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As Mulheres e o Cárcere

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AS MULHERES E O CÁRCERE – UMA ANÁLISE ACERCA DA VIVÊNCIA 
FEMININA ATRÁS DAS GRADES 
Alice Calácio Silva Rodrigues – 3DIA 
 
Resumo 
A partir do interesse acerca do funcionamento do sistema prisional brasileiro, o presente 
artigo científico propõe a análise da realidade das mulheres que vivem nos presídios brasileiros, 
entender como os sistemas jurídico e penitenciário as trata e principalmente no que tange às 
diferenças de gênero e as particularidades do sexo feminino, tais como a maternidade e a 
menstruação, tudo isso vivenciado dentro do cárcere. Assim, busca-se compreender desde o 
início do cárcere feminino no Brasil até o aumento do número de mulheres encarceradas e as 
causas desse cárcere, através de dados e números exorbitantes. Nesse sentido, a pesquisa propõe 
analisar o cárcere diante de uma perspectiva de gênero e de uma tentativa de compreender 
algumas questões sociais que são estruturadas pelo patriarcado. 
 
Palavras-chave: Mulher; Penitenciária; Sistema carcerário; Machismo. 
 
Introdução 
A análise acerca das prisões femininas no Brasil não é muito difundida, tampouco 
detalhada. São poucos os que sabem e problematizam essa questão afundo e com seriedade. 
Portanto, torna-se necessário fazer um apanhado histórico para que se faça contextualizar todos 
os problemas que percorrem essa instituição até os dias atuais. Além disso, torna-se importante 
analisar o perfil dessas mulheres encarceradas, afim de compreender os motivos mais 
recorrentes que levam a mulher ao cárcere, observar se os seus direitos estão sendo respeitados 
e como o sistema penitenciário as trata. 
Insta ressaltar que as mulheres são tratadas de maneira passiva no sistema prisional 
brasileiro. A maioria dos estabelecimentos em que elas ficam detidas são adaptados, sem 
tratamento específico, numa desigualdade de tratamento facilmente observada a olho nu, além 
de descumprir o Art. 5º, inciso XLVIII da Constituição Federal, que assegura que: “... A pena 
será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o 
sexo do apenado...”. Portanto, torna-se interessante citar o pensamento do filósofo Aristóteles, 
que traduz exatamente toda a temática da presente pesquisa: “Tratar igualmente os iguais 
e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades”. 
1. Contexto Histórico 
Em primeiro lugar, entende-se que em meados do século XX, a grande maioria dos 
carcerários era do sexo masculino, nesse sentido, percebe-se a mulher vista através de um papel 
secundário, muitas vezes porque no Brasil e no mundo, as mulheres criminosas eram vistas de 
uma perspectiva diferente dos homens. Muito se comentava que esses crimes eram apenas 
ocasionais e sempre tiveram uma conotação também sexual, pois, aos olhos da sociedade, se a 
mulher comete um crime, ela também vive uma vida boemia. 
No nosso país, as primeiras mulheres encarceradas além de criminosas também eram as 
moradoras de rua, as prostitutas, as mulheres vulgares e até as mulheres negras e em resumo, 
as mulheres que eram mal vistas pela sociedade. Na maior parte das vezes, as penitenciárias 
femininas buscavam ressocializar as mulheres para que elas fossem novamente acolhidas na 
sociedade, portanto, uma vez que existia uma grande diferença entre a quantidade de 
encarcerados do sexo masculino e as mulheres encarceradas, a necessidade da construção de 
um presídio exclusivamente feminino demorou a ser questionada. 
 
 O número de mulheres infratoras, no Brasil, não se assemelhava ao número de 
homens. Geralmente, eram elas detidas por pequenos furtos e brigas, alcoolismo e 
vadiagem. Existiam, ainda, aqueles delitos que eram considerados fruto de 
perturbações mentais como o infanticídio, aborto e bruxarias. Quando condenadas, 
ficavam em locais improvisados, as autoridades públicas não viam necessidade de 
gastos em construções para abrigar um pequeno número de infratoras. (SANTOS, p. 
9) 
 
Além disso, Bruna Angotti ainda expõe que: “desde o período colonial, no Brasil, as 
mulheres foram encarceradas em estabelecimentos onde prevaleciam prisioneiros do sexo 
masculino, sendo a elas raramente destinados espaços reservados. Prostitutas e escravas, em 
sua maioria, as mulheres eram confinadas junto aos homens, frequentemente dividindo a mesma 
cela” (ANDRADE, 2011, p. 17). 
Nesse sentido, em 1940 entra em vigor um novo Código Penal que, em seu art. 37, 
endossou que as mulheres devem cumprir pena em estabelecimento próprio. Assim, apenas na 
década de 1940 foram criados os primeiros presídios femininos no Brasil., o Instituto Feminino 
de Readaptação Social, em Porto Alegre, o Presídio de São Paulo, e a Penitenciária de Mulheres 
de Bangu, que foi a primeira no país a ser estruturada inteiramente para ser um presídio 
feminino, uma vez que antes disso, os presídios masculinos eram adaptados para receber as 
mulheres. 
2. Motivações: pobreza e desigualdade de gênero 
De acordo com o Infopen Mulheres (Levantamento Nacional de Informações 
Penitenciárias) de 2019, a população carcerária feminina aumentou para 37,2 mil mulheres. 
Nesse sentido, é importante ponderar que a violência e a desigualdade de gênero são fatores 
que afetam as mulheres de todas as classes sociais. Entretanto, as estatísticas comprovam que 
as mulheres pobres e pretas são atingidas de forma desigual, sendo assim, na periferia é que 
está a maior parte das mulheres que desde cedo são expostas à violência, gravidez precoce, à 
estupros e lares desestruturados. 
Nessa perspectiva, o tráfico acaba sendo uma oportunidade para muitas dessas mulheres 
que se encontram marginalizadas, muitas vezes sendo a única que elas terão na vida, em um 
país onde não se tem o amparo do Estado. Portanto, muitas das mulheres encarceradas já se 
envolveram com prostituição e com o vício abusivo de drogas, culminando numa falta de 
oportunidades e em vínculos afetivos com traficantes e marginais que se tornam algumas das 
maiores motivações que direcionam as mulheres para o crime, construindo assim um padrão 
que é pautado por fatores sociais e econômicos. Os crimes cometidos por mulheres são, sim, 
menos violentos; mas é mais violenta a realidade que as leva até eles. (QUEIRÓZ, p. 36) 
O documentário “Se eu não tivesse amor” foi filmado na Penitenciária Feminina 
Talavera Bruce, no Rio de Janeiro, e retrata a história de várias mulheres encarceradas que se 
envolveram no mundo do crime por amor. É evidente que a grande maioria das mulheres que 
entram no crime são motivadas pelos seus companheiros ou companheiras, principalmente por 
se envolverem com tráfico de drogas, que é o crime mais cometido por mulheres. 
 
3. O abandono carcerário 
O fato de o crime ser aceito com maior naturalidade quando cometido por homens é 
pautado através de uma sociedade que desde sempre foi estruturada pelo machismo. Desde a 
construção tardia dos presídios femininos no Brasil, como supracitado, até a diferença em que 
tratam as mulheres encarceradas 
Nesse viés, o abandono carcerário é completamente recorrente nas prisões femininas. 
Enquanto os homens presos sempre têm uma mulher que o visita, seja a mãe, esposa, amante, 
ou qualquer outro parente, as mulheres presas ficam totalmente abandonadas. Até o ano de 1999 
o CNPCP (Conselho Nacional de Política Criminal) amparava o direito à visita íntima apenas 
para os presos homens, e mesmo após essas visitas começarem a ser direito das mulheres 
também, várias instituições ainda possuíam regras distintas e totalmente pautadas em diferenças 
de gênero. Segundo o médico Dráuzio Varella, numa penitenciária que tem a média de duas mil 
presas, as visitas íntimas não passam de 200 mulheres, já nas penitenciárias masculinas, o 
número atinge quase a totalidade do número de presos. Essas visitas são essenciais não apenas 
para a manutenção da vida sexual das mulheres presas, mas também para que elas mantenham 
um vínculo afetivocom o seu ciclo social, sua família e seus companheiros e companheiras. 
A visita íntima serve como uma chance da população carcerária manter o vínculo 
afetivo com seus cônjuges e restringir esse processo é um facilitador de afrouxamento 
desses laços. Não obstante, além de penalizar psiquicamente as mulheres reforçando 
o estigma do abandono, se desencadeia em uma forma de castração sexual, já que 
impede que os desejos sexuais e, consequentemente, afetivos sejam satisfeitos. Nessa 
perspectiva, percebe-se que o encarceramento tende a aprisionar a mulher em todas 
as suas instâncias, punindo-a não somente pelo ato infracional, mas pelas diversas 
arestas de significado que atravessam o feminino. (SANTOS; SILVA) 
Sob essa ótica, existem estudos que analisam o pequeno número de homens que visitam 
suas mulheres em prisões femininas de regime fechado e que corroboram com essa ideia de 
solidão carcerária. Além disso, de acordo com o Infopen Mulheres de 2018, somente uma em 
cada duas prisões femininas são projetadas adequadamente para que haja a visita íntima, além 
de que apenas 41% das unidades prisionais femininas disporem de um ambiente privativo e 
digno para esse fim. 
 
4. A saúde no cárcere 
É importante destacar que a população carcerária feminina necessita de recursos de 
saúde específicos para a sua natureza. Por mais que a Constituição Federal brasileira assegure 
uma igualdade sem distinções, é necessário que o Estado comece a tratar as mulheres 
encarceradas na medida das suas desigualdades. Homem não menstrua e não engravida, 
portanto, devem existir tratamentos médicos adequados de acordo com a condição de gênero. 
Além disso, a pobreza menstrual é uma das grandes questões a serem tratadas dentro 
dos presídios femininos, uma vez que a escassez de absorventes é existente e muito evidente. 
Nesse sentido, apesar de ser uma questão pouco debatida, é extremamente importante. Apesar 
desses direitos serem assegurados, a situação das pessoas encarceradas que menstruam reflete 
o descaso e a falta de suporte estatal. A manutenção das condições básicas de higiene deveria 
abranger as necessidades específicas da mulher, que dentro do cárcere carecem de recursos 
básicos. De acordo com o livro “Presos que menstruam”, muitas instituições penitenciárias não 
fornecem absorventes, e muitas das vezes as mulheres precisam improvisar com retalhos de 
tecidos que sobram nos ateliês das prisões. Além disso, uma vez que o Estado não garante essa 
assistência, a família das presas é essencial nesse momento, já que se tornam o único meio de 
que essas mulheres possam obter os absorventes e demais itens de higiene pessoal. 
Em geral, cada mulher recebe por mês dois papéis higiênicos (o que pode ser 
suficiente para um homem, mas jamais para uma mulher, que o usa para duas 
necessidades distintas) e dois pacotes com oito absorventes cada. Ou seja, uma mulher 
com um período menstrual de quatro dias tem que se virar com dois absorventes ao 
dia; uma mulher com um período de cinco, com menos que isso. — Todo mês eles 
dão um kit. No Butantã, dão dois papéis higiênicos, um sabonete, uma pasta de dente 
da pior qualidade e um (pacote de) absorvente. Falta, né? E ninguém dá nada de graça 
pra ninguém — conta Gardênia. Itens de higiene se tornam mercadoria de troca para 
quem não tem visita. Algumas fazem faxina, lavam roupa ou oferecem serviços de 
manicure para barganhar xampu, absorvente, sabão e peças de roupa. No regime 
semiaberto, só recebem o kit aquelas que não têm visita. Para evitar que as trocas 
gerem uma espécie de elite de cadeia, as penitenciárias limitam o número de produtos 
que as detentas podem trazer das “saidinhas”. (QUEIRÓZ) 
Sob essa perspectiva, em 2020, a advogada e ex BBB Gizelly Bicalho desenvolveu um 
projeto que consistiu na doação de mais de três mil coletores menstruais para as detentas do 
Espírito Santo. Os coletores, além de serem mais higiênicos, gerarão uma enorme economia 
para o Estado, além de auxiliar no descarte de lixo das celas, que não é eficaz. 
Nesse sentido, Dr. Dráuzio Varella, em seu livro “Prisioneiras” afirma que as doenças 
e os problemas de saúde encontrados nas penitenciárias femininas são muito distintos dos das 
penitenciárias masculinas. Enquanto os homens sofrem mais de micoses, infecções e 
tuberculose, as mulheres se queixam de cefaleia, obesidade, depressão, problemas menstruais 
e muitas vezes suspeitas de gravidez. Nessa perspectiva, busca-se observar se, a saúde e a 
higiene – direitos assegurados constitucionalmente – estão sendo violados dentro do cárcere. 
Conclusão 
Faz-se possível compreender que a visão que se tem da mulher carcerária é 
estigmatizada até os dias atuais. A imagem que é construída de que a mulher ocupa um papel 
secundário até mesmo no mundo do crime corrobora com a estrutura patriarcal supracitada, que 
diminui a mulher à passividade, como em todos os outros âmbitos da vida social. 
Além disso, até hoje entende-se que a mulher criminosa é uma tradução do rompimento 
de uma feminilidade idealizada. Feminilidade esta, que reduz a mulher em uma imagem de 
alguém frágil, dócil e a quem cabe os afazeres domésticos, além do seu “papel natural” de 
reprodução e o apreço pelo cultivo dos laços familiares – a esposa e mãe. Nessa perspectiva, 
entende-se que a pesquisa brasileira ainda é bastante escassa no que tange ao encarceramento 
feminino e que o sistema carcerário brasileiro ainda as trata como trata os homens, esquecendo-
se das particularidades da natureza feminina. 
Conclui-se, portanto, que a punição recebida ultrapassa os fatores legais e estrutura-se, 
principalmente, em opressões de gênero. Não se deve esquecer da humanidade das mulheres 
infratoras do Brasil. Essas mulheres, apesar de criminosas, querem ser ouvidas e lutam por 
higiene e dignidade dentro de um sistema de injustiças que viola seus direitos todos os dias. 
 
Referências Bibliográficas 
ANDRADE, Bruna Soares Angiotti Batista. Entre as Leis da Ciência, do Estado e de Deus: 
o surgimento dos presídios femininos no Brasil. São Paulo, USP, 2011. Dissertação 
(Mestrado em Antropologia Social). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, São 
Paulo, 2011. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8134/tde-11062012-
145419/publico/2011_BrunaSoaresAngottiBatistaDeAndrade_VOrig.pdf. Acesso em: 14 de 
jun de 2021. 
CHAVES, Geysa. Se eu não tivesse amor. Disponível em: 
https://www.youtube.com/watch?v=TF8S5oGkL-c&t=1677s. Acesso em: 15 de jun. de 2021. 
G1. Abandono é a principal diferença entre mulheres e homens na cadeia. Disponível em: 
https://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/abandono-e-a-principal-diferenca-entre-mulheres-e-
homens-na-cadeia-diz-drauzio-varella.ghtml. Acesso em: 18 de jun de 2021. 
QUEIRÓZ, Nana. Presos que menstruam. Rio de Janeiro: Editora Record, 2015. 
SANTOS, Jahyra Helena P. dos; SANTOS, Ivanna Pequeno dos. Prisões: um aporte sobre a 
origem do encarceramento feminino no Brasil. Disponível em: 
<http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=c76fe1d8e0846243>. Acesso em: 14 de jun. 
de 2021. 
VARELLA, Drauzio. Prisioneiras. São Paulo: Companhia das Letras, 2017. 
SANTOS, Jessika Borges Lima; SILVA, Márcio Santana da. Encarceramento feminino: 
reflexões acerca do abandono afetivo e fatores associados. Disponível em: 
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X2019000300007. 
Acesso em: 18 de jun de 2021.

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