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O PROFESSOR FRENTE AOS DESAFIOS DA VIOLÊNCIA ESCOLAR SEVERO, Susana da Silva Gonçalves – UTP sjsevero@gmail.com FRANCO, Adriana de Fátima – UEM adriffranco@hotmail.com Eixo Temático: Violências nas Escolas Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo Neste trabalho nos propomos a levantar alguns questionamentos oriundos de uma das questões mais inquietantes da contemporaneidade: a violência, e de maneira particular a violência escolar. A violência no contexto das escolas tem trazido desconforto e vários questionamentos para sociedade e a educação, dando origem a uma reflexão teórica a respeito da formação que estamos proporcionando aos nossos jovens. Nosso objetivo é realizar uma análise a respeito das responsabilidades do professor, diante da problemática da violência no contexto da escola. Nesse sentido, surgiu a necessidade de refletirmos a formação do professor, enquanto profissional da educação, em relação às demandas que se apresentam como verdadeiros desafios na atuação docente. Numa perspectiva histórico-dialética, focalizamos alguns pontos como a categoria violência, a violência escolar, o papel do professor, a tendência atual para a Cultura de Paz. Inicialmente discutimos o conceito de violência e da violência que ocorre no ambiente da escola. O conceito de violência no contexto escolar apresenta-se de forma ampla, porque pode ser considerado desde o bulling, incluindo apelidos e agressões verbais, até agressões graves ou simplesmente, serem consideradas comportamentos comuns no relacionamento entre crianças e adolescentes, sem a conotação de gravidade. Por outro lado, a escola sempre foi considerada um lugar de paz e tranquilidade que promove a formação das novas gerações, e a violência produzida em seu interior parece chocar a sociedade. No decorrer do texto apresentamos os vários tipos de violência que ocorrem na escola e a seguir discutimos a responsabilidade do professor e as novas apropriações que seu cargo impõe, bem como as dificuldades encontradas na realização de sua atividade. Finalizamos analisando a proposta da Cultura de Paz como uma forte tendência entre os educadores, bem como, a crítica a essa proposta. Palavras-chave: Violência escolar. Professor. Educação para Paz. Introdução Nas duas últimas décadas, temos verificado um significativo avanço da violência no 583 contexto internacional e brasileiro, desvelando um cenário que, se manifesta em diferentes espaços e épocas. A violência tem se revelado de maneira ostensiva nos relacionamentos humanos no contexto da sociedade, e esta, tem reproduzido-a nos diversos circuitos e com múltiplas características. A violência é um conceito que consideramos imprescindível no desenvolvimento deste artigo, especialmente porque a violência escolar não está dissociada da violência social. Neste sentido, Sposito1 afirma que, a violência é uma categoria de difícil explanação, porém a mais amplamente aceita é a que “é todo ato que implica na ruptura de um nexo social pelo uso da força. Nega-se, assim, a possibilidade da relação social que se instala pela comunicação, pelo uso da palavra, pelo diálogo e pelo conflito”. Marilena Chauí (1998) expõe alguns conceitos a respeito de violência, argumentando que “etimologicamente, violência vem do latim vis, força, e significa: Tudo o que age usando a força para ir contra a natureza de algum ser (é desnaturar); Todo ato de força contra a espontaneidade, a vontade e a liberdade de alguém (é coagir, constranger, torturar, brutalizar); Todo ato de violação da natureza de alguém ou de alguma coisa valorizada positivamente por uma sociedade (é violar); Todo ato de transgressão contra aquelas coisas e ações que alguém ou uma sociedade define como justas e como um direito.” A partir dessas compreensões, Marilena Chauí (1998) argumenta que “Consequentemente, violência é um ato de brutalidade, sevícia e abuso físico e/ou psíquico contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas e sociais definidas pela opressão, intimidação, pelo medo e pelo terror”. De acordo com a autora a violência se opõe à ética porque trata seres humanos, com suas peculiaridades racionais e sensíveis como seres dotados de linguagem e de liberdade como se fossem coisas. O Brasil é um país de enormes disparidades sociais e que esta situação tem marcado a nossa história que remonta seu descobrimento e sua colonização. Encontramos em nosso país contrastes alarmantes, enquanto grande parte da sociedade tem dificuldades para sobreviver, e muitos vivem abaixo da linha da miséria, uma minoria é beneficiada com uma vida de conforto, luxo e consumismo exacerbado. Os últimos são beneficiados por todas as formas de progresso e das inovações que a sociedade moderna dispõe. ______________ 1 Artigo publicado pelo IEA - USP 584 Os dados do IBGE (SIS, 2010)2 comprovam que em 2009, houve um crescimento da frequência à escola das crianças de 0 de 5 anos de idade, visto que o percentual das que frequentavam escolas ou creches atingiu 38,1%, enquanto em 1999 era de 23,3%. No entanto, apesar do crescimento ainda é insuficiente, considerando que a população atendida não chega a 50%. Na faixa de 6 a 14 anos, desde a década de 90, praticamente todas as crianças frequentavam escola (94,2% em 1999 e 97,6% em 2009). Não obstante, a situação dos jovens entre 15 a 17 anos é preocupante, pois em 2009, a taxa de frequência à escola alcançou 85,2%, porém, o percentual de alunos que frequentavam o ensino médio, que seria o nível adequado à sua idade, era de 50,9%. Assim, apesar de estar tendo acesso à educação escolar, a metade dos adolescentes estão atrasados nos seus estudos. Entre jovens de 18 a 24 anos que estudam, os que cursam ensino superior apresentam um percentual de 48,1% em 2009. A taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais chega em torno de 9,7% no mesmo ano. Quase 10% da população é analfabeta, sendo que a maioria pertence a região Nordeste e vivem com ½ salário mínimo de renda familiar per capita. Ainda é necessário que apontemos alguns dados sobre o saneamento básico que atinge 62,6% dos domicílios urbanos com abastecimento de água, rede de esgoto e coleta de lixo. No Brasil, em 2009, apenas 21,1% dos domicílios tinham simultaneamente energia elétrica, telefone fixo, internet, computador, geladeira, TV em cores e máquina de lavar (em 2004, eram 12,0%). De acordo com Milani (2004) a disparidade econômica acarreta injustas consequências sobre a qualidade de vida da população sobre vários aspectos, notadamente, nas áreas da saúde, educação, moradia, segurança, entre outros, gerando por assim dizer, a violência vertical. No momento em que as necessidades básicas não estão sendo atendidas, aliadas a outros problemas como o não desenvolvimento de valores, a aproximação com as drogas e o narcotráfico, a facilidade para ingressar no mundo dos crimes e a impunidade, podem ser considerados como facilitadores para o avanço da violência social. Ao voltarmos à atenção para a escola, seus alunos, professores, perguntamos sobre a relação entre a violência social e àquela presente no ambiente escolar. Esta realidade, esta vivência em meio a atos violentos, não estaria gerando na consciência de nossa sociedade, de nossos jovens estudantes, a ideia de que este comportamento acontece, e que deve ser ______________ 2 Síntese de Indicadores Sociais - IBGE, 2010. 585 considerado natural? Será que ao chegar à escola o aluno transfere a realidade violenta e violentada para o interior da mesma? Assim, entre os variados lugares em que a violência é exercida, temos o contexto escolar, no qual vem tomando proporções alarmantes, com recorrência cada vez mais banalizada, seja na mídia ou no cotidiano da maioria dos brasileiros. Por ser a violência um problema da sociedade como um todo, particularmente quando atingem determinadospatamares de intensidade, ela repercute logicamente no meio escolar, de várias maneiras e por várias razões. (PINO, 2007, p. 786) Nesta direção, a violência no meio escolar, tem sido uma questão vista com bastante preocupação por parte da família, professores, pesquisadores e demais membros da sociedade, notadamente aqueles vinculados à educação dos jovens. Conforme explicita Abramovay (2009) a violência no contexto da escola têm se apresentado como uma situação, de certa forma corriqueira, mas que precisa ser debatida na sociedade para que não se torne uma banalização. Atos de intolerância, que culminam em violência física, verbal, entre outras, são frequentes nas escolas do país e envolvem tanto estudantes quanto professores e funcionários, cada qual em diferentes posições, conforme o caso. Ora, são vítimas, ora, perpetradores de comportamentos violentos. As motivações também são variadas: machismo (como no episódio da UniBan), homofobia, racismo, intolerância religiosa etc. (ABRAMOVAY, 2009). Para Ruotti, Cubas e Alves (2006), quando usamos um termo tão amplo como ‘violência’, que abrange desde agressões graves até as pequenas incivilidades presentes na escola, o problema pode tornar-se impensável devido aos inúmeros tipos de situações envolvidas, ou simplesmente, estigmatizar padrões de comportamento comuns no ambiente escolar. Dessa forma, condutas consideradas normais no relacionamento entre crianças e adolescentes, podem ser consideradas como sinal de violência sem, no entanto, ter a gravidade apontada. De acordo com Charlot (2002), definir violência escolar apresenta algumas dificuldades, não somente porque esta remete a fenômenos difíceis de delimitar, mas também, porque desestrutura as representações sociais que possuem valores definidos na sociedade 586 como: aquela da infância que traduz inocência, a da escola considerada um refúgio de paz e a da própria sociedade como sendo pacificada no regime democrático. Portanto, o surgimento da necessidade de definir e investigar a violência escolar são, no mínimo, um choque de realidade para a sociedade. Embora o autor traga à tona, a inexistência de um consenso em relação ao significado escolar, é importante notar que, se observarmos o tema, pelo foco dos direitos humanos, há um consenso possível. A Constituição Federal/1988 em seu artigo 227 3, bem como, o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8069/90, nos artigos 4º 4 e 5º 5, contemplam a defesa e garantia de direitos da infância e juventude, bem como o esforço para impedir qualquer tipo de ameaça ou violação, contra crianças e adolescentes. Assim, a violência não pode ser considerada subjetiva, possui critérios, padrões que servem de base para que as ações possam ser julgadas. Entretanto, está na dependência de cada cultura perceber a atitude como violenta ou não violenta. Segundo Debarbieux a violência no cotidiano das escolas está associada a três dimensões distintas: Em primeiro lugar, à degradação no ambiente escolar, isto é, à grande dificuldade de gestão das escolas, resultando em estruturas deficientes. Em segundo, a uma violência que se origina de fora para dentro das escolas, que as torna “sitiadas” (Guimarães, 1998) e se manifesta por intermédio da atuação de gangues, do tráfico de drogas e da crescente visibilidade da exclusão social na comunidade escolar. Em terceiro, relaciona-se a um componente interno das escolas, específico de cada estabelecimento. Há escolas que historicamente têm-se mostrado violentas, e outras que passam por situações de violência. É possível observar a presença de escolas seguras em bairros ou áreas reconhecidamente violentos e vice-versa, sugerindo que não há determinismos nem fatalidades, mesmo em períodos e em áreas caracterizadas por exclusões. Desse modo, é possível conceber que ações ou reações localizadas no sentido de combater a violência podem ser eficazes. (DEBARBIEUX, 2002, p.33). ______________ 3 Art. 227 – CF - “É dever da família, da sociedade e do estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” 4 Art. 4º ECA – “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”. 5 Art. 5º - ECA - “Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”. 587 Assim, é imprescindível voltarmos nossa atenção a respeito de que tipo de homem nossa sociedade está formando. A sociedade capitalista na qual estamos inseridos, e consequentemente seu modo de produção, com todos os mecanismos de exclusão social, vem determinando um perfil de ser humano com perdas de valores, individualista e, nas formas mais acentuadas, com comportamentos violentos. Segundo Bourdieu e Passeron (1992) ao referir-se à violência, asseveram que existe outra violência que não poderíamos deixar de considerar, como sendo as práticas mais perspicazes do que a violência ostensiva. A violência simbólica que traz a tona como a ação pedagógica impõe a cultura dominante aos dominados. Todo poder de violência simbólica, isto é, todo poder que chega a impor significações e a impô-las como legítimas, dissimulando as relações de força que estão na base de sua força, acrescenta sua própria força, isto é, propriamente simbólica, a essas relações de força. (BOURDIEU; PASSERON, 1992, p. 19) Saviani (1997) afirma que os autores desta obra, tomam como ponto de partida, a ideia de que todas as sociedades estão estruturadas sob um sistema de relações de força material (capital econômico) entre grupos ou classes. Assim, sobre a força material, e por ordem dela, cria-se um sistema de relações de força simbólica (capital cultural) que de forma dissimulada, fortalece as relações de força material. A violência simbólica se manifesta de múltiplas formas: a formação da opinião pública através dos meios de comunicação de massa, jornais etc.; a pregação religiosa; a atividade artística e literária; a propaganda e a moda; a educação familiar etc. (SAVIANI, 1997, p. 30). Não obstante, podemos notar que Bourdieu e Passeron, apresentam uma visão realista, porém, pessimista da educação e da escola, ao passo que Saviani acredita na superação das relações de dominação da classe hegemônica, por meio da educação, sendo a escola um agente de mudanças. Desta forma, a educação não está condenada a reproduzir a pobreza, as desigualdades ou a violência social. Cabe a ela no conjunto de seus educadores ampliar a visão de mundo, 588 proporcionando as condições necessárias para formar educandos com um pensamento crítico e autônomo. O educador e a violência no interior das escolas O papel do educador vem passando por um intenso processo de modificação nas últimas décadas, reflexo também de constantes mudanças na sociedade, gerando novos desafios e demandas e, entre estes se encontra a violência no contexto da escola. Segundo Oliveira (2009) é preciso enxergar o espaço escolar como um ambiente propício para a vivência de relações interpessoais. As questões ligadas à moral e à vida em grupo devem ser tratadas como conteúdos de ensino, caso contrário, corre-se o risco de permitir que as crianças tornem-se adultos autocentrados e indisciplinados em qualquersituação, incapazes de dialogar e cooperar, partindo sempre para agressão quando algo lhes desagrada. Segundo Arroyo (2007) a violência na escola traz a tona indagações para o repensar da teoria e prática educativa. Argumenta que termos como “violência infanto-juvenil” faz referência à classificação de condutas de um determinado coletivo de crianças, adolescentes ou jovens, termo que os classifica e segrega como coletivo. Por exemplo, alunos que antes eram considerados indisciplinados, porém, indisciplina sempre aconteceu na escola, passaram a ser classificados como violências, elevando as condutas a uma condição que segrega e produz estigmas. O autor destaca que pesquisas vêm mostrando as conexões entre a violência infanto- juvenil e as violências de que crianças, adolescentes e jovens padecem. Entretanto, as indagações e as reações concentram-se mais na condição de réus e agentes infanto-juvenis, de atos de violência, do que na sua condição de pacientes e vítimas. Temos pouca reflexão acumulada sobre como a condição de pacientes, vítimas de tantas formas de violência, afeta os processos de socialização, formação intelectual e ética, identitária e cultural, como afeta os processos de desenvolvimento humano de tantos coletivos de educandos. (ARROYO, 2007) Quando se aborda a responsabilidade do professor frente à violência escolar muitos aspectos devem ser considerados, entre eles seria a valorização do profissional da educação e a formação docente. 589 A sociedade, principalmente através das ações governamentais e representações de classe, precisa garantir melhores condições de trabalho e a adequada qualificação dos educadores. Existe neste sentido, um agravante que é a desvalorização da carreira docente, baixos salários e planos de carreira ínfimos, desmotivando o trabalho docente. Segundo Chaves (2004) a formação geral do professor deveria ter um foco formativo maior, domínio de novas tecnologias, a inclusão da problemática dos alunos portadores de necessidades sociais como: envolvimento e exposição ao crime, trabalho precoce, desestrutura familiar e em especial o trabalho coletivo interdisciplinar e o incentivo às pesquisas. Dessa forma, a política de formação de professores devem incluir discussões quanto aos comportamentos agressivos que se manifestam nos alunos, o que lhes cabe para que a violência seja superada, e busquem parcerias com os pais e a comunidade como um todo. De acordo com Pereira (2001) dizer não à violência implica em manifestar-se contra as correntes que originam a violência. O não à violência somente será legítimo, na medida em que houver o compromisso de luta, contra todos os que alimentam a violência no mundo e quando os direitos essenciais e a dignidade humana dos cidadãos estiverem assegurados. Neste sentido, um dos caminhos mais importantes para acabar com as injustiças sociais é o das reformas sociais, que promovam transformações substanciais no atual sistema, e um sólido trabalho de formação de nossos jovens nas escolas, para isso, é preciso que haja sólida formação dos professores. Muito há que se pensar sobre soluções e caminhos para que o ambiente escolar possa realmente, oferecer a alunos e professores, as condições adequadas para o pleno desenvolvimento do processo educativo. Um ponto deve ser fortemente valorizado e explorado: a importância do papel do educador, não apenas diante de comportamentos inadequados, como também diante da possibilidade de tornar-se um agente transformador no desenvolvimento de seu aluno. A proposta da Educação para Paz A educação para a paz tem aparecido como um instrumento importante para a realização de uma cultura de paz. Esta proposta surgiu no diálogo entre as sociedades, não somente como um novo objeto de pesquisa, mas expressando a ideia de bem, onde se coloca a questão do sentido da humanidade, e este como finalidade da educação. 590 Segundo Corrêa (2003) definir o conceito educação para a paz não é fácil. A expressão contém dois termos altamente problemáticos: "educação/educar" e "paz". Os vocábulos educação e educar fazem parte do processo de socialização, uma atividade que não se pode considerar neutra, porque supõe o objetivo de acomodar os indivíduos aos valores predominantes da sua sociedade. Nesta direção, as ideias e valores que cada sociedade engendra no seu percurso histórico vão sendo assimiladas desde a infância. A educação possui um papel superior na transmissão destas concepções, que vão denotar ou representar o próprio educando e a sua construção no mundo. Portanto, segundo Corrêa (2003), a educação em si, possui uma configuração de violência, porque impõe ao sujeito uma assimilação de valores já construídos e solidificados pela sociedade. De acordo com Corrêa (2003) a palavra paz tem diversos significados. Dentro de uma análise linguística podemos distinguir duas grandes concepções, a negativa e a positiva, conjuntamente com duas definições de violência, a direta e a estrutural. A paz negativa seria simplesmente não guerra, ou seja, a ausência de violência direta, o que não exclui outro tipo de violência como, restrições econômicas, boicotes, entre outras. A paz positiva pressupõe um nível reduzido de violência direta, e um elevado nível de justiça. Procura-se a harmonia social, a justiça, a igualdade e, portanto, a mudança radical da sociedade, a eliminação da violência estrutural. No entanto a autora afirma: a paz positiva pressupõe também que os indivíduos e os grupos comprometidos tenham um campo de atuação próprio (as iniciativas desde baixo) e buscar também a auto-realização das pessoas. A paz não é uma meta, um fim utópico, senão um PROCESSO, algo que pretendemos alcançar e construir. Tampouco existe um desprezo do conflito, co-substancial ao ser humano, senão um intento de aprender a fazê-lo aparecer, enfrentá-lo e resolver de forma alternativa. A paz, em síntese, não é o contrário da guerra, senão a ausência de violência estrutural, a harmonia do ser humano consigo mesmo, com os outros e com a natureza (CORRÊA, 2003, p. 110). Segundo Jares (1999) “educar para a paz está se tornando uma expressão e uma necessidade educativa cada vez mais conhecida e assumida por boa parte dos que se dedicam a tarefas formativas, tanto na educação formal como na educação não formal”. No dizer de Milani (2003) promover a cultura da paz significa trabalhar de forma integrada em prol das grandes mudanças, ansiadas pela maioria da 591 humanidade: justiça social, igualdade entre os sexos, eliminação do racismo, tolerância religiosa, respeito às minorias, educação universal, equilíbrio ecológico e liberdade política. Na questão da violência Milani (1999) afirma que a fome, opressão, exclusão social, racismo e desigualdade social são causadores da violência, mas esta é só uma parte da verdade. A pobreza não é exclusivamente a geradora da violência, mas sim, um conjunção de fatores em múltiplos níveis (individual, grupal, cultural e socioeconômico), que interagem para produzir o fenômeno da violência. Para o autor temos que sair do paradigma da repressão, que combate à violência com medidas de força (redução de idade penal, construção de presídios, etc). Já o paradigma estrutural acredita que enquanto não se resolver a fome e o desemprego, por exemplo, não se pode falar em paz. Segundo Milani (1999) estes paradigmas provocam uma paralisia que faz a violência crescer ainda mais. O paradigma da Cultura de Paz traz uma visão mais ampla, pensa na educação e na mudança de comportamento. Acredita que ao invés das pessoas colocarem problemas macros como impedimento, deveria agir no nível micro, do dia-a-dia, sem abandonar os problemas maiores, como a fome. Nesta direção, nossos educadores estão sendo de certa forma, orientados para assumir a proposta da Cultura de Paz, com o objetivo de superar a violência manifestadano interior de nossas escolas. No entanto a Cultura da Paz, tão amplamente difundida nos meios educacionais, tanto internacionais como nacionais, precisa ser questionada para que a paz preconizada não signifique apaziguamento para obediência e servidão. As considerações de Lapierre e Aucouturier (1988) ao se referirem à agressividade nas crianças, demonstram que esta é o resultado de um conflito entre desejo de afirmação (pela ação) e os obstáculos e interdições que essa afirmação encontra. Os obstáculos seriam as limitações objetivas (dificuldades psicomotoras) que não ameaçam o equilíbrio psíquico do indivíduo, ele aprende pela experiência a superá-los, contorná-los ou aceitá-los. As interdições pelo contrário, podem ser internalizadas de forma inconsciente. Elas não podem ser superadas, a não ser pela transgressão, que é um ato agressivo. A agressividade é então uma maneira de relacionar-se com o outro, é uma comunicação. É uma maneira de dar e receber, ainda que sejam golpes. Assim, Lapierre e Aucouturier (1988) argumentam que, proibir a agressão, reprimi-la por meios coercitivos, é entrar no jogo da agressividade e reforçá-lo. Tolerar a agressão sem 592 responder a ela aumenta sua intensidade, porque o agressor quer uma resposta, uma relação, de certa forma está chamando a atenção para si ou para suas dores. Portanto, é através do domínio da agressividade, que começa a adaptação ao outro. Os autores defendem a não proibição da agressividade, mas a expressão simbólica, através de jogos em grupo que trabalham as noções de companheirismo e adversários, a noção de equipe como também a de competição, fazer melhor que o outro grupo. Naturalmente se referem às crianças com dificuldades psicomotoras, mas entendemos que servem para todos os alunos, especialmente para os inseridos na escola pública, até porque aí, se encontram os filhos da classe trabalhadora, que necessitam canalizar esse impulso de agressividade, tornando-se questionadores e críticos com as imposições do capitalismo. Neste sentido, os autores postulam: Esta energia combativa nos esforçaremos para orientá-la, individual e coletivamente, não mais contra o outro, mas contra o mundo exterior, não mais para destruí-lo, mas para construí-lo e dominá-lo. Nessa conquista do mundo, o outro não deve ser um obstáculo, mas sim uma ajuda. Aí esta o investimento positivo da ciência e da técnica. (LAPIERRE .& AUCOUTURIER, 1988) Não obstante, para Vázquez (1977), toda a práxis é um processo de transformação de uma matéria, dessa forma, o sujeito imprime uma determinada forma à matéria, depois de tê- la desarticulado ou violentado, somente assim, ocorre a transformação real e efetiva, sem o que, as possibilidades de alteração não podem se realizar concretamente. Quando essa transformação ocorre sobre um objeto real, físico, podemos qualificá-lo como violenta e os atos que culminaram na alteração como violentos. O autor ainda considera a violência como constitutiva do homem e exclusiva dele, porque recorre a ela quando humaniza a natureza, isto é, por não conseguir viver em plena harmonia com a natureza, como os animais o fazem, emprega a força para submetê-la às suas necessidades. Assim, temos a práxis produtiva, o humano se opõe ao não humano, neste caso se refere à natureza. Para Vázquez (1997) o papel da violência na práxis social (quando o homem não é apenas sujeito, mas também objeto da ação) representa uma ação de indivíduos sobre outros, ou como produção, depois de subverter a realidade social estabelecida. Dessa maneira, a práxis social assume a forma da atividade prática revolucionária para construir outra nova 593 estrutura e, para isso, precisa vencer a resistência da matéria (social, humana) que se pretender alterar. Assim, a violência se insere na práxis, na medida em que se faz uso da força. Segundo Vázquez (1997), Marx e Engels sempre reconheceram a necessidade histórica de métodos violentos, na transformação revolucionária da sociedade, e apontavam que as classes dominantes nunca hesitaram usá-la quando se viam ameaçadas, apesar de sempre negarem sua utilização. No entanto, não faziam apologia da violência e não a consideravam um fim em si mesmo ou como o único método de luta. Para eles o uso da violência era uma necessidade imposta pelas contradições inconciliáveis de uma sociedade dividida em classes. De acordo com Vázquez (1997) no marxismo a violência revolucionária aparece como uma necessidade histórica que necessariamente desaparecerá ao desaparecer as condições histórico-sociais que a engendram. Assim, o autor esclarece que a violência como ‘parteira da história’ acompanhou a práxis social humana em suas reviravoltas, no entanto, trabalhou contra si mesmo, porque trabalhou contra a violência de amanhã. Ao tornar a práxis humana não violenta a violência revolucionária se dirige contra uma violência particular de classe (dominante), como também a violência em geral, ao passar a um Estado não violento. Somente quando a práxis social deixar de ser violenta, terá uma dimensão autenticamente humana. Diante desta discussão entre a formação e/ou adesão dos professores à proposta de Cultura de Paz, há que se ter muita cautela, para que a paz preconizada não se transforme em apaziguamento, retirando no dizer de Lapierre e Aucouturier, a energia combativa dos sujeitos e que se transforme em obediência ao sistema vigente. Considerações finais A sociedade e a escola estão envolvidas por uma crise, especialmente nas relações entre os sujeitos. No entanto, diante da questão da violência escolar podemos encará-la de duas formas distintas, por um lado, visualizar como algo ameaçador e tentar superá-la, reforçando ainda mais os mesmos valores que são a causa dos problemas existentes, ou seja, combater a violência com atitudes de coerção e atos violentos e, por outro lado, visualizar a violência da escola como uma enorme oportunidade para corrigir os erros, buscar novas soluções, usar a criatividade, rever os modelos, buscando compreender a totalidade do fenômeno. 594 A violência escolar está sendo considerado um grande problema, mas por detrás dessa violência existe um pedido, uma reivindicação de direitos, de valorização como ser humano e cidadania. Neste sentido, é necessário compreender que estamos vivenciando uma crise profunda e multidimensional, que afetam todas as relações entre os sujeitos inseridos numa sociedade. Eis aí o grande desafio da educação e, por conseguinte dos educadores. A educação nas palavras de Martins (2004) é uma das condições pelas quais o homem desenvolve suas capacidades ontológicas essenciais. Assim, além de ser produto da evolução biológica das espécies, o homem é um produto histórico. O indivíduo está em processo de construção e autoconstrução e a função básica do processo educativo é a humanização. Nesta concepção, o professor tem um papel de vital importância, porque é na escola que a formação do sujeito se efetiva e mesmo que a educação esteja determinada por esta sociedade, ela possui uma responsabilidade crucial no processo de edificação e transformação desta sociedade. REFERÊNCIAS ABRAMOVAY, Miriam. Sobre (e sob) minivestidos e burcas. Eco Debate 24/11/2009. Disponível em: http://www.ecodebate.com.br. Acesso em: 02 out 2010. ARROIO, Miguel. Quando a violência infanto-juvenil indaga a pedagogia. Revista Educação e Sociedade, vol. 28, n. 100. Campinas, 2007. Disponível em: http://www.cedes.unicamp.br. Acesso em: 22 jul 2010. 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