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•• vi ocupacão 'rm !i~nia,itA~ionlOR. Esteves tudo é hisfória 143I~~- I ~ ~.~-~, A Amb,zôriiâ é uma região única' no cenário . geopolitico mundial. Sua ocupação vagq,rosa só encontra maiores obstáculos na própria natureza ribeirinha e na pobreza da economia. Este livro .conta a histeria amq.zônz'ca, sem ..' utilizar a narrativa das imagens [antasiosas e mitos, ·tão peculiares da região, ". . " É uma histôriaedo processo r.e 'ocupação;" do ponto de insta das suas contradições e seus conflitos .. ISBN: 85-11-02143 ~~ lIITURAS~~~~ @~~~ Da monarquia à República Momentos decisivos Emília Viotti da Costa O Ensino da História Revisão urgente Conceição Cabrini e outras O Extremo Oeste Sergio Buarque de Holanda Visão do Paraíso Os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil Sérgio Buarque de Holanda Antônio R. Esteves DEDALUS - Acervo - FFLCH-HI Coleção Primeiros Passos 905 T912 v.143 A ocupacao da amazonia. 1111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111121200041220 A OCUPAÇÃO DA AMAZÔNIA "rOMBO: 119683 RIII SBD-FFLCH-OSP . editora brasiliense , O que é História Vavy Pacheco Borges O que é Natureza Marcos de Carvalho O que é ecologia Antonio Lago e José Augusto Pádua Coleção Thdo é História Bandeirantismo verso e reverso Carlos Davidoff ~cs "T~~,~. \l ~ l\ '3 Copyright © by Antônio R. Esteves, 1993 Nenhuma parte desta publicação pode ser gravada, armazenada em sistemas eletrônicos, fotocopiada, reproduzida por meios mecânicos ou outros quaisquer sem autorização prévia do editor. <yISBN: 85-11-02143-4 Primeim edição, 1993 1)bf Preparação: Félice Morabito Revisão: Eloisa de Araujo Ribeiro e Irene Hikishi Capa: Jorge Basso 5 ~~ O~( JJ.o ~J 5 ~~ 0'\ oJ -:t- E:>d& ~-, \ 10--':> =poiOU) ~-= Av. Marquês de São Vicente, 1771 01139-903 - São Paulo - SP Fone (011) 825-0122 - Fax 67-3024 IMPRESSO NO BRASIL SUMÁRIO Amazônia: contradição e conflito O descobrimento ; A aventura colonial .. . . . . . . A integração política ao Brasil A política de integração nacional E o futuro? ." . A Amazônia em números Cronologia da ocupação da Amazônia Indicações para leitura . 7 11 25 39 56 74 77 79 84 .; . AMAZÔNIA: CONTRADIÇÃO E CONFLITO "Pesa em teu sangue a voz de ignoradas origens As florestas guardaram na sombra o segredo da tua história" Raul Bopp Quando se fala na Amazônia, a imensa região que ocupa dois quintos da América do Sul, falta consenso e sobram polêmica, fantasia e imprecisão. Em tomo dessa terra cujo nome foi tirado das brumas da fantasia, foi-se formando uma série de mitos e meias verdades que se incorporaram ao imaginário coletivo. Às vezes, tal ima- ginário chega à própria ciência ou aos discursos oficiais dos países que a compõem. Esses mitos e meias verdades são utilizados na mani- pulação da opinião pública nacional ou mundial, de acordo com os objetivos específicos a serem atingidos em de- 8 Antônio R. Esteves terminado momento. Mais do que nunca, lança-se mão dessas verdades fantasiosas. A própria região constitui, em si, o primeiro grande mito. O que é a Amazônia? Segundo a definição e as estatísticas adotadas, sua extensão pode variar. Será a Amazônia a área de 7.840.000 km2 que compõe os países do Tratado Amazônico? ~ a região, de cerca 'de 7 milhões de quilômetros quadrados, que compreende a área banhada pela bacia do Amazonas e seus afluentes? Ou circuns- creve-se ao domínio da fauna e da flora equatoriais, com cerca de 6 milhões de quilômetros quadrados? Muitos desses mitos têm uma origem tão fantástica quanto a existência das mulheres guerreiras que lhe deram nome. Um deles celebra que a Amazônia é brasileira. Cerca de 33% da região pertencem aos países andinos, nos quais está a nascente da maioria de seus rios, inclusive do próprio Amazonas. Com exceção do Xingu, do To- cantins e do Tapajós, quase todos os outros rios amazônicos nascem fora do território brasileiro. Outro mito é o da homogeneidade. Politicamente, a região espalha-se por oito países e uma colônia: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela. Geograficamente, nela domina a heterogeneidade. As altitudes partem do nível do mar e chegam a alguns milhares de metros. A temperatura pode ser gélida nas partes andinas ou tremendamente quente e úmida nas áreas mais baixas. A vegetação varia da floresta equatorial aos campos e savanas, passando por pântanos e matas de palmeiras. A economia e a forma de ocupação também diferem bastante. Vão do mais primitivo extra- tivismo a modernas áreas industriais em suas grandes A Ocupação ãa Amazônia cidades. Há criação de bois, búfalos ou jacarés. O cultivo é diversificado, desde plantas nativas, como a seringueira e o cacau, até produtos alienígenas, caso da pimenta-do- reino. Pode destinar-se à subsistência ou ao mercado internacional, como as folhas de coca produzidas no Peru. Até mesmo os ecos sistemas são heterogêneos. A região é um imenso patrimônio biológico, mas muitas espécies nem sequer são conhecidas ou catalogadas. Cada um dos diversos tipos de formação vegetal que a compõem abriga uma rica e variada biomassa. Calcula-se que haja na região 300 espécies de mamíferos, 2,5 milhões de espécies de artrópodes, cerca de 2 mil variedades de peixes e mais de 60 mil espécies de plantas. Dessas, cerca de 3 mil têm alguma utilização pelo homem, sendo 400 comestíveis em forma de flor, fruto, folha, raiz ou caule. Só em Iquitos, no Peru, podem ser encontrados 180 tipos desses frutos, 80% dos quais vendidos no mercado local. Para alguns, a Amazônia é o "Inferno Verde", cheio de pântanos traiçoeiros, animais ferozes, moscas -e mos- quitos que espalham as mais variadas febres e doenças, tornando ali a vida humana quase impossível. Do lado oposto, está a visão edênica, que a compara ao "Paraíso Terrestre", espaço onde o homem pode ter uma vida pura e sem pecados, numa sociedade perfeita. Ainda hoje podem ser encontrados campos de trabalhos forçados, escravidão de mulheres, garimpos ilegais, altos índices de malária. Sobrevivem sociedades indígenas primitivas e igualitárias, que desconhecem a propriedade privada, ao lado de comunidades místicas que utilizam alucinógenos, como é o caso do Santo Daime. 9 10 Antônio R. Esteves A afirmação de que a região é vazia constitui outra meia verdade. Não se pode negar sua baixa densidade demográfica, mas ela abriga 22 milhões de habitantes e é atravessada por cerca de 40 mil quilômetros de estradas, além das abundantes vias navegáveis. Há assentamentos que remontam a milhares de anos. Cidades fundadas há vários séculos convivem com outras tantas que surgem da noite para o dia. ,- A riqueza é mais um mito. Realmente a região abriga, em seu subsolo, grandes riquezas minerais que, em grande parte, nem ao menos estão mapeadas. Sua exploração, no entanto, não é revertida em benefício dos nativos. Daí resulta o oposto, ou seja, a região é considerada uma das mais pobres do planeta. Parte da população vive pratica- mente na miséria total. O indígena pode ser visto como impedimento ao "pro- gresso" da região. No entanto, a maior parte dos 379 grupos que ali vivem já está aculturada, falando o espanhol ou o português, de acordo com sua localização. Dos nove países que compõem a Amazônia; cinco falam a língua dos colonizadores espanhóis responsáveis por seu desco- brimento. Ou pode ser mitificado, sendo sua' organização exemplo de uma sociedade perfeita, igualitária, propondo com isso que eles devam permanecer intactos. Um ponto é certo: a Amazônia é a terra das experiências não aproveitadas. Cada novo projeto de ocupação que surge descarta a experiência dos anteriores, o que transforma a região num imenso laboratório de experiências frustradas, As páginas' seguintes tentam mostrar como tem sido sua ocupação desde tempos remotos, para se poder en- tender, a partir daí, a grande convulsão que abala a região , nosdiasatuaiS.) . , o DESCOBRIMENTO "Oh maravilha! Que soberbas criaturas vejo aqui! Como é belo o gênero humano! Cenário naturalde semelhante povo. Oh! Extraordinário Mundo Novo!" Shakespeare A ocupação inicial Acredita-se que os primeiros habitantes da América vieram da Ásia, em levas migratórias sucessivas e lentas. .., Tendo-se fixado em diversos pontos, evoluíram isolada- mente. As pesquisas arqueológicas na Amazônia são de- ficientes - decorrência da escassez de pesquisadores e de á região ser muito extensa e de difícil acesso. Pode-se 12 Antônio R. Esteves dizer, no entanto, que a presença do homem remonta a milhares de anos. .' A falta de dados concretos faz com que surjam opiniões divergentes sobre a ocupação da região. Alguns arqueó- logos acreditam que os primitivos habitantes a povoaram a partir da periferia da bacia, vindos do norte e do oeste da América do Sul. Outros sustentam que esses habitantes, após se fixarem em algum ponto do norte dó continente ou mesmo nas planícies ribeirinhas do rio Amazonas, teriam se irradiado na direção ocidental, dedicando-se inicialmente à captura de moluscos, passando depois à caça e à colheita de frutos e raízes. Assim surge, mais tarde, uma agricultura rudimentar - raízes, como a mandioca - em períodos curtos e apenas como comple- mento à colheita. Povos da fase marajoara (1100 a 200 a.Ci) teriam experimentado uma agricultura intensiva, com o cultivo contínuo de várias plantas em extensões maiores de terra. Tal tipo de lavoura não se adaptou ao ambiente amazônico, levando a seu declínio e desaparecimento. Ao chegarem os primeiros europeus, as aldeias mais populosas concentravam-se nas margens dos rios. Seus habitantes viviam de forma simples, se comparados com os incas ou maias. Havia, contudo, uma boaintegração com o meio ambiente. Os. primeiros exploradores ~ Antes da viagem de Francisco de Orellana, pouco se sabe de concreto sobre a Amazônia. Lendas e notícias A Ocupação da Amazônia 13 esparsas dão conta de que vários navegadores podem havê-Ia visitado. Um deles, o capitão francês Jean Cousin, teria alcançado a foz do Amazonas em 1488 ou 1490. Depois da primeira viagem de Colombo, cresceu o número de navegadores interessados em descobrir novas terras. Entre eles, figurava Américo Vespúcio, que teria visitado a foz do Amazonas em 1499, voltando a passar por ali em 1501. Não restam dúvidas, porém, sobre a aventura de Vicente Y áãez Pinzón. Esse marinheiro andaluz, após participar em 1492 da primeira viagem de Colombo, empreendeu seus próprios descobrimentos. Com uma pequena expe- dição, atingiu a costa de ..pemambuco em janeiro de 1500, chegando em fevereiro à foz do grande rio, que chamou de Santa Maria de Ia Mar Dulce. Navegou várias léguas rio acima, desembarcou numa ilha, aprisionou 30 aborí- genes para vender como escravos e seguiu na direção norte, descobrindo o cabo Orange e o rio Oiapoque. Na mesma rota de Pinzón, pouco depois, Diego de Lepe chegou ao rio Pará, braço sul do estuário do Amazonas. Tomou posse da terra em nome do rei da Espanha, reagindo ao ataque dos índios. Esse foi o primeiro confronto entre brancos e nativos de que se tem registro na região. O mapa de Juan de La Cosa, provavelmente de 1500, já trazia a foz do Amazonas, embora ainda sem deno- miná-Ia. A partir de então, a região fica esquecida por várias décadas, havendo notícias de que Diogo Leite teria explorado a costa norte até a foz do rio Amazonas, entre 1531 e 1532. É possível, ainda, que portugueses, por Antônio R. Esteves .-, A Ocupação da Amazônia14 iniciativa dos donatários da capitania que ficava:no extremo . norte brasileiro, tentaram explorar a área entre 1535 e 1538. Orellana e o rio grande das amazonas.•. A primeira expedição conhecida que navegou o rio Amazonas, dos Andes à sua foz, foi a de Francisco de Orellana. As aventuras da viagem, realizada de fevereiro de 1541 a setembro de 1542, estão narradas na Relação do Novo Descobrimento do Famoso Rio Grande das Amazonas, do frei dominicano Gaspar de Carvajal, um de seus membros. Essa expedição, que associaria o mito das mulheres guerreiras à região, originou-se de outro mito: o do País da Canela. Como se pode notar, a Amazônia está envolta nas brumas do mito desde suas origens. A realidade; nesse universo fantástico, tem-se apresentado sempre de maneira muito débil. Os europeus do final da Idade Média se lançaram às aventuras marítimas movidos pela fantasia. Entidades mi- tológicas clássicas, monstros e demônios medievais p~- voavam seu imaginário. Mitos de raízes européias cruzaram os mares e se aclimataram nas novas terras, juntando-se a mitos locais. A realidade diferente e exótica, que deslumbrava e apavorava, só contribuiu para o enraiza- mento dessas lendas. A Amazônia, como região exuberante e de difícil acesso, não foge à regra. A ela estão ligados pelo menos três importantes'mitos: o das amazonas, o ~ ~\ , ~il ,I!I ,ç! I': l~ do País da Canela e o das Sete Cidades de Ouro, que se funde com o do El Dorado. Os dois últimos acabarão por associar-se ao mito das amazonas. O objetivo inicial da viagem de Orellana era descobrir o País da Canela. Apesar de em 1540 os portugueses ainda controlarem o comércio das especiarias e de seu preço já estar bastante baixo no mercado mundial, a ilusão da riqueza rápida através desse negócio ainda estava viva, daí o interesse pela canela. O mito do País da Canela surgiu em Quito por essa época. Dizia-se que além da cordilheira nevada havia florestas infrnitas de canela. O desejo de apropriar-se dessa riqueza motivou o conquis- tador do Peru, Francisco Pizarro, a nomear governador de Quito seu irmão mais jovem, com a missão de explorar o País da Canela. Em fins de 1540, Gonzalo Pizarro começou a organizar a expedição, convidando para ela Francisco de Orellana. Com mais de 200 espanhóis, 4 mil índios para transpórte de carga e vários animais, Gonzalo Pizarro partiu de Quito em fevereiro de 1541. Atravessou a cordilheira dos Andes, íngreme e gelada, chegando aos pés de canela. Primeira desilusão: tratava-se de uma espécie americana de qualidade inferior, com poucas árvores espalhadas na mata, o que inviabilizava sua exploração. Embora não houvesse sinais da presença de mais canela, ouro ou qualquer riqueza, o grupo foi em frente. Desolados, vítimas das agruras da selva e de ataques constantes de índios. hostis, os exploradores chegaram às margens do rio Coca. Construíram um barco e seguiram avançando. No Natal de 1541, quase um ano depois de 15 ~ I 16 Antônio R. Esteves vagarem sem rumo, tomou-se uma decisão polêmica. Orellana se adiantou no barco, em busca de alimento e abrigo, deixando. Pizarro acampado com a maioria do grupo. Orellana não encontrou povoações próximas em que se pudesse abastecer, ficando impedido de voltar rio acima. Depois de esperar algum tempo, Pizarro resolveu retomar, chegando a Quito em agosto de 1542. Orellana seguiu rio abaixo com seus companheiros durante sete dias, sem nada encontrar, alimentado-se de solas de sapato e cintos cozidos com ervas. No primeiro dia de 1542, alcançaram uma aldeia, conseguindo comida. Entraram no rio Marafion em 12 de fevereiro, nele per- manecendo até 26 'de agosto, data de chegada ao mar. Numa parada maior, foi construído outro barco. Cerca de dez canoas tomadas aos índios completavam a pequena frota. O padre Carvajal, preocupado em mostrar as privações da viagem, não descreve objetivamente as terras por onde passaram. Há poucos detalhes da geografia da região ou de seus habitantes. É difícil identificar os afluentes do rio ou a localização exata do grupo. Embora se deva ler com cuidado seu relato fantasioso, por ele podemos deduzir como viviam os aborígines e como foram suas primeiras reações diante dos estranhos que chegavam. Orellana era um homem inteligente, pacífico e preo- cupado em aprender a língua dos índios. Isso facilitou os primeiros contatos, eliminando incidentes. Sempre que aportava numa aldeia, depois do ritual de tomar posse da terra em nome do rei, Orellana conversava com os nativos e conseguia a comida necessária em troca de bugigangas ou por simples hospitalidade. Em duas ocasiões,A Ocupação da Amazônia a estada foi superior a um mês. Não é fácil alimentar mais de 50 pessoas durante tanto tempo se não há fartura. E é exatamente a fartura que caracteriza a região, de acordo com o relato de Carvajal. As margens do rio eram densamente povoadas,' com aldeias atingindo várias léguas de extensão. Algumas eram bem construídas, com vias largas, ancoradouros e muitos barcos. Os silvícolascultivavam milho, mandioca, inhame. Dedicavam-se à caça, à pesca e à criação de tartarugas. Alguns dos chefes possuíam grandes exércitos e apareciam a Orellana ricamente vestidos. Ao surgir a primeira tribo hostil, Orellana se mostrou tão hábil na guerra quanto o fora na paz. A batalha foi dura, mas os espanhóis. venceram à custa da paz. A diplomacia inicial de Orellana foi substituída pela violência. A notícia de aldeias incendiadas e de índios enforcados por se recusarem a entregar suas colheitas correu célere. Conseguir alimento passou a ser uma ação militar. Pouco depois da foz do Madeira, surgiu o elemento mais fantástico da expedição: as amazonas. Em 24 de junho alcançaram seu domínio. Avisados da presença dos invasores, os índios os receberam violentamente. Carvajal.•. explica essa ferocidade pela presença das. mulheres guer- reiras que ele jura ter visto. Além de lutar corajosamente, elas matavam a pauladas os homens que não o faziam. Mais tarde, um prisioneiro nativo explica melhor quem são elas. Seu relato transformou-se na lenda que se espalhou em seguida. As amazonas viviam em aldeias no interior, na região do rio Jamundá. Brancas e robustas, combatiam com arco e flecha. Não se casavam. De tempos em tempos, levavam para seu reduto varões de aldeias 17 18 Antônio R. Esteves vizinhas, com os quais mantinham relações sexuais para engravidar. Os filhos do sexo masculino eram mortos ou devolvidos aos pais. As meninas, criadas pelas mães para serem guerreiras. A rainha, chamada Cofiori, portava utensílios de ouro e prata, sinal de riqueza 'e tesouros. Suas cidades eram grandiosas, construídas em pedra. Havia ídolos de metais preciosos em seus templos. Nenhum outro viajante confírmou a existência das amazonas. Elas' sobrevivem apenas em relatos de aborí- gines. A base desse mito está, provavelmente, na lenda grega das mulheres guerreiras da Citia, que extraíam um seio para poder manejar melhor o arco ("amazona", em grego, significa "sem seios"). A versão que prevaleceu durante a Idade Média as localizava no Oriente, asso- ciando-as à presença de riquezas. Cruzaram o. Atlântico com Colombo. Nas Américas, os cronistas as situaram em vários pontos, do Caribe ao México, até terem a residência definitivamente fixada na selva amazônica. Não se pode descartar a existência de mulheres guer- reiras na América, uma vez que em muitas tribos imperava o matriarcado. Mais de uma vez elas foram vistas lutando ao lado dos maridos. A descrição feita pelo prisioneiro de Orellana faz lembrar. as virgens incas dedicadas ao culto do Sol. A presença de tesouros nesses templos facilitou a associação do mito a imensas riquezas. A verdade é que o Grande Rio, apesar de batizado com o nome de Orellana, depois do relato de Carvajal ficou conhecido como rio das Amazonas, nome que passou também para toda a região por ele banhada. Em 26 de agosto, a expedição de Orellana entrou no Atlântico e, em 11 de setembro, chegou ao norte da A Ocupação da Amazônia Venezuela. Dali, Orellana dirigiu-se à Espanha, onde relatou sua notável façanha. Conseguiu do rei uma no- meação para conquistar e povoar a região por ele visitada, chamada de Nova Andaluzia. À frente de uma mal- organizada expedição, saiu da Espanha em maio de 1545. Em novembro do ano seguinte, morreu tentando encontrar o braço principal do Amazonas. Em busca da Terra sem Males Em 1549, chegou ao Peru um contingente de índios Tupi que haviam migrado, subindo o rio. Diziam ser do Brasil e fugiam dos invasores portugueses. Levaram cerca de dez anos nessa subida, utilizando apenas canoas. Re- latavam, ainda, que haviam passado por várias aldeias de diferentes línguas e davam conta do que lhes fora narrado em cada uma delas. O que mais interessou aos espanhóis do Peru foi a referência a um reino rico em ouro e pedras preciosas, logo associado aos já famosos reinos do El Dorado e de Omágua. A ida desses indígenas ao Peru mostra como renasceu a esperança de se encontrarem riquezas sem fim no interior da Amazônia. É útil, também, para ilustrar a grande migração Tupi ocorrida-na época. Logo após a vinda dos portugueses ao nordeste brasileiro, com o conseqüente massacre dos índios locais, iniciou-se uma grande diáspora das tribos da família Tupi. Entre 1530 e 1612, os Tupinambá abandonaram as terras onde viviam, 19 20 Antônio R. Esteve. em Pernambuco e na Bahia, dirigindo-se ao norte e noroeste. Alguns chegaram ao Maranhão por volta de 1580. Outros alcançaram o Alto Madeira, de onde também fugiram, devido ao contato com os espanhóis do Peru. Desceram o rio e se fixaram em sua foz, na ilha Tupi- nambarana. Os Tupi buscavam-a idílica Terra sem Males de suas tradições orais, com a ilusão de que podiam livrar-se do branco usurpador de suas terras. No entanto, mesmo aqueles que se refugiaram nos lugares mais isolados não se livraram do triste fim. Lope de Aguirre: o traidor Na época da conquista, acreditava-seque as zonas equatoriais seriam um lugar privilegiado para encontrar metais preciosos. Grande parte das expedições que des- cobriram e. exploraram a América do Sul foi movida por esses objetivos fantásticos. Um deles era o EI Dorado, reino maravilhoso, cujo monarca banhava-se diariamente num lago para tirar o pó do ouro que cobria seu corpo. Tudo ali era de ouro. As cidades resplandeciam ao sol e podiam ser vistas a distância. Após a viagem de Orellana, espalharam-se novas vasiantes do mito, associando o EI Dorado ao reino dos Omágua e das Amazonas. Em 1533, havia sido concluída no Peru a conquista do Império Inca, com a conseqüente divisão do tesouro seqüestrado. A partir de 1537 e durante quase duas 21A Ocupação da Amazônia décadas, os conquistadores lutaram entre si, em diferentes facções, arrasando a região. Os conflitos serviram para mostrar às autoridades que o grande número de soldados e aventureiros estacionados no Peru representava constante perigo para a ordem pública. Uma forma de ocupá-Ias era engajá-Ios em outros descobrimentos. Nisso tudo pen- sou o Marquês de Cafiete quando, em 1559, autorizou Pedro de Ursúa a organizar uma expedição para conquistar os míticos reinos do El Dorado e de Omágua. Ursúa reuniu cerca de 300 soldados, muitos deles veteranos da conquista e das guerras civis, 600 índios para transporte de carga, escravos negros e muitos animais, e marchou para oeste, no rastro de Orellana, em busca das riquezas sonhadas. Cruzaram a cordilheira e se alojaram às margens do rio Coca, preparando as embarcações necessárias para a viagem. Haviam saído de Lima em fevereiro de 1559 e começaram a descer o rio em outubro de 1560. A demora em partir provocou descontentamentos no grupo, gerando uma rebelião que estourou no primeiro dia de 1561. Ursúa=foi assassinado e substituído pelo fidalgo andaluz Fernando de Guzmán. Lope de Aguirre, um dos cabeças do movimento, tomou-se o segundo na nova hierarquia. Todos os partidários do antigo governador foram mortos. Num acesso de delírio coletivo, Guzmán foi nomeado rei dos territórios por conquistar, consumando a traição à Coroa. A expedição seguiu descendo o rio e continuaram as traições, assassinatos e execuções. Morto Guzmán, em maio, Aguirre assumiu a chefia, instaurando o terror. O objetivo inicial do grupo fora esquecido. A idéia do caudilho era chegar à foz do rio, navegar para o norte até. a ilha Mar;garita, dali até o Panamá e depois alcançar 22 Antônio' R. Esteve, o Peru, onde ocuparia o poder e dividiria as riquezas entre os veteranos conquistadores preteridos. A expedição de Aguirre foi narrada por cerca de dez cronistas que, de uma. forma ou de outra, estiveram envolvidos nosfatos. No entanto, nenhum deles se preo- cupou com a região explorada. Nem mesmo a rota seguida pelos amotinados é certa. Alguns historiadores dizem que, ao atingir o rio Negro, subiram até o rio Branco e daí ao Cassiquiare, de onde passaram ao Orenoco, chegando ao Caribe. Se isso for certo, Aguirree seus..amotinados foram os primeiros a descobrir a ligação existente entre as bacias do Amazonas e do Orenoco. Outros preferem a versão de que eles teriam alcançado o mar pelo Ama- • zonas. Em 20 de julho de 1561, chegaram à ilha Margarita, saqueando-a. Dali Aguirre dirigiu-se à Venezuela, com a intenção de atingir o Peru por terra, já que seria. difícil fazê-lo por mar. Ali foi morto em outubro, depois que seus soldados desertaram, atraídos pelo perdão real. Deixou uma longa carta de desafio ao rei Felipe II da Espanha, considerada por alguns historiadores como o primeiro manifesto de independência na América. Exploradores de outras bandeiras Desde o início dos grandes descobrimentos, Portugal e Espanha procuraram garantir a posse das novas terras. O Tratado de Tordesilhas praticamente dividiu-as entre A Ocupação da Amazônia esses dois países. Com isso, toda a extensão do rio Amazonas localizava-se em terras espanholas. Outros paí- ses, no entanto, não aceitavam o tratado. Começaram, então, a organizar expedições e lançar-se à conquista dos novos territórios. Já em fins do século XVI, a foz do grande rio e suas redondezas foram visitadas por franceses, holandeses, ingleses e irlandeses. A expedição inglesa de Sir Thomas Roe, em 1610, subiu perto de 300 milhas pelo Amazonas, ali deixando, ao regressar, 20 homens encarregados de explorar o interior e organizar entrepostos comerciais. Em 1620, Sir Reger North fundou uma companhia de comércio para atuar na região. Fazendo a mesma rota de Roe, subiu o rio Amazonas e encontrou vários ingleses remanescentes de dez anos antes. Havia muita mercadoria estocada e in- formações sobre a área. A amizade travada com os índios possibilitou levar adiante os entrepostos comerciais. North voltou para a Inglaterra, permanecendo na região Bemard O'Brien, que escreveu um detalhado relatório de suas aventuras. Instalado a cerca de 250 milhas da foz do Amazonas, fundou uma feitoria, chamada de Coconut Grove (Coqueiral). Atacado pelos portugueses anos mais tarde, fugiu com alguns índios para o interior. Nessa viagem, O'Brien diz ter-se encontrado com a rainha das amazonas, com quem negociou espelhos e tecidos holan- deses em troca de escravas e salvo-conduto para continuar subindo o rio. Entrou provavelmente no Trombetas, a partir do qual, após muitas interrupções, com as canoas carregadas por terra, alcançou o rio Suriname, chegando ao Atlântico. 23 24 Antônio R. Esteves Desse modo, nos primeiros anos do século XVII, estrangeiros começaram a se fixar na região. Os holandeses no vale do Xingu, os franceses no Tocantins, ingleses e irlandeses na costa do Amapá, na ilha de Marajó e no rio Amazonas. Todos, no entanto, conheciam muito bem a costa, da Guiana Amazonas. Ao lado de entrepostos comerciais, ergueram, nas margens dos rios, fortins de madeira e taipa, pensando assim garantir o domínio co- mercial da região. I •.. ~' IJJ~; . ~ A AVENTURA COLONIAL "O meio mais eficaz e pronto para se introduzir nos habitantes 'desta capitania a civilização de que tanto carecem é casarem os soldados com as índias, como muitos têm feito, e a .freqüência das escolas em que aprendem os pequenos não só a ler, escrever e contar, mas também a língua portuguesa (...)" Trecho da Carta de Mello e Póvoas, pri- meiro governador da Capitania de São José do Rio Negro, de 21/12/1758, às autoridades portuguesas. Tornando o Amazonas português Depois de Aguirre, não há notícias, por mais de meio século, da presença de brancos na Amazônia. Da Guiana a Pemambuco, as terras ocupadas apenas pelos nativos atraíam a cobiça de estrangeiros. 26 Antônio R. Esteves A fundação da França Equinocial, em 1612, no Ma- ranhão, representou um perigo às colônias de Portugal. Em 1615, os franceses foram expulsos e Francisco Caldeira de Castelo Branco foi incumbido pelos portugueses de ocupar a costa ao norte, expulsando os estrangeiros fixados na região do Amazonas. Em 1616, ele fundou Belém, na desembocadura do rio Pará, assegurando definitivamente 'o domínio de Portugale impedindo a entrada de estran- geiros pelo rio. Com a União Ibérica, a partir de 1580, quando Felipe II da Espanha assumiu também o trono de Lisboa, abriu-se a possibilidade de os portugueses ocuparem toda a região. Em 1621, Madri permitiu que defendessem o Baixo Amazonas. A partir de então, os portugueses ultrapassaram os limites do Tratado de Tordesilhas: construíram forti- ficações e realizaram importantes expedições de reconhe- cimento dos rios. Luís Aranha de Vasconcelos, em 1620, mapeou a área. Navegou 1.600 quilômetros para cima, descobrindo que o rio principal se separa em dois, a cerca de 500 quilômetros da foz. Criou-se o Estado do Maranhão, diretamente subordinado a Lisboa. Em poucos anos já não restavam estrangeiros na região. Ingleses, holandeses e franceses foram expulsos das margens dos rios, sustentando apenas um enclave depois do cabo Orange, que deu origem às atuais Guianas. Dominando a foz do Amazonas, os portugueses fui- ciaram a ocupação rio acima, na direção oeste. Missionários e colonizadores espanhóis, em sentido oposto, desciam os rios. O ponto de encontro dos dois movimentos marca as atuais fronteiras entre o Brasil e os países hispano- americanos da região. A Ocupação da Amazônia Pedro Teixeira, fixando limites Em 1636, chegou a Belém uma simples canoa, trazendo dois franciscanos que vinham de uma missão no rio Napo, acompanhados de seis soldados. Afirmavam ter alcançado . a cidade graças aos nativos. Apreensivo com o fato, o governador do Maranhão organizou uma expedição que subiu o rio. A Pedro Teixeira, conhecedor dos rios e dos aborígines, coube o comando da flotilha, composta por 47 canoas, mais de mil índios e 70 soldados bem armados e muníciados. Partiram de Cametá em 28 de outubro de 1637 e aportaram um ano depois em Quito, onde foram recebidos com surpresa pelas autoridades espanholas, as- sustadas com a possibilidade de que pudessem alguma vez ser atacadas por essa rota. O vice-rei do Peru orde- nou-lhes que voltassem ao Pará pelo mesmo caminho. Saindo de Quito em 16 de fevereiro de 1639, atingiram o Pará em 12 de dezembro desse ano. As autoridades de Quito nomearam o jesuíta Cristóbal de Acufía para acompanhar a viagem e fazer o relato. No Novo Descobrimento do Rio Grande das Amazonas, ao contrário das descrições ~teriores, Acufí.a dá detalhes da região. Fala dos rios, do modo de vida dos índios que habitam suas margens e da fartura de frutas, peixes e caças diversas. Afirma existirem, ao longo do rio, mais de 150 nações de línguas diferentes. Descreve suas artes e crenças, realçando uma aldeia com mais de uma légua de extensão. Repete a história das amazonas contada por Carvajal. Chama a atenção para. o potencial econômico da região e para a necessidade da. catequese dos nativos. 27 I I I I.: ~~~, h 11 1\ 28 Antônio R. Esteves Características básicas da .colonização portuguesa na Amazônia Com a Restauração da Coroa Portuguesa, em 1640, incrementou-se a ocupação lusitana na Amazônia, que apresenta três faces: 1 - Militar: após a expulsão dos estrangeiros, os portugueses trataram de explorar o território e garantir a ocupação através da construção, em pontos estratégicos, de uma malha de fortificações. Foram erguidas 40 delas, fechando as principais entradas para a região. Desse modo, respondia-se à ameaça de espanhóis, franceses e holan- deses: 2 - Econômica: tentou-se integrar a região na eco- nomia do reino, com a coleta das "drogas do sertão" e a organização da agricultura e da pecuária. 3 - Religiosa: as missões asseguravam o domínio, catequizando e "civilizando" os indígenas, utilizados depois corno mão-de-obra barat~.· Assim, o militar, o comerciante e o missionárioforam os personagens centrais da qcupaçâo amazônica no período colonial. Agiam em harmonia, embora não faltassem con- frontos quando os interesses não coincidiam. O índio era fundamental: coletor das "drogas do sertão", remador ou arqueiro nas entradas militares e motor das missões. Costuma-se dividir o processo de colonização da região em dois períodos. No primeiro, que vai até i750, surgiram os primeiros núcleos ao redor das missões e fortificações. O segundo começa em 1750 com o Tratado de Madri. O objetivo era garantir as fronteiras ocupadas, com o -.- A Ocupação da Amazônia povoamento da região. Tentava-se formar uma classe agrária a partir da aculturação e da miscigenação do nativo que, depois de catequizado, passava a ser o esteio da sociedade local, cabocla e rural. No final desse período, a região já possuía centros burocráticos e comerciais, com cidades e vilas espraiadas pelas margens dos rios. As "drogas do sertão" Os vários produtos da floresta enviados para o comércio europeu eram denominados "drogas do sertão". A lista é extensa: cacau, salsaparrilha, urucu, cravo, canela, anil, baunilha, paxuri, diversos tipos de sementes oleaginosas, raízes e essências aromáticas, ervas medicinais, madeiras finas e derivados animais, como manteiga e ovos de tartaruga, além dos peixes. Procuravam-se principalmente alimentos estimulantes, condimentos, substâncias aromáti- cas e medicinais, gomas e fibras. A utilização dessa produção exótica fundamentava-se na experiência dos na- tivos,' que também recolhiam o que tão bem conheciam. Os índios eram mão-de-obra mais barata que os escravos negros e bem superior, pois conheciam perfeitamente os rios, a floresta e os produtos procurados. Esse comércio, controlado basicamente pelas missões, permitiu a exploração de grande parte da região, só declinando, mais tarde, com a escassez de braços e o surgimento de uma agricultura organizada. - 29 111 11' li II l--;" ~ di 30 Antônio R. Esteves . A presença dos missionários Os missionários, importante elemento -da colonização, foram os responsáveis diretos pelos "descimentos": a transferência dos indígenas de seus domicílios naturais para as missões. Há deis tipos de "descimento": pela persuasão, tirando os nativos voluntariamente de suas terras com promessas e presentes; e pela coação, obri- gando-os a aceitar um tipo de vida diferente da sua. A missão reunia índios de várias tribos, de línguas e culturas diferentes, que tinham de conviver entre si, abandonando suas culturas originais para "civilizarem-se", assumindo a do europeu. O nheengatu, língua tupi gramaticalizada pelos missionários, foi imposto como "língua geral" a todas as tribos, sendo usado como meio de comunicação até o século passado. Na missão, os índios aprendiam, além da língua geral e do catecismo, vários ofícios: construir, cultivar a terra, cuidar do gado e até mesmo ler e escrever. Houve, no entanto; vários conflitos entre colonos e missionários pela disputa da mão-de-obra nativa, apesar de isso não ser sempre explicitado nos discursos de ambos os lados, principalmente no dos religiosos, cujo objetivo aparente era proteger os silvícolas. Devido a esses conflitos: os jesuítas foram expulsos do Pará em 1661 e do Maranhão em 1684. Graças a seu prestígio na Corte, o padre Vieira conseguiu que eles fossem reintroduzidos, Mas, apesar desses litígios entre colonos e missionários, havia a ne- . cessidade de braços para o trabalho e a presença de pregadores era imprescindível para reunir a mão-de-obra. 1i A Ocupação da Amazônia Assim, a partir de 1616, chegaram à Amazônia centenas deles, das mais variadas ordens: franciscanos, mercedários, carmelitas e jesuítas. Além de sua ação catequética e "civilizatória",' os religiosos foram os responsáveis pela educação dos colonos na região, cuidando das escolas primárias, secundárias e de nível superior. Desse modo, exercendo o papel de educadores, tanto junto às comunidades indígenas das missões quanto aos filhos dos colonos, os missionários não apenas ensinavam as primeiras letras e a religião, mas, principalmente, propagavam a ideologia do colonia- lismo português, colaborando para a consolidação de seu domínio. o genocídio indígena As verdadeiras dimensões do massacre ocorrido na região, a partir da chegada do branco, são difíceis de ser fixadas, na medida em que até muito recentemente a história dos vencidos não era escrita. Deduzia-se, apenas, nas entrelinhas da história dos vencedores. Pode-se dizer, no entanto, a partir de cálculos estimativos, que a população aborígine da Amazônia, na época da vinda dos coloniza- dores, andasse entre 1 e 2 milhões de habitantes. Atual- mente resta apenas a décima parte dela. Os indígenas. . viviam espalhados ao longo dos rios e pertenciam a grupos culturais diferentes entre si. Carvajal e Acuãa mostram em seus relatos que as margens do Amazonas 31 'li 32 Antônio R. Esteves eram densamente povoadas. Acufia fala em 150 nações diferentes. Uma coisa é certa: os povos que ali viviam desenvolviam uma economia cuja característica mais no- tável era o. equilíbrio com o meio ambiente. Com os portugueses chegou o genocídio. Os Tupinambá do litoral do Pará inicialmente ajudaram os colonizadores a construir Belém, mas se opuseram à escravidão. As insurreições começaram já em 1617. A reação portuguesa foi violentíssima, massacrando os Tupinambá em toda a faixa que vai de São Luís a Belém. Coube a Bento Maciel Parente o prêmio pelo maior número de íridios já massacrados na história da Amazônia. Em 1619, ele acabou com todos os Tupinambá, do Maranhão ao Pará. Ao assumir o governo do Pará, em 1621, continuou sua obra, destruindo todos os aldeamentos dos Cumã, Tapuitapera e Caeté. Há registros de que teria massacrado ou levado ao cativeiro mais de meio milhão de aborígines. Embora exagerada, essa estimativa dá uma•. idéia de como foi a guerra de extermínio. O índio era a mão-de-obra necessária para que os portugueses levassem a cabo seus objetivos. Servia para remar as canoas, guiá-los pela selva, erguer suas fortifi- cações, conventos, igrejas e residências. Obtinha alimentos' através da caça, da pesca eda agricultura. Coletava as "drogas do sertão". Com seu conhecimento, ajudou o português e o brasileiro a sobreviver na região. Não estava, no entanto, acostumado aos trabalhos forçados. Como tinha pouca vida útil no trabalho, necessitando ser substituído, a indústria da mão-de-obra transformou-se num poço sem fundo. 11I As "guerras justas" eram guerras de extermínio que os portugueses podiam mover contra os nativos sempre I A Ocupação da Amazônia 33 que estes atacassem ou roubassem os colonos, se recu- sassem a auxiliá-los na luta contra outras tribos e na defesa de suas vidas e propriedades, se opusessem à catequese ou ajudassem os franceses, ingleses e holandeses, inimigos de Portugal. Embora houvesse, desde 1570, leis protegendo os na- tivos, não faltavam formas de burlá-Ias. Uma delas era o "descimento". Outras duas situações permitiam o cati- veiro dos índios: quando fossem aprisionados numa "guerra justa" ou quando fossem "resgatados" da mão de inimigos, duas situações muito fáceis de forjar. A poucos interessava tomar sua defesa. Os missionários, não raras vezes, o faziam, mas já foi visto que, nas missões, os indígenas não estavam muito longe de uma situação de escravidão. Em 1755, uma nova lei dava - uma vez mais apenas no papel - liberdade aos índios. Nessa altura, grande parte da população original já havia sido exterminada ou aculturada nas missões. Uma minoria fugira amedrontada para as terras centrais ou para as cabeceiras dos rios, principalmente os encachoeirados, na ilusão de que se salvaria. Em maio de 1757, o Marquês de Pombal criou o Diretório dos Índios, visando à substituição dos missio- nários. Em cada vila, criou-se o cargo de diretor de índios, com a missão de cuidar dos nativos, promover o progresso da agricultura e do comércio, estimulando-os a uma vida "civilizada". O português passava a ser a língua oficial e seuensino obrigatório em escolas mantidas pelos próprios tutelados. Na prática,' o diretor passou a ser o novo dono dos índios, manipulando-os a seu bel-prazer. . Depois da extinção do diretório, em 1798, foram proibidos 34 de vez os "descimentos". No entanto, as leis continuaram a ser desobedecidas. Nem todos os aborígines foram exterminados por mas- sacres ou maus-tratos. Grande parte deles sucumbiu ao entrar em contato com os brancos e contrair doenças contra as quais não tinham resistência. Há notícias de uma epidemia de varíola entre 1743 e 1750 que fez cerca de 40 mil vítimas na -região. Para se ter uma idéia do que isso representa, a população branca do Pará, em 1665, era de 33 mil almas. Entretanto, o maior extermínio foi a aculturação, causada pela catequese. Não se pode saber ao certo o número de línguas desaparecidas na região amazônica. Além dos Tupinambá, havia, no litoral paraense, vários outros gru- pos. A ilha de Marajó era habitada por vários grupos Aruaque, que. se estendiam até o Amapá. Os afluentes da parte norte do Amazonas até as Guianas eram habitados por povos caribes. No interior, havia grupos de língua jê. Todos desaparecidos. Ajuricaba, ou a resistência inútil A rebelião dos índios Manau, habitantes dos rios Negro e Branco, é tida como modelo de resistência à invasão branca. Seu chefe, Ajuricaba (ajuri = reunião; caba = marimbondo, em língua geral), passou a herói, símbolo da resistência nativa. Os primeiros contatos que os indí- genas dessa área tiveram com os colonizadores não foram pacíficos. ELes defendiam suas terras ferozmente, matando quem nelas penetrasse. Com o pretexto de serem aliados dos holandeses da Guiana, os portugueses moveram-lhes "guerra justa", enviando uma tropa bem armada para a região. Aliados aos Maipuna, os Manau lutaram heroica- mente contra os invasores, de 1723 a 1727. Conta-se que numa das batalhas, Ajuricaba - após a morte de seu filho Cucunaca, tão bravo quanto ele - lançou-se violentamente contra os soldados. Matou vários deles, mas acabou preso. Apesar de acorrentado, quando o levavam para Belém, atirou-se no rio Negro, perto do Lugar da Barra, morrendo afogado. Preferiu morrer a viver como escravo. Depois disso.: os Manau foram to- talmente exterminados, .junto com os Maipuna. Em 1729, foram destruídas todas as aldeias dessas tribos, sendo dizimados, segundo consta, mais de 20 mil índios. Para- doxalmente, o Lugar da Barra foi denominado Manaus, em homenagem à tribo a que pertencia Ajuricaba. Seu nome identifica hoje uma cadeia de televisão do Amazonas, além de vários produtos locais. o projeto pombalino Em janeiro de 1750, Portugal e Espanha assinaram o Tratado de Madri, que fixava as fronteiras entre suas colônias. Com base no direito de soberania sobre áreas efetivamente ocupadas, os portugueses fixaram fronteiras muito próximas das atuais. Esses limites seriam reiterados no Tratado de Santo lldefonso, de 1777. Nesse mesmo ano, o Marquês de Pombal assumiu o governo português. Conhecido por suas atitudes anticle- 35 36 Antônio R. Esteves A Ocupação da Amazônia 7 _ Maior integração com o Mato Grosso, garantindo proteção à fronteira sul. Desde que, no século anterior, bandeirantes paulistas, à procura de ouro, por lá chegaram subindo afluentes do Amazonas, mantinham-se estreitas relações com essa região. Por ali saía o ouro de Cuiabá e do Tocantins e passavam os soldados que se dirigiam aos fortes de Príncipe da Beira e de Vila Bela, no Guaporé. Uma' das formas de alcançar a Capitania de Mato Grosso, desmembrada de São Paulo em 1748, era através do Madeira e do Tapajós. O mesmo acontecia com Goiás, que podia ser atingida pelo Tocantins. Era necessário garantir a presença portuguesa nesse território, rico em ouro e pedras preciosas. 8 - Criação do Estado do Grão-Pará e Rio Negro, em 1772, com sede em Belém, sem qualquer vínculo com o vice-rei do Brasil. As expedições científicas: a região aberta à ciência e ao mundo Dentro do espírito pombalino de ocupar a Amazônia, Alexandre Rodrigues Barbosa foi encarregado pela Coroa de estudá-Ia. Deveria obter dados sobre a terra, a flora, a fauna, os nativos, condições para a agricultura, índüstría, navegação e comércio. De 1784 a 1788, Barbosa' colheu informações e materiais, enviados para Lisboa. Seu rela- tório, dentro dos princípios do Ilurriinismo, resultou numa verdadeira enciclopédia amazônica. Abrange todas as áreas ricais, tomou uma série de providências para o desenvol- vimento da Amazônia. Para o recém-criado Estado do Grão-Pará e Maranhão, com sede. em Belém, nomeou governador seu irmão Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Com relação à região, as providências adotadas foram: 1 - Liberdade par'}.os índios, com a posterior criação dos díretórios. 2 - Diminuição do poder dos missionários. Transfor- mação das povoações em que estivessem as missões em vilas com nomes portugueses e administração leiga, cul- minando com a expulsão dos jesuítas em 1759. 3' - Criação da Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, que fmanciou a agricultura, in- crementou a pecuária e a construção de barcos, além de deter o monopólio do comércio exterior, da navegação e do tráfico negreiro. A introdução de escravos negros na região não impediu, porém, que os índios continuassem a ser escravizados. 4 - Criação da Capitania de São José do Rio Negro, em março de 1755. Merece destaque a administração de Lobo D' Almada, que governou a capitania d~ 1788 a 1799. Promoveu a criação de gado e incentivou a agri- cultura, além da instalação de tecelagens, olarias e serrarias. 5 - Incentivo à miscigenação. Por lei de 1755, quem se .casasse com uma índia teria benefícios, além de ficar livre de qualquer infâmia. 6 - Incentivo à colonização. Introduziram-se na região, além de. mão-de-obra negra, vários grupos de colonos portugueses e estrangeiros. do conhecimento, dando, pela primeira vez, Uma visão científica da região, que, a partir de então e até nossos dias, será vista como o grande laboratório da humanidade, uma espécie de patrimônio científico universal, passando a receber expedições de todo o mundo. . Essas expedições, verdadeiras aventuras, onde muitos cientistas perderam a vida, foram responsáveis pelos es- tudos da fauna, flora, "geografia, geologiá e etnologia da região conhecidos até agora. Importantes nomes da ciência européia, como La Condamine, Humboldt, Bompland, Lévi-Strauss e, mais recentemente, Jacques Cousteau, aí se arriscaram por seu ideal. Outros, não tão conhecidos, como Orton, Grünberg, Coudreau ou Nimuendaju, deram sua vida estudando a região e seus habitantes. Alguns estrangeiros visitaram a região por pura aventura, como o ex-presidente norte-americano Theodore Roosevelt, ou para defender uma causa que consideram justa, como foi o caso do cantor inglês Sting. O etnógrafo Curt Nimuendaju passou a maior parte de sua vida estudando os indígenas, e o marechal Rondon fez de sua vida uma grande expedição na defesa dos nativos. Os naturalistas ingleses Spruce e Wickham roubaram da Amazônia duas espécies de grande valor comercial: a quina e a seringueira .. Escritores brasileiros também viajaram até lá para re- colher matéria-prima para suas obras, como Mário de Andrade (Macunaíma) ou Raul Bopp (Cobra Norato). A INTEGRAÇÃO POLÍTICA AO BRASIL "Canto o sucesso fausto inopínado / Que as face! banha em lágrimas de gosto; / Depois de ver n'um século passado / Correr só pranto em abatido rosto" Henrique J. Wilkens Resistência à separação de Portugal Na época da proclamação da independência do Brasil, a região amazônica, com uma população em torno de 100 mil almas, era um enorme vazio demográfico. Havia uma dezena de vilas e povoados nas margens dos principais rios, ao redor dos quais concentrava-se uma classe agrária Antônio R. Esteves rural, formada por mestiços e índios, estes, a maioria de seus habitantes. Uma minoria branca, basicamente portu- guesa, ocupava os postos administrativos e dominava o comércio. Diretamente subordinada a Lisboa, a região mantinhapoucas relações com a capital do Brasil. Isso fez com que a elite lusitana local tentasse manter o Estado do Grão-Pará e Rio Negro sob seu controle, quando da independência do Brasil, em 1822. A adesão ao novo país só ocorreu um ano mais tarde, após uma intervenção militar. O fato não obrigava, no entanto, que os portugueses fossem apeados do poder local e abandonassem seus postos. Essa teria sido uma das causas do descontentamento popular que culminou na Cabanagem, na década seguinte. •Os cabanos: consciência regional I Uma das principais conseqüências da administração pombalina foi o surgimento de uma classe rurei, composta de .mestiços e índios aculturados, que conseguiu certo poder econômico e ascensão' social, através do êxito da agricultura local, após o fim da tutela dos missionários. Essa classe 'seria o esteio da Cabanagem, movimento nativista que eclodiu em Belém em 1835, alastrando-se por toda a região. Contra a elite branca local, que controlava o comércio e ocupava os postos de mando, uniram-se caboclos, índios e negros. A luta, desigual e 'violenta, arrastou-se por uma década, dizimando quase um terço da população. Embora r- A Ocupação da Amazônia fosse um movimento nativista, foi interpretado pelas au- toridades do Rio de Janeiro como separatista. Foi enviado à região um forte contingente armado que derrotou os revoItosos, definitivamente, em 1840. O resultado do conflito, com enfrentamento de tropas, saques, invasões e massacres realizados por ambas as partes, foi a completa desestruturação das frágeis bases econômicas existentes. A Província do Amazonas e a abertura do rio à navegação Com a Constituição de 1824, o Alto Amazonas seguiu sob a jurisdição da Província do Grão-Pará, na categoria decomarca. Devido à negligência de Belém com a região, seus habitantes pleiteavam, junto à Corte, a categoria de província. Problemas internos, como a Cabanagem, e perigos de invasões estrangeiras sensibilizaram as autori- dades e, em 5 de setembro de 1850, foi criada a Província do Amazonas," com sede na cidade da Barra, que adoteu o nome de Manaus em 1856. A população da nova província era estimada, na época, em 30 mil habitantes, sendo negros e brancos uma pequena minoria. A maior parte era constituída de caboclos e índios aculturados. Era a mais vasta e menos habitada província do Império. Por essa época, começou nos Estados Unidos uma forte campanha para a colonização da Amazônia e o 41 42 Antônio R. Esteves aproveitamento de seus recursos naturais em benefício do progresso da humanidade. Temendo perder o controle da região, o governo brasileiro resolveu ali introduzir a navegação a vapor. Em 1852, foi concedido à Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas, do Barão de Mauá, o privilégio da navegação a vapor, comércio e colonização do rio Amazonas. A companhia começou a operar com apenas três barcos pequenos, mas em pouco tempo os lucros permitiram a ampliação da frota e o acesso a rios inexplorados, facilitando o escoamento da crescente produção de borracha. Continuava, no entanto, a pressão para a abertura do Amazonas à navegação internacional. 'Inglaterra e França, particularmente, tinham claras intenções de expandir seus territórios das Guianas, fazendo-os chegar até o rio Ama- zonas. Considerando que a região era pouco povoada e as fronteiras ofereciam problemas, o governo imperial havia mantido a política de fechamento, vigente desde o início da colonização portuguesa, evitando possíveis amea- ças à soberania do Brasil na área. Como as pressões .foram grandes, o governo brasileiro acabou por abrir o Amazonas à navegação estrangeira em 1866. Uma vez mais, facilitava-se o acesso à borracha. A borracha Desde os primeiros cronistas há notícias da utilização do látex pelas populações americanas. No período colonial, vários objetos derivados da borracha eram exportados. As A Ocupação da Amazônia "seringas" rudimentares fabricadas pela goma originaram as palavras portuguesas relacionadas ao látex: "seringa", "seringueira", "seringal", "seringueiro" e "seringalista". O termo "borracha" parece ter surgido de outra aplicação da goma: as botijas usadas no transporte do vinho em substituição às "borrachas de couro". Informações sobre o látex foram levadas à Europa pelo ,. cientista francês La Condamine, que visitou a região entre 1736 e 1742. A Hevea brasilensis foi descrita pela primeira vez, em 1762, pelo botânico "Pausée Aublet. A palavra "hévea" origina-se de hevé, termo usado pelos índios para designar as seringueiras. Já "caucho" (Castilloa ulei) deriva--'l do vocábulo, também indígena, kautchu (pau que dá leite)., S O látex foi elevado à categoria de matéria-prima in- r dustrial a partir de 1823, com a descoberta da impermea- .I bilização por MacIntosh, nesse mesmo ano, e da vulca-; - nização, por Goodyear, em 1839. Com a expansão do: ,) comércio da borracha, inicia-se nova fase de ocupação J : da Amazônia. A procura das árvores produtoras de látex ' ,,'~ - a seringueira e o caucho ---' faz com que a região ~ I :. seja quase totalmente explorada. Para conseguir braços, ~ . foi necessário incentivar a migração, já que os nativos e $ :) índios utilizados se mostraram insuficientes. A população, ~ a que no início do século era estimada em 100 mil pessoas, l~- chegou a 300 mil em 1870, 700 mil na virada do século e ultrapassou um milhão em 1910. O nativo foi útil tanto na descoberta das árvores do "ouro negro" quanto no conhecimento das vias de nave- gação utilizadas para trazer o produto dos centros de coleta aos pontos de comercialização. Acelerou-se, com 43 44 Antônio R. Esteves onde estavam as seringueiras. O seringalista fornecia ferramentas e alimentação aos trabalhadores, que deviam trazer-lhe, periodicamente, determinada quantidade de bor- racha bruta. A cada seringueiro cabia certa quantidade de árvores, espalhadas na mata, ao longo de uma trilha, que era percorrida diariamente. De madrugada, cortava as árvores, colocando em todas elas uma' tigelinha para receber o líquido. Ao chegar ao fim da trilha, voltava recolhendo o líquido, que era defumado, formando uma peça de borracha bruta. O seringueiro tinha um estreito vínculo com o patrão, pois este controlava os preços, cobrando caro pelo que vendia e pagando barato pela borracha. Assim, o traba- lhador, sempre em débito com o patrão, não podia aban- donar o seringal. Quando fugia, era caçado como animal selvagem, trazido de volta e castigado, quando não morto. Sozinho na mata, vivia à mercê de doenças como malária e febre amarela, além de animais ferozes. Grupos exclu- sivamente masculinos propiciavam a proliferação de prá- ticas homossexuais ou bestiais, sem falar das. cenas de estupro ou outros tipos de violência sexual. Salvo exceções, poucos desses migrantes conseguiram enriquecer. Quando acabou o ciclo da borracha, alguns voltaram para suas terras fracos e doentes, mas a maioria acabou por ficar, integrando-se à população local. isso, o aliciamento de indígenas, retirados à força de suas aldeias e colocados no serviço da extração da borracha. Embora ocorresse em toda a região, o engajamento do nativo. foi mais comum em território boliviano, peruano, equatoriano, colombiano ou venezuelano, onde havia con- centração maior da população aborígine. No Brasil, a •• I maior parte da mão-de-obra usada foi nordestina. A produção de borracha cresceu vertiginosamente, pas- sando de mil toneladas, em 1850, a 8 mil toneladas em 1870, atingindo 42 mil toneladas em 1912, sua produção máxima. A partir de então começa o declínio. Entre 1900 e 1910, a borracha foi o produto mais exportado, ao lado do café. Chegou a atingir 40% das receitas de exportação, o mesmo porcentual do café, no ano de 1910: Até 1850, a exploração ficou circunscrita à região de Belém e às ilhas. Os primeiros rios a ser explorados foram o Xingue o Tapajós, penetrando-se no Amazonas pouco depois, até atingir o Solimões, o Purus, o Alto Madeira e o Juruá. Os pioneiros foram os paraenses, vindo depois amazonenses e maranhenses. Em 1869,che- garam ao Purus os primeiros cearenses. A partir daí, a migração continuou crescendo. As grandes secas que assolaram o Nordeste em 1877, 1888 e 1889 trouxeram à região grande número de nordestinos, especialmente cearenses. Pode-se dizer que, entre 1872 e 1910, entraram na Amazônia cerca de 300 mil deles. A estrutura econômica era baseada no aviamento. Gran- des empresas estrangeiras, importadoras de bens e expor- tadoras de borracha, estabeleceram suas filiais em Belém e Manaus, e fixavam os preços no mercado internacional. Financiavam os seringalistas, donos ou posseiros das áreas Manaus: luzes na selva I A exploração da borracha trouxe para a Amazônia muitos recursos. As principais companhiàs de navegação ,."'~.__ . ~ .... ' p. 5 5 • .J \. til} -" ligaram Belém e Manaus aos portos europeus e norte- americanos de maior importância. O dinheiro dos serin- galistas enriquecidos era aplicado no luxo e na ostentação: belas mansões, roupas finas, viagens ao exterior, grandes festas. Manaus, com 30 mil habitantes, transformou-se numa bela e movimentada cidade no meio da selva. Foi, no ' início do século, uma das cidades brasileiras mais bem urbanizadas. Suas amplas avenidas, à semelhança dós bulevares franceses, foram iluminadas por luz elétrica antes mesmo da capital da recém-proclamada República. Sobre 30 quilômetros de trilhos, rodaram bondes primeiro que em qualquer outra cidade brasileira. Eduardo Ribeiro, governador do Estado, foi responsável por muitas melho- rias. Aterrou pântanos e construiu avenidas. Instalou um sistema de água de boa qualidade e ligou a cidade por telefone. Inaugurou o Palácio da Justiça, praças, coretos, parques, jardins e até mesmo um hipódromo. O Teatro Amazonas, erguido no topo de uma colina, em estilo neoclássico, com sinais de ar! nouveau, é o símbolo da glória e do fausto do momento: estruturas de ferro de Glasgow, azulejos da Alsácia, mármore .de Carrara, can- delabros da Itália, porcelanas, cortinas, poltronas de veludo, . obras de arte. Sua inauguração, em 1897, pela Companhia Lírica Italiana, foi um grande acontecimento social. Desde então, as companhias líricas ou grupos teatrais que vinham da Europa abrilhantar as noites tropicais passaram a se apresentar ali. Caricatura das grandes cidades européias em suas cons- truções vistosas mas sem valor e de mau gosto, Manaus e Belém são imagens grotescas desse ambiente arrivista. Sobre elas se criou um anedotário, .amostra desse artifi- cialismo. Famílias que mandam lavar suas roupas brancas em Portugal porque as águas do rio Negro são escuras. Champanhe francês e vinhos portugueses jorrados nos seios de prostitutas estrangeiras nas noites de orgia ama- zônicas. Coronéis abastados acendendo charutos de Havana com as cédulas de maior valor. Tudo na região era importado. Ali se produzia apenas a borracha. A única atividade econômica alternativa era o comércio. Companhias inglesas, alemãs, portuguesas e francesas controlavam a importação e a venda de produtos finos. O comércio dos pobres era feito pelos regatões.- De todas as figuras regionais que o comércio da borracha desenvolveu, o regatão era a mais pitoresca. Turcos, sírios, libaneses ou judeus, esses comerciantes - que regateavam no preço - cruzavam a região em todos os sentidos. Em barcos peqnenos, a remo, chegavam aos mais distantes rincões. Praticavam a troca, fornecendo aos seringueiros tudo o que estes não podiam conseguir no armazém do patrão: bugigangas, roupas e especialmente remédios - quinino para enfrentar a malária - e cachaça, proibida pelos seringalistas. Recebiam principalmente a borracha - furtada da quota que deveria ser entregue ao patrão - e outros produtos regionais. Funcionavam, também como meio de comunicação, trazendo e levando notícias. Como agiam contra os interesses do monopólio, muitas vezes eram recebidos a tiros ou proibidos de entrar em rios considerados particulares. A grande negociata As fronteiras entre Brasil e Bolívia no Alto Puruse no Juruá não estavam claramente definidas. Por tratar-se de território desabitado e sem maiores atrativos, ninguém se interessou por ele até a valorização do látex. Quando, movidos pelos lucros d; borracha, os bolivianos chegaram ao vale do rio Acre, encontraram a região ocupada por exploradores brasileiros. Objetivando tomar posse da re- gião, o governo boliviano, em i899, ali estabeleceu uma alfândega, que foi destruída pelos brasileiros. Estava criado o conflito. Em julho do mesmo ano, um aventureiro espanhol, Luís Galvez, proclamou a República Independente do Acre, ato publicitário planejado pelos seringalistas locais ·para chamar a atenção do governo brasileiro. 0- novo Estado durou 'apenas oito meses. O governo do Amazonas, temendo perder os lucros da borracha, financiou outra ação, em fms de 1900. A "Expedição dos Poetas", formada por intelectuais de Manaus e aventureiros, foi derrotada pelos bolivianos. Reconhecendo que não conseguiria assegurar seu do- mínio na região, em 1901 a Bolívia arrendou o território a um conglomerado anglo-norte-americano interessado na indústria da gomífera, o Bolivian Syndicate. A transação não agradou aos acreanos, que se armaram. Seu líder foi Plácido de Castro, jovem agrimensor gaúcho que ali prestava serviços. A luta armada mobilizou seringueiros de toda a região, com vitórias e derrotas de ambos os lados. A Ocupação da Amazônia Enquanto isso, o governo brasileiro tentava encontrar uma saída diplomática para a questão. O resultado foi o Tratado de Petrópolis, assinado em 17 de novembro de 1903, através do qual foi anexada ao Brasil a área que viria a constituir no ano seguinte o Território Federal do Acre. Em troca, á Bolívia receberia a importância de 2 milhões de libras esterlinas e a construção de uma ferrovia, ligando os rios Mamoré e Madeira, permitindo, assim, a saída de seus produtos para o Atlântico. A MadeiJ:"a-Mamoré ou a "ferrovia' dos mortos" Em 1861, surgiu pela primeira vez a idéia de construir uma ferrovia que efetuasse a ligação entre os trechos navegáveis do Mamoré ao Madeira, permitindo a expor- tação, pelo porto de Belém, tanto da borracha boliviana produzida ao longo do Mamoré e do Beni quanto da produção brasileira do rio Guaporé. A construção começou em 1872', sendo interrompida pouco depois. As obras foram reiniciadãs em 1879 por uma firma norte-americana que, depois de um ano, faliu, abandonando a região. A área por onde deveriam passar os quase 400 quilômetros de trilhos era tremendamente inóspita, além de habitada por índios hostis. Em 1883, a Bolívia havia perdido, na Guerra do Pacífico, sua saída para o mar. Esse fato deve ter in- fluenciado os bolivianos a trocar o Território do Acre pela construção da ferrovia, cujas obras recomeçaram em 1907, com um capital de 11 milhões, de dólares, sob a direção de outra firma norte-americana. 49 so Embora tivesse ocorrido um grande avanço na enge- nharia, no período que separa o fracasso anterior da retomada das obras, as condições locais continuaram as mesmas. Além de nordestinos, trabalharam nas obras antilhanos, barbadianos, gregos, portugueses, indianos, es- panhóis, italianos, entre outros. Mesmo havendo recursos frnanceiros, os trabalhos só terminaram em 1912. Algumas fontes estimam em 30 mil o número de vítimas das doenças locais (disenteria, tifo e malária, principalmente) durante a construção. A tradição popular costuma dizer que cada dormente instalado custou uma vida, talvez sob influência das dificuldades encontradas no trecho pantanoso do rio Abunã, onde reinava a malária. A grande ironia da construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré é que, ao ser concluída, o comércio da borracha, que ela deveria beneficiar, iniciava sua decadência. No entanto, graças a ela, surgiram na região duas cidades novas: Guajará-Mirim , às margens do rio Mamoré, na fronteira com a Bolívia, e Porto Velho, no Madeira, capital do atual Estado de Rondônia. A ferrovia, que levou 50 anos para ficar pronta, teve pouco menos de meio século de vida útil. Foi completamente desativada,restando atualmente um trecho de 15 quilômetros entre Porto Velho e Santo Antônio, uma espécie de museu ferroviário. Em Guajará-Mirim, a estação,' sem trilhos, é testemunha da ferrovia-fantasma que a selva voltou a ocupar. to) Arana: um império de sangue A exploração da borracha alimentou uma estrutura social de profunda desigualdade, continuação do sistema ,\ Ocupação da Amazônia escrávagista colonial. Não faltam na Amazônia exemplos verídicos de violência e espoliação . .o caso Arana merece ser destacado, não apenas pela barbáIiie que envolve, mas principalmente pela repercussão que teve na época. Júlio César Arana era o sócio majoritário e diretor peruano de uma empresa com escritório em Londres e diretores ingleses. Explorava borracha em cerca de 520 mil quilô- metros quadrados, às margens do Putumaio, região dis- putada pelo Peru e a Colômbia. A questão veio à luz através de denúncias dos americanos Hardenburg e Perkins, que visitaram a região em 1907. Em 1909, o jornal londrino The Truth publica pela primeira vez as denúncias de Hardenburg. Nos domínios de Arana, segundo ele, os índios Huitoto eram mantidos nus e não recebiam pagamento por seu trabalho; as mulheres eram roubadas e obrigadas a viver com os capatazes; era comum esses indígenas serem vendidos em Iquitos. Recebiam duros castigos:' açoites que deixavam os ossos descobertos; partes do corpo cortadas, como orelhas, braços, pernas, dedos e testículos; eram crucifi- cados de cabeça para baixo. As crianças, às vezes, tinham a cabeça esmagada em troncos de árvores na presença das mães. Capatazes bêbados costumavam praticar tiro ao alvo nos nativos. Quando os velhos já não tinham forças para trabalhar, eram executados. Aldeias inteiras eram queimadas com seus habitantes. As denúncias causaram consternação e, em 1910, os diretores ingleses da companhia resolveram enviar uma comissão de inquérito para a região. Fazia parte dela o cônsul-geral da Inglaterra nó Brasil, Roger Casement, cujo relatório, após a visita à região, confirmou as acusações.'.• 51 52 Londres pressionou Lima, mas, ao voltar à região para fiscalizar o processo de punição dos culpados, Casement constatou que a situação pouco mudara. Em 1912, publi- cou-se o relatório de Casement com todos os seus horríveis detalhes, como forma de forçar o governo peruano a tomar providências. As repercussões foram imediatas. O papa recomendou aos bispos da América que protegessem os índios. A indústria alemã boicotou a borracha da região. Os peruanos criaram, então, um serviço de proteção aos indígenas. As ações da: empresa caíram, levando-a à falência. A provi- dência fmal, todavia, foi tomada ainda em 1912: uma comissão parlamentar investigou os arquivos da companhia, confirmando uma vez mais as denúncias. Arana foi con- siderado responsável pelas atrocidades. Os diretores in- gleses, embora inocentados, foram censurados por ter manchado o bom nome da Inglaterra com sua omissão. Nessa época, contudo, o fantasma da decadência já baixara suas asas sobre a Amazônia, relegada ao esquecimento. A decadência , Em 1876, um aventureiro inglês, Henry Wickham, mandou cerca de 70 mil sementes da Hevea brasiliensis para o jardim botânico de Kew, na Inglaterra, onde parte delas brotou. Enviadas ao Ceilão (atual Sri Lanka) , acli- mataram-se perfeitamente, sendo espalhadas por todo o Sudeste Asiático. Anos depois, 10 milhões de árvores estavam em plena produção na Malásia. As seringueiras cultivadas eram muito mais produtivas que as nativas. Plantadas simetricamente, as árvores ocupavam pouco A Ocupação da Amazônia espaço, facilitando a colheita. Aos cinco ou seis anos de idade, já podiam ser riscadas todos os dias, produzindo o precioso líquido. O ano-chave da produção foi 1910, quando o preço no mercado internacional havia alcançado a mais alta cifra até então: 15 mil-réis o quilo, tendo o Brasil exportado o equivalente a 50% da produção mundial. No ano seguinte, a cotação começou a baixar, despencando para três mil-réis o quilo em 1918. A produção brasileira, pouco competitiva, principiou a cair. Em 1926, já equivalia a apenas 5% do mercado. O volume de borracha cultivada, que em 1910 era de 8 mil toneladas, subiu para 360 mil toneladas em 1920. As falências começaram em 1913. Todo o sistema econômico da Amazônia ruiu. As grandes companhias que fiavam os seringalistas quiseram executar suas dívidas. A maioria deles ficou na miséria. O valor dos imóveis baixou assustadoramente. As fumas que escaparam da falência fecharam as portas e partiram. Embora o governo federal, já em 1912, tentasse uma operação salvamento com o Plano de Defesa da Borracha, os resultados foram insatisfat6rios. Tanto as iniciativas estaduais como as federais falharam. A fome atacou a região. Os barcos pararam de correr. Muitos dos migrantes voltaram para suas terras, deixando atrás de si um território que voltou à letargia de meio século antes. Rondon e os índios Durante a exploração da borracha, apenas os indígenas de regiões distantes em que não havia seringueiras pude- 53 54 ram livrar-se da invasão de suas terras e da conseqüente aculturação. As regiões mais atingidas foram o Solimões, onde os Tucuna foram engajados na extração do látex, perdendo a liberdade. O mesmo ocorreu no Xingu, onde os Juruna que quiseram escapar tiveram de subir o rio, para além das cachoeiras. Nesse mesmo rio foram extintos os Tucunyapé, os Shipaya e os Curuaya. No início da exploração gomífera, não havia brancos na região do Juruá-Purus, habitada por várias tribos dos grupos Pano, Aruaque e Catuquina: todas desapareceram física ou cul- turalmente. Também ao longo dos rios Madeira-Guapo- ré-Mamoré poucos índios sobreviveram. Escaparam os nativos do Alto Xingu, protegidos pelas cachoeiras e pelas chapadas. Os rios Trombetas e Jari, onde viviam os Tiriyó, Kachuyana, Ewarhoyana, Wayana e Aparaí, também ficaram livres, pela inexistência de seringueiras. Em outras regiões ao norte do Amazonas também não houve penetração: são as áreas ocupadas pelos Waimiri-Atroari e os Yanomami. Só mais recente- mente os "civilizados" chegaram a essas terras. Pela política indigenista da época, os índios deveriam, em nome do "progresso", ser integrados às sociedades locais. A situação só conhece uma nova orientação graças à ação de Rondon. Com a importância econômica assumida pela Amazônia, o governo brasileiro pensou em tirá-Ia do isolamento, ligando com linhas telegráficas o Mato Grosso ao Acre e ao Amazonas. Para esse trabalho, foi escolhido o marechal Cândido Rondon, que, entre 1907 e 1917, construiu 2.270 quilômetros de linhas telegráficas. A maioria delas passava por territórios nunca pisados pelos brancos, habitados por vários grupos indígenas, e Rondon, ao contrário do que se fazia na época, protegeu-os. A Ocupação da Amazônia De sua ação, cujo lema era "Morrer se preciso for, matar nunca", surgiu a nova forma de encarar a questão indígena. Em conseqüência, foi criado o Serviço de Pro- teção ao Índio (SPI), em -1910, que defendia uma política de respeito ao nativo e a seu território. Em 1967, o SPI transformou-se na Funai, que, apesar de todos os problemas enfrentados, pressionada pela sociedade civil, antropólogos ou missionários, _tem procurado respeitar a diversidade cultural do índio. I' A POLÍTICA DE INTEGRAÇÃO NACIONAL "Primeiro, aqui era só índio. (...) Passaram três luas, veio o brasileiro: máquina, trator, caminhão, derrubaram muito pau, botaram fogo e começou: capim, capim, capim, vaca, vaca, fazenda, arame, arame..," Um índio Nambiquara Castanha-do-pará e garimpo A decadência da borracha permitiu que se canalizasse a infra-estrutura já existente para a coleta da castanha- do-pará (Bertholletia excelsa), cuja exportação teve uma fabulosa expansão no início deste século. A principal zona em que se concentram os castanhais nativos, o . Médio Tocantins, teve, em conseqüência, grande impulso econômico: Marabá, centro dessa região, tornou-se a se- gunda cidade do Pará. O sistema econômico da extração de castanhatambém é o aviamento. O exportador financia o comerciante local, que, por sua vez, financia os coletores. O desmatamento dos últimos anos, porém, está ameaçando as florestas naturais de castanheiras. Também no Médio Tocantins, surgiu, nos anos 40, uma atividade complementar à coleta da castanha: a garimpagem de diamantes. A partir de Marabá, houve surtos localizados que precipitaram a ocupação dos vales do Tocantins e do Araguaia. Dada a grande extensão da Amazônia, com suas ca- racterísticas bem diversificadas, os garimpos brotam in- cessantemente. O ouro, por exemplo, desde a época dos bandeirantes, vem sendo explorado em várias localidades de Rondônia, Roraima, Mato Grosso, Amapá, Pará ou Tocantins, São extrações com técnica primitiva, seguindo o sistema de aviamento. Um patrão fornece as ferramentas e a alimentação, recebendo de 50 a 60% dos lucros. O mercúrio, utilizado cada vez mais na extração de ouro, representa um grave dano ao ecossistema local. 57 A criação de gado Várias regiões amazônicas desenvolvem a pecuária des- de tempos remotos. A mais tradicional delas é a ilha de Marajó, onde a criação de gado é uma herança dos 58 missionários. Durante todo o período colonial e até os anos 40 deste século, a ilha teve a maior concentração de gado da Amazônia. O sistema de criação extensiva, com pastagens naturais, sofre com os alagamentos.' No período das chuvas, o gado tem de ser transportado para as zonas altas, causando vários transtornos. Para resolver esse problema, no início".deste século foram introduzidos . búfalos 'do Sudeste Asiático, animais que suportam melhor os alagamentos. Outra zona tradicional de criação de gado são os campos que atualmente compõem o Estado de Tocantins. Resultado da expansão das criações baianas que aí che- garam após passar pelo Maranhão, essa atividade existe desde a Colônia. Com o crescimento de Marabá, a região tornou-se um importante centro consumidor, aumentando o rebanho do Tocantins. A partir dos anos 60, no entanto, surgem' em torno de Marabá condições para o desenvol- vimento de uma pecuária com pastagens artificiais (co- lonião, jaraguá e napier). Os pastos, ocupando áreas onde foi derrubada a mata, são cercados. As raças são apuradas, normalmente importadas do Triângulo Mineiro. A região tornou-se auto-suficiente, além de exportar o excedente para Belém. Mais recentemente, o gado tem sido introduzido quase em toda a região amazônica. É a política da colonização .no "pé do boi", desenvolvida, nos últimos 30 anos, por empresários rurais vindos do Sul do país. A transformação das florestas em pastagens artificiais tem originado sérios problemas. Latifúndios de criação de gado ocupam áreas onde antes havia matas, causando o desequilíbrio ecológico e sérios conflitos sociais em grandes extensões do Acre, A Ocupação da Amazônia Rondônia, norte do Mato Grosso e ao longo da rodovia Belém-Brasília. A produção, no entanto, é baixa e,' mesmo com grandes áreas destinadas à pecuária, a Ama- zônia segue importando, principalmente do Sudeste, boa parte da carne que consome e praticamente todos os derivados do leite. A colonização na época de Vargas A partir dós anos 20, para encorajar a ocupação e garantir uma atividade econômica estável, foram feitas várias concessões de terras, principalmente a empresários ou imigrantes estrangeiros. Desses megaprojetos de colonização, ficou famoso o de Henry Ford, que, em 1926, comprou do governo paraense uma área de 2 milhões e meio de hectares, com isenção de impostos, para cultivar seringueiras, pretendendo produzir ali 40 mil toneladas anuais de borracha. O fracasso da colônia, localizada às margens do Tapajós, em Fordlândia e Belterra, foi atribuído por Ford à presença de fungos que destruíam as folhas das árvores. Na rea- lidade, deveu-se à imperícia de derrubar a floresta natural, rompendo o equilíbrio ecológico, o que ocasiona mudanças nas condições. do solo e do clima. Em 1944, Ford abandonou o projeto, amargando um imenso prejuízo. A experiência agrícola dos imigrantes japoneses costuma ser citada como um dos poucos exemplos bem-sucedidos na Amazônia. A partir de 1929, os nipônicos começaram 59 60 Antônio R. Esteves. a fixar-se em vários pontos. Tomé-Açu, no Pará, tomou-se o assentamento mais importante. Depois de sofrer durante vários anos até adaptar-se à região, os colonos conseguiram aclimatar uma espécie de pimenta-do-reino indiana. Tomé- Açu ficou famosa em todo' o país graças à produção de 'pimenta, transformando-se no terceiro município em receita no Estado. De Torné-Açu, as plantações de pimenta se espalharam por todo o Pará e outros Estados da região, como Amapá, Rondônia, Maranhão e Mato Grosso. O Pará ainda é responsável por 95% da produção nacional desse produto, importante item na lista de exportações. A crise econômica atual, entretanto, fez com que, só em 1990, 3 mil pessoas abandonassem Tomé-Açu. Os japoneses do Pará, reunidos em cooperativas, cultivam, ainda, vários tipos de frutas. Em 1938, os nipônicos introduziram. a juta na região. Os caboclos aprenderam as técnicas da produção' dessa fibra, hoje cultivada nas várzeas do Amazonas, desde Santarém (PA) até Manacapuru (AM). Quando visitou Manaus, em 1940, Getúlio Vargas sugeriu que a região deveria engajar-se no movimento de reconstrução nacional. Foram criados vários órgãos en- carregados de fomentar o progresso local, fortalecer sua economia e melhorar as condições de vida de seus ha- bitantes. Com a II Guerra Mundial, as plantações de borracha do Sudeste Asiático foram ocupadas pelos japoneses, interrompendo o fornecimento dessa matéria-prima para os aliados. Pressionado pelos norte-americanos, Vargas promoveu, então, uma verdadeira cruzada para a exploração da goma na' Amazônia. Foi a chamada "Batalha da A Ocupação da Amazônia Borracha", que internou nas florestas, entre 1942 e 1945, milhares de trabalhadores. Muitos perderam a vida devido às penúrias da selva. Tudo isso, porém, não serviu para elevar a produção aos níveis de 1912. Em 1941, era de 10.700 toneladas, passando a 21.100 toneladas em 1944 e 18.900 em 1945. D&!,ois da euforia inicial, a produção voltou a cair e a exploração foi praticamente abandonada. Outro ato de Vargas, tentando reorganizar o espaço político e econômico da região, foi a criação, em 1943, de três territórios federais: Guaporé (atual Rondônia), Rio Branco (atual Roraima) e Amapá. Em 1953, definiu-se a Amazônia Legal e foi criado o Plano de Valorização Econômica da Amazônia, destinando-lhe 3% da renda nacional. Essa foi a primeira tentativa de organizar e dirigir a economia local, mas os resultados ficaram muito aquém do planejado, porque já havia muitos problemas a resolver e pouco dinheiro. Ainda na década de 50, houve a criação de dois institutos que tiveram grande importância para os estudos amazônicos. Em 1952, surgia o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), com sede em Manaus. Em 1954, o INPA assumiu a responsabilidade adminis- trativa e científica do Museu Paraense Emílio Goeldi, de Belém, fundado em 1891 por Emílio Goeldi, e desde então tradicional centro de estudos da região. As estradas A construção da rodovia ligando Belém a Brasília, iniciada em 1958 e concluída no mesmo ano da inauguração 61 62 Antônio R. Esteves da. nova Capital Federal, é o marco de um novo período de ocupação da Amazônia. Essa estrada, que terminou de ser asfaltada somente em 1973, numa extensão de ' quase 2 mil quilômetros, contribuiu para ampliar o fluxo de migração em direção à região. Tentava-se resolver dois problemas de uma só vez: dllJ2ocupação aos desem- pregados do Nordeste e colonizar a Amazônia. Ao longo de suas margens, formaram-se noyos agrupamentos urba- nos, ao mesmo tempo que se abriam para a agricultura largas faixas de terreno até então inacessíveis. Em 1970, lançava-se oficialmente o Programa de In- tegração Nacional. Eram dezenas de programas encarre- gados de efetivar a estratégia dos governos militares para o desenvolvimento da Amazônia; A finalidade principal
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