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FILOSOFIA GERAL E JURÍDICA
Cássio Vinícius Steiner de Sousa
Direito Natural
 	Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:
· Apontar as principais características do Direito Natural.
· Relacionar a doutrina tradicional do Direito Natural com o jusnaturalismo.
· Traçar um paralelo entre o Direito Natural e a racionalidade.
Introdução
A disputa acerca da existência do Direito Natural constitui um dos grandes temas de reflexão filosófica sobre Direito, pois é impossível responder a questões centrais como, por exemplo, “o que é o Direito?”, “qual é a origem do Direito?” e “qual é o fundamento de validade das normas jurídicas?”, sem se posicionar em relação à questão “existe o Direito Natural?”. Nesse contexto, ter uma noção clara do que significa o Direito Natural e das diversas acepções dadas no curso da história da filosofia do Direito é fundamental para que possamos compreender o que o Direito foi, o que ele é e o que ele pode ser.
Neste capítulo, você vai aprender sobre o Direito Natural e o jusna- turalismo, as suas principais vertentes ao longo da história da filosofia e as suas características definidoras.
Direito Natural e o jusnaturalismo
A distinção entre Direito Natural e Direito Positivo surge a proposto de um dos debates mais importantes de filosofia do Direito: o debate sobre as fontes do Direito. No seu cerne está a questão sobre qual é a origem ou o fundamento de validade das normas jurídicas. Em suma, os seres humanos se organizam em sociedades, que, por sua vez, dependem de uma série de normas de con- vivência. Tais normas são positivadas por aqueles que possuem legitimidade para legislar. Assim, dado que o ordenamento jurídico é composto por um
conjunto de normas positivadas pelo legislador, há ou não outro Direito que, por ser de ordem hierarquicamente superior, garanta e assegure a validade da legislação positiva?
Quanto a isso, existem duas respostas possíveis: sim ou não. De modo simplificado, dizer sim para a questão sobre um Direito de ordem superior ao Direito Positivo é o mesmo que estar comprometido com a posição jus- naturalista, ao passo que responder tal questionamento de modo negativo é equivalente a adotar ou bem uma posição juspositivista ou bem uma posição historicista.
Aqueles que defendem o jusnaturalismo adotam uma postura dualista, pois, de um lado, pressupõem a dicotomia entre lei positiva e uma lei de outra ordem — geralmente identificada como Direito Natural — e, de outro lado, tal lei é superior e o fundamento mesmo da validade da lei positiva. Assim, além do conjunto de normas que compõe o ordenamento jurídico de um dado Estado, há um Direito superior que não depende especificamente de positivação estatal e que garante, em alguma medida, a força normativa do ordenamento jurídico.
Já aqueles que defendem o juspositivismo adotam uma posição monista com relação ao Direito. Isto é, na medida que não existe um Direito de ordem superior, o Direito não poderia e sequer precisaria buscar a sua validade em uma lei de tal ordem. Assim, há uma identificação entre as fontes do Direito e a própria norma positivada pelo legislador, não havendo espaço ou necessidade para se pensar em Direito de ordem superior.
Por fim, outro modo de recusar o dualismo jurídico sem recorrer ao jus- positivismo vem da posição conhecida como historicismo. Para tal posição, o Direito Positivo é fruto do contexto social, político e histórico de determi- nado Estado, não sendo possível encontrar algo que seja superior e perene que possa receber o título de Direito Natural. Assim, a validade jurídica não estaria fundamentada em um Direito Natural acima do Direito Positivo, mas no contexto histórico que engendra um certo ordenamento jurídico.
Deixando a posição juspositivista e o historicismo de lado para concentrar nossos esforços em esclarecer melhor a posição jusnaturalista, é importante que você saiba que, embora a defesa de tal posição tenha sido uma constante ao longo da história da filosofia do Direito até o final do período moderno, houve grande variação e flutuação na consideração da origem do Direito Natural, pois cada período histórico postulou um candidato distinto para ocupar o papel de fonte última do Direito Natural. Quanto a isso, a tradição interpretativa do tema classifica três grandes vertentes de jusnaturalismo (Quadro 1).
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)
	Jusnaturalismo
	Período histórico
	Antiguidade Clássica
	Idade Média
	Período Moderno
	Fonte do Direito Natural
	Cosmológica
	Teológica
	Antropológica
	Via de acesso ao Direito Natural
	Razão
	Fé
	Razão
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)Vejamos como cada uma identifica a origem do Direito Natural, bem como o período histórico de cada uma.
Jusnaturalismo cosmológico. O jusnaturalismo cosmológico foi típico da Antiguidade Clássica. Tal concepção de Direito Natural o identifica com a ordem natural do cosmos. Isto é, a origem do Direito Natural repousa sob um conjunto de leis universais, eternas e imutáveis que são constitutivas da própria realidade. Quanto a isso, é importante que você saiba que tal ordem possui uma espécie de razão universal (logos) da qual a própria natureza humana participa, de modo que seria possível apreender o Direito Natural por meio de uma inspeção racional da natureza dos homens. Além disso, essa ordem natural não poderia ser equivalente às leis positivadas pelo Estado, pois, além de serem de ordem superior, também confeririam o critério de validade das normas postas pelos legisladores.
Jusnaturalismo teológico. O jusnaturalismo teológico foi preponderante na Idade Média. Na base de tal concepção do Direito Natural está a figura de Deus. Nesse contexto, é fundamental destacar não apenas a importância da Igreja Católica como mediadora desse Direito de ordem superior como tam- bém o papel preponderante da fé como via de acesso às revelações bíblicas e aos dogmas do cristianismo. Assim, enquanto o jusnaturalismo cosmológico considera que a razão é a principal via de acesso ao Direito Natural, o jusna- turalismo teológico vincula a questão do acesso ao Direito de ordem superior com a fé. Tal passagem se justifica basicamente em função da ideia de que a natureza do homem é essencialmente impura, imperfeita e pecadora, pois se a natureza humana é marcada pelo pecado original, então não será nela que encontraremos o critério último de validação das normas. Além disso,
em função da característica sobrevalorização da fé ante a razão, típica do período medieval, nada mais compreensível do que entender que a fé é a via de acesso do conhecimento dos desígnios divinos que constituem a essência do Direito Natural.
Jusnaturalismo antropológico/racional. O jusnaturalismo antropológico ou racional surgiu com força na Idade Moderna. Na base de tal concepção do Direito Natural está a figura do homem e da faculdade da razão. Nesse contexto, é possível traçar um paralelo entre tal espécie de jusnaturalismo e o cosmológico, com base na via de acesso ao Direito Natural, pois, diferen- temente do jusnaturalismo teológico, que recorre à fé como guia do Direito Natural, tanto o jusnaturalismo cosmológico quanto o antropológico valem-se da razão como caminho para o conhecimento dos Direitos de ordem superior.
Definição de Direito Natural
Embora cada uma das vertentes do Direito Natural surgidas ao longo da história da filosofia do Direito possua marcas distintivas, todas compartilham uma série de características. Em função de tais características compartilha- das é possível definir a essência do Direito Natural por contraste ao Direito Positivo. A distinção entre o Direito Positivo e um Direito de ordem superior é tão antiga quanto os próprios mitos gregos. Se tomamos como referência a tragédia grega Antígona, escrita pelo poeta Sófocles (497 a.C.–406 a.C.), percebemos que o próprio desenrolar da trama depende da dicotomia entre dois Direitosde ordens distintas.
Antígona, que tem mais três irmãos — Etéocles, Ismênia e Polinice —, é filha de Édipo e Jocasta. Por sua vez, Édipo, que era o rei de Tebas até descobrir que Jocasta, além da sua esposa, também era a sua própria mãe, fura os olhos e se exila. Após a decisão de que Etéocles seria o novo rei de Tebas, Polinice se revolta e alia-se ao rei de Argos para tomar o trono à força. Depois de uma série de eventos, Etéocles e Polinice acabam matando um ao outro em um duelo pelo trono. O tio Creonte, descendente de uma longa linhagem de regentes de Tebas, assume o trono e ordena que Etéocles seja enterrado com todas as pompas de um rei e proíbe que Polinice seja enterrado — estipulando a pena de morte para algum eventual transgressor. Antígona considera que enterrar o irmão é um dever do qual ela, enquanto familiar, não pode se eximir. Em função disso, ela se vê obrigada a enterrar o irmão, a despeito da lei criada por Creonte.
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Fonte:
 
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(2013).
)
Dito isso, torna-se possível compreender que o conflito entre lei natural de ordem superior e lei humana serve tanto como pano de fundo do embate entre Antígona e Creonte quanto como o dilema trágico de Antígona, pois enquanto Antígona representa o dever dos homens de cumprir as obrigações naturais, isto é, o dever de ter que enterrar os familiares, Creonte representa a lei dos homens e o poder de legislar inclusive contra os costumes e as obrigações naturais dos familiares. Além disso, Antígona é colocada na posição ingrata de escolher entre morrer pela lei dos homens, mas ser absolvida pela lei divina, ou viver marcada pela desonra, ao descumprir os desígnios da lei da natureza. E se é verdade que a história acaba — como já era de se esperar — em tragédia para todos os envolvidos, o próprio debate que ela suscita vai muito além do destino infeliz dos seus personagens.
Tendo a tragédia em mente, é possível definir o Direito Natural com base
nas seguintes características:
Superior — Além de o Direito Natural ser de ordem distinta do Direito Positivo, ele é superior. Isto é, além haver uma espécie de hierarquia entre o Direito Natural e o Direito Positivo, o Direito Natural é hierarquicamente superior ao Direito Positivo. Em função disso, em caso de conflito entre ambos, o Direito Natural sempre prevalecerá. Se tomamos o caso da tragédia como exemplo, o Direito de enterrar os familiares seria superior ao Direito do legislador
de proibir que os familiares sejam enterrados. Assim, dada a superioridade hierárquica de um Direito sobre o outro, a própria lei positiva que contraria a lei — rigorosamente falando — sequer pode ser considerada lei, pois é inválida. Tal característica comparece à sua maneira nas três formulações do jusnaturalismo apresentadas na sessão anterior. No caso do jusnaturalismo cosmológico, o Direito Natural é superior ao Direito Positivo por se derivar diretamente da ordem natural do cosmos da qual o ser humano é uma parte. No caso do jusnaturalismo teológico, a origem divina é suficiente para considerá-lo superior ao Direito Positivo. Por fim, o jusnaturalismo antropológico defende a superioridade do Direito Natural sobre o Direito Positivo em função por se derivar do uso da reta razão.
Incondicionado — Diferentemente do Direito Positivo, que, por ser hierarqui- camente inferior, deve estar em conformidade com o Direito Natural, o Direito Natural não está condicionado ou se subordina a qualquer outro Direito. Pois não existe Direito que esteja acima do Direito Natural. Assim, se o Direito a enterrar os familiares é uma lei natural, então, na medida em que tal Direito não exige qualquer fundamento ulterior, ele é algo válido por si mesmo. Do mesmo modo que a característica anterior, todas as formulações de jusnaturalismo da sessão anterior assumem que o Direito Natural é incondicionado, seja por fazer parte do cosmos, dos desígnios divinos ou da reta razão.
Universal — Dizer que o Direito Natural é universal significa que ele é o mesmo para todos os indivíduos e todos os povos. Assim, enquanto o Direito Positivo pode vir a ser, em alguma medida, diferente em cada Estado, o Di- reito Natural tem validade universal. Nesse caso, se retornamos novamente ao exemplo de Antígona e é dado que o Direito de enterrar os familiares é de ordem natural, por seu caráter universal ele possui validade para todo e qualquer Estado. No que tange à característica da universalidade no contexto das vertentes de jusnaturalismo, embora postulem origens distintas para o Direito Natural, todas compartilham da ideia de que ele vale para todos os seres.
Imutável/eterno — O Direito Natural é sempre o mesmo, independentemente de tempo e do lugar. Assim, diferentemente do conjunto de leis positivas de um Estado, que podem variar e ser alteradas com o passar dos tempos, as leis naturais são invariavelmente sempre as mesmas. No caso do Direito de enterrar os familiares, além de ser hierarquicamente superior e universalmente válido, ele também seria imemorial e eterno. A noção de imutabilidade ou eternidade do Direito Natural é evidente em todas as formulações do jusnaturalismo.
Pois dado que o cosmos, os desígnios divinos e a razão humana não mudam, o Direito Natural também não pode mudar.
Subentendido — Enquanto as leis positivas precisam ser formalmente expres- sas para que possam gerar Direitos ou obrigações, as leis do Direito Natural não dependem de qualquer formalização. Disso resulta a ideia de que ainda que não sejam escritas, a lei natural confere Direitos ou impõe obrigações ainda que de modo tácito. Assim, mesmo que não haja previsão legal ou mesmo que a lei positivada negue o Direito de enterrar os familiares, por ser superior e estar subentendido, isso não impede que tal Direito seja exercido.
Do mesmo modo como todas as características anteriores, a ideia de que o Direito Natural é subentendido encontra respaldo em todas as formulações da posição jusnaturalista apresentadas anteriormente.
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uma espécie de núcleo duro que deve ser observado por todo e qualquer ordena-
 
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Direito Natural e racionalidade
Se é verdade que a posição jusnaturalista — com suas variações — reinou soberana entre filósofos e juristas por mais de dois mil anos, isso não significa que ela não tenha sido severamente criticada por juspositivistas e historicistas, sobretudo no século passado. Em função de tais críticas, é possível dizer que inclusive perdeu tanto espaço que, no período contemporâneo que antecede a Segunda Guerra Mundial, chegou a ser considerada uma concepção filosófica absolutamente ultrapassada acerca do Direito. Porém, a despeito das críticas, é inegável que o jusnaturalismo tem um apelo um tantoquanto intuitivo e de fácil compreensão, pois, se o ordenamento jurídico Positivo precisa
fundamentar a sua validade em algo e existe um Direito de ordem superior, universal e imutável, nada mais apropriado do que fundamentar o Direito Positivo no Direito Natural.
Isso fica ainda mais evidente quando nos atentamos para a correlação entre o Direito Natural e a racionalidade humana, sobretudo nas vertentes do jusnaturalismo cosmológico e antropológico. Nesse contexto, Paulo Nader (2012, p. 193) afirma:
O homem, ser eminentemente racional, sonda a razão de ser das coisas, não se submetendo passivamente a qualquer ordenamento. Procura-se o fundamento ético das leis e das decisões. O espírito crítico apela para a busca de orientação, de referência, na ordem natural das coisas. O Direito, como instrumento de promoção da sociedade, há de estar adequado à razão, há de se apresentar em conformidade com a natureza humana.
Assim, o Direito Natural de origem racional serve tanto como um critério norteador que orienta a construção do Direito Positivo quanto para fundamentar a própria validade das leis. Na base de tal consideração está certa a correlação entre a noção de Direito Natural e a de bem comum, pois, se tomamos por referência o jusnaturalismo antropológico e a tese segundo a qual o Direito Natural se origina da razão humana, de um ponto de vista puramente formal, é possível extrair a ideia de que o ordenamento jurídico deve visar ao bem comum.
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Vinculado à questão da racionalidade e do bem comum, outra consideração que fortalece a ideia jusnaturalista de que há um Direito Natural consiste em uma série de aspectos materiais compartilhados pelos mais diversos orde- namentos jurídicos. Quanto a isso, Paulo Nader (2012, p. 193) afirma que:
[...] quando o filósofo chega à conclusão de que nem tudo é contingente e variável no Direito e que alguns Direitos pertencem aos homens por sua condição de humano, alcança-se a ideia do Direito Natural, que deve ser a grande fonte a ser consultada pelo legislador.
Assim, se existe uma espécie de núcleo duro do Direito que todo e qualquer ordenamento jurídico deve observar, sob pena de restar ilegítimo, e é possí- vel acessá-lo via investigação da própria razão humana, não é nada forçado identificar isso com o Direito Natural. Quanto a isso, você poderia estar se perguntando qual seria o conteúdo que constitui o núcleo duro do ordenamento jurídico que é característico do Direito Natural.
Um caminho para responder tal questionamento vem daquilo que — em função da nossa própria natureza — tomamos como fundamental para a realização do bem comum. Quanto a isso, Paulo Nader apresenta uma corre- lação entre o Direito Natural e princípios muito gerais da razão nitidamente aplicáveis ao Direito como a preservação da vida e a liberdade:
A natureza humana, de modo geral, é apontada pelos jusnaturalistas como selecionadora dos fins humanos e fonte do Direito Natural [...]. Pensamos que a natureza humana se define pela gama de instintos comuns aos seres racionais, como o da preservação da vida, da liberdade. A observação revela-nos que a generalidade das pessoas tem ânsia de liberdade e que sem esta não é capaz de se realizar nos planos físico e espiritual. Em consequência, a liberdade é valor fundamental à espécie humana e se erige em princípio básico do Direito Natural (NADER, 2012, p. 193–4).
Com efeito, torna-se possível compreender que o ordenamento jurídico Positivo deve contemplar uma série de “valores fundamentais da espécie humana” e que tais valores, segundo a tradição jusnaturalista, são originados do Direito Natural. Entre eles, além do Direito à vida e do Direito à liberdade, também poderíamos considerar o Direito à igualdade de oportunidade para a realização do bem indivi- dual. Em suma, tudo aquilo que — no limite — justificaria a própria razão de ser de um ordenamento jurídico que tem como objetivo a promoção do bem comum.
Tópicos de Direito Natural
Em função das características do Direito Natural, é muito comum que o Direito
Natural seja confundido com duas outras coisas:
· os ditames da moralidade;
· a noção de Direito Costumeiro.
Tendo isso em mente, como é possível distinguir o Direito Natural de tais coisas?
Distinção entre Direito Natural e moral: Embora o Direito Natural e a moral estejam intimamente relacionados, é incorreto dizer que ambos são uma e a mesma coisa. A propósito da diferença entre Direito Natural e moral, Paulo Nader (2012, p. 192) afirma que:
Mais abrangente, a Moral visa à realização do bem, enquanto o Direito Natural se coloca em função de um segmento daquele valor: o resguardo das condi- ções fundamentais da convivência. O homem isolado mantém-se portador de deveres morais sem sujeitar-se aos emanados do Direito Natural, pois estes pressupõem vida coletiva.
Assim, se seguimos a lição de Paulo Nader, torna-se possível compreender que, na base da distinção entre Direito Natural e moral, está, de um lado, a ideia de que o Direito Natural seria a parcela da moral e, de outro lado, que o Direito Natural trata especificamente das relações que envolvam os interesses da coletividade.
Distinção entre Direito Natural e Direito Costumeiro: Embora existam algumas semelhanças entre o Direito Natural e o Direito Costumeiro, isso não é suficiente para considerá-los como sendo uma e a mesma coisa. O que justifica a eventual confusão entre ambos é o fato de que eles são subentendidos e não dependem de qualquer formalização. Além disso, ambos não são gerados em função das determinações do Estado. Porém, enquanto o Direito Costumeiro às vezes é dito natural, por ser uma manifestação que surge espontaneamente do fato de os homens se agruparem para viver em sociedade, o Direito Natural constitui a própria essência da natureza racional do homem.
A propósito de tal diferença crucial entre ambos, Paulo Nader (2012, p.
192) afirma que:
[...] o Direito Costumeiro tende a ser uma expressão do natural que existe no homem e na sociedade, enquanto o Direito Natural não é uma tendência do natural que existe no homem, mas a própria expressão da natureza humana e não resulta do modus vivendi da sociedade.
Nesse sentido, na medida em que o Direito Costumeiro surge apenas como uma consequência da vida em sociedade, ele está sujeito a uma série
de variações acidentais e dependentes do tempo e do espaço. Já o Direito Natural, por ser algo que existe por si mesmo e independentemente de tempo e espaço, é algo universal, eterno e imutável.
Como dito anteriormente, a ideia de que existe um Direito Natural sofreu duras críticas pelas tradições juspositivista e histórica. Com base nelas, a própria tese jusnaturalista, que foi predominantepor quase toda história da filosofia, acabou sendo relegada ao esquecimento no período contemporâneo. Apenas com o advento da Segunda Guerra Mundial encontramos certo movimento, ainda que tímido, de retorno ao jusnaturalismo clássico.
Gilmar Antônio Bedin (2014, p. 250), no artigo “A doutrina jusnaturalista ou do Direito Natural: uma introdução”, sumariza as três principais críticas ao jusnaturalismo do seguinte modo:
a) falta clareza na sua proposta, pois um de seus elementos fundamentais (natureza) é plurívoco, não possuindo densidade semântica suficiente para ser objetivamente analisado;
b) a expressão Direito não possui os três elementos definidores deste fenômeno (caráter Positivo da coação, determinabilidade semântica de suas prescrições e suporte político estatal para sua efetividade);
c) seu ideal e justiça é sempre relativo, pois deveria ser igual para todos os povos e em todas as épocas, o que não tem sido possível de ser objetivamente demostrado.
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