligados ao conceito de fossilização, o qual Selinker entende como um mecanismo presente nessa estrutura psicológica latente: “Os fenômenos linguísticos que são passíveis de fossilização são os elementos, as regras e alguns subsistemas da língua que seus falantes nativos tendem a manter na sua interlíngua relativa a uma segunda língua particular, independentemente da idade do aprendiz ou ao quanto de explicação e instrução ele foi exposto na segunda língua” (SELINKER, 1972, p. 216). Segundo o autor, as estruturas fossilizadas costumam repetir-se potencialmente, reaparecendo na produção de uma interlíngua mesmo quando estão aparentemente erradicadas. Esse reaparecimento observado no comportamento psicolinguísticodo aprendiz de segunda língua é que coloca em evidência o fenômeno da fossilização, em primeiro lugar, e que, por conseguinte, fortalece a hipótese da interlíngua. Finalmente, os cincos processos centrais da estrutura psicológica latente do aprendiz que levam ao fenômeno da fossilização, de acordo com Selinker (1972, p. 215), são: Aspectos da interlíngua4 1. Transferência linguística: ocorre quando elementos e regras são fos- silizados na interlíngua por influência da língua nativa do falante, isto é, dos enunciados produzidos na sua língua nativa. O /r/ uvular na interlíngua de aprendizes de língua inglesa nativos de francês; o /r/ retroflexo na interlíngua de aprendizes norte-americanos de língua francesa; o ritmo (rhythm) do inglês na interlíngua de aprendizes britânicos de espanhol; a estrutura sintática alemã de tempo-lugar depois do verbo na interlíngua de apren- dizes de inglês nativos de alemão; a vogal monotongo do espanhol na interlíngua de aprendizes de hebraico nativos de espanhol; a estrutura sintática hebraica de objeto-tempo depois do verbo na interlíngua de aprendizes de inglês nativos do hebraico; e a entonação tailandesa na interlíngua de aprendizes tailandeses de inglês (SELINKER, 1972, p. 215). 2. Transferência pelo treinamento: ocorre quando elementos e regras são fossilizados na interlíngua do aprendiz devido a especificidades do processo de instrução da segunda língua. A dificuldade que alguns aprendizes brasileiros de inglês têm em relação à distinção he/ she, quando produzem na sua interlíngua o pronome he, em quase todas as ocasiões, é diferente da transferência de línguas, porque a distinção ele/ela é a mesma em português e inglês; logo, uma influência da língua nativa não justifica esse compor- tamento da interlíngua. Selinker (1972, p. 218) acredita que isso se deva, antes, ao fato de a maioria dos professores de inglês propor muito mais exercícios ou exemplos a partir do pronome he do que do pronome she. 3. Estratégias de aprendizagem de segunda língua: a maneira particular com a qual o aprendiz aborda o material linguístico da segunda língua durante o processo de aprendizagem pode levar à fossilização de ele- mentos e regras na sua interlíngua (p. ex., por meio de um processo de simplificação da segunda língua ou de uma tendência em evitar certas formas gramaticais). 5Aspectos da interlíngua A simplificação do sistema linguístico do inglês por aprendizes indianos que adotam como estratégia que todos os verbos são ou transitivos ou intransitivos, produzindo, na sua interlíngua, enunciados como I’m feeling thirsty ou I’m hearing him (JAIN, 1969 apud SELINKER, 1972, p. 219). 4. Estratégias de comunicação na segunda língua: alguns elementos podem ser fossilizados por conta da exposição a determinado input produzido por falantes nativos, isto é, enunciados produzidos por falantes nativos na segunda língua. A tendência de aprendizes russos de evitar artigos, plurais ou a forma do passado nos verbos do inglês, produzindo, na sua interlíngua, enunciados como: It was Ø nice, nice trailer, Ø big one; I have many hundred carpenter my own; e I was in Frankfurt when I fill application (COULTER, 1968 apud SELINKER, 1972, p. 220). 5. Supergeneralização: ocorre quando elementos são fossilizados na inter- língua porque o aprendiz generaliza regras específicas da segunda língua. A extensão que alguns aprendizes brasileiros fazem do morfema da forma do passado para um ambiente linguístico no qual ele não se aplica, como no enunciado interrogativo: What did he said? Ou a generalização do uso do verbo drive para todos os meios de transporte, como na colocação drive a bicycle, produzida na interlíngua de um aprendiz indiano, conforme mostra o enunciado: After thinking little I decided to start on the bicycle as slowly as I could as it was not possible to drive fast (JAIN, 1969 apud SELINKER, 1972, p. 218). Cada previsão teórica relativa a uma psicologia relevante para a apren- dizagem de segunda língua deve ser pensada, na medida do possível, em relação a um desses cinco processos, os quais coexistem na estrutura latente Aspectos da interlíngua6 psicológica do aprendiz. As reflexões de Selinker demonstram que os eventos comportamentais que podem ser considerados relevantes para uma psicologia da aprendizagem de segunda língua nem sempre são de fácil identificação. A elaboração de construtos teóricos, como as chamadas identificações interlin- guísticas, a noção de língua nativa em relação às noções de segunda língua e interlíngua, além da fossilização, servem à organização desses eventos. São as identificações interlinguísticas que unem, psicologicamente, os três sistemas linguísticos. Dessa maneira, o sucesso no aprendizado de uma segunda língua, na maioria das vezes, resume-se a uma reorganização do conteúdo linguístico da interlíngua para que ele seja identificado com uma segunda língua particular. Propriedades da interlíngua A partir dos cinco processos centrais da interlíngua, é possível extrair as seguintes propriedades (AL-KHRESHEH, 2015): Estabilidade: reflete a consistência com a qual um aprendiz de segunda língua aplica uma determinada regra ou forma linguística ao longo do tempo no sistema da interlíngua. Como, por obviedade, essa é uma pro- priedade que demonstra bastante variabilidade entre os aprendizes, Tarone, Fraunfelder e Selinker (1976) sugerem uma diferenciação entre dois tipos de usuários de interlíngua: o tipo 1, que está associado àqueles cuja interlíngua é distinguida pela estabilidade; e o tipo 2, caracterizado pela instabilidade. Sistematicidade: sendo a interlíngua considerada ela própria um sistema linguístico particular, não deve ser tomada como uma coleção aleatória de regras ou formas linguísticas. Há um padrão nessas regras e nessas formas que fornecem à interlíngua a condição de sistemática. Apesar da variabilidade da interlíngua, que é remodelada pelo aprendiz du- rante todo o processo de aprendizagem da segunda língua, estudiosos apontam que a natureza normativa do uso da interlíngua pelo aprendiz é observável (KASPER, 2001; KASPER; DAHL, 1991). Inteligibilidade mútua: as interlínguas podem ser usadas, em larga escala, em prol da comunicação entre seus falantes na medida em que podem compartilhar diferentes funções de comunicação com as línguas naturais (ADJEMIAN, 1976). Linguisticamente, a inteligibilidade mútua é tida como uma relação entre dialetos ou línguas nos quais os falantes de diferentes línguas podem, em certa medida, entender-se sem grande esforço. A inteligibilidade mútua é a propriedade inerente à interlíngua que a configura como uma língua humana (HENDERSON, 1985). 7Aspectos da interlíngua Retrocesso: é observável quando o domínio de certa forma linguística da segunda língua é perdido pela não utilização ou pelo uso indevido da forma. Formas ou estruturas linguísticas fossilizadas permanecem apesar da correção de erros, de instrução gramatical explícita ou de ex- plicação; e, mesmo que sejam erradicadas, podem ocorrer novamente em produção espontânea. Tal fenômeno é chamado de retrocesso (ELLIS, 1994). Selinker (1974) argumenta que o retrocesso não é aleatório e tampouco dirigido à primeira língua do aprendiz, mas está ligado a uma norma da interlíngua per se. L1, IL e L2 As refl exões de Selinker sugerem algumas questões importantes sobre as relações que se pode estabelecer entre a língua nativa (L1), a segunda língua (L2) e a interlíngua (IL) do aprendiz. A primeira questão a ser abordada é o papel da L1 na aquisição da L2. Por exemplo, a discussão ao redor da produção de erros durante o aprendizado de uma segunda língua ganhou uma nova perspectiva com o desenvolvimento do conceito de interlíngua, o qual ajuda a corroborar com a gama de estudos empíricos que indicam que os erros produzidos pelo aprendiz nem sempre são causados especifi camente pela L1 ou, em particular, pela L2: nessa perspectiva, “[...] o conhecimentosistemático que o aprendiz tem da L2 é independente tanto da L1 como da L2” (AL-KHRESHEH, 2015, p. 124); é, pois, fruto de um sistema linguístico independente que é desenvolvido na psicologia latente do aprendiz de segunda língua durante o processo de aprendizagem. A IL não é, em si, uma fase do processo de aprendizagem de L2, mas um processo transicional entre a L1 e a L2 pelo qual o aprendiz expressa o conhecimento já adquirido na língua que está aprendendo. Nesse sentido, a interlíngua não é mais L1, mas também não é ainda L2; é uma língua intermediária (Figura 2). Figura 2. L1, IL e L2. Fonte: Adaptada de Corder (1981 apud AL-KHRESHEH, 2015). Aspectos da interlíngua8 A partir da Figura 2, podemos compreender melhor o que Selinker (1972) quer dizer quando aponta que a IL pode ser entendida como um dialeto cujas regras compartilham características de dois dialetos sociais a partir de línguas determinadas (L1 e L2), independentemente de essas línguas compartilharem, ou não, as suas regras. Na sua análise, Corder (1981 apud AL-KHRESHEH, 2015) conclui que a interlíngua do aprendiz pode ser considerada como um dialeto no sentido linguístico da palavra, ou seja, nesse caso, duas línguas que compartilham regras gramaticais tornam-se dialetos. A partir daí, o autor nos convida a pensar que a L1 e a L2 mantêm uma relação de dialeto que origina a IL. Veja a proposta de Corder ilustrada na Figura 3: Figura 3. Relação de dialeto entre L1 e L2. Fonte: Adaptada de Corder (1981 apud AL-KHRESHEH, 2015). Acredita-se que, durante o aprendizado de L2, o aprendiz formula hi- póteses sobre o sistema e as regras da segunda língua. Essas hipóteses são permeáveis e constroem o sistema da interlíngua. São, também, transitórias, pois o aprendiz altera sua interlíngua ao longo do processo de aprendizagem, adicionando e eliminando regras, reestruturando todo o sistema. Em tese, a partir do processo gradual de verificação de hipóteses, o aprendiz modela sua interlíngua até que o sistema da segunda língua seja “totalmente” adquirido. Isso significa que a IL não é uma etapa do processo de aprendizagem porque atravessa todas as etapas, estabelecendo um verdadeiro continuum (Figura 4). Figura 4. Continuum da interlíngua. Fonte: Adaptada de Shameem (1992 apud AL-KHRESHEH, 2015). 9Aspectos da interlíngua Em última análise, a Figura 4 ilustra a “evolução” da interlíngua durante os cinco estágios da aquisição de segunda língua que você verá a seguir. Estágios da aquisição de segunda língua Apesar da notória e inquestionável variação observada entre aprendizes de segunda língua, mesmo dentro de uma única comunidade, em relação ao progresso na aquisição da L2, há certo padrão no trajeto que é percorrido durante a aprendizagem de L2 que permite a identifi cação de, pelo menos, cinco estágios que são reconhecidos pelas teorias de aquisição de segunda língua mais infl uentes até os dias de hoje. São eles: 1. Período silencioso ou de pré-produção: no início da exposição à L2, praticamente todos os aprendizes enfrentam um intervalo de tempo durante o qual eles não conseguem ou não estão à vontade para se comunicar oralmente na segunda língua. Esse intervalo pode durar alguns dias ou até um ano, a depender de uma série de fatores, como a personalidade do aprendiz e a cultura da sua língua nativa, mas também pode variar de acordo com a dinâmica adotada pelo professor. É também chamado de período de pré-produção, uma vez que antecede a produção inicial. Embora o aprendiz não esteja se comunicando, não significa que não esteja aprendendo, uma vez que está processando linguagem de maneira ativa e, portanto, modelando a interlíngua. De fato, o período de pré-produção pode somar até 500 palavras no vocabulário receptivo do aprendiz. Espera-se, nesse estágio, que o aprendiz mostre aptidão para copiar palavras e compreender comandos simples na segunda língua. A repetição é um recurso da instrução bastante importante nessa etapa. Assim, a compreensão oral e a aquisição de vocabulário receptivo são o foco do período silencioso. 2. Produção inicial: Após o período silencioso, dada a exposição suficiente ao material linguístico da L2, o aprendiz começa a comunicar-se oral- mente, testando efetivamente as hipóteses da interlíngua. O tempo de duração desse estágio sofre menos variação de aprendiz para aprendiz, sendo considerado, geralmente, um tempo máximo de 6 meses (porém, há métodos de ensino-aprendizagem de L2 que consideram esse estágio dentro de um período de 6 meses a 1 ano). Nessa etapa, o vocabulário receptivo do aprendiz começa a desenvolver um aspecto ativo, com o ganho de cerca de 1.000 palavras adicionadas à sua interlíngua. Aspectos da interlíngua10 Espera-se que o aprendiz produza enunciados de uma ou duas palavras, pelo menos. Nessa etapa, a aquisição de regras e formas da L2 pode ser enriquecida com recursos audiovisuais, como gráficos e tabelas. Atividades que estimulem a compreensão oral, ajustadas ao nível do aprendiz, seguem sendo de grande valia. 3. Emergência da fala: Tendo adquirido um vocabulário receptivo/ativo de cerca de 3.000 formas linguísticas e tendo realizado uma ampla quantidade de testagem de hipóteses na interlíngua até esse momento, o aprendiz começa a se comunicar e a dialogar com frases curtas e sentenças simples. Além disso, espera-se que o aprendiz esteja apto a formular perguntas simples, adequadas, ou não, à norma da L2, uma vez que é esperado que erros gramaticais ainda sejam produzidos. Geralmente, a duração desse estágio varia de 1 a 3 anos. 4. Proficiência intermediária: nesse estágio, a interlíngua do aprendiz contém aproximadamente 6.000 formas linguísticas da L2, o que per- mite a produção de frases mais complexas e a confiança para expressar opiniões e pensamentos na segunda língua. Espera-se que o aprendiz compreenda e leia bem enunciados produzidos na L2 por falantes na- tivos. Pode acontecer de o aprendiz aplicar estratégias da sua língua nativa com a intenção de aprender o material linguístico da L2, pro- tagonizando uma série de transferências linguísticas da L1 para a L2. Para evitar esse fenômeno, nessa etapa, o professor deve concentrar-se nas estratégias de aprendizagem. Esse estágio leva cerca de um ano após o estágio anterior. 5. Proficiência avançada: geralmente, o aprendiz chega a esse estágio entre 4 e 7 anos (podendo levar até 10 anos) após o início da aprendi- zagem de L2. Nessa etapa, o aprendiz está dotado de uma proficiência a nível acadêmico e cognitivo comparável ao nível nativo no que diz respeito à capacidade de aprendizagem e ao uso da gramática e do vocabulário adquirido. Estudos apontam que a exposição do aprendiz a um contexto de imersão na segunda língua (viver no país de origem da L2 e interagir com falantes nativos a nível social) os torna capazes de produzir “comportamentos narrativos e tipos lexicais mais densos semanticamente” do que aqueles produzidos por aprendizes de L2 que vivem no país de origem de sua L1. Isso pode fazer com que, no primeiro caso, os aprendizes “[...] ultrapassem os estágios citados de modo otimizado” (LOVATO; TAMANINI-ADAMES, 2008, p. 2-3). No Quadro 1, você pode ver uma síntese do que foi exposto nesta seção. 11Aspectos da interlíngua Fonte: Adaptado de Knox County Schools (2016). Estágio Período de duração Características Competências do aprendiz I Pré-produção até 1 ano Vocabulário recep- tivo de cerca de 500 palavras Copiar palavras; res- ponder a comandos simples II Produção inicial 6 meses a 1 ano Vocabulário receptivo/ ativo de cerca de 1000 palavras. Produzir enunciados curtos contendo 1-2 palavras III Emergência da fala 1 a 3 anos Vocabulário receptivo/ ativo de cerca de 3000 palavras. Produzir frases curtas e sentenças simples que ainda podem conter erros IV Proficiência intermediária cerca de 1 ano Vocabulário receptivo/ ativo de cerca de 6000 palavras. Produzir frases complexas e expressaropiniões e pensamentos V Proficiência avançada 4 a 10 anos Vocabulário espe- cializado a áreas de conteúdo. Utilizar a gramática e o vocabulário da L2 em nível próximo ao nativo Quadro 1. Estágios da aquisição de segunda língua e competências relacionadas 1. O conceito de interlíngua surgiu da preocupação do linguista Larry Selinker com o aspecto psicolinguís- tico do processo de aprendizagem de segunda língua. De acordo com Selinker, a interlíngua deve ser com- preendida como: a) uma estrutura psicológica latente pré-formulada que se manifesta na forma estrutural da segunda língua durante qualquer pro- cesso de aprendizagem de uma segunda língua. b) um sistema interno à estrutura psicológica do aprendiz que teoriza sobre o sucesso ou o insucesso do seu aprendizado de segunda língua. c) um sistema linguístico que existe na estrutura psicológica do aprendiz à parte do sistema da sua língua nativa e do sistema Aspectos da interlíngua12 da segunda língua que está aprendendo. d) uma estrutura linguística latente que a criança, nos seus primeiros anos de vida, transforma na manifestação estrutural de uma dada língua conforme sua matu- ração linguística. e) um construto teórico que existe na estrutura linguística latente do aprendiz de segunda língua. 2. Selinker sugere que a estrutura psicológica latente do aprendiz de segunda língua é palco de cinco processos psicolinguísticos centrais: transferência linguística, transferência pelo treinamento, supergenerali- zação, estratégias de comunicação na segunda língua e estratégias de aprendizagem de segunda língua. Esse último processo ocorre quando elementos e regras são fossilizados na interlíngua do aprendiz: a) por influência dos enunciados produzidos na sua língua nativa. b) por conta da metodologia de ensino-aprendizagem da se- gunda língua. c) devido à sua exposição a enun- ciados produzidos por falantes nativos na segunda língua. d) pela extensão de regras especí- ficas da L2. e) pela forma com a qual o material linguístico da segunda língua é particularmente abordado durante o processo de aprendizagem. 3. A interlíngua, tal como definida por Selinker, tendo como centro cinco processos psicolinguísticos relacio- nados ao fenômeno da fossilização, apresenta quatro propriedades que lhe são inerentes: estabilidade, siste- maticidade, inteligibilidade mútua e retrocesso. A partir dessas proprie- dades, é correto afirmar que: a) o retrocesso caracterizado pela perda do domínio do uso de determinada regra ou forma linguística da L2 não é aleatório, pois está relacionado à influência da língua materna do aprendiz. b) o uso de determina regra ou forma linguística da L2 é sempre estável, uma vez que o sistema da interlíngua esteja formado. c) o reaparecimento de elementos e estruturas fossilizados que pareciam erradicados ocorre porque o sistema da IL é mode- lado apenas uma vez durante o processo de aprendizagem. d) as interlínguas compartilham funções comunicativas com as línguas naturais, sendo que suas regras e formas podem ser aplicadas de maneira estável ou instável por parte do aprendiz. e) aprendizes de uma segunda língua que se comunicam por meio de interlínguas conseguem entender um ao outro sem grande esforço porque não há variabilidade entre aprendizes. 4. As reflexões de Selinker sobre a existência de um sistema linguístico à parte permitem-nos fazer apon- tamentos acerca das noções de língua nativa (L1), segunda língua (L2) e interlíngua (IL). Sobre a relação entre esses três conceitos, pode-se concluir com seguridade que: a) a IL é uma etapa do processo de aprendizagem de L2. b) a IL é um continuum entre a L1 e a L2. 13Aspectos da interlíngua c) L1 e L2 mantêm uma relação de dialeto, uma vez que comparti- lham suas regras linguísticas. d) a IL independe da relação de dialeto entre a L1 e a L2. e) o aprendiz de L2 formula hipóteses sobre o sistema e as regras da IL. 5. As principais teorias de aquisição de segunda língua identificam cinco es- tágios do processo de aprendizagem de L2: pré-produção, produção ini- cial, emergência da fala, proficiência intermediária e proficiência avan- çada. Da relação entre esses estágios e a IL, é correto afirmar que: a) o estágio de pré-produção é mar- cado por um intervalo de tempo durante o qual o aprendiz não se comunica oralmente na segunda língua e, portanto, ainda não co- meçou a construir sua interlíngua. b) a interlíngua começa a ser cons- truída somente no estágio de pro- dução inicial, quando o aprendiz começa a se comunicar oralmente. c) a emergência da fala ocorre quando o aprendiz já verifica hipóteses na interlíngua. d) no estágio de proficiência intermediária, espera-se um nível comparável ao nativo no que diz respeito ao uso da gramática e do vocabulário adquirido da L2. e) quando a interlíngua contém cerca de 6000 formas linguísticas da L2, o aprendiz está efetivamente no estágio de proficiência avançada. ADJEMIAN, C. On the nature of Interlanguage systems. Language Learning, v. 26, p. 297-320, 1976. AL-KHRESHEH, M. H. A Review Study of Interlanguage Theory. 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Aspectos da interlíngua14 http://www.journals.aiac.org.au/index.php/IJALEL/article/view/1290 https://www.slideshare.net/alvinb- KNOX COUNTY SCHOOLS. English Language Learners: Program Guide. 2016. Disponível em <https://www.knoxschools.org/cms/lib7/TN01917079/Centricity/Domain/1004/ ELL%20Program%20Guide%202015-2016.pdf >. Acesso em: 27 ago. 2018. LOVATO, C. S.; TAMANINI-ADAMES, F. A. Teorias, estágios e contexto de aprendizagem de segunda língua. Linguagens & Cidadania, v. 10, n. 1, p. 1-8, jan./jun. 2008. Disponível em: <https://periodicos.ufsm.br/LeC/article/view/28281>. Acesso em: 27 ago. 2018. SELINKER, L. Error analysis: source, cause, and significance. In: RICHARDS, J. C. (Ed.). Error analysis: perspective on second language acquisition. London: Longman, 1974. SELINKER, L. Interlanguage. International Review of Applied Linguistics in Language Tea- ching, v. 10, n. 3, p. 219-231, 1972. TARONE, E.; FRAUNFELDER, U.; SELINKER, L. 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