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143 - A Ocupação Da Amazônia - Antônio R Esteves

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•• vi ocupacão
'rm !i~nia,itA~ionlOR. Esteves tudo é hisfória
143I~~-
I
~ ~.~-~,
A Amb,zôriiâ é uma região única' no cenário
. geopolitico mundial.
Sua ocupação vagq,rosa só encontra maiores
obstáculos na própria natureza ribeirinha e na
pobreza da economia.
Este livro .conta a histeria amq.zônz'ca, sem ..'
utilizar a narrativa das imagens [antasiosas e
mitos, ·tão peculiares da região, ". . "
É uma histôriaedo processo r.e 'ocupação;" do
ponto de insta das suas contradições
e seus conflitos ..
ISBN: 85-11-02143
~~ lIITURAS~~~~
@~~~
Da monarquia à
República
Momentos decisivos
Emília Viotti da Costa
O Ensino da História
Revisão urgente
Conceição Cabrini e
outras
O Extremo Oeste
Sergio Buarque de
Holanda
Visão do Paraíso
Os motivos edênicos no
descobrimento e
colonização do Brasil
Sérgio Buarque de
Holanda
Antônio R. Esteves
DEDALUS - Acervo - FFLCH-HI
Coleção Primeiros Passos
905
T912
v.143
A ocupacao da amazonia.
1111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111121200041220
A OCUPAÇÃO
DA AMAZÔNIA
"rOMBO: 119683
RIII
SBD-FFLCH-OSP
. editora brasiliense
, O que é História
Vavy Pacheco Borges
O que é Natureza
Marcos de Carvalho
O que é ecologia
Antonio Lago e
José Augusto Pádua
Coleção Thdo é História
Bandeirantismo verso
e reverso
Carlos Davidoff
~cs
"T~~,~.
\l ~ l\ '3
Copyright © by Antônio R. Esteves, 1993
Nenhuma parte desta publicação pode ser gravada,
armazenada em sistemas eletrônicos, fotocopiada,
reproduzida por meios mecânicos ou outros quaisquer
sem autorização prévia do editor.
<yISBN: 85-11-02143-4
Primeim edição, 1993
1)bf
Preparação: Félice Morabito
Revisão: Eloisa de Araujo Ribeiro e Irene Hikishi
Capa: Jorge Basso
5 ~~ O~( JJ.o ~J
5 ~~ 0'\ oJ -:t-
E:>d& ~-, \ 10--':>
=poiOU)
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Av. Marquês de São Vicente, 1771
01139-903 - São Paulo - SP
Fone (011) 825-0122 - Fax 67-3024
IMPRESSO NO BRASIL
SUMÁRIO
Amazônia: contradição e conflito
O descobrimento ;
A aventura colonial .. . . . . . .
A integração política ao Brasil
A política de integração nacional
E o futuro? ." .
A Amazônia em números
Cronologia da ocupação da Amazônia
Indicações para leitura .
7
11
25
39
56
74
77
79
84
.;
. AMAZÔNIA: CONTRADIÇÃO
E CONFLITO
"Pesa em teu sangue a voz de ignoradas origens
As florestas guardaram na sombra o segredo da
tua história"
Raul Bopp
Quando se fala na Amazônia, a imensa região que
ocupa dois quintos da América do Sul, falta consenso e
sobram polêmica, fantasia e imprecisão. Em tomo dessa
terra cujo nome foi tirado das brumas da fantasia, foi-se
formando uma série de mitos e meias verdades que se
incorporaram ao imaginário coletivo. Às vezes, tal ima-
ginário chega à própria ciência ou aos discursos oficiais
dos países que a compõem.
Esses mitos e meias verdades são utilizados na mani-
pulação da opinião pública nacional ou mundial, de acordo
com os objetivos específicos a serem atingidos em de-
8 Antônio R. Esteves
terminado momento. Mais do que nunca, lança-se mão
dessas verdades fantasiosas.
A própria região constitui, em si, o primeiro grande
mito. O que é a Amazônia? Segundo a definição e as
estatísticas adotadas, sua extensão pode variar. Será a
Amazônia a área de 7.840.000 km2 que compõe os países
do Tratado Amazônico? ~ a região, de cerca 'de 7 milhões
de quilômetros quadrados, que compreende a área banhada
pela bacia do Amazonas e seus afluentes? Ou circuns-
creve-se ao domínio da fauna e da flora equatoriais, com
cerca de 6 milhões de quilômetros quadrados?
Muitos desses mitos têm uma origem tão fantástica
quanto a existência das mulheres guerreiras que lhe deram
nome. Um deles celebra que a Amazônia é brasileira.
Cerca de 33% da região pertencem aos países andinos,
nos quais está a nascente da maioria de seus rios, inclusive
do próprio Amazonas. Com exceção do Xingu, do To-
cantins e do Tapajós, quase todos os outros rios amazônicos
nascem fora do território brasileiro.
Outro mito é o da homogeneidade. Politicamente, a
região espalha-se por oito países e uma colônia: Bolívia,
Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru,
Suriname e Venezuela. Geograficamente, nela domina a
heterogeneidade. As altitudes partem do nível do mar e
chegam a alguns milhares de metros. A temperatura pode
ser gélida nas partes andinas ou tremendamente quente e
úmida nas áreas mais baixas. A vegetação varia da floresta
equatorial aos campos e savanas, passando por pântanos
e matas de palmeiras. A economia e a forma de ocupação
também diferem bastante. Vão do mais primitivo extra-
tivismo a modernas áreas industriais em suas grandes
A Ocupação ãa Amazônia
cidades. Há criação de bois, búfalos ou jacarés. O cultivo
é diversificado, desde plantas nativas, como a seringueira
e o cacau, até produtos alienígenas, caso da pimenta-do-
reino. Pode destinar-se à subsistência ou ao mercado
internacional, como as folhas de coca produzidas no Peru.
Até mesmo os ecos sistemas são heterogêneos. A região
é um imenso patrimônio biológico, mas muitas espécies
nem sequer são conhecidas ou catalogadas. Cada um dos
diversos tipos de formação vegetal que a compõem abriga
uma rica e variada biomassa. Calcula-se que haja na
região 300 espécies de mamíferos, 2,5 milhões de espécies
de artrópodes, cerca de 2 mil variedades de peixes e mais
de 60 mil espécies de plantas. Dessas, cerca de 3 mil
têm alguma utilização pelo homem, sendo 400 comestíveis
em forma de flor, fruto, folha, raiz ou caule. Só em
Iquitos, no Peru, podem ser encontrados 180 tipos desses
frutos, 80% dos quais vendidos no mercado local.
Para alguns, a Amazônia é o "Inferno Verde", cheio
de pântanos traiçoeiros, animais ferozes, moscas -e mos-
quitos que espalham as mais variadas febres e doenças,
tornando ali a vida humana quase impossível. Do lado
oposto, está a visão edênica, que a compara ao "Paraíso
Terrestre", espaço onde o homem pode ter uma vida pura
e sem pecados, numa sociedade perfeita. Ainda hoje
podem ser encontrados campos de trabalhos forçados,
escravidão de mulheres, garimpos ilegais, altos índices de
malária. Sobrevivem sociedades indígenas primitivas e
igualitárias, que desconhecem a propriedade privada, ao
lado de comunidades místicas que utilizam alucinógenos,
como é o caso do Santo Daime.
9
10 Antônio R. Esteves
A afirmação de que a região é vazia constitui outra
meia verdade. Não se pode negar sua baixa densidade
demográfica, mas ela abriga 22 milhões de habitantes e
é atravessada por cerca de 40 mil quilômetros de estradas,
além das abundantes vias navegáveis. Há assentamentos
que remontam a milhares de anos. Cidades fundadas há
vários séculos convivem com outras tantas que surgem
da noite para o dia. ,-
A riqueza é mais um mito. Realmente a região abriga,
em seu subsolo, grandes riquezas minerais que, em grande
parte, nem ao menos estão mapeadas. Sua exploração, no
entanto, não é revertida em benefício dos nativos. Daí
resulta o oposto, ou seja, a região é considerada uma das
mais pobres do planeta. Parte da população vive pratica-
mente na miséria total.
O indígena pode ser visto como impedimento ao "pro-
gresso" da região. No entanto, a maior parte dos 379
grupos que ali vivem já está aculturada, falando o espanhol
ou o português, de acordo com sua localização. Dos nove
países que compõem a Amazônia; cinco falam a língua
dos colonizadores espanhóis responsáveis por seu desco-
brimento. Ou pode ser mitificado, sendo sua' organização
exemplo de uma sociedade perfeita, igualitária, propondo
com isso que eles devam permanecer intactos.
Um ponto é certo: a Amazônia é a terra das experiências
não aproveitadas. Cada novo projeto de ocupação que surge
descarta a experiência dos anteriores, o que transforma a
região num imenso laboratório de experiências frustradas,
As páginas' seguintes tentam mostrar como tem sido
sua ocupação desde tempos remotos, para se poder en-
tender, a partir daí, a grande convulsão que abala a região
, nosdiasatuaiS.) . ,
o DESCOBRIMENTO
"Oh maravilha!
Que soberbas criaturas vejo aqui!
Como é belo o gênero humano!
Cenário naturalde semelhante povo.
Oh! Extraordinário Mundo Novo!"
Shakespeare
A ocupação inicial
Acredita-se que os primeiros habitantes da América
vieram da Ásia, em levas migratórias sucessivas e lentas.
.., Tendo-se fixado em diversos pontos, evoluíram isolada-
mente. As pesquisas arqueológicas na Amazônia são de-
ficientes - decorrência da escassez de pesquisadores e
de á região ser muito extensa e de difícil acesso. Pode-se
12 Antônio R. Esteves
dizer, no entanto, que a presença do homem remonta a
milhares de anos.
.' A falta de dados concretos faz com que surjam opiniões
divergentes sobre a ocupação da região. Alguns arqueó-
logos acreditam que os primitivos habitantes a povoaram
a partir da periferia da bacia, vindos do norte e do oeste
da América do Sul. Outros sustentam que esses habitantes,
após se fixarem em algum ponto do norte dó continente
ou mesmo nas planícies ribeirinhas do rio Amazonas,
teriam se irradiado na direção ocidental, dedicando-se
inicialmente à captura de moluscos, passando depois à
caça e à colheita de frutos e raízes. Assim surge, mais
tarde, uma agricultura rudimentar - raízes, como a
mandioca - em períodos curtos e apenas como comple-
mento à colheita.
Povos da fase marajoara (1100 a 200 a.Ci) teriam
experimentado uma agricultura intensiva, com o cultivo
contínuo de várias plantas em extensões maiores de terra.
Tal tipo de lavoura não se adaptou ao ambiente amazônico,
levando a seu declínio e desaparecimento.
Ao chegarem os primeiros europeus, as aldeias mais
populosas concentravam-se nas margens dos rios. Seus
habitantes viviam de forma simples, se comparados com
os incas ou maias. Havia, contudo, uma boaintegração
com o meio ambiente.
Os. primeiros exploradores ~
Antes da viagem de Francisco de Orellana, pouco se
sabe de concreto sobre a Amazônia. Lendas e notícias
A Ocupação da Amazônia 13
esparsas dão conta de que vários navegadores podem
havê-Ia visitado. Um deles, o capitão francês Jean Cousin,
teria alcançado a foz do Amazonas em 1488 ou 1490.
Depois da primeira viagem de Colombo, cresceu o
número de navegadores interessados em descobrir novas
terras. Entre eles, figurava Américo Vespúcio, que teria
visitado a foz do Amazonas em 1499, voltando a passar
por ali em 1501.
Não restam dúvidas, porém, sobre a aventura de Vicente
Y áãez Pinzón. Esse marinheiro andaluz, após participar
em 1492 da primeira viagem de Colombo, empreendeu
seus próprios descobrimentos. Com uma pequena expe-
dição, atingiu a costa de ..pemambuco em janeiro de 1500,
chegando em fevereiro à foz do grande rio, que chamou
de Santa Maria de Ia Mar Dulce. Navegou várias léguas
rio acima, desembarcou numa ilha, aprisionou 30 aborí-
genes para vender como escravos e seguiu na direção
norte, descobrindo o cabo Orange e o rio Oiapoque.
Na mesma rota de Pinzón, pouco depois, Diego de
Lepe chegou ao rio Pará, braço sul do estuário do
Amazonas. Tomou posse da terra em nome do rei da
Espanha, reagindo ao ataque dos índios. Esse foi o primeiro
confronto entre brancos e nativos de que se tem registro
na região.
O mapa de Juan de La Cosa, provavelmente de 1500,
já trazia a foz do Amazonas, embora ainda sem deno-
miná-Ia. A partir de então, a região fica esquecida por
várias décadas, havendo notícias de que Diogo Leite teria
explorado a costa norte até a foz do rio Amazonas, entre
1531 e 1532. É possível, ainda, que portugueses, por
Antônio R. Esteves .-, A Ocupação da Amazônia14
iniciativa dos donatários da capitania que ficava:no extremo
. norte brasileiro, tentaram explorar a área entre 1535 e
1538.
Orellana e o rio grande das amazonas.•.
A primeira expedição conhecida que navegou o rio
Amazonas, dos Andes à sua foz, foi a de Francisco de
Orellana. As aventuras da viagem, realizada de fevereiro
de 1541 a setembro de 1542, estão narradas na Relação
do Novo Descobrimento do Famoso Rio Grande das
Amazonas, do frei dominicano Gaspar de Carvajal, um
de seus membros. Essa expedição, que associaria o mito
das mulheres guerreiras à região, originou-se de outro
mito: o do País da Canela. Como se pode notar, a
Amazônia está envolta nas brumas do mito desde suas
origens. A realidade; nesse universo fantástico, tem-se
apresentado sempre de maneira muito débil.
Os europeus do final da Idade Média se lançaram às
aventuras marítimas movidos pela fantasia. Entidades mi-
tológicas clássicas, monstros e demônios medievais p~-
voavam seu imaginário. Mitos de raízes européias cruzaram
os mares e se aclimataram nas novas terras, juntando-se
a mitos locais. A realidade diferente e exótica, que
deslumbrava e apavorava, só contribuiu para o enraiza-
mento dessas lendas. A Amazônia, como região exuberante
e de difícil acesso, não foge à regra. A ela estão ligados
pelo menos três importantes'mitos: o das amazonas, o
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do País da Canela e o das Sete Cidades de Ouro, que
se funde com o do El Dorado. Os dois últimos acabarão
por associar-se ao mito das amazonas.
O objetivo inicial da viagem de Orellana era descobrir
o País da Canela. Apesar de em 1540 os portugueses
ainda controlarem o comércio das especiarias e de seu
preço já estar bastante baixo no mercado mundial, a ilusão
da riqueza rápida através desse negócio ainda estava viva,
daí o interesse pela canela. O mito do País da Canela
surgiu em Quito por essa época. Dizia-se que além da
cordilheira nevada havia florestas infrnitas de canela. O
desejo de apropriar-se dessa riqueza motivou o conquis-
tador do Peru, Francisco Pizarro, a nomear governador
de Quito seu irmão mais jovem, com a missão de explorar
o País da Canela. Em fins de 1540, Gonzalo Pizarro
começou a organizar a expedição, convidando para ela
Francisco de Orellana.
Com mais de 200 espanhóis, 4 mil índios para transpórte
de carga e vários animais, Gonzalo Pizarro partiu de
Quito em fevereiro de 1541. Atravessou a cordilheira dos
Andes, íngreme e gelada, chegando aos pés de canela.
Primeira desilusão: tratava-se de uma espécie americana
de qualidade inferior, com poucas árvores espalhadas na
mata, o que inviabilizava sua exploração. Embora não
houvesse sinais da presença de mais canela, ouro ou
qualquer riqueza, o grupo foi em frente.
Desolados, vítimas das agruras da selva e de ataques
constantes de índios. hostis, os exploradores chegaram às
margens do rio Coca. Construíram um barco e seguiram
avançando. No Natal de 1541, quase um ano depois de
15
~
I
16 Antônio R. Esteves
vagarem sem rumo, tomou-se uma decisão polêmica.
Orellana se adiantou no barco, em busca de alimento e
abrigo, deixando. Pizarro acampado com a maioria do
grupo. Orellana não encontrou povoações próximas em
que se pudesse abastecer, ficando impedido de voltar rio
acima. Depois de esperar algum tempo, Pizarro resolveu
retomar, chegando a Quito em agosto de 1542.
Orellana seguiu rio abaixo com seus companheiros
durante sete dias, sem nada encontrar, alimentado-se de
solas de sapato e cintos cozidos com ervas. No primeiro
dia de 1542, alcançaram uma aldeia, conseguindo comida.
Entraram no rio Marafion em 12 de fevereiro, nele per-
manecendo até 26 'de agosto, data de chegada ao mar.
Numa parada maior, foi construído outro barco. Cerca de
dez canoas tomadas aos índios completavam a pequena
frota.
O padre Carvajal, preocupado em mostrar as privações
da viagem, não descreve objetivamente as terras por onde
passaram. Há poucos detalhes da geografia da região ou
de seus habitantes. É difícil identificar os afluentes do
rio ou a localização exata do grupo. Embora se deva ler
com cuidado seu relato fantasioso, por ele podemos deduzir
como viviam os aborígines e como foram suas primeiras
reações diante dos estranhos que chegavam.
Orellana era um homem inteligente, pacífico e preo-
cupado em aprender a língua dos índios. Isso facilitou
os primeiros contatos, eliminando incidentes. Sempre que
aportava numa aldeia, depois do ritual de tomar posse
da terra em nome do rei, Orellana conversava com os
nativos e conseguia a comida necessária em troca de
bugigangas ou por simples hospitalidade. Em duas ocasiões,A Ocupação da Amazônia
a estada foi superior a um mês. Não é fácil alimentar
mais de 50 pessoas durante tanto tempo se não há fartura.
E é exatamente a fartura que caracteriza a região, de
acordo com o relato de Carvajal.
As margens do rio eram densamente povoadas,' com
aldeias atingindo várias léguas de extensão. Algumas eram
bem construídas, com vias largas, ancoradouros e muitos
barcos. Os silvícolascultivavam milho, mandioca, inhame.
Dedicavam-se à caça, à pesca e à criação de tartarugas.
Alguns dos chefes possuíam grandes exércitos e apareciam
a Orellana ricamente vestidos.
Ao surgir a primeira tribo hostil, Orellana se mostrou
tão hábil na guerra quanto o fora na paz. A batalha foi
dura, mas os espanhóis. venceram à custa da paz. A
diplomacia inicial de Orellana foi substituída pela violência.
A notícia de aldeias incendiadas e de índios enforcados
por se recusarem a entregar suas colheitas correu célere.
Conseguir alimento passou a ser uma ação militar.
Pouco depois da foz do Madeira, surgiu o elemento
mais fantástico da expedição: as amazonas. Em 24 de
junho alcançaram seu domínio. Avisados da presença dos
invasores, os índios os receberam violentamente. Carvajal.•.
explica essa ferocidade pela presença das. mulheres guer-
reiras que ele jura ter visto. Além de lutar corajosamente,
elas matavam a pauladas os homens que não o faziam.
Mais tarde, um prisioneiro nativo explica melhor quem
são elas. Seu relato transformou-se na lenda que se
espalhou em seguida. As amazonas viviam em aldeias no
interior, na região do rio Jamundá. Brancas e robustas,
combatiam com arco e flecha. Não se casavam. De tempos
em tempos, levavam para seu reduto varões de aldeias
17
18 Antônio R. Esteves
vizinhas, com os quais mantinham relações sexuais para
engravidar. Os filhos do sexo masculino eram mortos ou
devolvidos aos pais. As meninas, criadas pelas mães para
serem guerreiras. A rainha, chamada Cofiori, portava
utensílios de ouro e prata, sinal de riqueza 'e tesouros.
Suas cidades eram grandiosas, construídas em pedra. Havia
ídolos de metais preciosos em seus templos.
Nenhum outro viajante confírmou a existência das
amazonas. Elas' sobrevivem apenas em relatos de aborí-
gines. A base desse mito está, provavelmente, na lenda
grega das mulheres guerreiras da Citia, que extraíam um
seio para poder manejar melhor o arco ("amazona", em
grego, significa "sem seios"). A versão que prevaleceu
durante a Idade Média as localizava no Oriente, asso-
ciando-as à presença de riquezas. Cruzaram o. Atlântico
com Colombo. Nas Américas, os cronistas as situaram
em vários pontos, do Caribe ao México, até terem a
residência definitivamente fixada na selva amazônica.
Não se pode descartar a existência de mulheres guer-
reiras na América, uma vez que em muitas tribos imperava
o matriarcado. Mais de uma vez elas foram vistas lutando
ao lado dos maridos. A descrição feita pelo prisioneiro
de Orellana faz lembrar. as virgens incas dedicadas ao
culto do Sol. A presença de tesouros nesses templos
facilitou a associação do mito a imensas riquezas.
A verdade é que o Grande Rio, apesar de batizado
com o nome de Orellana, depois do relato de Carvajal
ficou conhecido como rio das Amazonas, nome que passou
também para toda a região por ele banhada.
Em 26 de agosto, a expedição de Orellana entrou no
Atlântico e, em 11 de setembro, chegou ao norte da
A Ocupação da Amazônia
Venezuela. Dali, Orellana dirigiu-se à Espanha, onde
relatou sua notável façanha. Conseguiu do rei uma no-
meação para conquistar e povoar a região por ele visitada,
chamada de Nova Andaluzia. À frente de uma mal-
organizada expedição, saiu da Espanha em maio de 1545.
Em novembro do ano seguinte, morreu tentando encontrar
o braço principal do Amazonas.
Em busca da Terra sem Males
Em 1549, chegou ao Peru um contingente de índios
Tupi que haviam migrado, subindo o rio. Diziam ser do
Brasil e fugiam dos invasores portugueses. Levaram cerca
de dez anos nessa subida, utilizando apenas canoas. Re-
latavam, ainda, que haviam passado por várias aldeias de
diferentes línguas e davam conta do que lhes fora narrado
em cada uma delas. O que mais interessou aos espanhóis
do Peru foi a referência a um reino rico em ouro e
pedras preciosas, logo associado aos já famosos reinos
do El Dorado e de Omágua.
A ida desses indígenas ao Peru mostra como renasceu
a esperança de se encontrarem riquezas sem fim no
interior da Amazônia. É útil, também, para ilustrar a
grande migração Tupi ocorrida-na época. Logo após a
vinda dos portugueses ao nordeste brasileiro, com o
conseqüente massacre dos índios locais, iniciou-se uma
grande diáspora das tribos da família Tupi. Entre 1530
e 1612, os Tupinambá abandonaram as terras onde viviam,
19
20 Antônio R. Esteve.
em Pernambuco e na Bahia, dirigindo-se ao norte e
noroeste. Alguns chegaram ao Maranhão por volta de
1580. Outros alcançaram o Alto Madeira, de onde também
fugiram, devido ao contato com os espanhóis do Peru.
Desceram o rio e se fixaram em sua foz, na ilha Tupi-
nambarana.
Os Tupi buscavam-a idílica Terra sem Males de suas
tradições orais, com a ilusão de que podiam livrar-se do
branco usurpador de suas terras. No entanto, mesmo
aqueles que se refugiaram nos lugares mais isolados não
se livraram do triste fim.
Lope de Aguirre: o traidor
Na época da conquista, acreditava-seque as zonas
equatoriais seriam um lugar privilegiado para encontrar
metais preciosos. Grande parte das expedições que des-
cobriram e. exploraram a América do Sul foi movida por
esses objetivos fantásticos. Um deles era o EI Dorado,
reino maravilhoso, cujo monarca banhava-se diariamente
num lago para tirar o pó do ouro que cobria seu corpo.
Tudo ali era de ouro. As cidades resplandeciam ao sol
e podiam ser vistas a distância. Após a viagem de Orellana,
espalharam-se novas vasiantes do mito, associando o EI
Dorado ao reino dos Omágua e das Amazonas.
Em 1533, havia sido concluída no Peru a conquista
do Império Inca, com a conseqüente divisão do tesouro
seqüestrado. A partir de 1537 e durante quase duas
21A Ocupação da Amazônia
décadas, os conquistadores lutaram entre si, em diferentes
facções, arrasando a região. Os conflitos serviram para
mostrar às autoridades que o grande número de soldados
e aventureiros estacionados no Peru representava constante
perigo para a ordem pública. Uma forma de ocupá-Ias
era engajá-Ios em outros descobrimentos. Nisso tudo pen-
sou o Marquês de Cafiete quando, em 1559, autorizou
Pedro de Ursúa a organizar uma expedição para conquistar
os míticos reinos do El Dorado e de Omágua.
Ursúa reuniu cerca de 300 soldados, muitos deles
veteranos da conquista e das guerras civis, 600 índios
para transporte de carga, escravos negros e muitos animais,
e marchou para oeste, no rastro de Orellana, em busca
das riquezas sonhadas. Cruzaram a cordilheira e se alojaram
às margens do rio Coca, preparando as embarcações
necessárias para a viagem. Haviam saído de Lima em
fevereiro de 1559 e começaram a descer o rio em outubro
de 1560. A demora em partir provocou descontentamentos
no grupo, gerando uma rebelião que estourou no primeiro
dia de 1561. Ursúa=foi assassinado e substituído pelo
fidalgo andaluz Fernando de Guzmán. Lope de Aguirre,
um dos cabeças do movimento, tomou-se o segundo na
nova hierarquia. Todos os partidários do antigo governador
foram mortos.
Num acesso de delírio coletivo, Guzmán foi nomeado
rei dos territórios por conquistar, consumando a traição
à Coroa. A expedição seguiu descendo o rio e continuaram
as traições, assassinatos e execuções. Morto Guzmán, em
maio, Aguirre assumiu a chefia, instaurando o terror. O
objetivo inicial do grupo fora esquecido. A idéia do
caudilho era chegar à foz do rio, navegar para o norte
até. a ilha Mar;garita, dali até o Panamá e depois alcançar
22 Antônio' R. Esteve,
o Peru, onde ocuparia o poder e dividiria as riquezas
entre os veteranos conquistadores preteridos.
A expedição de Aguirre foi narrada por cerca de dez
cronistas que, de uma. forma ou de outra, estiveram
envolvidos nosfatos. No entanto, nenhum deles se preo-
cupou com a região explorada. Nem mesmo a rota seguida
pelos amotinados é certa. Alguns historiadores dizem que,
ao atingir o rio Negro, subiram até o rio Branco e daí
ao Cassiquiare, de onde passaram ao Orenoco, chegando
ao Caribe. Se isso for certo, Aguirree seus..amotinados
foram os primeiros a descobrir a ligação existente entre
as bacias do Amazonas e do Orenoco. Outros preferem
a versão de que eles teriam alcançado o mar pelo Ama- •
zonas.
Em 20 de julho de 1561, chegaram à ilha Margarita,
saqueando-a. Dali Aguirre dirigiu-se à Venezuela, com a
intenção de atingir o Peru por terra, já que seria. difícil
fazê-lo por mar. Ali foi morto em outubro, depois que
seus soldados desertaram, atraídos pelo perdão real. Deixou
uma longa carta de desafio ao rei Felipe II da Espanha,
considerada por alguns historiadores como o primeiro
manifesto de independência na América.
Exploradores de outras bandeiras
Desde o início dos grandes descobrimentos, Portugal
e Espanha procuraram garantir a posse das novas terras.
O Tratado de Tordesilhas praticamente dividiu-as entre
A Ocupação da Amazônia
esses dois países. Com isso, toda a extensão do rio
Amazonas localizava-se em terras espanholas. Outros paí-
ses, no entanto, não aceitavam o tratado. Começaram,
então, a organizar expedições e lançar-se à conquista dos
novos territórios. Já em fins do século XVI, a foz do
grande rio e suas redondezas foram visitadas por franceses,
holandeses, ingleses e irlandeses.
A expedição inglesa de Sir Thomas Roe, em 1610,
subiu perto de 300 milhas pelo Amazonas, ali deixando,
ao regressar, 20 homens encarregados de explorar o interior
e organizar entrepostos comerciais. Em 1620, Sir Reger
North fundou uma companhia de comércio para atuar na
região. Fazendo a mesma rota de Roe, subiu o rio
Amazonas e encontrou vários ingleses remanescentes de
dez anos antes. Havia muita mercadoria estocada e in-
formações sobre a área. A amizade travada com os índios
possibilitou levar adiante os entrepostos comerciais.
North voltou para a Inglaterra, permanecendo na região
Bemard O'Brien, que escreveu um detalhado relatório de
suas aventuras. Instalado a cerca de 250 milhas da foz
do Amazonas, fundou uma feitoria, chamada de Coconut
Grove (Coqueiral). Atacado pelos portugueses anos mais
tarde, fugiu com alguns índios para o interior. Nessa
viagem, O'Brien diz ter-se encontrado com a rainha das
amazonas, com quem negociou espelhos e tecidos holan-
deses em troca de escravas e salvo-conduto para continuar
subindo o rio. Entrou provavelmente no Trombetas, a
partir do qual, após muitas interrupções, com as canoas
carregadas por terra, alcançou o rio Suriname, chegando
ao Atlântico.
23
24 Antônio R. Esteves
Desse modo, nos primeiros anos do século XVII,
estrangeiros começaram a se fixar na região. Os holandeses
no vale do Xingu, os franceses no Tocantins, ingleses e
irlandeses na costa do Amapá, na ilha de Marajó e no
rio Amazonas. Todos, no entanto, conheciam muito bem
a costa, da Guiana Amazonas. Ao lado de entrepostos
comerciais, ergueram, nas margens dos rios, fortins de
madeira e taipa, pensando assim garantir o domínio co-
mercial da região.
I •.. ~' IJJ~; .
~
A AVENTURA COLONIAL
"O meio mais eficaz e pronto para se introduzir
nos habitantes 'desta capitania a civilização de
que tanto carecem é casarem os soldados com
as índias, como muitos têm feito, e a .freqüência
das escolas em que aprendem os pequenos não
só a ler, escrever e contar, mas também a língua
portuguesa (...)"
Trecho da Carta de Mello e Póvoas, pri-
meiro governador da Capitania de São
José do Rio Negro, de 21/12/1758, às
autoridades portuguesas.
Tornando o Amazonas português
Depois de Aguirre, não há notícias, por mais de meio
século, da presença de brancos na Amazônia. Da Guiana
a Pemambuco, as terras ocupadas apenas pelos nativos
atraíam a cobiça de estrangeiros.
26 Antônio R. Esteves
A fundação da França Equinocial, em 1612, no Ma-
ranhão, representou um perigo às colônias de Portugal.
Em 1615, os franceses foram expulsos e Francisco Caldeira
de Castelo Branco foi incumbido pelos portugueses de
ocupar a costa ao norte, expulsando os estrangeiros fixados
na região do Amazonas. Em 1616, ele fundou Belém, na
desembocadura do rio Pará, assegurando definitivamente
'o domínio de Portugale impedindo a entrada de estran-
geiros pelo rio.
Com a União Ibérica, a partir de 1580, quando Felipe
II da Espanha assumiu também o trono de Lisboa, abriu-se
a possibilidade de os portugueses ocuparem toda a região.
Em 1621, Madri permitiu que defendessem o Baixo
Amazonas. A partir de então, os portugueses ultrapassaram
os limites do Tratado de Tordesilhas: construíram forti-
ficações e realizaram importantes expedições de reconhe-
cimento dos rios. Luís Aranha de Vasconcelos, em 1620,
mapeou a área. Navegou 1.600 quilômetros para cima,
descobrindo que o rio principal se separa em dois, a
cerca de 500 quilômetros da foz. Criou-se o Estado do
Maranhão, diretamente subordinado a Lisboa. Em poucos
anos já não restavam estrangeiros na região. Ingleses,
holandeses e franceses foram expulsos das margens dos
rios, sustentando apenas um enclave depois do cabo
Orange, que deu origem às atuais Guianas.
Dominando a foz do Amazonas, os portugueses fui-
ciaram a ocupação rio acima, na direção oeste. Missionários
e colonizadores espanhóis, em sentido oposto, desciam os
rios. O ponto de encontro dos dois movimentos marca
as atuais fronteiras entre o Brasil e os países hispano-
americanos da região.
A Ocupação da Amazônia
Pedro Teixeira, fixando limites
Em 1636, chegou a Belém uma simples canoa, trazendo
dois franciscanos que vinham de uma missão no rio Napo,
acompanhados de seis soldados. Afirmavam ter alcançado
. a cidade graças aos nativos. Apreensivo com o fato, o
governador do Maranhão organizou uma expedição que
subiu o rio. A Pedro Teixeira, conhecedor dos rios e dos
aborígines, coube o comando da flotilha, composta por
47 canoas, mais de mil índios e 70 soldados bem armados
e muníciados. Partiram de Cametá em 28 de outubro de
1637 e aportaram um ano depois em Quito, onde foram
recebidos com surpresa pelas autoridades espanholas, as-
sustadas com a possibilidade de que pudessem alguma
vez ser atacadas por essa rota. O vice-rei do Peru orde-
nou-lhes que voltassem ao Pará pelo mesmo caminho.
Saindo de Quito em 16 de fevereiro de 1639, atingiram
o Pará em 12 de dezembro desse ano.
As autoridades de Quito nomearam o jesuíta Cristóbal
de Acufía para acompanhar a viagem e fazer o relato.
No Novo Descobrimento do Rio Grande das Amazonas,
ao contrário das descrições ~teriores, Acufí.a dá detalhes
da região. Fala dos rios, do modo de vida dos índios
que habitam suas margens e da fartura de frutas, peixes
e caças diversas. Afirma existirem, ao longo do rio, mais
de 150 nações de línguas diferentes. Descreve suas artes
e crenças, realçando uma aldeia com mais de uma légua
de extensão. Repete a história das amazonas contada por
Carvajal. Chama a atenção para. o potencial econômico
da região e para a necessidade da. catequese dos nativos.
27
I
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I.:
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11
1\
28 Antônio R. Esteves
Características básicas
da .colonização portuguesa na Amazônia
Com a Restauração da Coroa Portuguesa, em 1640,
incrementou-se a ocupação lusitana na Amazônia, que
apresenta três faces:
1 - Militar: após a expulsão dos estrangeiros, os
portugueses trataram de explorar o território e garantir a
ocupação através da construção, em pontos estratégicos,
de uma malha de fortificações. Foram erguidas 40 delas,
fechando as principais entradas para a região. Desse modo,
respondia-se à ameaça de espanhóis, franceses e holan-
deses:
2 - Econômica: tentou-se integrar a região na eco-
nomia do reino, com a coleta das "drogas do sertão" e
a organização da agricultura e da pecuária.
3 - Religiosa: as missões asseguravam o domínio,
catequizando e "civilizando" os indígenas, utilizados depois
corno mão-de-obra barat~.·
Assim, o militar, o comerciante e o missionárioforam
os personagens centrais da qcupaçâo amazônica no período
colonial. Agiam em harmonia, embora não faltassem con-
frontos quando os interesses não coincidiam. O índio era
fundamental: coletor das "drogas do sertão", remador ou
arqueiro nas entradas militares e motor das missões.
Costuma-se dividir o processo de colonização da região
em dois períodos. No primeiro, que vai até i750, surgiram
os primeiros núcleos ao redor das missões e fortificações.
O segundo começa em 1750 com o Tratado de Madri.
O objetivo era garantir as fronteiras ocupadas, com o
-.-
A Ocupação da Amazônia
povoamento da região. Tentava-se formar uma classe
agrária a partir da aculturação e da miscigenação do
nativo que, depois de catequizado, passava a ser o esteio
da sociedade local, cabocla e rural. No final desse período,
a região já possuía centros burocráticos e comerciais, com
cidades e vilas espraiadas pelas margens dos rios.
As "drogas do sertão"
Os vários produtos da floresta enviados para o comércio
europeu eram denominados "drogas do sertão". A lista é
extensa: cacau, salsaparrilha, urucu, cravo, canela, anil,
baunilha, paxuri, diversos tipos de sementes oleaginosas,
raízes e essências aromáticas, ervas medicinais, madeiras
finas e derivados animais, como manteiga e ovos de
tartaruga, além dos peixes. Procuravam-se principalmente
alimentos estimulantes, condimentos, substâncias aromáti-
cas e medicinais, gomas e fibras. A utilização dessa
produção exótica fundamentava-se na experiência dos na-
tivos,' que também recolhiam o que tão bem conheciam.
Os índios eram mão-de-obra mais barata que os escravos
negros e bem superior, pois conheciam perfeitamente os
rios, a floresta e os produtos procurados.
Esse comércio, controlado basicamente pelas missões,
permitiu a exploração de grande parte da região, só
declinando, mais tarde, com a escassez de braços e o
surgimento de uma agricultura organizada.
-
29
111
11'
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II
l--;" ~ di
30 Antônio R. Esteves .
A presença dos missionários
Os missionários, importante elemento -da colonização,
foram os responsáveis diretos pelos "descimentos": a
transferência dos indígenas de seus domicílios naturais
para as missões. Há deis tipos de "descimento": pela
persuasão, tirando os nativos voluntariamente de suas
terras com promessas e presentes; e pela coação, obri-
gando-os a aceitar um tipo de vida diferente da sua. A
missão reunia índios de várias tribos, de línguas e culturas
diferentes, que tinham de conviver entre si, abandonando
suas culturas originais para "civilizarem-se", assumindo a
do europeu. O nheengatu, língua tupi gramaticalizada
pelos missionários, foi imposto como "língua geral" a
todas as tribos, sendo usado como meio de comunicação
até o século passado.
Na missão, os índios aprendiam, além da língua geral
e do catecismo, vários ofícios: construir, cultivar a terra,
cuidar do gado e até mesmo ler e escrever.
Houve, no entanto; vários conflitos entre colonos e
missionários pela disputa da mão-de-obra nativa, apesar
de isso não ser sempre explicitado nos discursos de ambos
os lados, principalmente no dos religiosos, cujo objetivo
aparente era proteger os silvícolas. Devido a esses conflitos:
os jesuítas foram expulsos do Pará em 1661 e do Maranhão
em 1684. Graças a seu prestígio na Corte, o padre Vieira
conseguiu que eles fossem reintroduzidos, Mas, apesar
desses litígios entre colonos e missionários, havia a ne- .
cessidade de braços para o trabalho e a presença de
pregadores era imprescindível para reunir a mão-de-obra.
1i
A Ocupação da Amazônia
Assim, a partir de 1616, chegaram à Amazônia centenas
deles, das mais variadas ordens: franciscanos, mercedários,
carmelitas e jesuítas.
Além de sua ação catequética e "civilizatória",' os
religiosos foram os responsáveis pela educação dos colonos
na região, cuidando das escolas primárias, secundárias e
de nível superior. Desse modo, exercendo o papel de
educadores, tanto junto às comunidades indígenas das
missões quanto aos filhos dos colonos, os missionários
não apenas ensinavam as primeiras letras e a religião,
mas, principalmente, propagavam a ideologia do colonia-
lismo português, colaborando para a consolidação de seu
domínio.
o genocídio indígena
As verdadeiras dimensões do massacre ocorrido na
região, a partir da chegada do branco, são difíceis de ser
fixadas, na medida em que até muito recentemente a
história dos vencidos não era escrita. Deduzia-se, apenas,
nas entrelinhas da história dos vencedores. Pode-se dizer,
no entanto, a partir de cálculos estimativos, que a população
aborígine da Amazônia, na época da vinda dos coloniza-
dores, andasse entre 1 e 2 milhões de habitantes. Atual-
mente resta apenas a décima parte dela. Os indígenas. .
viviam espalhados ao longo dos rios e pertenciam a
grupos culturais diferentes entre si. Carvajal e Acuãa
mostram em seus relatos que as margens do Amazonas
31
'li
32 Antônio R. Esteves
eram densamente povoadas. Acufia fala em 150 nações
diferentes. Uma coisa é certa: os povos que ali viviam
desenvolviam uma economia cuja característica mais no-
tável era o. equilíbrio com o meio ambiente.
Com os portugueses chegou o genocídio. Os Tupinambá
do litoral do Pará inicialmente ajudaram os colonizadores
a construir Belém, mas se opuseram à escravidão. As
insurreições começaram já em 1617. A reação portuguesa
foi violentíssima, massacrando os Tupinambá em toda a
faixa que vai de São Luís a Belém.
Coube a Bento Maciel Parente o prêmio pelo maior
número de íridios já massacrados na história da Amazônia.
Em 1619, ele acabou com todos os Tupinambá, do
Maranhão ao Pará. Ao assumir o governo do Pará, em
1621, continuou sua obra, destruindo todos os aldeamentos
dos Cumã, Tapuitapera e Caeté. Há registros de que teria
massacrado ou levado ao cativeiro mais de meio milhão
de aborígines. Embora exagerada, essa estimativa dá uma•.
idéia de como foi a guerra de extermínio.
O índio era a mão-de-obra necessária para que os
portugueses levassem a cabo seus objetivos. Servia para
remar as canoas, guiá-los pela selva, erguer suas fortifi-
cações, conventos, igrejas e residências. Obtinha alimentos'
através da caça, da pesca eda agricultura. Coletava as
"drogas do sertão". Com seu conhecimento, ajudou o
português e o brasileiro a sobreviver na região. Não
estava, no entanto, acostumado aos trabalhos forçados.
Como tinha pouca vida útil no trabalho, necessitando ser
substituído, a indústria da mão-de-obra transformou-se
num poço sem fundo. 11I
As "guerras justas" eram guerras de extermínio que
os portugueses podiam mover contra os nativos sempre
I
A Ocupação da Amazônia 33
que estes atacassem ou roubassem os colonos, se recu-
sassem a auxiliá-los na luta contra outras tribos e na
defesa de suas vidas e propriedades, se opusessem à
catequese ou ajudassem os franceses, ingleses e holandeses,
inimigos de Portugal.
Embora houvesse, desde 1570, leis protegendo os na-
tivos, não faltavam formas de burlá-Ias. Uma delas era
o "descimento". Outras duas situações permitiam o cati-
veiro dos índios: quando fossem aprisionados numa "guerra
justa" ou quando fossem "resgatados" da mão de inimigos,
duas situações muito fáceis de forjar. A poucos interessava
tomar sua defesa. Os missionários, não raras vezes, o
faziam, mas já foi visto que, nas missões, os indígenas
não estavam muito longe de uma situação de escravidão.
Em 1755, uma nova lei dava - uma vez mais apenas
no papel - liberdade aos índios. Nessa altura, grande
parte da população original já havia sido exterminada ou
aculturada nas missões. Uma minoria fugira amedrontada
para as terras centrais ou para as cabeceiras dos rios,
principalmente os encachoeirados, na ilusão de que se
salvaria.
Em maio de 1757, o Marquês de Pombal criou o
Diretório dos Índios, visando à substituição dos missio-
nários. Em cada vila, criou-se o cargo de diretor de
índios, com a missão de cuidar dos nativos, promover o
progresso da agricultura e do comércio, estimulando-os a
uma vida "civilizada". O português passava a ser a língua
oficial e seuensino obrigatório em escolas mantidas pelos
próprios tutelados. Na prática,' o diretor passou a ser o
novo dono dos índios, manipulando-os a seu bel-prazer.
. Depois da extinção do diretório, em 1798, foram proibidos
34
de vez os "descimentos". No entanto, as leis continuaram
a ser desobedecidas.
Nem todos os aborígines foram exterminados por mas-
sacres ou maus-tratos. Grande parte deles sucumbiu ao
entrar em contato com os brancos e contrair doenças
contra as quais não tinham resistência. Há notícias de
uma epidemia de varíola entre 1743 e 1750 que fez cerca
de 40 mil vítimas na -região. Para se ter uma idéia do
que isso representa, a população branca do Pará, em 1665,
era de 33 mil almas.
Entretanto, o maior extermínio foi a aculturação, causada
pela catequese. Não se pode saber ao certo o número de
línguas desaparecidas na região amazônica. Além dos
Tupinambá, havia, no litoral paraense, vários outros gru-
pos. A ilha de Marajó era habitada por vários grupos
Aruaque, que. se estendiam até o Amapá. Os afluentes
da parte norte do Amazonas até as Guianas eram habitados
por povos caribes. No interior, havia grupos de língua
jê. Todos desaparecidos.
Ajuricaba, ou a resistência inútil
A rebelião dos índios Manau, habitantes dos rios Negro
e Branco, é tida como modelo de resistência à invasão
branca. Seu chefe, Ajuricaba (ajuri = reunião; caba =
marimbondo, em língua geral), passou a herói, símbolo
da resistência nativa. Os primeiros contatos que os indí-
genas dessa área tiveram com os colonizadores não foram
pacíficos. ELes defendiam suas terras ferozmente, matando
quem nelas penetrasse. Com o pretexto de serem aliados
dos holandeses da Guiana, os portugueses moveram-lhes
"guerra justa", enviando uma tropa bem armada para a
região. Aliados aos Maipuna, os Manau lutaram heroica-
mente contra os invasores, de 1723 a 1727.
Conta-se que numa das batalhas, Ajuricaba - após a
morte de seu filho Cucunaca, tão bravo quanto ele -
lançou-se violentamente contra os soldados. Matou vários
deles, mas acabou preso. Apesar de acorrentado, quando
o levavam para Belém, atirou-se no rio Negro, perto do
Lugar da Barra, morrendo afogado. Preferiu morrer a
viver como escravo. Depois disso.: os Manau foram to-
talmente exterminados, .junto com os Maipuna. Em 1729,
foram destruídas todas as aldeias dessas tribos, sendo
dizimados, segundo consta, mais de 20 mil índios. Para-
doxalmente, o Lugar da Barra foi denominado Manaus,
em homenagem à tribo a que pertencia Ajuricaba. Seu
nome identifica hoje uma cadeia de televisão do Amazonas,
além de vários produtos locais.
o projeto pombalino
Em janeiro de 1750, Portugal e Espanha assinaram o
Tratado de Madri, que fixava as fronteiras entre suas
colônias. Com base no direito de soberania sobre áreas
efetivamente ocupadas, os portugueses fixaram fronteiras
muito próximas das atuais. Esses limites seriam reiterados
no Tratado de Santo lldefonso, de 1777.
Nesse mesmo ano, o Marquês de Pombal assumiu o
governo português. Conhecido por suas atitudes anticle-
35
36 Antônio R. Esteves A Ocupação da Amazônia
7 _ Maior integração com o Mato Grosso, garantindo
proteção à fronteira sul. Desde que, no século anterior,
bandeirantes paulistas, à procura de ouro, por lá chegaram
subindo afluentes do Amazonas, mantinham-se estreitas
relações com essa região. Por ali saía o ouro de Cuiabá
e do Tocantins e passavam os soldados que se dirigiam
aos fortes de Príncipe da Beira e de Vila Bela, no
Guaporé. Uma' das formas de alcançar a Capitania de
Mato Grosso, desmembrada de São Paulo em 1748, era
através do Madeira e do Tapajós. O mesmo acontecia
com Goiás, que podia ser atingida pelo Tocantins. Era
necessário garantir a presença portuguesa nesse território,
rico em ouro e pedras preciosas.
8 - Criação do Estado do Grão-Pará e Rio Negro,
em 1772, com sede em Belém, sem qualquer vínculo
com o vice-rei do Brasil.
As expedições científicas:
a região aberta à ciência e ao mundo
Dentro do espírito pombalino de ocupar a Amazônia,
Alexandre Rodrigues Barbosa foi encarregado pela Coroa
de estudá-Ia. Deveria obter dados sobre a terra, a flora,
a fauna, os nativos, condições para a agricultura, índüstría,
navegação e comércio. De 1784 a 1788, Barbosa' colheu
informações e materiais, enviados para Lisboa. Seu rela-
tório, dentro dos princípios do Ilurriinismo, resultou numa
verdadeira enciclopédia amazônica. Abrange todas as áreas
ricais, tomou uma série de providências para o desenvol-
vimento da Amazônia. Para o recém-criado Estado do
Grão-Pará e Maranhão, com sede. em Belém, nomeou
governador seu irmão Francisco Xavier de Mendonça
Furtado.
Com relação à região, as providências adotadas foram:
1 - Liberdade par'}.os índios, com a posterior criação
dos díretórios.
2 - Diminuição do poder dos missionários. Transfor-
mação das povoações em que estivessem as missões em
vilas com nomes portugueses e administração leiga, cul-
minando com a expulsão dos jesuítas em 1759.
3' - Criação da Companhia Geral de Comércio do
Grão-Pará e Maranhão, que fmanciou a agricultura, in-
crementou a pecuária e a construção de barcos, além de
deter o monopólio do comércio exterior, da navegação e
do tráfico negreiro. A introdução de escravos negros na
região não impediu, porém, que os índios continuassem
a ser escravizados.
4 - Criação da Capitania de São José do Rio Negro,
em março de 1755. Merece destaque a administração de
Lobo D' Almada, que governou a capitania d~ 1788 a
1799. Promoveu a criação de gado e incentivou a agri-
cultura, além da instalação de tecelagens, olarias e serrarias.
5 - Incentivo à miscigenação. Por lei de 1755, quem
se .casasse com uma índia teria benefícios, além de ficar
livre de qualquer infâmia.
6 - Incentivo à colonização. Introduziram-se na região,
além de. mão-de-obra negra, vários grupos de colonos
portugueses e estrangeiros.
do conhecimento, dando, pela primeira vez, Uma visão
científica da região, que, a partir de então e até nossos
dias, será vista como o grande laboratório da humanidade,
uma espécie de patrimônio científico universal, passando
a receber expedições de todo o mundo. .
Essas expedições, verdadeiras aventuras, onde muitos
cientistas perderam a vida, foram responsáveis pelos es-
tudos da fauna, flora, "geografia, geologiá e etnologia da
região conhecidos até agora. Importantes nomes da ciência
européia, como La Condamine, Humboldt, Bompland,
Lévi-Strauss e, mais recentemente, Jacques Cousteau, aí
se arriscaram por seu ideal. Outros, não tão conhecidos,
como Orton, Grünberg, Coudreau ou Nimuendaju, deram
sua vida estudando a região e seus habitantes.
Alguns estrangeiros visitaram a região por pura aventura,
como o ex-presidente norte-americano Theodore Roosevelt,
ou para defender uma causa que consideram justa, como
foi o caso do cantor inglês Sting. O etnógrafo Curt
Nimuendaju passou a maior parte de sua vida estudando
os indígenas, e o marechal Rondon fez de sua vida uma
grande expedição na defesa dos nativos. Os naturalistas
ingleses Spruce e Wickham roubaram da Amazônia duas
espécies de grande valor comercial: a quina e a seringueira ..
Escritores brasileiros também viajaram até lá para re-
colher matéria-prima para suas obras, como Mário de
Andrade (Macunaíma) ou Raul Bopp (Cobra Norato).
A INTEGRAÇÃO POLÍTICA AO
BRASIL
"Canto o sucesso fausto inopínado / Que as
face! banha em lágrimas de gosto; / Depois de
ver n'um século passado / Correr só pranto em
abatido rosto"
Henrique J. Wilkens
Resistência à separação de Portugal
Na época da proclamação da independência do Brasil,
a região amazônica, com uma população em torno de
100 mil almas, era um enorme vazio demográfico. Havia
uma dezena de vilas e povoados nas margens dos principais
rios, ao redor dos quais concentrava-se uma classe agrária
Antônio R. Esteves
rural, formada por mestiços e índios, estes, a maioria de
seus habitantes. Uma minoria branca, basicamente portu-
guesa, ocupava os postos administrativos e dominava o
comércio.
Diretamente subordinada a Lisboa, a região mantinhapoucas relações com a capital do Brasil. Isso fez com
que a elite lusitana local tentasse manter o Estado do
Grão-Pará e Rio Negro sob seu controle, quando da
independência do Brasil, em 1822. A adesão ao novo
país só ocorreu um ano mais tarde, após uma intervenção
militar. O fato não obrigava, no entanto, que os portugueses
fossem apeados do poder local e abandonassem seus
postos. Essa teria sido uma das causas do descontentamento
popular que culminou na Cabanagem, na década seguinte.
•Os cabanos: consciência regional
I
Uma das principais conseqüências da administração
pombalina foi o surgimento de uma classe rurei, composta
de .mestiços e índios aculturados, que conseguiu certo
poder econômico e ascensão' social, através do êxito da
agricultura local, após o fim da tutela dos missionários.
Essa classe 'seria o esteio da Cabanagem, movimento
nativista que eclodiu em Belém em 1835, alastrando-se
por toda a região.
Contra a elite branca local, que controlava o comércio
e ocupava os postos de mando, uniram-se caboclos, índios
e negros. A luta, desigual e 'violenta, arrastou-se por uma
década, dizimando quase um terço da população. Embora
r-
A Ocupação da Amazônia
fosse um movimento nativista, foi interpretado pelas au-
toridades do Rio de Janeiro como separatista. Foi enviado
à região um forte contingente armado que derrotou os
revoItosos, definitivamente, em 1840.
O resultado do conflito, com enfrentamento de tropas,
saques, invasões e massacres realizados por ambas as
partes, foi a completa desestruturação das frágeis bases
econômicas existentes.
A Província do Amazonas e a abertura do rio à
navegação
Com a Constituição de 1824, o Alto Amazonas seguiu
sob a jurisdição da Província do Grão-Pará, na categoria
decomarca. Devido à negligência de Belém com a região,
seus habitantes pleiteavam, junto à Corte, a categoria de
província. Problemas internos, como a Cabanagem, e
perigos de invasões estrangeiras sensibilizaram as autori-
dades e, em 5 de setembro de 1850, foi criada a Província
do Amazonas," com sede na cidade da Barra, que adoteu
o nome de Manaus em 1856.
A população da nova província era estimada, na época,
em 30 mil habitantes, sendo negros e brancos uma pequena
minoria. A maior parte era constituída de caboclos e
índios aculturados. Era a mais vasta e menos habitada
província do Império.
Por essa época, começou nos Estados Unidos uma
forte campanha para a colonização da Amazônia e o
41
42 Antônio R. Esteves
aproveitamento de seus recursos naturais em benefício do
progresso da humanidade. Temendo perder o controle da
região, o governo brasileiro resolveu ali introduzir a
navegação a vapor. Em 1852, foi concedido à Companhia
de Navegação e Comércio do Amazonas, do Barão de
Mauá, o privilégio da navegação a vapor, comércio e
colonização do rio Amazonas. A companhia começou a
operar com apenas três barcos pequenos, mas em pouco
tempo os lucros permitiram a ampliação da frota e o
acesso a rios inexplorados, facilitando o escoamento da
crescente produção de borracha.
Continuava, no entanto, a pressão para a abertura do
Amazonas à navegação internacional. 'Inglaterra e França,
particularmente, tinham claras intenções de expandir seus
territórios das Guianas, fazendo-os chegar até o rio Ama-
zonas. Considerando que a região era pouco povoada e
as fronteiras ofereciam problemas, o governo imperial
havia mantido a política de fechamento, vigente desde o
início da colonização portuguesa, evitando possíveis amea-
ças à soberania do Brasil na área. Como as pressões
.foram grandes, o governo brasileiro acabou por abrir o
Amazonas à navegação estrangeira em 1866. Uma vez
mais, facilitava-se o acesso à borracha.
A borracha
Desde os primeiros cronistas há notícias da utilização
do látex pelas populações americanas. No período colonial,
vários objetos derivados da borracha eram exportados. As
A Ocupação da Amazônia
"seringas" rudimentares fabricadas pela goma originaram
as palavras portuguesas relacionadas ao látex: "seringa",
"seringueira", "seringal", "seringueiro" e "seringalista". O
termo "borracha" parece ter surgido de outra aplicação
da goma: as botijas usadas no transporte do vinho em
substituição às "borrachas de couro".
Informações sobre o látex foram levadas à Europa pelo ,.
cientista francês La Condamine, que visitou a região entre
1736 e 1742. A Hevea brasilensis foi descrita pela primeira
vez, em 1762, pelo botânico "Pausée Aublet. A palavra
"hévea" origina-se de hevé, termo usado pelos índios para
designar as seringueiras. Já "caucho" (Castilloa ulei) deriva--'l
do vocábulo, também indígena, kautchu (pau que dá leite)., S
O látex foi elevado à categoria de matéria-prima in- r
dustrial a partir de 1823, com a descoberta da impermea- .I
bilização por MacIntosh, nesse mesmo ano, e da vulca-; -
nização, por Goodyear, em 1839. Com a expansão do: ,)
comércio da borracha, inicia-se nova fase de ocupação J :
da Amazônia. A procura das árvores produtoras de látex ' ,,'~
- a seringueira e o caucho ---' faz com que a região ~ I :.
seja quase totalmente explorada. Para conseguir braços, ~ .
foi necessário incentivar a migração, já que os nativos e $ :)
índios utilizados se mostraram insuficientes. A população, ~ a
que no início do século era estimada em 100 mil pessoas, l~-
chegou a 300 mil em 1870, 700 mil na virada do século
e ultrapassou um milhão em 1910.
O nativo foi útil tanto na descoberta das árvores do
"ouro negro" quanto no conhecimento das vias de nave-
gação utilizadas para trazer o produto dos centros de
coleta aos pontos de comercialização. Acelerou-se, com
43
44 Antônio R. Esteves
onde estavam as seringueiras. O seringalista fornecia
ferramentas e alimentação aos trabalhadores, que deviam
trazer-lhe, periodicamente, determinada quantidade de bor-
racha bruta. A cada seringueiro cabia certa quantidade de
árvores, espalhadas na mata, ao longo de uma trilha, que
era percorrida diariamente. De madrugada, cortava as
árvores, colocando em todas elas uma' tigelinha para
receber o líquido. Ao chegar ao fim da trilha, voltava
recolhendo o líquido, que era defumado, formando uma
peça de borracha bruta.
O seringueiro tinha um estreito vínculo com o patrão,
pois este controlava os preços, cobrando caro pelo que
vendia e pagando barato pela borracha. Assim, o traba-
lhador, sempre em débito com o patrão, não podia aban-
donar o seringal. Quando fugia, era caçado como animal
selvagem, trazido de volta e castigado, quando não morto.
Sozinho na mata, vivia à mercê de doenças como malária
e febre amarela, além de animais ferozes. Grupos exclu-
sivamente masculinos propiciavam a proliferação de prá-
ticas homossexuais ou bestiais, sem falar das. cenas de
estupro ou outros tipos de violência sexual. Salvo exceções,
poucos desses migrantes conseguiram enriquecer. Quando
acabou o ciclo da borracha, alguns voltaram para suas
terras fracos e doentes, mas a maioria acabou por ficar,
integrando-se à população local.
isso, o aliciamento de indígenas, retirados à força de suas
aldeias e colocados no serviço da extração da borracha.
Embora ocorresse em toda a região, o engajamento do
nativo. foi mais comum em território boliviano, peruano,
equatoriano, colombiano ou venezuelano, onde havia con-
centração maior da população aborígine. No Brasil, a
•• I maior parte da mão-de-obra usada foi nordestina.
A produção de borracha cresceu vertiginosamente, pas-
sando de mil toneladas, em 1850, a 8 mil toneladas em
1870, atingindo 42 mil toneladas em 1912, sua produção
máxima. A partir de então começa o declínio. Entre 1900
e 1910, a borracha foi o produto mais exportado, ao lado
do café. Chegou a atingir 40% das receitas de exportação,
o mesmo porcentual do café, no ano de 1910:
Até 1850, a exploração ficou circunscrita à região de
Belém e às ilhas. Os primeiros rios a ser explorados
foram o Xingue o Tapajós, penetrando-se no Amazonas
pouco depois, até atingir o Solimões, o Purus, o Alto
Madeira e o Juruá. Os pioneiros foram os paraenses,
vindo depois amazonenses e maranhenses. Em 1869,che-
garam ao Purus os primeiros cearenses. A partir daí, a
migração continuou crescendo. As grandes secas que
assolaram o Nordeste em 1877, 1888 e 1889 trouxeram
à região grande número de nordestinos, especialmente
cearenses. Pode-se dizer que, entre 1872 e 1910, entraram
na Amazônia cerca de 300 mil deles.
A estrutura econômica era baseada no aviamento. Gran-
des empresas estrangeiras, importadoras de bens e expor-
tadoras de borracha, estabeleceram suas filiais em Belém
e Manaus, e fixavam os preços no mercado internacional.
Financiavam os seringalistas, donos ou posseiros das áreas
Manaus: luzes na selva
I A exploração da borracha trouxe para a Amazônia
muitos recursos. As principais companhiàs de navegação
,."'~.__ . ~ .... ' p. 5 5 • .J \. til} -"
ligaram Belém e Manaus aos portos europeus e norte-
americanos de maior importância. O dinheiro dos serin-
galistas enriquecidos era aplicado no luxo e na ostentação:
belas mansões, roupas finas, viagens ao exterior, grandes
festas.
Manaus, com 30 mil habitantes, transformou-se numa
bela e movimentada cidade no meio da selva. Foi, no '
início do século, uma das cidades brasileiras mais bem
urbanizadas. Suas amplas avenidas, à semelhança dós
bulevares franceses, foram iluminadas por luz elétrica
antes mesmo da capital da recém-proclamada República.
Sobre 30 quilômetros de trilhos, rodaram bondes primeiro
que em qualquer outra cidade brasileira. Eduardo Ribeiro,
governador do Estado, foi responsável por muitas melho-
rias. Aterrou pântanos e construiu avenidas. Instalou um
sistema de água de boa qualidade e ligou a cidade por
telefone. Inaugurou o Palácio da Justiça, praças, coretos,
parques, jardins e até mesmo um hipódromo. O Teatro
Amazonas, erguido no topo de uma colina, em estilo
neoclássico, com sinais de ar! nouveau, é o símbolo da
glória e do fausto do momento: estruturas de ferro de
Glasgow, azulejos da Alsácia, mármore .de Carrara, can-
delabros da Itália, porcelanas, cortinas, poltronas de veludo, .
obras de arte. Sua inauguração, em 1897, pela Companhia
Lírica Italiana, foi um grande acontecimento social. Desde
então, as companhias líricas ou grupos teatrais que vinham
da Europa abrilhantar as noites tropicais passaram a se
apresentar ali.
Caricatura das grandes cidades européias em suas cons-
truções vistosas mas sem valor e de mau gosto, Manaus
e Belém são imagens grotescas desse ambiente arrivista.
Sobre elas se criou um anedotário, .amostra desse artifi-
cialismo. Famílias que mandam lavar suas roupas brancas
em Portugal porque as águas do rio Negro são escuras.
Champanhe francês e vinhos portugueses jorrados nos
seios de prostitutas estrangeiras nas noites de orgia ama-
zônicas. Coronéis abastados acendendo charutos de Havana
com as cédulas de maior valor.
Tudo na região era importado. Ali se produzia apenas
a borracha. A única atividade econômica alternativa era
o comércio. Companhias inglesas, alemãs, portuguesas e
francesas controlavam a importação e a venda de produtos
finos. O comércio dos pobres era feito pelos regatões.-
De todas as figuras regionais que o comércio da
borracha desenvolveu, o regatão era a mais pitoresca.
Turcos, sírios, libaneses ou judeus, esses comerciantes -
que regateavam no preço - cruzavam a região em todos
os sentidos. Em barcos peqnenos, a remo, chegavam aos
mais distantes rincões. Praticavam a troca, fornecendo aos
seringueiros tudo o que estes não podiam conseguir no
armazém do patrão: bugigangas, roupas e especialmente
remédios - quinino para enfrentar a malária - e cachaça,
proibida pelos seringalistas. Recebiam principalmente a
borracha - furtada da quota que deveria ser entregue
ao patrão - e outros produtos regionais. Funcionavam,
também como meio de comunicação, trazendo e levando
notícias. Como agiam contra os interesses do monopólio,
muitas vezes eram recebidos a tiros ou proibidos de entrar
em rios considerados particulares.
A grande negociata
As fronteiras entre Brasil e Bolívia no Alto Puruse
no Juruá não estavam claramente definidas. Por tratar-se
de território desabitado e sem maiores atrativos, ninguém
se interessou por ele até a valorização do látex. Quando,
movidos pelos lucros d; borracha, os bolivianos chegaram
ao vale do rio Acre, encontraram a região ocupada por
exploradores brasileiros. Objetivando tomar posse da re-
gião, o governo boliviano, em i899, ali estabeleceu uma
alfândega, que foi destruída pelos brasileiros. Estava criado
o conflito.
Em julho do mesmo ano, um aventureiro espanhol,
Luís Galvez, proclamou a República Independente do
Acre, ato publicitário planejado pelos seringalistas locais
·para chamar a atenção do governo brasileiro. 0- novo
Estado durou 'apenas oito meses. O governo do Amazonas,
temendo perder os lucros da borracha, financiou outra
ação, em fms de 1900. A "Expedição dos Poetas", formada
por intelectuais de Manaus e aventureiros, foi derrotada
pelos bolivianos.
Reconhecendo que não conseguiria assegurar seu do-
mínio na região, em 1901 a Bolívia arrendou o território
a um conglomerado anglo-norte-americano interessado na
indústria da gomífera, o Bolivian Syndicate. A transação
não agradou aos acreanos, que se armaram. Seu líder foi
Plácido de Castro, jovem agrimensor gaúcho que ali
prestava serviços. A luta armada mobilizou seringueiros
de toda a região, com vitórias e derrotas de ambos os
lados.
A Ocupação da Amazônia
Enquanto isso, o governo brasileiro tentava encontrar
uma saída diplomática para a questão. O resultado foi o
Tratado de Petrópolis, assinado em 17 de novembro de
1903, através do qual foi anexada ao Brasil a área que
viria a constituir no ano seguinte o Território Federal do
Acre. Em troca, á Bolívia receberia a importância de 2
milhões de libras esterlinas e a construção de uma ferrovia,
ligando os rios Mamoré e Madeira, permitindo, assim, a
saída de seus produtos para o Atlântico.
A MadeiJ:"a-Mamoré ou a "ferrovia' dos mortos"
Em 1861, surgiu pela primeira vez a idéia de construir
uma ferrovia que efetuasse a ligação entre os trechos
navegáveis do Mamoré ao Madeira, permitindo a expor-
tação, pelo porto de Belém, tanto da borracha boliviana
produzida ao longo do Mamoré e do Beni quanto da
produção brasileira do rio Guaporé. A construção começou
em 1872', sendo interrompida pouco depois. As obras
foram reiniciadãs em 1879 por uma firma norte-americana
que, depois de um ano, faliu, abandonando a região. A
área por onde deveriam passar os quase 400 quilômetros
de trilhos era tremendamente inóspita, além de habitada
por índios hostis.
Em 1883, a Bolívia havia perdido, na Guerra do
Pacífico, sua saída para o mar. Esse fato deve ter in-
fluenciado os bolivianos a trocar o Território do Acre
pela construção da ferrovia, cujas obras recomeçaram em
1907, com um capital de 11 milhões, de dólares, sob a
direção de outra firma norte-americana.
49
so
Embora tivesse ocorrido um grande avanço na enge-
nharia, no período que separa o fracasso anterior da
retomada das obras, as condições locais continuaram as
mesmas. Além de nordestinos, trabalharam nas obras
antilhanos, barbadianos, gregos, portugueses, indianos, es-
panhóis, italianos, entre outros. Mesmo havendo recursos
frnanceiros, os trabalhos só terminaram em 1912. Algumas
fontes estimam em 30 mil o número de vítimas das
doenças locais (disenteria, tifo e malária, principalmente)
durante a construção. A tradição popular costuma dizer
que cada dormente instalado custou uma vida, talvez sob
influência das dificuldades encontradas no trecho pantanoso
do rio Abunã, onde reinava a malária.
A grande ironia da construção da Estrada de Ferro
Madeira-Mamoré é que, ao ser concluída, o comércio
da borracha, que ela deveria beneficiar, iniciava sua
decadência. No entanto, graças a ela, surgiram na região
duas cidades novas: Guajará-Mirim , às margens do rio
Mamoré, na fronteira com a Bolívia, e Porto Velho, no
Madeira, capital do atual Estado de Rondônia. A ferrovia,
que levou 50 anos para ficar pronta, teve pouco menos
de meio século de vida útil. Foi completamente desativada,restando atualmente um trecho de 15 quilômetros entre
Porto Velho e Santo Antônio, uma espécie de museu
ferroviário. Em Guajará-Mirim, a estação,' sem trilhos, é
testemunha da ferrovia-fantasma que a selva voltou a ocupar.
to)
Arana: um império de sangue
A exploração da borracha alimentou uma estrutura
social de profunda desigualdade, continuação do sistema
,\ Ocupação da Amazônia
escrávagista colonial. Não faltam na Amazônia exemplos
verídicos de violência e espoliação . .o caso Arana merece
ser destacado, não apenas pela barbáIiie que envolve, mas
principalmente pela repercussão que teve na época. Júlio
César Arana era o sócio majoritário e diretor peruano de
uma empresa com escritório em Londres e diretores
ingleses. Explorava borracha em cerca de 520 mil quilô-
metros quadrados, às margens do Putumaio, região dis-
putada pelo Peru e a Colômbia. A questão veio à luz
através de denúncias dos americanos Hardenburg e Perkins,
que visitaram a região em 1907.
Em 1909, o jornal londrino The Truth publica pela
primeira vez as denúncias de Hardenburg. Nos domínios
de Arana, segundo ele, os índios Huitoto eram mantidos
nus e não recebiam pagamento por seu trabalho; as
mulheres eram roubadas e obrigadas a viver com os
capatazes; era comum esses indígenas serem vendidos em
Iquitos. Recebiam duros castigos:' açoites que deixavam
os ossos descobertos; partes do corpo cortadas, como
orelhas, braços, pernas, dedos e testículos; eram crucifi-
cados de cabeça para baixo. As crianças, às vezes, tinham
a cabeça esmagada em troncos de árvores na presença
das mães. Capatazes bêbados costumavam praticar tiro ao
alvo nos nativos. Quando os velhos já não tinham forças
para trabalhar, eram executados. Aldeias inteiras eram
queimadas com seus habitantes.
As denúncias causaram consternação e, em 1910, os
diretores ingleses da companhia resolveram enviar uma
comissão de inquérito para a região. Fazia parte dela o
cônsul-geral da Inglaterra nó Brasil, Roger Casement, cujo
relatório, após a visita à região, confirmou as acusações.'.•
51
52
Londres pressionou Lima, mas, ao voltar à região para
fiscalizar o processo de punição dos culpados, Casement
constatou que a situação pouco mudara. Em 1912, publi-
cou-se o relatório de Casement com todos os seus horríveis
detalhes, como forma de forçar o governo peruano a
tomar providências.
As repercussões foram imediatas. O papa recomendou
aos bispos da América que protegessem os índios. A
indústria alemã boicotou a borracha da região. Os peruanos
criaram, então, um serviço de proteção aos indígenas. As
ações da: empresa caíram, levando-a à falência. A provi-
dência fmal, todavia, foi tomada ainda em 1912: uma
comissão parlamentar investigou os arquivos da companhia,
confirmando uma vez mais as denúncias. Arana foi con-
siderado responsável pelas atrocidades. Os diretores in-
gleses, embora inocentados, foram censurados por ter
manchado o bom nome da Inglaterra com sua omissão.
Nessa época, contudo, o fantasma da decadência já baixara
suas asas sobre a Amazônia, relegada ao esquecimento.
A decadência
,
Em 1876, um aventureiro inglês, Henry Wickham,
mandou cerca de 70 mil sementes da Hevea brasiliensis
para o jardim botânico de Kew, na Inglaterra, onde parte
delas brotou. Enviadas ao Ceilão (atual Sri Lanka) , acli-
mataram-se perfeitamente, sendo espalhadas por todo o
Sudeste Asiático. Anos depois, 10 milhões de árvores
estavam em plena produção na Malásia. As seringueiras
cultivadas eram muito mais produtivas que as nativas.
Plantadas simetricamente, as árvores ocupavam pouco
A Ocupação da Amazônia
espaço, facilitando a colheita. Aos cinco ou seis anos de
idade, já podiam ser riscadas todos os dias, produzindo
o precioso líquido.
O ano-chave da produção foi 1910, quando o preço
no mercado internacional havia alcançado a mais alta
cifra até então: 15 mil-réis o quilo, tendo o Brasil exportado
o equivalente a 50% da produção mundial. No ano
seguinte, a cotação começou a baixar, despencando para
três mil-réis o quilo em 1918. A produção brasileira,
pouco competitiva, principiou a cair. Em 1926, já equivalia
a apenas 5% do mercado. O volume de borracha cultivada,
que em 1910 era de 8 mil toneladas, subiu para 360 mil
toneladas em 1920.
As falências começaram em 1913. Todo o sistema
econômico da Amazônia ruiu. As grandes companhias
que fiavam os seringalistas quiseram executar suas dívidas.
A maioria deles ficou na miséria. O valor dos imóveis
baixou assustadoramente. As fumas que escaparam da
falência fecharam as portas e partiram. Embora o governo
federal, já em 1912, tentasse uma operação salvamento
com o Plano de Defesa da Borracha, os resultados foram
insatisfat6rios. Tanto as iniciativas estaduais como as
federais falharam. A fome atacou a região. Os barcos
pararam de correr. Muitos dos migrantes voltaram para
suas terras, deixando atrás de si um território que voltou
à letargia de meio século antes.
Rondon e os índios
Durante a exploração da borracha, apenas os indígenas
de regiões distantes em que não havia seringueiras pude-
53
54
ram livrar-se da invasão de suas terras e da conseqüente
aculturação. As regiões mais atingidas foram o Solimões,
onde os Tucuna foram engajados na extração do látex,
perdendo a liberdade. O mesmo ocorreu no Xingu, onde
os Juruna que quiseram escapar tiveram de subir o rio,
para além das cachoeiras. Nesse mesmo rio foram extintos
os Tucunyapé, os Shipaya e os Curuaya. No início da
exploração gomífera, não havia brancos na região do
Juruá-Purus, habitada por várias tribos dos grupos Pano,
Aruaque e Catuquina: todas desapareceram física ou cul-
turalmente. Também ao longo dos rios Madeira-Guapo-
ré-Mamoré poucos índios sobreviveram.
Escaparam os nativos do Alto Xingu, protegidos pelas
cachoeiras e pelas chapadas. Os rios Trombetas e Jari,
onde viviam os Tiriyó, Kachuyana, Ewarhoyana, Wayana
e Aparaí, também ficaram livres, pela inexistência de
seringueiras. Em outras regiões ao norte do Amazonas
também não houve penetração: são as áreas ocupadas
pelos Waimiri-Atroari e os Yanomami. Só mais recente-
mente os "civilizados" chegaram a essas terras.
Pela política indigenista da época, os índios deveriam,
em nome do "progresso", ser integrados às sociedades
locais. A situação só conhece uma nova orientação graças
à ação de Rondon. Com a importância econômica assumida
pela Amazônia, o governo brasileiro pensou em tirá-Ia
do isolamento, ligando com linhas telegráficas o Mato
Grosso ao Acre e ao Amazonas. Para esse trabalho, foi
escolhido o marechal Cândido Rondon, que, entre 1907
e 1917, construiu 2.270 quilômetros de linhas telegráficas.
A maioria delas passava por territórios nunca pisados
pelos brancos, habitados por vários grupos indígenas, e
Rondon, ao contrário do que se fazia na época, protegeu-os.
A Ocupação da Amazônia
De sua ação, cujo lema era "Morrer se preciso for,
matar nunca", surgiu a nova forma de encarar a questão
indígena. Em conseqüência, foi criado o Serviço de Pro-
teção ao Índio (SPI), em -1910, que defendia uma política
de respeito ao nativo e a seu território. Em 1967, o SPI
transformou-se na Funai, que, apesar de todos os problemas
enfrentados, pressionada pela sociedade civil, antropólogos
ou missionários, _tem procurado respeitar a diversidade
cultural do índio.
I'
A POLÍTICA DE INTEGRAÇÃO
NACIONAL
"Primeiro, aqui era só índio.
(...)
Passaram três luas, veio o brasileiro: máquina,
trator, caminhão, derrubaram muito pau, botaram
fogo e começou: capim, capim, capim, vaca,
vaca, fazenda, arame, arame..,"
Um índio Nambiquara
Castanha-do-pará e garimpo
A decadência da borracha permitiu que se canalizasse
a infra-estrutura já existente para a coleta da castanha-
do-pará (Bertholletia excelsa), cuja exportação teve uma
fabulosa expansão no início deste século. A principal
zona em que se concentram os castanhais nativos, o
.
Médio Tocantins, teve, em conseqüência, grande impulso
econômico: Marabá, centro dessa região, tornou-se a se-
gunda cidade do Pará. O sistema econômico da extração
de castanhatambém é o aviamento. O exportador financia
o comerciante local, que, por sua vez, financia os coletores.
O desmatamento dos últimos anos, porém, está ameaçando
as florestas naturais de castanheiras.
Também no Médio Tocantins, surgiu, nos anos 40,
uma atividade complementar à coleta da castanha: a
garimpagem de diamantes. A partir de Marabá, houve
surtos localizados que precipitaram a ocupação dos vales
do Tocantins e do Araguaia.
Dada a grande extensão da Amazônia, com suas ca-
racterísticas bem diversificadas, os garimpos brotam in-
cessantemente. O ouro, por exemplo, desde a época dos
bandeirantes, vem sendo explorado em várias localidades
de Rondônia, Roraima, Mato Grosso, Amapá, Pará ou
Tocantins, São extrações com técnica primitiva, seguindo
o sistema de aviamento. Um patrão fornece as ferramentas
e a alimentação, recebendo de 50 a 60% dos lucros. O
mercúrio, utilizado cada vez mais na extração de ouro,
representa um grave dano ao ecossistema local.
57
A criação de gado
Várias regiões amazônicas desenvolvem a pecuária des-
de tempos remotos. A mais tradicional delas é a ilha de
Marajó, onde a criação de gado é uma herança dos
58
missionários. Durante todo o período colonial e até os
anos 40 deste século, a ilha teve a maior concentração
de gado da Amazônia. O sistema de criação extensiva,
com pastagens naturais, sofre com os alagamentos.' No
período das chuvas, o gado tem de ser transportado para
as zonas altas, causando vários transtornos. Para resolver
esse problema, no início".deste século foram introduzidos
. búfalos 'do Sudeste Asiático, animais que suportam melhor
os alagamentos.
Outra zona tradicional de criação de gado são os
campos que atualmente compõem o Estado de Tocantins.
Resultado da expansão das criações baianas que aí che-
garam após passar pelo Maranhão, essa atividade existe
desde a Colônia. Com o crescimento de Marabá, a região
tornou-se um importante centro consumidor, aumentando
o rebanho do Tocantins. A partir dos anos 60, no entanto,
surgem' em torno de Marabá condições para o desenvol-
vimento de uma pecuária com pastagens artificiais (co-
lonião, jaraguá e napier). Os pastos, ocupando áreas onde
foi derrubada a mata, são cercados. As raças são apuradas,
normalmente importadas do Triângulo Mineiro. A região
tornou-se auto-suficiente, além de exportar o excedente
para Belém.
Mais recentemente, o gado tem sido introduzido quase
em toda a região amazônica. É a política da colonização
.no "pé do boi", desenvolvida, nos últimos 30 anos, por
empresários rurais vindos do Sul do país. A transformação
das florestas em pastagens artificiais tem originado sérios
problemas. Latifúndios de criação de gado ocupam áreas
onde antes havia matas, causando o desequilíbrio ecológico
e sérios conflitos sociais em grandes extensões do Acre,
A Ocupação da Amazônia
Rondônia, norte do Mato Grosso e ao longo da rodovia
Belém-Brasília. A produção, no entanto, é baixa e,'
mesmo com grandes áreas destinadas à pecuária, a Ama-
zônia segue importando, principalmente do Sudeste, boa
parte da carne que consome e praticamente todos os
derivados do leite.
A colonização na época de Vargas
A partir dós anos 20, para encorajar a ocupação e
garantir uma atividade econômica estável, foram feitas
várias concessões de terras, principalmente a empresários
ou imigrantes estrangeiros.
Desses megaprojetos de colonização, ficou famoso o
de Henry Ford, que, em 1926, comprou do governo
paraense uma área de 2 milhões e meio de hectares, com
isenção de impostos, para cultivar seringueiras, pretendendo
produzir ali 40 mil toneladas anuais de borracha. O
fracasso da colônia, localizada às margens do Tapajós,
em Fordlândia e Belterra, foi atribuído por Ford à presença
de fungos que destruíam as folhas das árvores. Na rea-
lidade, deveu-se à imperícia de derrubar a floresta natural,
rompendo o equilíbrio ecológico, o que ocasiona mudanças
nas condições. do solo e do clima. Em 1944, Ford
abandonou o projeto, amargando um imenso prejuízo.
A experiência agrícola dos imigrantes japoneses costuma
ser citada como um dos poucos exemplos bem-sucedidos
na Amazônia. A partir de 1929, os nipônicos começaram
59
60 Antônio R. Esteves.
a fixar-se em vários pontos. Tomé-Açu, no Pará, tomou-se
o assentamento mais importante. Depois de sofrer durante
vários anos até adaptar-se à região, os colonos conseguiram
aclimatar uma espécie de pimenta-do-reino indiana. Tomé-
Açu ficou famosa em todo' o país graças à produção de
'pimenta, transformando-se no terceiro município em receita
no Estado.
De Torné-Açu, as plantações de pimenta se espalharam
por todo o Pará e outros Estados da região, como Amapá,
Rondônia, Maranhão e Mato Grosso. O Pará ainda é
responsável por 95% da produção nacional desse produto,
importante item na lista de exportações. A crise econômica
atual, entretanto, fez com que, só em 1990, 3 mil pessoas
abandonassem Tomé-Açu. Os japoneses do Pará, reunidos
em cooperativas, cultivam, ainda, vários tipos de frutas.
Em 1938, os nipônicos introduziram. a juta na região.
Os caboclos aprenderam as técnicas da produção' dessa
fibra, hoje cultivada nas várzeas do Amazonas, desde
Santarém (PA) até Manacapuru (AM).
Quando visitou Manaus, em 1940, Getúlio Vargas
sugeriu que a região deveria engajar-se no movimento de
reconstrução nacional. Foram criados vários órgãos en-
carregados de fomentar o progresso local, fortalecer sua
economia e melhorar as condições de vida de seus ha-
bitantes.
Com a II Guerra Mundial, as plantações de borracha
do Sudeste Asiático foram ocupadas pelos japoneses,
interrompendo o fornecimento dessa matéria-prima para
os aliados. Pressionado pelos norte-americanos, Vargas
promoveu, então, uma verdadeira cruzada para a exploração
da goma na' Amazônia. Foi a chamada "Batalha da
A Ocupação da Amazônia
Borracha", que internou nas florestas, entre 1942 e 1945,
milhares de trabalhadores. Muitos perderam a vida devido
às penúrias da selva. Tudo isso, porém, não serviu para
elevar a produção aos níveis de 1912. Em 1941, era de
10.700 toneladas, passando a 21.100 toneladas em 1944
e 18.900 em 1945. D&!,ois da euforia inicial, a produção
voltou a cair e a exploração foi praticamente abandonada.
Outro ato de Vargas, tentando reorganizar o espaço
político e econômico da região, foi a criação, em 1943,
de três territórios federais: Guaporé (atual Rondônia), Rio
Branco (atual Roraima) e Amapá. Em 1953, definiu-se a
Amazônia Legal e foi criado o Plano de Valorização
Econômica da Amazônia, destinando-lhe 3% da renda
nacional. Essa foi a primeira tentativa de organizar e
dirigir a economia local, mas os resultados ficaram muito
aquém do planejado, porque já havia muitos problemas
a resolver e pouco dinheiro.
Ainda na década de 50, houve a criação de dois
institutos que tiveram grande importância para os estudos
amazônicos. Em 1952, surgia o Instituto Nacional de
Pesquisas da Amazônia (INPA), com sede em Manaus.
Em 1954, o INPA assumiu a responsabilidade adminis-
trativa e científica do Museu Paraense Emílio Goeldi, de
Belém, fundado em 1891 por Emílio Goeldi, e desde
então tradicional centro de estudos da região.
As estradas
A construção da rodovia ligando Belém a Brasília,
iniciada em 1958 e concluída no mesmo ano da inauguração
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62 Antônio R. Esteves
da. nova Capital Federal, é o marco de um novo período
de ocupação da Amazônia. Essa estrada, que terminou
de ser asfaltada somente em 1973, numa extensão de '
quase 2 mil quilômetros, contribuiu para ampliar o fluxo
de migração em direção à região. Tentava-se resolver
dois problemas de uma só vez: dllJ2ocupação aos desem-
pregados do Nordeste e colonizar a Amazônia. Ao longo
de suas margens, formaram-se noyos agrupamentos urba-
nos, ao mesmo tempo que se abriam para a agricultura
largas faixas de terreno até então inacessíveis.
Em 1970, lançava-se oficialmente o Programa de In-
tegração Nacional. Eram dezenas de programas encarre-
gados de efetivar a estratégia dos governos militares para
o desenvolvimento da Amazônia; A finalidade principal

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