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Hematologia Clínica 1.1 ANÁLISE CLÍNICA DOS LEUCÓCITOS 1.1.1 Características dos Leucócitos Os leucócitos correspondem as diferentes células brancas nucleadas do sangue, que incluem: os neutrófilos, monócitos, eosi- nófilos, basófilos e linfócitos. Todos parti- cipam na defesa do organismo, entretanto são cinética, morfológica e funcionalmen- te diferentes. Realizam suas funções par- ticipando nos mecanismos imunes especí- ficos e inespecíficos, onde ocorre uma estreita interação celular. Os neutrófilos e monócitos são células eminentemente fagocitárias, cumprindo um papel impor- tante no processo inflamatório; enquanto que os linfócitos atuam de forma específi- ca na resposta imune celular e humoral. Assim como os eritrócitos, os leucócitos são produzidos na medula óssea a partir de uma célula pluripotencial, mediante estímulos apropriados de hormônios es- timuladores da leucopoiese. Entretanto os linfócitos são produzidos principalmente pelos órgãos linfóides. 1.1.1.1 Classificação, quantidade e morfologia dos leucócitos Os leucócitos são classificados como poli- morfonucleares ou mononucleares. Os neutrófilos, eosinófilos e basófilos são denominados polimorfonucleares por possuírem núcleo condensado e segmen- tado em dois ou quatro lóbulos. Também são denominados granulócitos por apre- sentarem grânulos no citoplasma com diferente afinidade aos corantes do tipo Romanovsky (azul = basófilico, alaranjado = eosinofílico), o que permite a diferencia- ção dos tipos de leucócitos. Nos mamífe- ros, os grânulos dos neutrófilos não são corados ou então aparecem levemente rosados. Entretanto nas aves, reptéis e peixes, além de alguns mamíferos como os coelhos, os “neutrófilos” são denomi- nados de “heterófilos”, pois seus grânulos coram-se de vermelho. Os grânulos dos eosinófilos possuem afinidade pela eosina adquirindo assim uma cor rosada. Ade- mais, se observam diferenças no tamanho e quantidade de grânulos dos eosinófilos entre as espécies (abundante e pequenos nos bovinos, numerosos e grandes nos equinos, e escassos e de tamanhos varia- dos nos caninos). Os grânulos dos basófi- los coram-se azul intenso. A maioria dos seus grânulos são lisossomas que contêm enzimas hidrolíticas, agentes antibacteria- nos e outros compostos. Os mononucleares correspondem aos leucócitos com núcleo não segmentado, são os linfócitos (com núcleo redondo e escasso citoplasma celeste) e os monóci- tos (que são identificados por seu maior tamanho e núcleo arredondando ou ple- omórfico, e com citoplasma cinza) (Figura 0.1). Os monócitos, devido a sua origem e função, também podem ser considerados granulócitos, junto com os neutrófilos. O número de leucócitos circulante em um animal sadio varia consideravelmente entre as espécies domésticas, sendo mais elevado nos suínos (16.000/µL) e mais baixo nos bovinos (6.500/µL). Ademais apresenta uma grande variação entre indivíduos da mesma espécie (ex.: bovinos de 5.000 a 9.500 /µL). Os neutrófilos e linfócitos predominam no sangue circu- lante, ± 90%, com uma relação neutrófi- lo:linfócito maior a 1 nos caninos, felinos e equinos, e menor a 1 nos bovinos, ovinos e suínos. Os monócitos e eosinófilos são encontrados em baixa quantidade e os basófilos raramente são observados (Tabela 0.1). Figura 0.1. Leucócitos no esfregaço sanguíneo de um canino (Giemsa, 800x). Bas= basófilo, Eos= eosinófilo; N= neutrófilo; B= Neutrófilo bastão; L= linfócito; M=monócito. Tabela 0.1. Número médio referencial de leucócitos/µL e sua distribuição porcentual nos caninos, equinos e bovinos. Canino Equino Bovino Leucócitos (Nº/µL) 12.000 8.000 7.000 Basófilos (%) 0,5 0,5 0,5 Eosinófilos (%) 5 5 5 N segmentados (%) 65 45 30 N bastões (%) 1 1 1 Linfócitos (%) 24 44 60 Monócitos (%) 5 5 4 1.1.1.2 Cinética e funções dos leucóci- tos A granulopoiese corresponde ao processo de formação dos granulócitos e monóci- tos, que se realiza na medula óssea a partir de uma célula-tronco. A célula com potencial de produção de neutrófilos e monócitos é denominada unidade forma- dora de colônia granulocítica-monocítica (UFC-GM), que logo após sua ativação por um fator estimulador de colônias diferen- cia-se na linha monocítica ou neutrofilíca. Similarmente, existem progenitores celu- lares para eosinófilos (UFE) e basófilos (UFB). As células unipotentes seguem um processo de proliferação, maturação e armazenamento na medula óssea, que no caso dos bovinos e caninos demora entre três a cinco dias (Erro! Fonte de referên- cia não encontrada.). Na cinética dos neutrófilos são reconheci- das cinco fases ou compartimentos: de proliferação (ou mitótica), maturação, armazenamento, circulante e tecidual. As três primeiras estão presentes na medula óssea, a quarta nos vasos sanguíneos e a última nos tecidos (Figura 0.2). Compartimento de proliferação: constituí- da por células em divisão ativa, geralmen- te com quatro divisões mitóticas (mielo- blasto, promielócito e mielócito). Compartimento de maturação: constituída por células em sua fase de maturação citoplasmática e condensação nuclear (metamielócitos e bastões). Compartimento de armazenamento: de quatro a oito dias no canino, composta por células maduras e alguns bastões capazes de cumprir a demanda tecidual. Durante a liberação da medula óssea ao sangue, as células maduras se liberam primeiro, de modo que somente frente uma demanda elevada aparecem no san- gue circulante os neutrófilos imaturos (bastões: devido sua forma nuclear como ferradura do núcleo; e juvenis), situação denominada desvio à esquerda. As células deste compartimento podem ser rapida- mente mobilizadas pela demanda, e a depleção de suas reversas gera neutrope- nia e desvio à esquerda na medula óssea e sangue periférico. A expansão do compar- timento de proliferação com aumento da granulopoiese efetiva ocorre na resposta a demanda gerando neutrofilia, isto de- mora três a quatro dias nos caninos e um pouco mais nos bovinos. Compartimento circulante: corresponde a presença no sangue de neutrófilos madu- ros procedentes da medula óssea para serem transportados aos diversos tecidos. Distingue-se em duas sub-fases ou sub- compartimentos: • Periférico ou marginal: composto pe- los neutrófilos aderidos transitoria- mente ao endotélio de capilares, va- sos de diâmetro pequeno, baço e pulmões. • Circulante: circulam no sangue. Ambos compartimentos mantêm em um equilíbrio dinâmico, aonde o sub- compartimento marginal pode ser mobili- zado rapidamente sob a influência fisioló- gica, patológicos ou iatrogênica, da adre- nalina e corticoides, como por estresse, exercício, trauma, infecções, terapias. A capacidade do compartimento marginal varia nas espécies, representando a me- tade dos neutrófilos circulantes nos cani- nos, bovinos e equinos, e nos felinos 2,5 vezes o compartimento circulante. É im- portante sinalizar que a informação en- tregada no leucograma corresponde ao compartimento circulante. Os neutrófilos permanecem no sangue somente de sete a quatorze horas, saindo para os tecidos mediante diapedese, de- vido ao efeito de fatores quimiotáticos, sem retornar ao sangue. Compartimento tecidual: Esta fase é onde os neutrófilos cumprem suas funções biológicas, permanecendo por dois a três dias em processos patológicos, exceto os neutrófilos leucêmicos. Os neutrófilos tem como função primária a fagocitose e destruição de microrganis- mos, mediante ação bactericida, além da secreção de pirógenos endógenos quando são expostos a bactérias. Os neutrófilos também podem causar danos aos tecidos e exercem um efeito citotóxico, como a atividade parasiticida e tumoricida media- da por anticorpos. Os neutrófilos quando ativados secretam citocinas, tais como o fator de necrose tumoral (TNF), fator estimulador de colônias granulocíticas (FEC-G) e monocíticas (FEC-M). Figura 0.2. Cinética de neutrófilos desde sua formação na medulaóssea até seu destino nos tecidos. Os eosinófilos são produzidos na medula óssea num lapso de dois a seis dias. Po- dem originar-se em menor grau no baço, timo e linfonodos cervicais. Sua vida mé- dia no sangue é menor a uma hora em caninos, saindo aos tecidos quando atraí- dos por fatores quimiotáticos locais espe- cíficos (histamina, complexo A-Ac, outros) onde permanecem somente quatro a seis horas, e não voltam a circulação. A ativa- ção do complemento gerada no sítio da infecção parasitária gera uma eosinofilia tecidual como resposta quimiotática a histamina. Suas principais funções são a atividade fagocítica, bactericida, parasiti- cida, a regulação das respostas alérgicas e inflamatórias e dano tecidual. Os basófilos são raros, sendo difíceis de serem encontrados no sangue e na medu- la óssea. Possuem grânulos ricos em ami- nas vasoativas que iniciam o processo inflamatório, liberando fatores quimiotá- ticos para neutrófilos e eosinófilos. A composição dos grânulos difere entre as espécies, sendo ricos em histamina, hepa- rina, e em algumas espécies, serotonina. São comparados aos mastócitos por sua similaridade morfofuncional. Os monócitos também são originados da célula progenitora bipotencial UFC-GM, que pode produzir tanto neutrófilos como monócitos, estimulada por FEC-M. Os monócitos encontram-se em baixo núme- ro na medula óssea. Seu tempo de libera- ção médio é de dois a três dias. Contudo, monócitos jovens podem ser liberados em um período de até seis horas. Posterior- mente, permanecem no sangue circulante por 8 a 71 horas para então ingressar nos tecidos constituindo os macrófagos. Os macrófagos são mais numerosos que os monócitos nos tecidos, numa propor- ção aproximada de 50:1. As funções dos monócitos e macrófagos são fagocítica e microbicida, regulação da resposta imune, eliminação fagocítica dos detritos celula- res, secreção de monocinas, regulação da inflamação e reparação de tecidos. Os linfócitos representam um grupo hete- rogêneo de células, tanto morfológica como funcionalmente, produzidos pelo tecido linfóide do baço, timo, nódulos linfáticos, incluindo as placas de Peyer, amigdalas e apêndice. Mesmo quando a medula óssea dos mamíferos ainda é o maior órgão linfopoiético sua produção linfocitária é ineficaz. Os linfócitos são originados dos linfoblastos, que passam a pró-linfócitos e depois a linfócitos, que podem ser diferenciados morfologicamen- te no esfregaço corado, contudo nesta técnica, não se pode diferenciar suas sub- populações, T e B. O tempo de produção dos linfócitos varia entre seis a oito horas. A linfopoiese é estimulada pela exposição antigênica e deprimida pela exposição a corticoides, hormônios sexuais e desnutri- ção. Os linfócitos permanecem no sangue desde duas semanas a meses, ou até anos recirculando entre o sangue e o tecido linfóide, constituindo o compartimento circulante somente em 10% do total. Os linfócitos recirculam do baço, timo e me- dula óssea ao sangue periférico, e logo depois aos tecidos, tecido linfático, gân- glios linfáticos e assim sucessivamente (Figura 0.3). Sua recirculação permite distribuir as células linfóides relacionadas com a resposta imune sistêmica, objeti- vando-se expô-las a antígenos localizados nos tecidos. Posteriormente, estas células podem ser transportadas a diversos luga- res e montar uma vigorosa resposta imu- ne. A população total de linfócitos no sangue da maioria das espécies animais é ao redor de 70% de células T, 20% de células B. Entre os tecidos linfóides as células T predominam no timo, gânglios linfáticos e linfa do conduto torácico. Os linfócitos B predominam na medula óssea e baço. Existe uma terceira população de linfóci- tos que não expressam receptores de antígenos em suas membranas, conheci- dos como “células assassinas naturais” ou “Natural Killer”, derivadas da medula óssea e funcionalmente distintas de célu- las T e B, por sua capacidade para lisar certas linhas de células tumorais sem sensibilização prévia. Desde o ponto de vista morfológico, estas células são os linfócitos grandes que possuem grânulos no citoplasma que são lisossomas primá- rios. Figura 0.3. Cinética dos linfócitos. 1.1.2 Exames dos Leucócitos para uso Clínico O leucograma é a parte do hemograma que entrega informações de interesse clínico sobre o número, distribuição e morfologia dos leucócitos circulantes de um animal (Tabela 0.2). Para sua realiza- ção é necessária uma amostra de sangue de 0,5 a 3,0 mL com anticoagulante (EDTA). Tabela 0.2. Análises que constituem o leucograma. Exame Resultado Contagem de leucócitos Nº / µL Fórmula leucocitária relativa % de cada tipo de leucócito absoluta Nº de cada tipo de leucóci- to x µL Morfologia ao esfregaço: alterações morfológicas Ausente, N Presente: Escasso, + Moderado, ++ Abundante, +++ 1.1.2.1 Contagem de leucócitos Determina o número de leucócitos totais por volume de sangue. Pode ser determi- nado por método manual ou automatiza- do. A determinação manual é realizada mediante a contagem em câmara de Neu- bauer, método que tem como limitação sua baixa precisão (CV ± 15%). Os analisa- dores hematológicos determinam o nú- mero de leucócitos na amostra de sangue mediante impedância ou citometria. Ain- da que o custo do equipamento limite seu uso, sua maior precisão, rapidez e menor consumo de tempo do analista tem gene- ralizado sua utilização. É necessário que sejam calibrados de acordo com a espécie animal, já que não podem ser usados sem uma adequada validação. Os equipamen- tos hematológicos de mamíferos não permitem análises em amostras de aves, répteis ou peixes. Pode-se estimar o número de leucócitos determinando sua média por campo ao exame microscópio do esfregaço sanguí- neo corado, multiplicando-se por 150 ou 500, ao utilizar um aumento de 100 ou 200x, respectivamente. Quando se utiliza contadores automáticos e são observados eritrócitos nucleados ao esfregaço é ne- cessário corrigir os valores da contagem leucocitária. 1.1.2.2 Fórmula leucocitária relativa Entrega a distribuição percentual dos diferentes tipos de leucócitos em uma amostra de sangue. É realizada ao micros- cópio (1.000x) para a diferenciação e ca- racterísticas morfológicas dos leucócitos de um esfregaço sanguíneo corado com Romanovsky (Giemsa, Wrigth, Corsap, outro) (Tabela 0.2, Figura 0.4, Figura 0.5). Devem ser diferenciados ao menos 100 leucócitos para estabelecer a porcenta- gem de cada tipo. Nos caninos predomi- nam os neutrófilos e nos bovinos os linfó- citos; os eosinófilos e monócitos encon- tram-se entre 1 a 10%, e os basófilos oca- sionalmente são vistos (Tabela 0.4). Atualmente, encontram-se analisadores eletrônicos baseados na citometria de fluxo óptico, que entregam o número total de leucócitos e a fórmula diferencial. Esta técnica diferencia milhares de célu- las, diferente do método microscópico, diminuindo ao mínimo o erro da amostra. Contudo, é espécie-específica e pouco confiável quando são encontradas células atípicas. Tabela 0.3. Características morfológicas diferenciais dos leucócitos dos mamíferos. Leucócito Tamanho Núcleo Citoplasma Diâmetro µ Cor Forma Grânulos e matriz Basófilo 12-13 Púrpura 2-3 lóbulos Azul escuro, tamanhos variáveis Eosinófilo 12-13 Púrpura 2-3 lóbulos Laranja, de número e tamanho variável por espécie Neutrófilo 12-13 Púrpura 2-3 lóbulos Cinza tênue a incolor com escassos grânulos segmentado rosados pálidos Neutrófilo bastão 13-14 Púrpura Em ferradura, não segmenta- do Cinza tênue a incolor com escassos grânulos rosados pálidos Linfócito 8-9 pequenos 12-13 grandes Púrpura unifor- me Redondo, excêntrico Celeste uniforme alguns com escassos grânulos azuis Monócito 14-17 Azul púrpura irregular Redondeado irregular Azul acinzentado, pequenos grânulos y alguns com vacúolos Superior: neutrófilos; centro: eosinófilos; inferior: basófilos.Pintura H Molina Figura 0.4. Imagens de polimorfonucleares nas espécies domésticas. 1.1.2.3 Fórmula leucocitária absoluta Entrega o número de células/µL dos dife- rentes tipos de leucócitos de uma amostra de sangue. É obtida mediante regra de três simples, empregando os valores do número total de leucócitos e a porcenta- gem de cada tipo obtido na fórmula rela- tiva. Ex.: para um canino com 20.000 leu- cócitos/µL, com 65% de neutrófilos, o número de neutrófilos circulantes é de 13.000 µL (20.000x 65/100) (Tabela 0.4). Superior: monócitos; inferior:linfócitos. Pintura H Molina Figura 0.5. Imagens de monócitos e linfócitos. Tabela 0.4. Fórmula leucocitária relativa e absoluta de um canino com contagem de 20.000 leucócitos /µL. Fórmula Relativa (%) Absoluta (/µL) Basófilos 0 0 Eosinófilos 5 1.000 Neutrófilos seg- mentados 65 13.000 Neutrófilos bas- tões 1 200 Linfócitos 25 5.000 Monócitos 4 800 O aumento ou diminuição de um tipo de leucócitos pode corresponder ao valor porcentual, e neste caso de denomina “relativo”; ou também ao seu número no qual se denomina “absoluto”. Por exem- plo, a amostra de sangue de um cão com uma porcentagem de neutrófilos de 95% (IR = 55 a 75%) indica uma neutrofilia relativa. No mesmo caso, um número de neutrófilos de 20.000 µL (IR = 3.300 – 10.000/µL) indica uma neutrofilia absolu- ta. O valor absoluto entrega a contagem real de cada tipo de leucócito que o paci- ente possui no sangue circulante, de mo- do que deve prevalecer seu uso na inter- pretação clínica do leucograma. 1.1.2.4 Características morfológicas dos leucócitos São visualizadas as alterações morfológi- cas de interesse clínico nos leucócitos de uma amostra sanguínea, a partir do exa- me ao microscópio de um esfregaço san- guíneo corado com Romanovsky, obser- vando-se a morfologia dos leucócitos. São observadas as características de forma, tamanho de núcleo e granulação do cito- plasma de acordo com a espécie e tipo celular. Entre as características alteradas descrevem-se: a presença de corpúsculos, hemoparasitas, grânulos e vacúolos, neu- trófilos com degeneração tóxica, hiperse- gmentados ou pleiocariócitos, linfócitos imaturos, linfócitos reativos. Estas últimas correspondem a leucócitos com sua mor- fologia alterada (material nuclear desa- gregado em forma de malha no citoplas- ma), dificultado ou tornando impossível sua diferenciação. Frequentemente são observadas alterações morfológicas em neutrófilos e monócitos em amostras mal preservadas e envelhecidas. 1.1.3 Interpretação Clínica do Leuco- grama As variações dos leucócitos circulantes ocorrem rapidamente, de modo que um exame de sangue representa a situação existente no momento da coleta da amos- tra. Deve-se ter em mente que o sangue é somente um meio de transporte dos leu- cócitos até os tecidos, aonde estes cum- prem sua função. Assim, a execução de exames seriados é a forma mais precisa de avaliar suas variações. Além disso, é im- portante considerar na interpretação os resultados do eritrograma, proteinemia e fibrinogenemia, ou outra proteína de fase aguda. Um dos aspectos de maior interesse para o clínico é detectar um aumento ou dimi- nuição na contagem absoluta ou relativa dos leucócitos. O aumento sobre o limite superior de referência na porcentagem ou número de um tipo de leucócito denomi- na-se com o nome do leucócito alterado mais o sufixo de “citose” ou “filia” (basofi- lia, eosinofilia, neutrofilia, linfocitose, monocitose). A diminuição abaixo o limite inferior de referência na porcentagem ou número de um tipo de leucócito é deno- minada com o nome do leucócito alterado mais o sufixo “penia” (eosinopenia, neu- tropenia ou linfopenia). Basopenia e mo- nocitopenia não são descritas clinicamen- te. As variações leucocitárias são classificadas em quatro grupos: a. Individuais: existem diferenças asso- ciadas ao indivíduo (como a raça, sexo, idade) que influem no número de leucóci- tos. A contagem total dos leucócitos é elevada ao nascimento e diminui progres- sivamente com a idade. b. Fisiológicas: condições fisiológicas como a ingestão de alimentos, exercício físico, emoções, gestação, parto, que afetam a fórmula leucocitária. Como a neutrofilia fisiológica associada aos exem- plos citados. c. Patológicas: uma variedade de altera- ções na saúde dos animais cursa com mudanças nos leucócitos. Podem ser: • Proliferativa: causada por uma proli- feração anormal, fora dos mecanismos de controle, na produção de um tipo de leucócito, como em uma neoplasia he- mopoiética. • Reativa: corresponde a resposta imune do organismo com aumento ou diminuição de um ou vários tipos de leu- cócitos no sangue. No estresse vemos uma eosinopenia, neutrofilia e linfope- nia. • Iatrogênica: a administração de al- gumas drogas, como corticoides, induz variações na composição sanguínea, que devem ser consideradas na interpreta- ção do leucograma. As alterações associadas às mudanças na fórmula leucocitária relacionam-se com as funções que cumprem os leucócitos. 1.1.3.1 Leucopenia e leucocitose • Leucopenia A diminuição do número dos leucócitos circulantes abaixo ao limite de referência para a espécie denomina-se leucopenia. Pode afetar a um tipo celular, como nos casos de neutropenia por sobredemanda em infecções sobreagudas, hipoplasia medular ou destruição, ou a vários tipos celulares situação que se denomina pan- leucopenia. A neutropenia é a causa prin- cipal da leucopenia em animais com uma relação neutrófilo:linfócito maior que 1, e a linfopenia nos animais que esta relação é menor que 1. • Leucocitose É o aumento do número de leucócitos circulantes sobre o limite de referência para a espécie. Seu aumento está associa- do a um aumento no número de neutrófi- los ou, em alguns casos, dos linfócitos. A leucocitose é mais frequente que a leuco- penia, e indica a capacidade de defesa do animal, não sendo assim um sinal de mal prognóstico, como na leucopenia. Apre- senta-se na forma fisiológica, reativa ou proliferativa. A leucocitose fisiológica é produzida como resposta adrenérgica em casos de excita- ção, exercício e pós-prandial, onde é mo- bilizado o compartimento marginal dos neutrófilos ou linfócitos na circulação geral, aumentando o número total de leucócitos. Uma neutrofilia ou linfocitose transitória, ou ambas, podem se manifes- tar. Esta condição é comum em animais jovens, sendo provocada por alterações emocionais e físicas. A liberação de glico- corticoides endógenos ou a sua adminis- tração terapêutica induz uma leucocitose neutrofílica acompanhada de linfopenia e eosinopenia. A leucocitose reativa é produzida em res- posta a enfermidades reativas, que indu- zem uma resposta específica, mas não diferenciada no leucograma. Pode ocorrer com ou sem desvio a esquerda. O grau da leucocitose varia segundo a espécie ani- mal e consequentemente com a razão neutrófilo:linfócito. Animais com razão neutrófilo:linfócito alta, como nos caninos e felinos, possuem uma resposta maior que os animais com razão neutrófi- los:linfócitos baixa, como cavalos e bovi- nos. Uma leucocitose induzida por corti- coesteroides ou por adrenalina pode ser vista simultaneamente com uma leucoci- tose reativa, diferenciando-se porque a reativa cursa com desvio a esquerda mo- derado a intensa, hiperfibrinogenemia, monocitose, e ausência de linfopenia ou eosinopenia. A leucocitose proliferativa é vista em neo- plasias sanguíneas como a leucemia linfo- cítica mielóide, monocítica e mielomono- cítica. Contudo, diversas leucemias não cursam com leucocitose, assim sendo, a contagem de leucócitos pode estar nor- mal ou até diminuída. 1.1.3.2 Neutrofilia Corresponde ao aumento no número de neutrófilos do compartimento circulante sobre o intervalo de referência, é resulta- do de alterações entre a quantidade que ingressa da medula óssea ao sangue, sua distribuição no sangue, e sua migraçãoaos tecidos. É a alteração de maior utili- dade clínica do leucograma. A neutrofilia (heterofilia em aves, répteis e peixes) que é representada com o au- mento dos neutrófilos imaturos (bastões, juvenis) no sangue circulante é denomi- nada “com desvio à esquerda”, situação que indica uma liberação acelerada de neutrófilos ao sangue desde o comparti- mento de maturação medular, produzido devido a uma elevada demanda em infec- ções agudas (Figura 0.6). A neutrofilia com desvio à esquerda pode ser “regenerativa” ou “degenerativa”. A regenerativa é caracterizada por um au- mento da quantidade de neutrófilos ma- duros e imaturos no compartimento circu- lante em que os maduros estão em maior número que os imaturos. Ao contrário, no desvio à esquerda degenerativo a quanti- dade de neutrófilos imaturos supera os maduros. O grau do desvio a esquerda indica a gravidade da enfermidade. A magnitude da contagem de neutrófilos reflete a capacidade da medula óssea para satisfazer a demanda. A neutrofilia rege- nerativa indica uma resposta imune ade- quada frente a uma situação de demanda tecidual por neutrófilos, sinal que os me- canismos de defesa do organismo respon- dem adequadamente, usualmente três a cinco dias como resposta a uma demanda aumentada. Inversamente a neutrofilia degenerativa indica uma capacidade redu- zida de resposta medular, insuficiente à demanda tecidual frente a uma infecção, situação em que os mecanismos de defesa estão sendo excedidos, e consequente- mente tem prognóstico reservado ou desfavorável. Por outro lado, um desvio à direita é visto quando no sangue circulante há a presen- ça de neutrófilos hipersegmentados, com mais de cinco lóbulos, que é produzido na presença de corticoides endógenos ou exógenos, por aumentar a vida média dos neutrófilos no sangue. A insuficiência renal crônica também pode conduzir a uma hipersegmentação de neutrófilos. Figura 0.6. Esfregaço sanguíneo de um canino com neutrofilia e desvio a esquerda. A magnitude da neutrofilia é mais intensa nos animais que possuem uma elevada razão neutrófilos: linfócitos, e vice-versa. Sendo assim, nos caninos e felinos é mais marcada, nos equinos moderada, e nos bovinos e ovinos muito leve passando clinicamente despercebida em muitos casos. A neutrofilia é a alteração do leucograma mais frequentemente observada na clínica veterinária. Para obter-se uma conclusão valida deve-se relacionar com a quantida- de de linfócitos e a presença do desvio à esquerda, segundo demonstrado na Tabe- la 0.5. Tabela 0.5. Achados esperados em diferentes tipos de neutrofilia. Tipo Desvio à esquerda Nº de linfócitos Fisiológica Ausente Normal ou aumen- to leve Estresse Ausente ou leve Linfopenia leve ou moderada Inflamação aguda Moderada a intensa Linfopenia leve ou moderada Inflamação Leve a ausen- Normal ou linfope- crônica te nia leve Anemia Ausente ou Normal ou linfope- regenerativa leve nia leve Figura 0.7. Mecanismos de neutrofilia. 1.1.3.3 Neutropenia Corresponde a uma diminuição abaixo do intervalo de referência do número de neutrófilos do compartimento circulante, produto de alterações entre a quantidade que ingressa da medula óssea ao sangue, sua distribuição no sangue, e sua migra- ção aos tecidos. Os mecanismos de neutropenia são vistos com menor frequência e tem sido menos estudados que os da neutrofilia. As princi- pais causas de neutropenia são apresen- tadas na Figura 0.8. • Sequestro ou por redução na sobrevi- vência dos neutrófilos maduros: é obser- vado em quadros de choque ou endoto- xemia, onde os neutrófilos do comparti- mento circulante se marginalizam. Situa- ção observada na etapa inicial da endoto- xemia por bactérias Gram-negativas e no choque anafilático. • Sobre demanda por parte de um teci- do, com aumento da saída dos neutrófilos do sangue para o sitio inflamatório, pro- duto de uma infecção sobreaguda com elevado requerimento de neutrófilos. É produzido frente a uma demanda tecidual aguda e massiva, que esgota rapidamente o compartimento dos neutrófilos circulan- tes. Ocorre em vacas com mastite por Escherichia coli, ou cavalos com salmone- lose. Nestes casos é associado com um desvio à esquerda degenerativo produzido por uma resposta compensatória do com- partimento de reservas. Também é obser- vado em algumas infecções virais, como hepatite, cinomose, parvovirose, panleu- copenia, acompanhada de linfopenia. Normalmente transitório com resposta em dois a quatro dias. Também pode ser denominada de neutropenia por deple- ção, , associada a que a demanda excessi- va por neutrófilos gera um esgotamento da medula óssea, superando a produção e resultando em um desvio à esquerda degenerativo. Algumas vezes a contagem absoluta de neutrófilos pode estar normal ou diminuída. • Depressão por redução na capacidade de proliferação de neutrófilos na medula óssea associada a degeneração, displasia ou hipoplasia medular, ou em quadros que cursam com doenças crônicas. Outras linhas celulares também podem estar afetadas. Nestes casos a neutropenia não está acompanhada com o desvio à es- querda. Entre as causas conhecidas se encontram as infecções (Parvovirus cani- no e felino, Ehrlichia, o vírus da leucemia felina, vírus imunossupressores felinos), drogas (griseofulvina, fenilbutazona, tri- metoprin, estrógenos, agentes quimiote- rápicos) ou de natureza genéticas (neu- tropenia cíclica do Collie Cinza). 1.1.3.4 Eosinopenia e eosinofilia Eosinofilia é observada em animais com afecções crônicas de tecidos que possuem grande quantidade de mastócitos como a pele, pulmões, intestino, útero que libe- ram histamina, que é quimiotática para os eosinófilos. É vista em alergias, e parasi- tismos como filariose, ascaridiase, triqui- nose, distomatose, sendo fator desenca- deante a sensibilização da proteína estra- nha, com liberação de histamina. Também é vista em dermatites crônicas, infecções do trato respiratório e digestivo, perda tecidual crônica, hipoadrenocorticismo, estro em cadelas, predisposição racial e processos purulentos. Eosinopenia é vista frequentemente asso- ciada a doenças que condicionam ao es- tresse agudo (adrenalina) ou crônico (cor- tisol) nos animais. Também é observado no hiperadrenocorticismo, administração de corticoides, e em processos inflamató- rios e infecciosos agudos. 1.1.3.5 Basofilia A basofilia é descrita somente quando é persistente ou muito manifestada pela imprecisão em defini-la, considerando que raramente são observados basófilos no sangue circulante dos animais. Pode ser observada em casos de hipersensibilidade, como alergias, nos parasitismos e em alterações no metabolismo das lipoprote- ínas. A resposta dos basófilos a corticoes- teroides é similar a dos eosinofilos, mas geralmente não é reconhecido, já que só basófilos são raros no sangue. 1.1.3.6 Monocitose Monocitose reativa é vista em enfermida- des subagudas ou crônicas com necrose tecidual, como piometra, pneumonia, endocardite bacteriana ou doenças pio- granulomatosas (como a tuberculose bovina) em resposta a demanda de ma- crófagos pelos tecidos inflamados. Tam- bém é vista na listeriose e outras bacte- remias, no hiperadrenocorticismo, admi- nistração de esteroides, estresse intenso, enfermidades imunomediadas, e em ani- mais geriátricos. Hematologia Clínica Figura 0.8. Mecanismos de neutropenia. 1.1.3.7 Linfocitose e Linfopenia Linfocitose ser pode fisiológica como resposta adrenérgica em animais excita- dos, com medo e submetidos a esforço físico. A linfocitose reativa ocorre rara- mente, produzida por estímulos antigêni- cos de doenças infecciosas crônicas, e posterior a vacinação, hipersensibilidade, doenças autoimunes e hipoadrenocorti- cismo. A linfocitose proliferativa de cará- ter permanente é vista associada à neo- plasia linfóide (Figura 0.9). Além disso, deve-se considerar que animais jovens apresentamuma maior quantidade de linfócitos circulantes. Os mecanismos de linfocitose são apresentados na Figura 0.10. Figura 0.9. Esfregaço de uma vaca com leucose bovina (severa linfocitose =66.000 µL). Neutropenia por depleção (sobre demanda) Neutropenia hipoplástica Normal Tecidos Proliferação Maduração Reserva Medula óssea Neutrófilos circulantes e marginais Vasos sanguíneos Neutropenia por sequestro (endotoxêmica) Neutropenia por produção ineficiente Hematologia Clínica Figura 0.10. Mecanismos de linfocitose. Linfopenia é vista frequentemente associ- ada ao estresse, produzida pela liberação de corticoides (hiperadrenocorticismo, estresse severo) ou uso de corticoesterói- des ou ACTH. Processos inflamatórios agudos podem induzir a linfopenia por sequetro a os tecidos. Algumas doenças virais agudas (como cinomose, hepatite e panleucopenia) cursam com linfopenia por sequestro. A linfopenia por diminui- ção da linfopoiese é observada na admi- nistração de drogas imunossupressoras, irradiações, quimioterapia e em imunode- ficiências (como a imunodeficiência feli- na). Doenças crônicas com presença de uremia cursam com linfopenia por de- pressão do tecido linfóide. Ruptura de ducto linfáticos podem ocasionar lifopenia por depleção. Os mecanismos das linfope- nias são apresentados na Figura 0.11. 1.1.3.8 Alterações morfológicas • Neutrófilos com degeneração tóxica. São vistos no sangue como reflexo de um quadro tóxico com severo compromisso da saúde do animal, como pacientes com infecção bacteriana grave, sepse, doença inflamatória aguda e destruição de tecido. O efeito “tóxico” durante a granulopoiese é refletido com basofilia citoplasmática, presença de grânulos tóxicos e corpúscu- los de Döhle, produção de neutrófilos hipersegmentados, e ocasionalmente vacúolos. Os grânulos primários são ricos em enzimas e coram-se de marrom escuro com corantes de rotina, impropriamente chamados grânulos tóxicos. A presença destes grânulos expressa à duração e severidade do processo inflamatório, sendo inapropriado expressar um prog- nóstico em base a sua presença. A basofi- lia é o resultado da retenção dos ribosso- mos e do retículo endoplasmático rugoso. • Corpúsculos Döhle. São áreas de lique- fação do retículo endoplasmático, de ocorrência rara. Refletem infecção sistê- mica grave, sendo mais frequentes em gatos que em outras espécies animais. Hematologia Clínica Figura 0.11. Mecanismos de linfopenia. • Neutrófilos hipersegmentados ou Pleiocariócitos. São neutrófilos envelheci- dos caracterizados por seu núcleo possuir mais cinco segmentos, ocasionado por um tempo de sobrevivência intravascular prolongado, caracterizando um desvio à direita. Ocorre em tratamentos de longo prazo com corticoesteroides ou estresse crônico, insuficiência renal crônica e ra- ramente em defeitos genéticos ou trans- tornos mieloproliferativos. • Corpúsculo de Baar. É uma extensão do núcleo dos neutrófilos pela cromatina sexual feminina, e sua presença é conside- rada fisiológica. • Linfócitos imaturos. São vistos no sangue circulante de animais com leuce- mia linfocítica aguda em que são observa- dos linfócitos com nucléolos ou em mito- se. • Linfócitos reativos. São vistos no san- gue circulante de animais com uma res- posta imune marcada, frente ao estímulo de um agente infeccioso ou vacina. Obser- vam-se citoplasma abundante de caráter basofílico (cor azul intensa). • Organismos no interior de leucócitos. Tais como: mórulas em infecções por Ehrilichia sp (mórula basofílica); outras bactérias em casos de bacteremia ou contaminação da amostra; gametócitos de Hepatozoon canis, Toxoplasma, Leishma- nia, Histoplasma. 1.2 HEMOSTASIA A hemostasia é o conjunto de mecanismos pelo qual o organismo animal 1coíbe uma hemorragia, 2impede que o sangue coa- gule, e 3produz a dissolução do coágulo, mediante procedimentos mecânicos e bioquímicos. Em outras palavras, é a ca- pacidade que o organismo tem de fazer com que o sangue permaneça circulando nos vasos sanguíneos no estado líquido e, quando um vaso é danificado, formar um coágulo para coibir a hemorragia, reparar o dano e finalmente dissolver o coágulo. A hemostasia envolve três “fases”, que se inter-relacionam: Hemostasia primária: primeira fase que consiste na vasoconstrição local, a adesão e agregação plaquetária e a consequente formação do tampão plaquetário inicial. Hemostasia secundária: segunda fase compreende uma série de reações em cascata, denominada cascata da coagula- ção, que tem como resultado a formação de um coágulo de fibrina a partir do fibri- nogênio, que confere estabilidade ao coágulo. Hemostasia terciária: terceira fase conhe- cida como fibrinólise, consiste na degra- dação do coágulo mediante a degradação da fibrina, fase que ocorre juntamente com a reparação da lesão. A hemostasia desempenha um papel fun- damental quando um vaso é lesionado. Primeiramente se induz a vasoconstrição, minimizando assim a hemorragia, seguida imediatamente da formação do tampão plaquetário e do coágulo que a coíbe, para finalmente restaurar a integridade do vaso, favorecendo assim a reparação da lesão. Os elementos associados a este processo são os vasos sanguíneos, a ativi- dade das plaquetas, os fatores da coagu- lação e os fatores fibrinolíticos. As alterações hemostáticas podem condu- zir a uma hipercoagulabilidade, acompa- nhada com uma tendência a trombose. Contudo, na veterinária a hipocoagulabili- dade com tendência a hemorragia é des- crita com maior frequência, alteração oposta a anterior. A hipocoagulabilidade é causada pela redução da atividade de um ou mais fatores da coagulação, uma dimi- nuição na quantidade das plaquetas circu- lantes (trombocitopenia) ou por sua dis- função (trombatenias). Em certos casos, este processo está associado a uma hiper- fibrinólise, como o que ocorre na coagula- ção intravascular disseminada (CID). As alterações hemostáticas na veterinária são principalmente de origem adquirida, como na intoxicação por cumarínicos, a coagu- lopatia hepatógena, a trombocitopenia imunomediada e a CID. Raramente se descrevem alterações de origem genética, como a hemofilia A e B ou a doença de Von Willebrand. 1.2.1 Hemostasia primária Os vasos sanguíneos desempenham um papel na primeira fase da hemostasia, devido a sua capacidade de vasoconstri- ção, inibição da aderência de plaquetas e leucócitos, e de ativar os mecanismos da coagulação. Alterações hemostáticas são vistas em vasculite associada a lesão en- dotelial, produzida por processo inflama- tório ou degenerativo, infecções virais ou enfermidades septicêmicas que cursam com petéquias e equimoses, mais eviden- te nas mucosas da boca, vulva, conjuntiva e esclera. As plaquetas ou trombócitos são fragmen- tos citoplasmáticos, discóides, de dois a quatro micrômetros, que se formam na medula óssea a partir de células pluripo- tentes que originam a linha megacariocíti- ca, produção controlada pela trombopoe- tina e também pela eritropoietina. Depois da estimulação, as plaquetas aparecem no sangue entre três a cinco dias, permane- cendo durante ± 10 dias, aproximadamen- te um terço das plaquetas são sequestra- das pelo baço. Sua contagem no sangue circulante varia entre 200.000 a 600.000/µL. Valores <100.000/µL indicam trombocitopenia e, com valores inferiores a 30.000/µL podem ocorrer hemorragias espontâneas. A principal função das plaquetas é manter a integridade do endotélio vascular, e produzir e armazenar os fatores da coagu- lação. A adesão e agregação plaquetária são eventos que podem ocorrer simulta- neamente ou separadas, dependendo da condição do estímulo e suas circunstân- cias. Para que ocorra a adesão e agrega- ção plaquetária, e a consequente forma- ção do tampão plaquetário inicial, é ne- cessária a presença do Fator de von Wille- brand (FvW). Qualquer transtorno nestes processos causa alteração nacoagulação. A adesão das plaquetas ao endotélio é realizada através de seus receptores de superfície para o colágeno e o FvW, que se une ao colágeno subendotelial liberando aminas vasoativas que promovem a vaso- constrição local com liberação de ADP. A agregação plaquetária é produzida em reposta a liberação de ADP na presença de íons de cálcio, e é mediada pelo fibrinogê- nio plasmático, formando a primeira capa de plaquetas, finalizando a primeira fase da hemostasia. As plaquetas também são importantes na segunda fase da hemosta- sia, fornecendo fosfolipídios de plaquetas necessários para o processo de coagula- ção sanguínea (Fator plaquetário 3, FP3). Entre as alterações plaquetárias descre- vem-se a trombocitopenia ou trombope- nia, que é a diminuição abaixo do interva- lo de referência de plaquetas circulantes com propensão a hemorragia, especial- mente diátese hemorrágica. Sua origem é associada a: Diminuição da produção de plaquetas: relacionada com alteração na medula óssea, vista na pancitopenia, neoplasias, mielofibrose, administração de drogas (quimioterapia, estrógenos, antibióticos e antifúngicos), e nas fases crônicas de do- enças infecciosas, como infecção por Ehli- chia canis e causas congênitas. Destruição das plaquetas: é a diminuição das plaquetas na circulação, devido sua eliminação acelerada. Ocorre em doenças virais e bacterianas, endotoxemias, tumo- res (hemangioma e hemangiossarcoma), reações autoimunes ou imunomediadas, e utilização de drogas. Consumo de plaquetas: que ocorre na CID, condição que também interfere com a função plaquetária e cascata de coagula- ção. Sequestro de plaquetas: ou distribuição anormal das plaquetas, devido à esple- nomegalia, hepatomegalia, hipotermia, endotoxemia, neoplasias. Perda de plaquetas: devido à perda massi- va de sangue total ou um transfusão in- compatível. A trombastenia é o transtorno qualitativo das plaquetas com diminuição de sua capacidade funcional, por uma deficiência no mecanismo de adesão, liberação dos componentes intracelulares ou da agrega- ção plaquetária. Pode ter origem heredi- tária (Chediak Higashi) ou adquirida pela administração de drogas (anestésicos, anti-inflamatórios, antibióticos como penicilina e cefalosporinas), alteração hepática, renal, e nos produtos de degra- dação de fibrina. Ocorrem em doenças renais que cursam com uremia, disprotei- nemias (macroglobulinemia ou mieloma múltiplo), administração de fármacos como os AINEs (ácido acetil salicilínco, ibuprofeno, indometacina e a fenilbutazo- na). A síndrome de Chediak-Higashi se manifesta pela presença de grânulos lisos- somais gigantes e agregação plaquetária diminuída, observada com maior frequên- cia em bovinos e gatos. A trombocitose é o aumento sobre o in- tervalo de referência no número de pla- quetas circulantes. Ocorre raramente por uma maior produção de origem primária (neoplasia), sendo mais comum sua forma secundária devido a infecções crônicas, hemorragias ou deficiência de ferro, dis- tribuição alterada por exercício, adrenali- na, esplenectomia e hiperadrenocorticis- mo. 1.2.2 Hemostasia secundária É a segunda fase da coagulação. Nela a coagulação é o processo fisiológico que modifica o sangue do estado líquido para o estado sólido. O processo de coagulação possui uma cascata, ou passos sequen- ciais, de eventos que envolvem uma via intrínseca, extrínseca e comum (Figura 0.12), que finaliza com a formação do tampão de fibrina polimerizada. Os fatores da coagulação correspondem ao fibrinogênio (F1), a protrombina (F2), Ca++ e uma série de compostos de nature- za enzimática, sintetizados no fígado, que circulam como precursores inativos e atuam ativando-se sequencialmente (Fa- tores VII, IX, X, XII, XIII, HMWK e PK). Os fatores da coagulação são ativados princi- palmente pela exposição à tromboplastina tecidual. Depois da ativação inicial, os fatores são estimulam de forma sequen- cial e se amplificam por retroalimentação. A cascata da coagulação é dividida tradici- onalmente em via intrínseca, via extrínse- ca e via comum (Figura 0.12). A via intrín- seca é ativada pelo contato do sangue com o colágeno subendotelial da parede vascular traumatizada, com ativação pla- quetária do fator XII. A via extrínseca é iniciada por uma lesão vascular ou contato com o tecido extravascular que contém uma proteína de membrana chamada fator tecidual. O tecido danificado libera tromboplastina que ativa o fator VII. A ativação deste fator, junto com a ativação do fator VIII, além da presença dos fosfo- lipídios plaquetários e Ca, inicia a via co- mum com a ativação do fator X, que esti- mula a protrombina (fator II) que se trans- forma em trombina, que converte o fibri- nogênio em fibrina. Posteriormente, o fator XIII estabiliza a fibrina com o endoté- lio lesionado e o tampão plaquetário. Na cascata da coagulação a presença da vi- tamina K é essencial na formação dos fatores da coagulação dependentes desta (Fatores II, VII, IX e X), os que estão nas três vias da coagulação. Os distúrbios da hemostasia secundária, com defeitos em um ou mais fatores da coagulação, são denominados coagulopa- tias, que podem ser de origem hereditária (deficiência de fatores da coagulação), tóxica (consumo de warfarina, micotoxi- nas) ou metabólica (hepatopatias). Os defeitos da coagulação de origem he- reditária descritos em animais são: Hemofilia A: produzida por déficit do fator VIII (anti-hemofílico). Observa-se princi- palmente em animais jovens (cães, gatos, cavalos puro sangue, bovinos e ovelhas), associada a um traço recessivo ligado ao sexo, localizado em um gene defeituoso do cromossomo X. O diagnóstico inclui o tempo de sangramento normal (diferenci- al com a doença de von Willebrand), TP normal e TTPA aumentado. Hemofilia B: ou doença de Christmas, é caracterizada pela ausência do fator IX. Como na hemofilia A, está ligada ao sexo, afetando machos com aparecimento pou- co frequente em cães e gatos. O diagnós- tico laboratorial é a partir do tempo de sangramento normal, TP normal e TTPA aumentado, para então ser diferenciada mediante provas específicas. Doença de von Willebrand: é o transtorno da coagulação hereditário mais frequente nas diferentes espécies animais, sendo reconhecido em mais de 54 raças de cães por deficiência do fator VIII. Existem três tipos da doença de acordo com o tipo de molécula ou defeito na função. Deficiência do Fator X: afeta Cocker Spa- niels e Jack Russell Terrier. O TP e TTPA estão aumentados. Deficiência do Fator XI: descrita em bovi- nos Holandeses-Friesian, cães e cabras. Transmitida por um gene autossômico recessivo. O TP está normal e o TTPA está aumentado. Deficiência do Fator VII: descrita em cães, especialmente Beagles. No diagnóstico vê- se TP aumentado e TTPA normal. Deficiência do Fator XII: descrita em cães, como Poodle, Pointer alemão e Sharpei, e em gatos. O TP é normal e o TTPA aumen- tado. Dentro das coagulopatias de origem tóxi- ca descrevem-se: a venenos ofídicos que apresentam atividade proteolítica, vascu- lotóxica, pró-coagulante ou anticoagulan- te, produzindo defeitos na coagulação ao estimular a ativação, consumo e esgota- mento da protrombina e do fibrinogênio; e bas toxinas de fungos como aflatoxinas que podem causar um aumento do tempo de protrombina nos bovinos, suínos e equinos. A deficiência de vitamina K e a doença hepática constituem as causas mais fre- quentes das coagulopatias adquiridas. A vitamina K é essencial para a formação de fatores da coagulação, como II, VII, IX e X. Sua deficiência ocorre pela ingestão de rodenticidas anticoagulantes (ex.: warfari- na, cumarina), afetando as três vias da coagulação ao inibir a enzima epóxido redutase, que participa na reciclagem da vitamina K convertendo-a em sua forma ativa. A diminuição do parênquima hepá- tico funcional afeta as três vias da coagu- lação, que são produzidos pelo fígado. Alémdisso, a deficiência de sais biliares no intestino impede a absorção da vitamina K. Nestes casos o TP e o TTPA estão au- mentados. 1.2.3 Hemostasia terciária A fibrinólise constitui a 3ª fase da hemos- tasia, é o processo enzimático pelo qual a fibrina é degradada, eliminando o coágulo formado como resposta a uma lesão vas- cular, e considera três etapas: a formação de ativadores do plasminogênio; btrans- formação do plasminogênio em plasmina; e c fibrinólise com formação de produtos de degradação de fibrina (PDFs). A fibrinó- lise se ativa simultaneamente ao processo de coagulação, mantendo um equilíbrio entre eles. A plasmina atua localmente degradando o coágulo de fibrina, produ- zindo os PDFs que são eliminados por macrófagos. O distúrbio da hemostasia terciária mais frequente e que afeta todas as espécies domésticas é a CID, quadro caracterizado por uma etapa inicial de hipercoagulabili- dade, com formação de trombina com microtrombos, oclusão microvascular, disfunção de órgãos como rim e fígado, seguido de uma etapa de hipocoagulabili- dade sanguínea causada pelo consumo das plaquetas e dos fatores de coagula- ção, com aumento da plasmina e dos PDFs, desencadeando hemorragias. Ocor- re como um evento secundário a doenças que cursam com dano tecidual, hemólise, septicemia, toxemia, endotoxemia (cóli- ca), infecção local ou disseminada (arteri- te viral equina), vírus com tropismo endo- telial, insuficiência hepática (hepatite), doença renal, destruição traumática ou cirúrgica de tecidos, distocia, e queimadu- ras extensas. Na CID, além do aumento dos tempos de sangramento e coagulação, estão aumentados o TP e TTPA, e no es- fregaço sanguíneo podem ser vistos es- quistócitos. Tabela 0.6. Fatores da coagulação, vida média e vía a que correspondem. Fator Nome Vida média Via I Fibrinogênio 1,5-6 dias Comum II Protrombina 2,0-4,5 dias Comum III Tromboplastina tecidual _ Extrínseca IV Cálcio _ Todas V Pró-acelerina 15-24 horas Comum VII Pró-convertina 1-6 horas Extrínseca VIII:C Fator anti-hemofílico 3 dias Intrínseca IX Fator de Christmas 24 horas Intrínseca X Fator de Stuard-Prower 32-48 horas Comum XI Antecessor da tromboplas- tina 30 horas Intrínseca XII Fator de Hageman 18-52 horas Intrínseca XIII Estabilizador da fibrina 4,5 -7,0 horas Comum PK/Pré-calicreína Fator de Fletcher 35 horas Intrínseca HMWK/Cininogênio Fator de Fitzgerald 6,5 dias Intrínseca PF3 Fator plaquetário 3 _ Intrínseca e comum Figura 0.12. Esquema simplificado da cascata da coagulação. TTPA= tempo de tromboplastina ativada; TP= tempo de protrombina; T= tromboplastina. a= indica fator ativado. Hematologia Clínica 1.2.4 Avaliação da Hemostasia A avaliação da presença de alterações na hemostasia é indicada em casos de he- morragia externa, interna ou hematomas de origem desconhecida. Da mesma forma, recomenda-se sua avaliação no controle pré-operatório de animais e naqueles submetidos à terapia com anti- coagulantes e fibrinolíticos. Também se deve considerar no controle de animais que cursam com doenças que produzem alterações inaparentes na hemostasia, como as hepatopatias. As alterações hemostáticas primárias (vasos e plaque- tas) são superficiais, disseminadas, com petéquias e equimoses que ocorrem espontaneamente, enquanto que as secundárias se manifestam por hemorra- gias e hematomas localizados, que são induzidos por traumas, podem apresen- tar-se tardiamente. Os exames utilizados para avaliação da hemostasia estão destinados a estabelecer alguma alteração nas plaquetas, nos fatores da coagulação ou na fibrinólise (Tabela 0.7). Tabela 0.7. Achados laboratoriais nos trastornos da coagulação. Transtorno CP TS TC/TCA TP TTPA PDFs Trombocitopenia (aumento no consumo ou destruição) ⇓ ⇑ - N N N Trombopatia (vonWillebrand) N ⇑ N N N N Deficiência via intrínseca (fatores VIII ou IX) N N ou ⇑ ⇑ N ⇑ N Deficiência via extrínseca (fator VII) N N N ⇑ N N Deficiência via comum (fator X) N N ou ⇑ N ou ⇑ ⇑ ⇑ N Deficiência Vitamina K (intoxicação warfari- na) N N ou ⇑ N ou ⇑ ⇑ ⇑ N Coagulação intravascular disseminada (CID) ⇓ ⇑ ⇑ ⇑ ⇑ ⇑ Disfunção hepática N N ou ⇑ N ou ⇑ ⇑ ⇑ N CP= Contagem plaquetas; TS= tempo de sangria; TC: tempo de coagulação; TCA: tempo de coagulação ativada; TP= tempo de protrombina; TTPA= tempo de tromboplastina parcialmente ativada; PDFs= Produtos de degradação de fibrina. N= sem mudança; ⇑= aumentado; ⇓= diminuído. 1.2.4.1 Contagem de plaquetas A contagem entrega o número de pla- quetas por volume de sangue circulante, considerando-se adequado um número de 200.000 a 600.000/µL. Sua determi- nação é realizada mediante a contagem em câmara de Neubauer (método de Rees e Ecker que tem um erro de 15 a 20%) ou com analisadores hematológicos que a determinam por impedância ou citometria. É necessária uma amostra de sangue com anticoagulante (idealmente seringa heparinizada) coletada de manei- ra não traumática, já que facilmente se produz agregação plaquetária, que induz um valor falsamente diminuído. Também pode estimar-se o número de plaquetas contando aquelas observadas no esfregaço sanguíneo, devendo-se encontrar uma média de 10 a 20 por campo de visão ao microscópico com aumento de 1.000x. Um valor médio <5 plaquetas/campo sinaliza trombocitope- nia. Normalmente em cães devem ser observadas entre 12 a 15 plaquetas por campo e nos gatos de 10 a 12 por cam- po. Cada plaqueta por campo correspon- de entre 12.000 a 15.000 plaquetas por µL de sangue. Hematología Clínica 1.2.4.2 Tempo de sangramento (TS) É realizado para avaliar a função plaque- tária, de modo que o animal deve ter >75.000/µL para que o teste tenha utili- dade. Determina o tempo necessário para deter o sangramento produzido por uma lesão induzida por uma lanceta de cerca de 0,5 cm, realizada na mucosa (lábio) ou pele desprovida de pelos. O sangue da ferida deve ser seco a cada 30 segundos, esperando que o sangramento cesse em menos de 6 minutos. Um tempo aumentado é observado em trombastenías. Também aparece aumen- tado em casos de trombocitopenia e lesão de endotélios (vasculite). Em coa- gulopatias o TS estará normal, mas po- dem ocorrer hemorragias posteriores à formação do tampão plaquetário. 1.2.4.3 Tempo de coagulação (TC) e tempo de coagulação ativada (TCA) O TC é um método rápido e de fácil exe- cução, mas pouco sensível, que determi- na o tempo transcorrido entre a obten- ção do sangue e sua coagulação em um tubo de vidro mantido a 37°C. Realiza-se em três tubos de ensaio (método de Lee- White) nos quais se deposita 1mL de sangue, e se deixa repousando a 37°C. Estabelece-se o tempo médio para a coagulação dos três tubos. O tempo normal de coagulação é menor a 13 minutos. Um método mais preciso é o TCA, que determina o tempo transcorrido entre o esvaziamento do sangue em tubo de vidro que contem um ativador (terra de diatomáceas) e sua coagulação. O tubo é mantido a 37°C e logo após um minuto se observa a amostra a cada 10 segun- dos. Em condições normais o sangue coagula em menos que 120 segundos em cães e cavalos, e menos que 65 segundos em gatos. O TC e o TCA estão aumentados em alte- rações das vías intrínseca e comum, como hemofilia, CID, intoxicação por cumarínicos, deficiência de vitamina K ou disfunção hepática. Contaminação com anticoagulantes, o uso de alguns antibió- ticos, salicilatos e barbitúricos podem prolongar o tempo da prova. 1.2.4.4 Tempo de protrombina (TP) Determina o tempo necessário para coagular o plasma citratado logo após a adição de tromboplastina e cálcio. É uma técnica utilizada para avaliar a atividade do complexo protrombina (vías extrínse- ca e comum). Encontra-se aumentado quando maior a 9 segundos em cães e 15 segundos em cavalos. Entretanto devem- se considerar informações do fabricante em kits comerciais e o uso de animais controles. Além disso, os valores variam na literatura. Encontram-sevalores au- mentados em animais com CID, deficiên- cia do fator VII, fibrinogênio, vitamina K, intoxicação por cumarina e hepatopatias severas. 1.2.4.5 Tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPA) Determina o tempo necessário para coagular o plasma citratado logo após a adição de cefalina (tromboplastina parci- al), caulinita e calcio. A cefalina é um substituo para o fator plaquetário. É um técnica utilizada para avaliar os sistemas intrínseco e comum. Encontra-se aumen- tado quando maior que 16 segundos em caninos, e maior a 45 segundos em equi- nos, em casos de deficiência dos fatores XII, XI, IX, VIII, V, II, I ou CID, deficiência do fator VII, fibrinogênio, vitamina K, intoxicação por cumarínicos. Devem-se considerar informações do fabricante em kits comerciais, e o uso de animais con- troles. Para a realização do TP e do TTPA é ne- cessário uma amostra de plasma fresco (menos de uma hora) retirado de uma amostra de sangue com citrato de sódio (3,8% em relação 9:1) e não contaminada com tromboplastina tecidual. Idealmente deve-se realizar a prova em paralelo com um plasma controle, considerando como valores anormais aumentos maior a 4 segundos em relação ao controle. Pode existir um prolongamento dos tempos dos testes por excesso de citrato, e deve- se considerar que os fatores V, VII e VIII perdem atividade em cinco a oito horas após a extração. 1.2.4.6 Produtos de degradação de fibrina (PDFs) A atividade dos produtos de degradação da fibrina evidencia o grau de fibrinólise in vivo. Determina um aumento de PDFs circulante gerados durante a fibrinólise. Um método simples é a prova de agluti- nação em látex, cujo resultado positivo indica um aumento de trombos ou coá- gulos por fibrinólise em casos de CID, também pode ser maior depois de cirur- gias. Sua concentração plasmática é variável entre espécies, no cão <40 µg/mL; gato <8 mg/mL, e no equino <16 µg/mL. 1.3 CONSIDERAÇÕES PARA A INTER- PRETAÇÃO DO HEMOGRAMA As informações obtidas do hemograma (eritrograma, leucograma e plaquetas), devem ser usadas de forma ordenada e sequencial para obterem-se conclusões clínicas válidas: 1º. Observar os valores e comparar com os intervalos de referência (IR) entregues pelo mesmo laboratório. Em geral, é recomendado utilizar os valores absolu- tos e não relativos. 2º. Definir a magnitude do aumento ou diminuição. A alteração pode ser leve, moderada ou severa, em base na magni- tude da alteração, a variação do analito, a espécie e o critério clínico. 3º. Considerar todos os fatores individu- ais, fisiológicos, patológicos e iatrogêni- cos que podem estar produzindo a alte- ração (Tabela 0.8). 4º. Concluir se a mudança corresponde a uma resposta patológica e a importância que representa. Na Tabela 0.8 apresentam-se os princi- pais analitos incorporados no hemogra- ma, às alterações que podem ser encon- tradas, e as alterações mais frequentes observadas nas espécies domésticas. Tabela 0.8. Interpretação do hemograma. Exame Mudança Denominação Alteração Hematología Clínica Contagem eritrocitária, concentração de Hemo- globina e hematócrito ↑ Eritrocitose Desidratação: Hemoconcentração ↓ Anemia Hemorrágica: proteínas ↓ Hemolítica: bilirrubina ↑ Aplástica: parasitismo, desnutrição VCM ↑ ↓ Macrocítica Microcítica Anemia regenerativa Deficiência Fe, Cu CHCM ↓ Hipocrômica Deficiência Fe, Cu Eritrócitos imaduros (HJ, nucleados, etc.) ↑ Regeneração Hemorragia aguda Hemólise aguda Contagem leucócitos ↑ Leucocitose Contagem diferencial ↓ Leucopenia Contagem diferencial Fórmula: ↑ Neutrofilia Resposta adrenérgica Neutrófilos segmentados ↑ Estresse, corticoides Inflamação: Infecção bacteriana Necrose tecidual 2ª a hemorragias ↓ Neutropenia Infecção bacteriana sobre aguda Toxemia, Infecção viral aguda Bastões ↑ Desvio a esquer- da Infecção bacteriana aguda ou subaguda Linfócitos ↑ Linfocitose Estímulo sistema Imune Linfossarcoma Hipoadrenocorticismo ↓ Linfopenia Estresse, imunodeficiência, hiperadre- nocorticismo Monócitos ↑ Monocitose Inflamação com destruição de tecidos Eosinófilos ↑ Eosinofilia Alergia, parasitismo Necrose de tecidos Hipoadrenocorticismo ↓ Eosinopenia Estresse ou corticoides, hiperadrenocorti- cismo Plaquetas ↓ Trombopenia Depressão medular o u↑ consumo ou destruição Proteínas ↑ Hiperproteinemia Desidratação ↓ Hipoproteinemia Perda pela urina, fezes, hemorragia ↑ = Aumento ↓ = Diminuição. 1.4 EXERCÍCIOS 1.4.1.1 Caso 7 Você é requisitado para interpretar o seguinte eritrograma pertencente a um equino que apresenta um quadro agudo de cólica. Sua condição cardiovascular indica taquicardia (80 batimentos/min), aumento do tempo de preenchimento capilar (3 segundos), mucosas congestas e pulso débil. Análise Resultado IR Eritrócitos 12,5 x 106/µL 6,0 – 9,5 Hematócrito 57% 35 – 47 Hemoglobina 20,5 g/dL 12,2 – 16,4 VCM 44 fL 40 – 61 CHCM 37,0 g/dL 32,0 – 39,0 Metarubrícitos 0 x 100 leucócitos 0 Anisocitose Negativo Escasso Policromasia Negativo Negativo Howell-Jolly Negativo Negativo Outro: Proteínas 9,8 g/dL 6,8 – 8,4 Pergunta-se: a) Indicar as variáveis alteradas nos resultados. b) Nomeie as alterações encontradas. c) Como você interpreta o resultado? Respostas: a) Contagem de eritrócitos, hemoglobi- na, hematócrito aumentados; proteínas plasmáticas elevadas. b) O equino apresenta eritrocitose com hiperproteinemia. c) Conclui-se que o paciente cursa com eritrocitose relativa de prognóstico re- servado. 1.4.1.2 Caso 8 Você é consultado para interpretar o seguinte eritrograma pertencente a um cão adulto que apresenta um quadro de gastrite com vômitos frequentes, perda de condição corporal e decaimento pro- gressivo. Análise Resultado IR Eritrócitos 2,0 x 106/µL 5,50 – 8,50 Hematócrito 18% 37 – 50 Hemoglobina 6,0 g/dL 12,0 – 18,0 VCM 90 fL 60 – 77 CHCM 33,0 g/dL 32,0 – 37,0 Metarubrícitos 2 x 100 leucócitos 0 Anisocitose Abundante Escasso Policromasia Abundante Escasso Howell-Jolly Moderado Escasso Outro: Proteínas 4,5 g/dL 5,5 – 7,5 Pergunta-se: a) Identifique as variáveis alteradas nos resultados. b) Nomeie as alterações encontradas. c) Como você interpreta o resultado? Respostas: a) Contagem de eritrócitos, hematócrito e hemoglobina diminuídos; VCM elevado com CHCM normal; metarubricitos, e eritrócitos com sinais de imaturidade; hipoproteinemia. b) O cão apresenta anemia moderada a intensa, macrocítica, normocrômica, regenerativa com hipoproteinemia. c) Conclui-se que o paciente cursa com anemia moderada a intensa, regenerati- va e de caráter subagudo que poderia ser resultado de uma hemorragia, presumi- damente associada a uma úlcera gástri- ca. 1.4.1.3 Caso 9 Você é consultado para interpretar o seguinte eritrograma pertencente a um gato que está sendo submetido a uma quimioterapia por leucemia e que atual- mente apresenta debilidade. Análise Resultado IR Eritrócitos 2,8 x 106/µL 5,0 – 10,0 Hematócrito 20% 24 – 45 Hemoglobina 5,3 g/dL 8,0 – 15,0 VCM 71 fL 39 – 55 CHCM 26,0 g/dL 30,0 – 35,0 Metarubrícitos 0 x 100 leucócitos 0 Anisocitose Escasso Escasso Policromasia Negativo Escasso Howell-Jolly Negativo Escasso Outro: Proteínas 6,6 g/dL 5,4 – 7,8 Pergunta-se: a) Identifique as variáveis alteradas nos resultados. b) Nomeie as alterações encontradas. c) Como você interpreta o resultado? Respostas: a) Contagem de eritrócitos, hematócrito e hemoglobina diminuídos; eritrócitos sem alterações morfológicas; proteínas plasmáticas dentro do intervalo de refe- rência. b) O gato apresenta anemia macrocítica, hipocrômica, não regenerativa com nor- moproteinemia. c) Conclui-se que o paciente cursa com anemia moderada, não regenerativa, resultado de uma displasia eritropoiética associada à quimioterapia. 1.4.1.4 Caso 10 Você é consultado para interpretar o seguinte leucograma pertencentea uma cadela de cinco anos de idade que apre- sentou estro um mês atrás e cursa com depressão. Anorexia, febre, vômitos, Hematología Clínica desidratação, abdômen distendido e secreção vaginal. Análise Resultado Relativo IR % Absoluto IR /µL Leucócitos 100% - 40.800 8.000 – 14.000 Basófilos 0 0 – 1 0 0 – 200 Eosinófilos 0 1 – 10 0 100 – 1.500 N segm 59 55 – 75 24.072 3.300 – 10.000 N bastões 19 0 – 3 7.752 0 – 300 N juvenis 3 0 1.224 0 Linfócitos 5 12 – 30 2.040 1.000 – 4.500 Monócitos 14 1 – 7 5.712 100 – 700 Morfologia Abundantes neutrófilos com citoplasma basofílico, com vacuolização. Pergunta-se: a) Nomeie as principais alterações en- contradas. b) Como você interpreta o resultado? c) Qual é sua conclusão clínica? Respostas: a) Leucocitose intensa com neutrofilia relativa e absoluta com desvio à esquer- da regenerativo e com degeneração tóxica. Além disso, encontra-se monoci- tose relativa e absoluta, e eosinopenia relativa e absoluta. b) A cadela está cursando com um pro- cesso inflamatório supurativo localizado, de caráter subagudo a crônico que se associa a uma toxemia e estresse. c) Conclui-se que o leucograma é com- patível a um quadro de piometra. 1.4.1.5 Caso 11 Você é consultado para interpretar o seguinte leucograma pertencente a um potro de um ano de idade, que apresen- ta uma diarreia severa por 24 horas acompanhada por depressão, anorexia e febre. Análise Resultado Relativo IR % Absoluto IR /µL Leucócitos 100% - 2.500 5.000 – 11.000 Basófilos 0 0 – 3 0 0 – 300 Eosinófilos 0 1 – 8 0 100 – 800 N segmen 20 33 – 70 500 2.200 – 6.100 N bastões 35 0 – 3 875 0 – 200 N. juvenis 5 0 125 0 Linfócitos 35 24 – 60 875 1.500 – 6.500 Monócitos 5 0 – 7 125 0 – 600 Morfologia Escassos neutrófilos com granulação basofílica Pergunta-se: a) Nomeie as principais alterações en- contradas b) Como você interpreta o resultado? c) Qual é sua conclusão clínica? Respostas: a) Leucopenia moderada com neutro- penia absoluta e desvio à esquerda de- generativo. Além de linfopenia, eosino- penia relativa e absoluta. b) A resposta hematológica é própria de um quadro inflamatório peragudo, com neutropenia por depleção resultado de uma rápida migração ao foco inflamató- rio, acompanhada da liberação medular de bastões. c) O potro está cursando com um pro- cesso inflamatório agudo com uma res- posta medular ainda insuficiente, associ- ada à toxemia e estresse, leucograma compatível como uma enterite por sal- monelose. 1.4.1.6 Caso 12 Você é consultado para interpretar o seguinte leucograma pertencente a uma vaca de cinco anos de idade que apre- senta adenopatia crônica acompanhada de anorexia e baixa produção de leite. Análise Resultado Relativo IR % Absoluto IR /µL Leucócitos 100% - 94.000 5.000 – 9.500 Basófilos 0 0 – 2 0 0 – 200 Eosinófilos 0 2 – 12 0 200 – 1.000 N segmen 2 15 – 45 1.880 1.100 – 4.000 N bastões 0 0 – 2 0 0 – 100 N juvenis 0 0 0 0 Linfócitos 97 40 – 70 91.180 2.200 – 5.800 Monócitos 1 2 – 8 940 0 – 700 Morfologia Abundantes linfócitos grandes com nucléolos evidentes, e em mitose. Pergunta-se: a) Nomeie as principais alterações en- contradas. b) Como você interpreta o resultado? c) Qual é sua conclusão clínica? Respostas: a) Leucocitose intensa com severa linfo- citose relativa e absoluta, alguns imatu- ros. Neutropenia relativa secundária a intensa linfocitose. b) A resposta hematológica é própria de um quadro proliferativo crônico de teci- do linfóide. c) A vaca está cursando com uma leu- cemia compatível com uma leucose en- zoótica bovina. 1.4.1.7 Caso 13 Você é consultado para interpretar o seguinte leucograma pertencente a uma vaca de três anos de idade que apresenta febre, timpanismo recidivante, anorexia e queda brusca na produção de leite. Análise Resultado Relativo IR % Absoluto IR /µL Leucócitos 100% - 13.500 5.000 – 9.500 Basófilos 0 0 – 2 0 0 – 200 Eosinófilos 1 2 – 12 135 200 – 1.000 N segmen 64 15 – 45 8.640 1.100 – 4.000 N bastões 5 0 – 2 675 0 – 100 N juvenis 0 0 0 0 Linfócitos 20 40 – 70 2.700 2.200 – 5.800 Monócitos 10 2 – 8 1.350 0 – 700 Morfologia Pergunta-se: a) Nomeia as principais alterações en- contradas. b) Como você interpreta o resultado? c) Como é sua conclusão clínica? Respostas: a) Leucocitose com moderada neutrofi- lia e leve desvio à esquerda regenerativo. Monocitose e leve eosinopenia. b) A reposta hematológica é própria de uma resposta a um processo inflamató- rio supurativo localizado de caráter su- bagudo. c) A vaca está cursando com uma infec- ção bacteriana compatível com reticulo- pericardite traumática. 1.1 ANÁLISE CLÍNICA DOS LEUCÓCITOS 1.1.1 Características dos Leucócitos 1.1.1.1 Classificação, quantidade e morfologia dos leucócitos 1.1.1.2 Cinética e funções dos leucócitos 1.1.2 Exames dos Leucócitos para uso Clínico 1.1.2.1 Contagem de leucócitos 1.1.2.2 Fórmula leucocitária relativa 1.1.2.3 Fórmula leucocitária absoluta 1.1.2.4 Características morfológicas dos leucócitos 1.1.3 Interpretação Clínica do Leucograma 1.1.3.1 Leucopenia e leucocitose 1.1.3.2 Neutrofilia 1.1.3.3 Neutropenia 1.1.3.4 Eosinopenia e eosinofilia 1.1.3.5 Basofilia 1.1.3.6 Monocitose 1.1.3.7 Linfocitose e Linfopenia 1.1.3.8 Alterações morfológicas 1.2 HEMOSTASIA 1.2.1 Hemostasia primária 1.2.2 Hemostasia secundária 1.2.3 Hemostasia terciária 1.2.4 Avaliação da Hemostasia 1.2.4.1 Contagem de plaquetas 1.2.4.2 Tempo de sangramento (TS) 1.2.4.3 Tempo de coagulação (TC) e tempo de coagulação ativada (TCA) 1.2.4.4 Tempo de protrombina (TP) 1.2.4.5 Tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPA) 1.2.4.6 Produtos de degradação de fibrina (PDFs) 1.3 CONSIDERAÇÕES PARA A INTERPRETAÇÃO DO HEMOGRAMA 1.4 EXERCÍCIOS 1.4.1.1 Caso 7 1.4.1.2 Caso 8 1.4.1.3 Caso 9 1.4.1.4 Caso 10 1.4.1.5 Caso 11 1.4.1.6 Caso 12 1.4.1.7 Caso 13