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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ Núcleo de Referência em Ciências Ambientais do Trópico Ecotonal do Nordeste (TROPEN) Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA) CURSO DE MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE (MDMA) Subprograma PRODEMA/TROPEN/PRPPG/UFPI EPISTEMOLOGIA AMBIENTAL NA FORMAÇÃO DA GESTÃO AMBIENTAL MARA ÁGUIDA PORFÍRIO MOURA TERESINA – PI 2009 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ Núcleo de Referência em Ciências Ambientais do Trópico Ecotonal do Nordeste (TROPEN) Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA) Curso de Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente (MDMA) MARA ÁGUIDA PORFÍRIO MOURA EPISTEMOLOGIA AMBIENTAL NA FORMAÇÃO DA GESTÃO AMBIENTAL Dissertação para defesa pública do Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal do Piauí (PRODEMA/UFPI/TROPEN), como requisito para a obtenção do título de mestra em Desenvolvimento e Meio Ambiente. Área de concentração: Desenvolvimento do Trópico Ecotonal do Nordeste. Linha de Pesquisa: Políticas de Desenvolvimento e Meio-Ambiente. Orientador: Prof. Dr. Gerson A. de Araújo Neto TERESINA – PI 2009 M 929e MOURA, Mara Águida Porfírio Epistemologia ambiental na formação da gestão ambiental./ Mara Águida Porfírio Moura. Teresina: 2009. 82fls. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambi- ente) UFPI. 1. Gestão ambiental. 2. Epistemologia. I. Titulo. C.D.D - 574.52 MARA ÁGUIDA PORFÍRIO MOURA EPISTEMOLOGIA DO SABER AMBIENTAL NA FORMAÇÃO DA GESTÃO AMBIENTAL Parte da dissertação a ser apresentada à banca de qualificação do Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal do Piauí (PRODEMA/UFPI/TROPEN), como requisito parcial à obtenção do título de mestra em Desenvolvimento e Meio Ambiente. Área de concentração: Desenvolvimento do Trópico Ecotonal do Nordeste. Linha de Pesquisa: Políticas de Desenvolvimento e Meio-Ambiente. Teresina (PI), 03 de abril de 2009. ____________________________________________________ Prof Dr. Gerson Albuquerque de Araújo Neto Universidade Federal do Piauí (PRODEMA/UFPI) _____________________________________________________ Prof Dr Carlos Hiroo Saito Universidade de Brasília (CDS/UNB) ____________________________________________________ Prof Dr José Machado Moita Neto Universidade Federal do Piauí (PRODEMA/UFPI) DEDICATÓRIA Ao meu querido Paulo Moura, pelo amor, compreensão e apoio que sempre dedicou às nossas vidas. À minha filha, Mayara Águida, companheira e amiga, cuidando da minha saúde, quando as surpresas da vida me abateram. Ao meu filho, Lucas Henrique, pela sua dedicação e incentivo sendo, na reta final de digitação, meus braços para a conclusão deste trabalho. A todos os familiares, por ser a família, o grande elo que move a humanidade; A Deus, que me iluminou, sempre estando presente na vida de todos nós. AGRADECIMENTOS À Universidade Federal do Piauí, através do Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA-TROPEN-UFPI), pela oportunidade de aprimorar-nos profissionalmente; Ao Profº Dr: Gerson Albuquerque de Araújo Neto, pelo apoio e por sua orientação segura e paciente; Aos professores da banca de qualificação, pela análise criteriosa que fizeram sobre o meu trabalho, pelas críticas e sugestões; Aos servidores do TROPEN, pela dedicação, em especial à Dona Maridete, pela sua forma amiga, fraterna e dedicada de nos orientar para o sucesso de todos dos trabalhos solicitados; Aos professores do TROPEN, especialmente àqueles que ministraram disciplinas no curso de Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente; Aos colegas mestrandos, pelo companheirismo e solidariedade durante a realização do mestrado; A todos que contribuíram, de forma direta e indireta, para a realização deste trabalho. RESUMO Este trabalho analisa a importância da epistemologia ambiental na formação da gestão ambiental, identificando a relevância da educação ambiental com base no desenvolvimento sustentável, e aborda a necessidade de se promover a práxis científica da gestão ambiental sobre o enfoque epistemológico, que se constitui em uma área do conhecimento de abrangência interdisciplinar devido à complexidade das questões ambientais. O presente trabalho é constituído pelas abordagens epistemológicas de Piaget, Bachelard, Foucault e Morin, tendo ainda as contribuições de Leff sobre a racionalidade ambiental. Destaca as definições e propósitos da educação ambiental, tendo como base norteadora o desenvolvimento sustentável, demandando uma visão interdisciplinar que emerge a partir da reflexão que não procura eleger a melhor epistemologia, mas propiciar subsídios em torno do caráter complexo das abordagens epistemológicas que, na contemporaneidade, se revigoram sob o prisma de um espírito científico transformador e transformado. Para tanto, utilizaremos como método de investigação a pesquisa bibliográfica exploratória que possibilita o estudo sobre um problema ou questões de pesquisa quando há pouco ou nenhum estudo anterior, em que possamos buscar informações sobre a questão ou o problema. Constatamos neste trabalho uma discussão epistemológica, que fundamente a gestão ambiental, sendo capaz de estruturar essa área do conhecimento ambiental, servindo como instrumento transformador de um processo de mudança sobre os problemas ambientais. Palavras-chave: Epistemologia. Interdisciplinaridade. Gestão Ambiental ABSTRACT This work analyzes the importance of environmental epistemology in the formation of environmental management, identifying the relevance of environmental education based on sustainable development, approaching the necessity to promote the scientific praxis of environmental administration, on the epistemological focus, which is constituted in an area of interdisciplinary inclusion knowledge due to the complexity of the environmental subjects. This paper is constituted of Piaget’s, Bachelard’s, Foucault’s, and Morin’s epistemological approaches; it also has Left’s approaches on environmental rationality. It approaches the definitions and purposes of environmental education, having sustainable development as a guiding basis, demanding an interdisciplinary view that emerges from the reflection that does not try to choose the best epistemology, but to propitiate subsidies around the complex character of the epistemological approaches that are, in contemporary times, reinvigorated under the prism of a transforming and transformed scientific spirit. This paper will use exploratory bibliographical research as investigation method, which makes study on a problem or research subjects possible, when there is little or no previous study where we can look for information on the subject or problem. The purpose of this paper comes from the epistemological discussion that bases environmental administration, being capable to structure that area of environmental knowledge, serving as a transforming instrument of a change process about environmental problems. Key words: Epistemology; Interdisciplinary; Environmental management. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................8 2 VISÃO HISTÓRICA EPISTEMOLÓGICA .................................................................... 12 3 CONSTRUÇÕES EPISTEMOLÓGICAS AMBIENTAL .............................................. 18 3.1 EPISTEMOLOGIA GENÉTICA ................................................................................... 19 3.2 EPISTEMOLOGIA HISTÓRICA DE BACHELARD .................................................. 21 3.3 EPISTEMOLOGIA ARQUEOLÓGICA DO SABER DE FOUCAULT ...................... 25 3.4 EPISTEMOLOGIA DA COMPLEXIDADE DE MORIN ............................................ 29 3.5 EPISTEMOLOGIA AMBIENTAL ................................................................................ 33 3.5.1 A visão de Leff sobre a epistemologia ambiental.................................................... 33 3.5.2 Epistemologia Ambiental ........................................................................................ 39 4 EDUCAÇÃO AMBIENTAL .............................................................................................. 43 4.1 UMA VISÃO SOBRE A EDUCAÇÃO AMBIENTAL ................................................ 43 4.2 EDUCAÇÃO AMBIENTAL: contextos e normatização ............................................... 48 5 GESTÃO AMBIENTAL ..................................................................................................... 53 5.1 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ................................................................... 53 5.2 GESTÃO AMBIENTAL: um saber em construção ....................................................... 56 5.3 EPISTEMOLOGIA AMBIENTAL NA FORMAÇÃO DA GESTÃO AMBIENTAL . 62 6 CONCLUSÕES .................................................................................................................... 70 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 72 8 1 INTRODUÇÃO A humanidade ao longo de sua evolução tem desenvolvido uma força modificadora chamada conhecimento, que é uma relação que se estabelece entre o sujeito e o objeto. Pelo conhecimento, o homem desenvolveu diversas áreas de abordagem, estabelecendo uma classificação entre as complexidades deste, organizando em níveis que identificaram o grau de penetração do conhecimento e sua eficácia com a realidade do sujeito. Nesse sentido, a tentativa de identificar ou explicar possíveis integrações e dicotomias entre os saberes diversos não é novidade nos espaços acadêmicos. Discutir o que venha a ser conhecimento na perspectiva epistemológica nos remete uma reflexão profunda sobre a construção desse conhecimento. Os conceitos e divisões da epistemologia, além de uma etimologia que remete aos gregos, parecem imprimir maior grau de dificuldade ao tema. Ao analisar a problemática ambiental, numa perspectiva epistemológica, essa dificuldade de abordagem torna-se um dos principais incentivos para tentarmos revigorar a discussão em torno da epistemologia. A problemática ambiental revela-se atualmente sobre o enfoque de uma crise do conhecimento amplamente disseminado, que aponta para recolocação de conceitos oriundos da necessidade de uma estrutura com base definida epistemologicamente. Nesse sentido, observamos a necessidade de aprofundamento de estudos que contemplem a visão epistemológica na amplitude ambiental, através de contribuições que foram sendo desenvolvidas ao longo da história do conhecimento científico e que se constituem em saberes que moldam os novos paradigmas socioambientais. O presente trabalho de pesquisa fundamenta-se nessa abordagem, buscando identificar as bases da epistemologia ambiental necessárias para a formação da gestão ambiental, cuja abordagem concentra várias áreas do conhecimento que necessitam de uma reflexão mais completa e profunda, para que se possamos atuar conscientemente frente às questões ambientais. Essa problemática demanda uma visão interdisciplinar que emerge a partir de reflexões que não procura eleger a melhor epistemologia, mas proporcionar subsídios para novas discussões em torno do caráter complexo das epistemologias que, na contemporaneidade, se revigoram sob a égide de um espírito científico transformado e transformador. Esse espírito científico norteia os novos paradigmas dentro dos processos que trata da questão ambiental, proporcionando uma reflexão ampla em torno dos fatores que 9 historicamente contribuíram para a produção de uma cultura que pretende, a todo custo, o domínio sobre a natureza. Tal reflexão deve ser crítica em relação às epistemologias que propagam a cisão entre o homem e a natureza. Nesse intuito, devemos abordar a epistemologia como epistemologia no sentido científico e disciplinar, partindo de uma breve menção às suas origens e etimologia, que proporciona uma discussão sobre a sua necessidade, características e objetivos, sem a pretensão de esgotarmos o assunto e, muito menos, de tomarmos como conclusão uma epistemologia específica como a melhor, tendo em vista que a epistemologia ambiental é constituída pelo conjunto de intercessões de abordagens científicas que buscam responder a questionamentos e a necessidades humanas decorrentes do uso errôneo dos recursos naturais. Essa intercessão do conhecimento se constitui por um conjunto de novas necessidades dentro da problemática ambiental. Uma dessas vertentes do conhecimento que vem sendo estruturado nos últimos anos é a gestão ambiental, que tem como propósito o uso de práticas que garantam o exercício das atividades sócio-econômico-ambiental, buscando a minimização de impactos e o uso correto dos recursos naturais frente a um processo de desenvolvimento sustentável. A gestão ambiental vem sendo tratada dentro das áreas do conhecimento de forma muito tecnicista, não sendo a visão epistemológica ambiental base de reflexão para sua estruturação. A discussão aqui apresentada remete-se a uma análise sobre a formação epistemológica em resposta a necessidade humana e que, quando tratada de forma isolada, não vislumbra uma abrangência interdisciplinar. Este trabalho discute a relevância das epistemologias, para que possamos dar respostas, contemplando uma ciência em expansão interdisciplinar e metodológica, bem como apresentando outras dimensões que possibilitem ou intensifiquem o diálogo entre os saberes/conhecimentos no bojo da problemática socioambiental. Assim, este estudo estrutura- se, no primeiro momento pela formatação de uma reflexão sobre os aspectos históricos epistemológicos de forma abrangente, sem definições específicas, nem modelos dominadores, mas constituída pela visão de vários cientistas e filósofos que permeiam diversas escolas do conhecimento científico. Nessa etapa, buscamos construir uma reflexão que abrange os questionamentos em torno da epistemologia sobre as quais diversos filósofos e cientistas moldaram abordagens específicas do conhecimento. A epistemologia é a reflexão, o estudo de propósito crítico sobre a ciência construída ou em processo de construção, sendo que o conhecimento é cumulativo e que atende a interesses 10 e valores que se alteram com o tempo. Dessa forma, o objetivo a ser estudado é a “práxis” científica e não o seu produto, ou seja, a epistemologia como função de refletir não sobre a ciência feita, acabada, verdadeira, mas sobre o processo do desenvolvimento científico. Nesse processo de desenvolvimento científico, busca-se, no segundo momento, identificar dentro dos modelos epistemológicos os que são considerados como constituintes da epistemologia ambiental que, a princípio parecem ser antagônicos, mas que, na sua essência, são complementares, estruturando assim a epistemologia ambiental não como mais uma epistemologia, mas sim um resultado interdisciplinardas concepções que a constitui. A concepção da formação da epistemologia ambiental nos remete a uma análise individual, partindo de um discurso sobre como o conhecimento científico desencadeia inúmeras interpretações, desde as epistemologias tradicionais até a epistemologia constituída interdisciplinariamente. A epistemologia ambiental constitui-se de forma interdisciplinar, através das contribuições de grandes filósofos dentro de abordagens atualizadas, dinâmicas, sistêmicas que estruturam os novos preceitos científicos frente aos problemas complexos. A relevância do discurso epistemológico sobre a crise socioambiental fomentando o debate com alternativas concretas de planejamento e gerenciamento do uso do patrimônio natural necessário à aplicabilidade da gestão ambiental. Observamos que essas construções do conhecimento necessitam de abordagens educativas de nossa época, formada pela preocupação em uma reforma de pensamento e de educação, tendo em vista que a amplitude desse processo norteia toda a problemática do conhecimento. Diante desse contexto, este trabalho fundamenta-se no estudo da educação ambiental, que se constitui sobre o prisma da epistemologia ambiental, distanciando-se de aspectos tecnicistas e reducionistas, frutos de práticas pedagógicas de repetição e não de reflexão sobre o conhecimento. Esse fato se deve à necessidade de desenvolvermos uma consciência ambiental reflexiva que almeja um desenvolvimento sustentável, capaz de oportunizar novas propostas epistemológicas ambientais dentro do processo de disseminação do conhecimento científico. Essa difusão do conhecimento se constitui de questionamentos que não visam à formação específica de mais um ramo da educação, mas sim uma reformulação das questões pedagógicos sobre as abordagens ambientais que necessitam de uma atuação inovadora e dinâmica, distanciando-se de práticas obsoletas de adestramento intelectual. O problema não está em novos modelos gerados pela crise de civilização, mas em velhos modelos e práticas 11 de atuação do conhecimento, ou seja, como se pode corrigir ou alterar essas práticas utilizando as mesmas práticas e modelos que geraram? A educação ambiental tem assim seu maior desafio: velhos modelos que impedem uma nova formatação do conhecimento, oriundos dos estreitamentos de abordagens científicas pela hiper-especialização do conhecimento, da não valorização de uma visão interdisciplinar necessária para uma abordagem ampla da temática ambiental. Dentro desse foco, encontra-se o conjunto de abordagens que estruturam o conhecimento da gestão ambiental. Por ter características interdisciplinares, há limitações que moldam um modelo reducionista de aplicação. O momento seguinte deste trabalho constitui-se pela formação de uma análise da abordagem interdisciplinar necessária à gestão ambiental, que se estrutura a partir da epistemologia ambiental, focada pelas contribuições das abordagens epistemológicas de Piaget, Bachelard, Foucault, Morin, Leff. Pelo enfoque do novo pensamento pedagógico, este estudo não se limita a práticas reducionistas indutória e sim a proporcionar discussão sobre práticas inovadoras capazes de avaliar, de forma interdisciplinar, a importância de uma visão epistemológica sobre a gestão ambiental. Este arcabouço de conhecimento à gestão ambiental tem seu marco fundamental a partir do “Relatório de Brundtland”, que concebe a preocupação com o desenvolvimento sustentável. Através das práticas de gestão, busca uma reformulação do processo produtivo, da utilização dos recursos naturais, a partir do comprometimento por um desenvolvimento que garanta às novas gerações tais recursos. Portanto, o presente trabalho não pretende exaurir a argumentação sobre o tema proposto, mas sim de suscitar o debate acadêmico e expor a importância de uma construção acadêmica mais epistemológica sobre a problemática ambiental, necessária para a formação da gestão ambiental. Desta forma, como a epistemologia ambiental se fundamenta para servir de base para a formação teórica da gestão ambiental? 12 2 VISÃO HISTÓRICA EPISTEMOLÓGICA É consensual de que a crise ambiental originada pelo uso indevido dos recursos naturais levou o homem a buscar novas fronteiras do conhecimento, reforçando a necessidade de aprofundamento do conhecimento interdisciplinar importante nas bases de formação do conhecimento ambiental. Nesse campo, a incessante busca humana pelo conhecimento fez com que rompessem barreiras para responder aos questionamentos da problemática ambiental. Tais questionamentos vêm sendo respondidos de forma prática-tecnicista, no qual o fazer é visto como a resposta para tais situações ambientais. A investigação científica busca fortificar a nova concepção a partir de uma reflexão sobre os novos valores na relação entre o homem e a natureza, fazendo surgir uma revolução do conhecimento: a revolução ambiental, que é o resultante da quebra de paradigmas sobre o uso errôneo dos recursos naturais. Ao longo da história, os recursos naturais vêm sendo alocados como apêndices de todo um processo de evolução sócio-econômico. A importância do tema proposto para investigação científica possibilita a análise da viabilidade de uma maior compreensão sobre os aspectos epistemológicos inseridos na gestão ambiental. Nesse sentido, faz-se necessária uma nova postura frente às necessidades de respostas aos questionamentos ambientais que adentrem em áreas do conhecimento nas quais a visão reducionista não consegue suprir tais lacunas. Esses questionamentos devem buscar um meio de reflexão do qual seja possível a inserção de métodos reflexivos dos saberes que consistem em um conjunto de conhecimentos capazes, de forma conciliatória entre a ciência e a filosofia, responder a tais problemáticas ambientais. A abordagem epistemológica nos remete a essa investigação científica, que se origina desde o seu aparecimento e etimologia, como destaca Carrilho; Ságua, (1991), até o momento em que foi considerada disciplina científica, conforme apud Blanché, (1983) e Japiassu, (1986). Dentro do contexto histórico, muitos foram às abordagens na quais filósofos e cientistas se embasaram. Pe. Cavalcante em seu livro: “Epistemologia e Epistemologias” (1979, p. 20-24), destaca que a história da epistemologia aborda três direções marcantes: A primeira é, tipicamente, filosófica. Isto significa que a epistemologia é uma parte da filosofia, seja ela confundida com a gnosiologia, ou a lógica, ou a criteriologia; seja ela apenas uma parte da teoria do conhecimento. 13 A segunda direção impressa à conceituação de epistemologia e isso só acontece, com certo afã, nos tempos contemporâneos, é a de encará-la como uma disciplina puramente científica. Neste caso, ela não teria envolvimento com a filosofia. Poderíamos dizer que a epistemologia seria, assim, uma metaciência, enquanto ciência da ciência. A terceira direção dos epistemólogos seria uma conjunção conciliatória, que entrariam à ciência e a filosofia. Com efeito, para resolver problemas da ciência chamada experimental, seja ela humana ou natural, é necessário que a própria ciência forneça os dados e alguns elementos de soluções encontradas no próprio desenrolar-se da ciência. Por outro lado, objetivamente, esse estudo exigirá algumas respostas mais profundas e é natural que recorra à filosofia, que também é ciência, mas ciência baseada na especulação e que procura os princípios dos seus objetivos estudados. Na perspectiva histórica do conhecimento, a epistemologia se molda dentro das problemáticas de cada período, não sendo possível estabelecer um marco inicial desta, tendo assim uma vasta contribuição teórica que aponta diversas definições, bem como as origens sobre a ciência e a filosofiana abordagem epistemológica. Entre essas definições, destacamos a do Pe. Cavalcante, (1979, p. 25), afirmando que: “a ciência é a fonte fornecedora dos problemas a serem estudados pela epistemologia e muitas das soluções devem ser procuradas e encontradas na própria ciência”. Na concepção de Blanché, (1983, p. 9); a epistemologia significa a teoria das ciências e não se trata de uma palavra muito antiga. Este autor teórico, enfatiza que trata de um conjunto de abstrações que tenta explicar a realidade. Aponta que surgiu a epistemologia, por volta de 1906, nos dicionários “franceses”, mas enfatiza que, no século XIX, já havia obras tratando do tema. Segundo Japiassu, (1979, p. 24); a epistemologia significa “discurso” (logo) sobre a ciência (episteme) surgida no século XIX. O discurso gera toda uma indagação sobre o fato a ser explicado, originado pela nova concepção dos paradigmas de investigação epistemológica. Para Santos (2005, p 17), a reflexão epistemológica “moderna” originou-se, enquanto filosofia, no “[...] século XVII e atinge um dos seus pontos altos em fins do século XIX, ou seja, no período que acompanha a emergência e a consolidação da sociedade industrial e assiste no desenvolvimento espetacular da ciência e da técnica”. Nesse sentido, observamos que não existe um consenso sobre a origem da epistemologia, mas sim a temporalidade de filósofos que a classificam de acordo com o foco de abordagem pertinente frente às interpretações científicas da época. 14 Considera os autores, que a epistemologia é um meio de investigação da ciência que busca, através de métodos reflexivos dos saberes, um conjunto de conhecimentos capazes de atender à problemática originada pelos novos paradigmas, entre eles o de caráter ambiental. Bunge (1980 p. 104) enfatiza que o campo epistemológico emergiu para o pensamento contemporâneo, a partir de meados do século XX. Para ele, a epistemologia, ou “filosofia da ciência”, “[...] é o ramo da filosofia que estuda a investigação científica e seu produto, o conhecimento científico”. Considerando a epistemologia como importante componente (ramo) da filosofia (árvore), Pe. Cavalcante (1979, p. 27), aborda que a epistemologia, no sentido bem amplo do termo, pode ser considerada como o estudo metódico e reflexivo do saber, da organização, da formação, do desenvolvimento, do funcionamento e de seus produtos intelectuais. Para ele, o saber se apresenta como um conjunto de conhecimentos que respondem aos questionamentos e problemáticas, fomentando a formação intelectual do indivíduo frente aos limites de abordagem. A epistemologia consiste em um processo de reflexão, com o propósito crítico sobre a ciência construída ou em processo de construção, sendo o conhecimento cumulativo e atende a interesses e valores que se modificam com as novas necessidades. Atualmente, a epistemologia não se interessa em discutir a verdade da ciência, conceito que perdeu o sentido pela necessidade de uma maior abrangência do conhecimento, mas a gênese, a formação e a estruturação de cada ciência e os processos históricos de validação que aparecem. Nesse sentido, o estudo epistemológico está relacionado a uma reflexão crítica que permite a descoberta e a análise de “[...] problemas tais como eles se colocam ou se omitem se resolvem ou desaparecem, na prática efetiva dos cientistas”, (JAPIASSU 1979. p. 119). Com efeito, o objetivo a ser estudado é a “práxis” científica e não o seu produto, ou seja, a epistemologia tem como função refletir não sobre a “ciência feita, acabada, verdadeira”, mas sobre o processo de desenvolvimento científico. Por estar relacionada ao campo de desenvolvimento científico, a epistemologia não pode ter uma conceitualização única, linear, estática, enquadrada em um campo do conhecimento específico, ou vinculada a uma disciplina isolada, pois uma de suas principais características como abordagem científica é a interdisciplinaridade. A epistemologia, ao longo do desenvolvimento científico, foi-se dividindo por áreas de conhecimento, que refletiam a necessidade de explicação de pontos específicos capazes de nortear, ou muitas vezes, moldar as bases do conhecimento limitado. Essa construção foi sendo originada por escolas, abordagens, enfoques que, muitas vezes, buscaram de forma 15 simplória responder a problemáticas específicas. Assim, pela contribuição de vários epistemólogos que integram as diversas escolas, podemos destacar: epistemologia científica: estuda os processos cognitivos; epistemologia conscienciológica: aborda os paradigmas consciências; epistemologia evolucionária: aborda ao processo de evolução genética; teoria dos genes, seleção natural do mais apto; epistemologia filosófica: relaciona o conhecimento verdadeiro com as crenças; epistemologia genética: trata das propostas apresentadas por Jean Piaget; epistemologia geral: reflete-se nos conhecimentos científicos em geral; epistemologia especial: refere-se aos conhecimentos peculiares de cada ciência. Todas essas abordagens epistemológicas têm como missão científica e específica de definir área do conhecimento. Estas abordagens epistemológicas não foram abolidas do seu contexto de abrangência, mas foram, ao longo de evolução, apresentando-se incompletas ou muitas vezes, estáticas dentro da grandeza que é a complexidade de interpretação do conhecimento. Dentro do contexto atual destas contribuições epistemológicas podemos enfatizar a apresentada por Japiassu (1979, p.10-11), norteada por três agrupamentos epistemológicos: Epistemologia Global: trata do saber globalmente considerado, com a virtualidade e os problemas do conjunto de uma organização, quer seja especulativa, quer seja científica; Epistemologia Particular: leva em consideração um campo particular do saber, quer seja especulativo, quer seja científico; Epistemologia Específica: é considerada uma disciplina intelectualmente constituída em unidade bem definida do saber e de estudá-la de modo próximo detalhado e técnico, mostrando sua organização, seu funcionamento e as possíveis relações que elas mantêm com as demais disciplinas. Esta classificação de Japiassu nos leva a refletir sobre a necessidade de uma segmentação epistemológica, que busca identificar o modo de abordagem, o contexto do objeto e do observador e as especificidades do objeto acrescido da interpretação do observar, sendo os principais aspectos condicionantes as diferentes abordagens epistemológicas. Nesse aspecto, as transformações do contexto científico são compreendidas como um conjunto de eventos em múltiplas relações. Cabe às epistemologias a identificação desses conjuntos de eventos científicos, ao mesmo tempo, únicos e múltiplos. Esta complexidade faz com que a compreensão sobre as fronteiras do conhecimento busquem não apenas explicar, 16 mas entender a necessidade do desenvolvimento humano frente aos problemas que se fundamentam nas mais diversas áreas do conhecimento. Dentro dessa concepção, as abordagens são transformadas de acordo com os contextos relacionais e com a parcialidade observacional. Por essa razão, as questões de conhecimento, com suas diversas concepções sempre estiveram influenciadas por teses de ordem epistemológicas, seja de maneira explícita ou não. A noção de epistemologia dentro dos novos paradigmas da relação dicotômica homem/natureza justifica-se na exata medida em que, na atualidade, a abordagem do conhecimento tem sido mais tecnicista e reducionista, ou seja, a simplificação excessiva daquilo que é objeto de estudo, não sendo os aspectos filosófico-científicos valorizados. Somente um conhecimento básico das principais questões epistemológicas e metodológicas pode oferecer aos interessados em qualquer ciência uma visão ampla e fundamental do sentido, alcance, limite e validade da investigação, suas técnicas, procedimentos eaplicações. A ausência epistemológica e metodológica que sustente uma técnica de investigação pode representar apenas um confuso conjunto de procedimentos cuja opção de uso recai na escolha aleatória exclusiva de quem opta por este tipo de procedimento e que serve para poucos. De forma consensual, vários autores apontam que estudar epistemologia tem o sentido de ir além das aparências, da falsa ilusão da objetividade, da busca e obtenção do conhecimento válido, neutro e verdadeiro. Objetivam desmistificar a existência de monopólio da ciência sobre o conhecimento, mostrando que existem outras formas de conhecimento também válido. Este monopólio da ciência apresenta-se pelo longo tempo reducionista, tecnicista e fragmentado do conhecimento científico, no qual muitos autores enfatizam que o surgimento de tendências epistemológicas alternativas aos modelos tradicionais se deve, principalmente, aos questionamentos de Thomas Kunh, sobre a objetividade e racionalidade da ciência, por uma via, e as teorias Frankfurtianas enfatizando os aspectos ideológicos conservadores presentes nestes paradigmas, por outros. As teorias Frankfurtianas originaram-se pela iniciativa de um grupo de filósofo e cientistas sociais alemães que fundaram o Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt, em 1923, com o objetivo de proceder a um exame crítico da sociedade em geral, abandonando os aspectos econômicos, culturais e da produção do conhecimento, partindo de uma perspectiva marxista renovada sem ficar preso ao historicismo ou ao materialismo. 17 Kunh, físico americano, considerado um dos filósofos da ciência mais conhecidos e influentes, na obra: “A Estrutura da Revolução Científica”, 1962, desencadeou uma desafiadora alteração na filosofia da ciência tradicional, inaugurando um discurso inovador, que privilegia os aspectos históricos e sociológicos na análise da prática científica, e desvalorizando os aspectos lógico metodológicos, que se encontravam nos discursos epistemológicos da época. Para o autor, o conhecimento científico é construído a partir de uma descontinuidade, de uma ruptura epistemológica com os saberes que o precedem. A ruptura epistemológica é uma abordagem que busca contrapor-se à noção de linearidade do conhecimento científico. Observa que o processo de construção do conhecimento científico se estabelece a partir de rupturas e revoluções de pensamentos como é o caso da crise ambiental propagada pela cisão epistemológica entre homem e natureza. Dessa maneira, o diálogo entre as abordagens epistemológicas faz-se necessário na medida em que há uma complexidade da formação teórica ambiental, conforme norteiam as tendências em torno da epistemologia genética de Piaget; da epistemologia histórica de Bachelard; da epistemologia arqueológica de Foucault; da epistemologia da complexidade de Morin e da epistemologia da racionalidade ambiental de Leff. Todas elas abordam o processo de identificação das rupturas epistemológicas, dando início à formulação de novos paradigmas que originaram as bases de fundamentação para a complexidade ambiental. Esta necessita de uma articulação dialética entre os saberes, numa relação constante de vigilância crítica científica. Não podemos então, entender essas articulações como meros processos desvinculados de sua compreensão filosófico-científica, sendo esta uma ponte entre os saberes. O problema ambiental emerge como um novo desafio do conhecimento que busca incessantemente por resultados dogmatistas, criando a “cegueira” e norteando a “tecnicidade”, o que desencadeia um obstáculo epistemológico que extrapola as condições de domínio da racionalidade teórico-científica. Devido às barreiras ambientais e sociais que surgem deste processo global e da ausência epistemológica crítica reavaliativa, a ciência é abordada atualmente. As ciências ambientais ainda reclamam pela ótica epistemológica, uma vez que as revoluções e/ou rupturas que ocorreram até o momento, na visão de Rhode (1996), postulam a epistemologia como uma verdadeira metadisciplina dentro das ciências formais. Portanto, é oportuna uma verificação sobre o conhecimento, sobre o saber, sobre a ciência e sobre o pensamento de forma geral e específica, buscando, ao mesmo tempo, fundamentar a complexidade da epistemologia com abordagem ambiental. 18 3 CONSTRUÇÕES EPISTEMOLÓGICAS AMBIENTAL As discussões sobre como o conhecimento científico se desenvolve desencadeiam inúmeras interpretações. Quando estudamos a evolução histórica do conhecimento científico, é necessário explorarmos criticamente os principais aspectos que delineiam cada pensamento na ciência, com o intuito de proporcionar na pesquisa não apenas uma visão cronológica, mas também filosófica da pesquisa científica de cada corrente da época. É notório que o pensamento científico, a partir do século XVI até o início do século XVIII, valoriza o utilitarismo, o conceito pragmático dos conhecimentos, sem dar relevância às características dos objetivos, balizando a prática dos cientistas durante esta etapa histórica. Sobre a percepção atual, esta visão é antagônica tendo em vista que a preocupação com o conhecimento científico não busca apenas responder a questionamentos ou lacunas dele, mas sim a atender às áreas do conhecimento sobre o prisma de uma reflexão metodológico- científica contínua, dinâmica e inovadora. A nova percepção epistemológica, apresentada pela filósofa Ayn Rand, considera que “A epistemologia é a ciência devotada a descobrir quais são os métodos adequados para a aquisição e a validação do conhecimento”. Dentro desses métodos de aquisição e validação do conhecimento, encontram-se as abordagens epistemológicas tradicionalmente filosóficas. Os grandes filósofos foram teóricos do conhecimento, construíram teorias do conhecimento, visando aos diversos tipos de saber e suas origens: razão, imaginação, experiências. De certa forma, estiveram relacionado ao progresso das ciências. Partindo do pressuposto de que somente através de uma visão epistemológica associada a diversas áreas do conhecimento, podemos interpretar os conhecimentos passados, historicamente, posicionando-os como reflexão sobre as ciências, sobre o que fazem, como se constroem e, principalmente, numa abordagem pedagógica. Portanto, é através da epistemologia que a história das ciências ambientais permite discernir os conhecimentos científicos superados e fomentar os conhecimentos científicos atuais frentes às novas necessidades socioambientais. A epistemologia ambiental fundamenta-se nas contribuições de grandes filósofos dentro de abordagens atualizadas, inovadoras, dinâmicas e sistêmicas, que estruturam os novos preceitos científicos, diante de problemática complexa, apontando a relevância do discurso epistemológico sobre a crise sócio-ambiental, buscando fomentar o debate sobre alternativas concretas de planejamento e gestão do uso que fazemos do patrimônio natural. 19 Do ponto de vista científico, é interessante notar que os conceitos sobre o planejamento e a gestão do patrimônio natural norteiam a busca permanente da qualidade ambiental, a qual através de uma formação epistemológica, possa dar suporte ao processo de aprimoramento constante aos conhecimentos da gestão com abordagem ambiental, ou seja, a gestão ambiental. Nesse sentido, através de uma discussão epistemológica, esta dissertação busca fundamentar as bases necessárias para formação da gestão ambiental sobre o foco de filósofos e cientistas que desenvolveram múltiplas visões do conhecimento. 3.1 EPISTEMOLOGIA GENÉTICA Formado em biologia, Jean Piaget foi uma dos primeiros estudiosos a pesquisar cientificamente como o conhecimento era formado na mente de um pesquisador, tomando aqui a palavra pesquisador o seu sentido mais amplo. Suas teorias buscavam explicar como se desenvolve a inteligêncianos seres humanos. Para Piaget, como destacam inúmeros autores, o mundo real e a concepção das relações de causalidade são constituídos na mente. As informações recebidas através da percepção são transformadas em conceitos ou construções organizadas em estruturas coerentes. É através dela que a pessoa passa a perceber ou entender o mundo exterior. A realidade consiste numa reconstituição feita através de processos mentais sobre os fenômenos do mundo, que foram percebidos pelos sentidos da percepção em construção. Toda esta fundamentação estrutura o processo de observação que estabelece as bases de sua teoria, chamada por Piaget de “Epistemologia Genética”, descrita em uma de suas obras: “O nascimento da inteligência na criança” (1982), na qual aborda que: As relações entre o sujeito e o seu meio consistem numa interação radical, de modo tal que a consciência não começa pelo conhecimento dos objetos nem pelo das atitudes do sujeito, mas por um estado diferenciado; e é desse estudo que derivam dois movimentos complementares, um de incorporação das coisas ao sujeito, e o outro de acomodação às próprias coisas. (PIAGET,1982, p. 24) Pe. Cavalcante (1979, p.200) afirma que a epistemologia, para Piaget, é um estudo analítico da formação dos verdadeiros conhecimentos, o que significa que é o estudo do desenvolvimento do conhecimento humano desde sua origem até o conhecimento científico propriamente dito. 20 Outro autor que também contribuiu para o estudo do conhecimento a respeito da mente humana foi Lev Vygotsky, formado em direito, história e filosofia na universidade de Moscou. De ideologia marxista, buscou desenvolver uma psicologia com essas características, cuja teoria tem como foco o desenvolvimento do indivíduo como resultante de um processo sócio-histórico, enfatizando o papel da linguagem nesse desenvolvimento. É considerada uma teoria histórico-social centrada na aquisição do conhecimento pela “interação” do sujeito com o meio. Para Vygotsky, o homem é um ser social, formado dentro de um ambiente cultural, historicamente definido e é justamente nesse ponto que sua teoria se diferencia da teoria de Piaget. Para Vygotsky, a interação é o mecanismo central, enquanto que, para Piaget, a construção do conhecimento humano acontece pela assimilação e acomodação frente à interação. Para Piaget, a construção do conhecimento na mente humana se fundamenta pela idéia de “equilibração” e “desequilibração”. Tal processo tem início quando uma pessoa entra em contato com um novo conhecimento, ocorrendo assim uma desequilibração e originando a necessidade de voltar à equilibração. O processo de reestruturação do conhecimento origina- se com a assimilação dos novos elementos com a incorporação às estruturas já esquematizadas, através da interação. Nesse sentido, ocorre uma mudança no sujeito e tem início o processo de acomodação. Tanto Piaget como Vygotsky tiveram grandes contribuições a respeito do conhecimento humano. Piaget enfatiza os aspectos estruturais e as leis de caráter universal (de origem biológica) do desenvolvimento, enquanto Vygotsky destaca as contribuições da cultura, da interação social e a dimensão histórica do desenvolvimento mental. Dentro desse contexto, ambos são construtivistas em suas concepções do conhecimento intelectual, ou seja, sustentam que a inteligência é constituída através das relações recíprocas do homem com o meio. Nesse sentido, para a formação epistemológica de gestão ambiental, será enfatizada a epistemologia genética, que se fundamenta pela fusão das teorias (interação, assimilação e acomodação) existentes, por não acreditar que todo conhecimento seja, a priori, inerente ao próprio sujeito, nem que o conhecimento provenha totalmente das observações do meio que o cerca (empirismo); de acordo com suas teorias, o conhecimento, em qualquer nível, é gerado através de uma interação radical do sujeito com seu meio, a partir de estruturas previamente existentes no sujeito. Um dos motivos que levou Piaget a desenvolver sua teoria era dar uma fundamentação teórica, baseada em uma investigação científica, à forma de como se “constrói” o 21 conhecimento no ser humano. Para o autor, a epistemologia genética e o construtivismo não são uma nova metodologia pedagógica. Trata do construtivismo como uma forma de conceber o conhecimento: sua gênese e seu desenvolvimento. É, por conseqüência, um novo modo de ver o universo, a vida e o mundo das relações sociais. O construtivismo é uma teoria epistemológica; tal afirmação se justifica pelo fato de que foi concebido como uma forma de explicar a realidade da produção do conhecimento, mais precisamente do conhecimento científico. Partindo desse pressuposto, a epistemologia genética é o estudo de como conhecemos o mundo externo através dos próprios sentidos. A concepção epistemológica, como podemos analisar, subverte todas as teorias mais conhecidas sobre o comportamento do ser humano. Na teoria Piagiana, o comportamento dos seres vivos nem é inato, nem é resultado de condicionamento, mas sim construído numa interação entre o organismo, e o meio: quanto mais complexa essa interação, mais inteligente é o indivíduo. Nesse sentido, a inteligência consiste na capacidade individual de acomodação ao meio, o processo cognitivo teria início nos reflexos desenvolvendo-se por estágios até o período formal. Portanto, a epistemologia genética defende que o indivíduo passa por várias etapas de desenvolvimento ao longo da vida. Este processo ocorre através da aprendizagem, manifestada pelo equilíbrio entre a assimilação e a acomodação, resultando em adaptação. Para Piaget, o homem é o ser mais adaptável do mundo. Esse processo revela que nenhum conhecimento chega ao exterior sem sofrer alguma alteração pela nossa parte, ou seja, tudo que aprendemos é influenciado por aquilo que já tínhamos aprendido. Do ponto de vista histórico, pouco enfatizado por Piaget, a abordagem irá fundamentar- se na concepção de Bachelard, que objetivou, em seus trabalhos, a formulação epistemológica das ciências nascentes, fundamentando-se nas principais proposições da filosofia das ciências, através da historicidade da epistemologia. 3.2 EPISTEMOLOGIA HISTÓRICA DE BACHELARD Gaston Bachelard nasceu em Champagne (1884) e faleceu em Paris, França (1962). De origem humilde, foi um filósofo e poeta que estudou sucessivamente as ciências e a filosofia. Seu foco de estudo era, principalmente, as questões referentes à filosofia da ciência. É 22 considerado um dos mais atraentes pensadores contemporâneos é um puro e autêntico epistemólogo. Como afirma Pe. Cavalcante: Ele é tido e havido por muitos como o protótipo da epistemologia, enquanto a sua não é uma epistemologia calcada na gnosiologia, ou melhor, não é uma epistemologia à maneira de um apêndice de aplicação de uma gnosiologia já sistematizada. (CAVALCANTE, 1979, p.176) Considerado como um dos primeiros filósofos a tecer críticas à imagem tradicionalista da ciência, a visão empírico-indutivista. A epistemologia de Bachelard tem todo um cuidado com o mundo científico, numa construção paralela de filosofia e ciência. Adicionou a educação as suas preocupações pela formação do espírito científico a educação. Nesse sentido, preocupado com a desatualização da filosofia em relação à ciência contemporânea, Bachelard busca explorar, em suas idéias, os novos rumos do conhecimento científico e o constante trabalho de reforma presente nesta prática. A obra Bachelardiana encontra-se no contexto da revolução científica promovida no início do século XX (1905), pela teoria da relatividade. Todo o trabalho acadêmico bachelardiano objetivou o estudo do significado epistemológico desta ciência então nascente, procurando dar a esta ciência uma filosofia compatível com a sua novidade. Dentro desse objetivo,formula suas principais proposições para a filosofia das ciências: a historicidade da epistemologia e a relatividade do objeto. Afirma Bachelard (1978, p. 26) que “a nova ciência relativista rompe com as ciências anteriores em termos epistemológicos e a sua metodologia já não pode ser empirista, pois seu objeto encontra-se em relação, e não é mais absoluto”, ou seja, a ciência contemporânea modificou-se e, modificando-se, exigiu novo tratamento. A epistemologia histórica bachelardiana salienta que a ciência se desenvolve por descontinuidades, a mesma concepção é abordada por de Thomas Kuhn. Rompe com o saber cristalizado e sedimentado, envereda por marchas e contramarchas, idas e vindas, descrevendo uma trajetória sinuosa, não linear. Um novo conhecimento sempre se estabelece implicando uma ruptura em estruturas conceitual passadas, de maneira alguma se caracterizando cumulativas. A gestão ambiental se fundamenta nessa concepção, pela ruptura de conhecimentos cristalizados que bloqueiam a inserção de novas abordagens necessárias para disseminação do conhecimento científico. Portanto, o “novo espírito científico” origina-se da descontinuidade, da ruptura com o senso comum, o que significa uma distinção, nesta área da ciência, entre o universo em que se localizam as opiniões, os preceitos, ou seja, o senso comum e o universo das ciências, fato 23 imperceptível nas ciências tradicionais, estruturadas em boa medida nos limiares do empirismo, em que a ciência representava uma continuidade, em termos epistemológicos, com o senso comum. Destaca Bachelard que: O espírito científico é essencial uma retificação do saber, um alargamento dos quadros do conhecimento. Julgar o seu passado condenando-o. A sua estrutura é a consciência dos seus erros históricos. Cientificamente, pensa-se o verdadeiro como retificação histórica de um longo erro, pensa-se a experiência como retificação da ilusão comum e primeira. (BACHELARD, 1996, p.120) Segundo Bachelard, a filosofia das ciências deve progredir conforme os avanços das ciências, realizando constantemente revisões e ajustes em suas concepções. Todo conhecimento é polêmico. Antes de constituir-se, deve destruir as construções passadas e abrir lugar a novas construções. Observamos que tal abordagem remete uma avaliação da percepção construtivista de Piaget, partindo da idéia de “desequilibração”, e buscando a “equilibração”. É este movimento dialético que constitui a tarefa de nova epistemologia (JAPIASSÚ, 1979, p.53). A abordagem bachelardiana enfatiza que “o conhecimento do real é luz que sempre projeta algumas sombras”, o conhecimento empírico é causado de muitos erros, e a constante retificação destes erros é indispensável à formação do espírito científico. Nesse sentido, o permanente processo de construção e desconstrução do saber, o “erro” assume papel fundamental, por ser visto de maneira positiva, componente inerente à ação do conhecer. A constante retificação do erro e do vício do pensamento promove o avanço da ciência. Não podemos denotar ao conceito de erro como sinônimos de fracasso, retrocesso, entrave, mas atribuir a ele uma conotação mais flexível, ou seja, admiti-lo como elemento integrante da evolução e desenvolvimento do espírito científico. Bachelard concebeu a evolução da ciência como um processo dinâmico de interação entre razão e a experiência. O processo científico faz-se através da ruptura epistemológica com o senso comum, com as tradições, com os erros e com os preceitos. A ciência avança com a superação destes obstáculos. Como afirma esse autor (1996, p.123), “razão absoluta e real absoluto são dois conceitos filosoficamente inúteis”. A realidade é que não podemos considerar a ciência independentemente do seu dever. “O conhecimento vulgar tem sempre mais respostas do que perguntas. Tem respostas para tudo”. No entanto, o espírito científico nos proíbe de ter 24 opiniões sobre questões que não compreendemos, sobre questões que não sabemos formular claramente. Antes de tudo é preciso propor o problema. A construção de todo saber deve começar com perguntas, com a busca de uma solução a um problema, ou seja, quando não há questionamentos, não há conhecimento. Dessa forma, o cientista contemporâneo deve buscar superar os obstáculos epistemológicos, pois as rupturas e descontinuidades são características constantes da evolução do pensamento científico. O espírito científico é essencialmente retificação do saber, ampliação dos esquemas do conhecimento. Como afirma Bachelard no livro: “A Formação do Espírito Científico”, 1938, “na ciência não vale por si só, nada é dado, tudo é construído”. O conhecimento científico avança por meio de rupturas epistemológicas sucessivas. É desse modo que ele se aproxima da verdade: “Não encontramos nenhuma solução possível para o problema da verdade se não de ir descartando erros cada vez mais sutis” (BACHELARD, 1996, p. 43) Os obstáculos epistemológicos são idéias que impedem e bloqueiam outras idéias, são hábitos intelectuais cristalizados, a inércia que faz estagnar as culturas, teorias científicas ensinadas como dogmas, os dogmas ideológicos que dominam as diversas ciências. Conforme acentua Bachelard (1996 p.30), “é necessário estar em estado de mobilização continua com relação às armadilhas que deles podem surgir”. Afirma ainda esse autor que são, através dos obstáculos epistemológicos, que se analisam as condições psicológicas do processo científico, enfatizando: ...É ai que mostraremos causas de estagnação e de até de regressão, detectamos causas de inércia às quais daremos o nome de obstáculos epistemológicos [...] o ato de conhecer se dá contra um conhecimento anterior, destruindo conhecimentos mal estabelecidos, superando o que, no próprio espírito, é obstáculo. (BACHELARD, 1996, p.17) Os obstáculos epistemológicos podem ser de ordem diversa: a opinião é uma delas, “a opinião, por direito, está sempre errada. A opinião pensa mal, não pensa, traduz necessidades por conhecimentos. Decifrando os objetos segundo a sua atitude, impede-se de conhecê-los” [ ...] (BACHELARD,1996,p.18). Outra é a falta genuína do sentido do problema, sentido que perde quando a pesquisa se encerra na crosta dos conhecimentos dados como adquiridos e não mais problematização. Ainda podem ser obstáculos epistemológicos as construções da própria natureza humana ou podem ter causas sociais. Aponta Bachelard, que os obstáculos são vícios concernentes ao ato de conhecer que se incrustam no pensamento, e sua permanente 25 superação depende diretamente de uma catarse intelectual e afetiva. Essa catarse torna-se absolutamente necessária se quisermos tornar possível o progresso da ciência. A ciência contemporânea deve estar constantemente alerta às distrações de um espírito desatento e acostumado com a pesquisa rotineira e conservadora. Os obstáculos estão presentes no pensamento científico, revelam os conceitos e noções obscuras firmemente salientadas no espírito científico. Bachelard não deixa de mencionar a relevância das grandes generalizações de construtos teóricos da cultura científica (1996, p. 71), as grandes verdades, definições intocáveis, são comuns em cada ciência, porém tornam-se problemas por serem inquestionáveis, bloqueando idéias. Por esse motivo, os conhecimentos gerais configuram-se obstáculos, sendo responsáveis por manter em estágio de sonolência o saber alheio a revoluções científicas. Dentro desse contexto que aborda Bachelard, é possível antecipar que os obstáculos epistemológicos levantados estão presentes na gestão de um saber ambiental. Analisando esses obstáculos para a epistemologia ambiental, ressaltamos, de modo particular, aqueles que afetam a produção do conhecimento ambiental e que têm conseqüências diretas na educação, pesquisa e aplicação desses conhecimentos para a qualidadede vida da humanidade. A epistemologia ambiental repousa sua base na epistemologia histórica de Bachelard, por fundamentar que tal evolução conceitual científica sobre as necessidades ambientais tem caráter histórico, por distorções conceituais inseridas na formação epistemológica ambiental, obstáculos epistemológicos oriundos do reducionismo, da fragmentação e cisão do conhecimento necessário para formação de tal conhecimento. Serão apontados, posteriormente, os tópicos que afetam diretamente a gestão ambiental. 3.3 EPISTEMOLOGIA ARQUEOLÓGICA DO SABER DE FOUCAULT Michel Foucault (1926-1984) é um dos filósofos modernos mais comentados da nossa época. Suas contribuições epistemológicas estão citadas em sua obra: “Arqueologia do Saber”. O escopo desta obra era fazer uma análise histórica de um conjunto de saberes que acabaram por originar o que hodiernamente chamamos de ciências humanas, ou seja, ele faz uma arqueologia do saber, estudando saberes relevantes para o modo de existência atual das ciências humanas. Na verdade, a epistemologia de Foucault não é propriamente um tratado no sentido comum do termo, é uma epistemologia que nasce da análise histórico-cultural. 26 Ao iniciar seus estudos diacrônicos, ou seja, o desenvolvimento temporal de determinados fatos de caráter cultural, social, etc, observando quanto a sua evolução no tempo, Foucault considera, como denominador comum das suas pesquisas arqueológicas do saber, a “episteme”, não no sentido etimológico da palavra, ou seja, como Ciência. Para Foucault, a episteme tem o sentido mais para a estrutura cultural de uma época; é mais o espírito da cultura de um período histórico, originando um novo sentido ao termo. Destaca, em seu livro: “Les mots e les choses” (As palavras e as coisas), que a “episteme” é um campo ou espaço historicamente situado. Pe. Cavalcante (1979, p.195) descreve que Foucault estuda a episteme de um período histórico, pelo qual descobre todo o caráter cultural e intelectual desse período e, conseqüentemente, a sua estrutura científica. Foucault divide o estudo da episteme em três momentos: a época da renascença (século XVI); a época clássica da ciência (século XVII a XVIII); e a época iniciada com o século XIX até os dias atuais, nos quais encontramos os novos paradigmas da revolução ambiental, fomentada pelas discussões iniciadas em Estocolmo, 1972, e que, nas últimas décadas, vem sendo estruturadas dentro de uma nova percepção da relação do homem com o meio ambiente. Destaca Foucault, em sua análise sobre a abordagem, que a época da Renascença é vista como uma introdução da época clássica e seu estudo não aprofundado. Foucault ressalta a época clássica, que apresentava uma configuração dos saberes deveras distinta da época anterior. Para o filósofo, a grande diferença está na relação da representação e do objeto, ou seja, na época clássica, a estrutura visível dos objetos era priorizada, havendo uma análise das representações e das idéias dos objetos. Nesse período, o que epistemologicamente predomina é a relação a um conhecimento de ordem, como destaca Pe. Cavalcante (1979, p.196). Essa percepção traz à tona a concepção de Bacherlard sobre a historicidade da epistemologia, rompendo com a cristalização das ciências anteriores, em termos epistemológicos, na qual sua metodologia não pode ser considerada empírica, pois seu objeto de estudo encontra-se em relação, e não é mais absoluto. No campo epistemológico, é interessante a abordagem das ciências que Foucault apresentava segundo a sua análise de episteme moderna. Enfatiza que o campo da episteme moderna se desenvolve em um grande espaço de três dimensões: a dimensão das ciências, a linguagem e a reflexão filosófica. Enfatiza Carnap que; 27 Para Foucault, anteriormente a epistemologia moderna, isto é, antes do século XIV, não houve ciências humanas, o que só aconteceu quando houve uma reviravolta na episteme, ou seja, quando, abordando o espaço de representações, os seres vivos se alojaram na profundidade específica da vida, as riquezas num surto progressivo das formas da produção, as palavras no devir das linguagens. (CARNAP, 1975, p.119) Foucault, a partir desse novo sentido epistemológico, apresenta a arqueologia não como um estudo à semelhança da história das idéias que pretende, partindo de um determinado texto, encontrar-lhe filiação teórica e os fundamentos que garantam sua relação. A história para filósofos é uma espécie de grande e vasta continuidade onde vêm se emaranhar a liberdade dos indivíduos e as determinações econômicas e sociais. Foucault recusa este tipo de história quase mitológica da continuidade na qual se emaranham liberdades individuais e causalidades sociais. Em sua obra: “Arqueologia do Saber” (1967), apresenta no primeiro capítulo, os pressupostos teóricos que fundamentam sua arqueologia, tais como a descontinuidade e a noção de arquivo. O conceito de descontinuidade (conceito operatório) é desenvolvido de maneira incisiva. Destaca que uma nova forma de história venha a ser praticada em contraposição à história tradicional e sua ampliação da periodização histórica que isola, na forma de longa-duração, grandes continuidades. É um fator importante sobre a percepção de descontinuidade na qual se encontra presente também nas abordagens de Kuhn, Piaget e Bachelard, evidenciando a relevância de uma nova concepção da ciência. Para Foucault, o problema não é mais a tradição e o rastro, mas o recorte e o limite; não é mais o fundamento que se perpetua, e sim as transformações que valem como fundação e renovação dos fundamentos. Tais fatos podem ser percebidos dentro dos recortes, limites e transformações necessárias para a estruturação conceitual da gestão ambiental. Na arqueologia do saber, Os fenômenos simplesmente começam em pontos históricos particulares, não se originam em algum lugar que seria como o lugar próprio da sua verdade: um espírito da época, uma mentalidade coletiva ou uma consciência individual; numa única palavra, um sujeito. O tempo é uma sucessão de descontinuidades, de começos nos já começados; não é o devir de um pensamento ou de uma razão que, desde a sua origem, se arrasta na evolução lenta e continua do seu progresso. (FOUCAULT, 1997, p. 202) Nesse sentido, não é simplesmente o nível de tempo-realidade que estrutura esta nova história, da qual a arqueologia do saber vai ao mesmo tempo a que se afasta retirar os pressupostos teóricos que a fundamentam. Para Machado (2006, p.143), Foucault fundamenta sua abordagem a partir da definição metodológica arqueológica sobre o discurso; o enunciado e o saber. 28 O discurso, na arqueologia do saber, é analisado na sua dispersão. É constituído como objeto principal de análise. Não tem sistemacidade à maneira da ciência, seus elementos são dispersos, pois são constituídos com objetivos pragmáticos: as formações discursivas são encaradas como campo de relação entre os enunciados. Os enunciados, na Arqueologia do Saber, têm uma função de existência de articulação, não uma unidade. “Uma função que cruza um domínio de estruturas e de unidades possíveis e que faz aparecer com conteúdos concretos, no tempo e no espaço” como apresenta Foucault na sua obra “Arqueologia do saber” (1997, p.115) e enfatiza Machado em seu livro: Foucault a ciência e o saber, (2006, p. 151). Dessa forma, quando tomamos como fundamental os enunciados, percebemos as diferenças entre os discursos no tempo. A arqueologia se distingue da história da idéias tradicionais em inúmeros pontos como enfatiza Foucault. Para o autor, descontinuidade arqueológica não é a negação do problema do sujeito e como se fosse sua conseqüência, a recusa da história. Para Foucault, antes de um fundamento dos discursos, o sujeito é apenas uma posição ocupada por aquele que enuncia algo; é, por conseguinte,uma função do discurso. Ao rejeitar a linearidade das mudanças históricas, causadas pela formação de novos paradigmas do conhecimento, evidência as transformações discursivas que possibilitam novas regras de enunciação. O saber, na Arqueologia do Saber, introduz o conceito de história arqueológica em oposição à noção de descontinuidade estrutural. Distingue-se das histórias das idéias, do pensamento ou das ciências (descritivas) porque é uma história conceitual que se define em continuidade com a história epistemológica, dos modelos e dos instrumentos conceituais. (MACHADO, 2006, p, 153) Nesse sentido, enfatiza Machado que: Como regime de prática, analisa os discursos a partir dos documentos; delimitando as regras de formação dos objetivos, das modalidades enunciativas, dos conceitos, dos termos, das teorias com o objetivo de estabelecer o tipo de positividade que os caracteriza. Essa positividade é a de um saber, não de uma ciência. Os saberes são independentes da ciência (estão também em outros tipos de discursos), mas toda ciência se localiza no campo do saber (MACHADO,2006, p.154). Portanto, o sistema de representações tal como era é desmontado, e o homem ganha mais consciência da história. O novo saber dispensa a representação pura e imediata para, na verdade, esgotar o fenômeno lógico da coisa em si. Os núcleos epistemológicos transformam- se; essas transformações, comparáveis aos “obstáculos epistemológicos” de Bachelard, são importantes para a formação epistemológica ambiental. 29 A abordagem de Foucault transformou e modificou nossa relação com o saber e a verdade, modificou as relações de poder e saber na cultura contemporânea, nas formas de conceber e fazer ciência. Enfatiza que, atualmente, estamos em um mundo plural, no qual os fenômenos surgem deslocados, ocorrendo bastantes imprevistos. Devemos estar preparados para interpretar essas descontinuidades de forma que não desmonte e mutile esses acontecimentos, mas que saibamos interpretar estes acontecimentos com objetividade e clareza. Foucault denomina como epistemológicas, a análise das estruturas teóricas de um discurso científico, a análise do material conceitual, dos campos de aplicações desses conceitos e das regras de utilização dos mesmos. Tal fato instrumenta a gestão ambiental, não podendo ser vista como uma técnica de aplicação sem uma definição epistemológica que norteia o conhecimento de sua formação. É necessária, portanto, a avaliação de mecanismos de mensuração teórica desses conhecimentos. 3.4 EPISTEMOLOGIA DA COMPLEXIDADE DE MORIN Pensador contemporâneo, Edgar Morin é um filósofo, sociólogo e epistemólogo transdisciplinar. Nascido na França, em 1921, situa boa parte de sua produção (obras) no campo das novas percepções e concepções científicas ocorridas ao longo do século XX. Entre elas, destacamos “O método”, “Introdução ao pensamento complexo”, “Ciência com consciência” e “Os setes saberes necessários para a educação do futuro”. Autor da epistemologia da complexidade, a qual se origina da cibernética, sendo incorporada em suas obras a partir da década de 60, integra os diversos modos de pensar, opondo-se ao pensamento linear, reducionista e disjuntivo. A cibernética é uma teoria dos sistemas de controle baseada na comunicação entre os sistemas e o meio ambiente; e dentro do próprio sistema. Compreende os processos físicos, fisiológicos, psicológicos, entre outros, na transformação da informação. A proposta da complexidade de Morin refere-se a um conjunto de eventos, principalmente aqueles ligados à área científica, que ocorrem no final do século XIX e que foram sendo debatidos, combatidos e assimilados no decorrer do século passado. Entre esses, encontra-se a gestão ambiental que, pela sua complexidade de estrutura, requer uma dimensão transdisciplinar do conhecimento. Sua proposta é de uma abordagem transdisciplinar dos 30 fenômenos e a mudança de paradigmas. A transdisciplinar trata de uma prática de unir e não separar o múltiplo e o diverso no processo de construção do conhecimento. O desafio é o processo de constituição de um paradigma que institua princípios comuns que, tecidos juntos com princípios específicos a cada campo, se interpenetrem a um ponto de serem capazes, em simultânea, configurando uma experiência para a qual ainda não há uma linguagem adequada. Esse processo originou certa revolução, como afirma Japiassu, aos quase três séculos de determinismo, de racionalismo, de univocidade, de concepção mecânica de mundo e, principalmente, da certeza de que se transferia ao experimento científico. Tudo isso se fragmentaria com as descobertas da própria ciência. (MORIN, 2001) Em sua obra “Introdução ao Pensamento Complexo”, o autor aborda alguns pressupostos teóricos, resultantes dos elementos de fundamentação e concepção do que venha a ser complexidade. Objetiva sensibilizar as enormes carências do nosso pensamento e fazer compreender que um pensamento mutilador conduz necessariamente a ações mutiladoras (MORIN, 2001, p. 22). Essa expressão “mutiladora” é considerada como uma patologia do saber, intitulada como inteligência cega, que opera pelo princípio da “disjunção”, da “redução” e da “abstração” denominada de “paradigma da simplificação”. Para Morin, no desenvolvimento da ciência, há uma hiperespecialização do conhecimento, chegando à inteligência cega, que “destrói os conjuntos e as totalidades, isola todos os objetivos daquilo que os envolve”. (MORIN, 2001, p.18) Os hiperespecialistas ao qual Morin se refere são pretensos conhecedores, mas, de fato, praticantes de uma inteligência cega, posto que é parcelar e abstrata, evitando a globalidade e a contextualização dos problemas. Dessa forma, propõe uma epistemologia da complexidade, na qual a rigidez da lógica clássica seja substituída pela dialógica, e o conhecimento da integração das partes num todo é seja completado pelo reconhecimento da integração do todo no interior das partes, alertando para a importância vital da contextualização. Dentro desse foco teórico, o paradigma da simplificação, na visão de Morin: São princípios supralógicos de organização do pensamento, princípios ocultos que governam a nossa visão das coisas e do mundo sem que disso tenhamos consciência. (...) um paradigma é constituído por certo tipo relação lógica extremamente forte entre noções mestras, noções chaves e princípios chaves. Essa relação e estes princípios vão comandar todos os propósitos que obedecem inconscientemente ao seu império. (MORIN, 2001, p.15) Nessa perspectiva, a teoria da complexidade fundamenta-se inicialmente e avança a partir das concepções teóricas dos sistemas, da organização da informação e da cibernética, 31 considerando que o conhecimento não se reduz à incerteza; a concepção do conhecimento está associada aos pressupostos da organização, da auto-organização e da desordem; compreende o mundo como um horizonte de realidade mais vasto, reconhece a sociedade, o conhecimento, o ser humano como um sistema aberto, e o sujeito e o mundo interagem e se desenvolvem. Destaca que um dos problemas da teoria da complexidade é a complexidade lógica e a organizacional. Chama a atenção para o seguinte item: “o complexo não é o mesmo que complicado”. Portanto, a epistemologia da complexidade não pode ser entendida como uma epistemologia da complicação, uma epistemologia da dificuldade. Um dos pontos que mais chamam a atenção na discussão da teoria da complexidade é que ela interpenetra, perfeitamente na idéia de complicada quando tentamos fundamentar a epistemologia ambiental, tendo em vista que a dificuldade de estrutura e de definição reside na visão científica específica desenvolvida ao longo da história da ciência. Tal concepçãoé compartilhada por Bachelard, Foucault, Kuhn e, mais recentemente, por Leff. Morin considera que, para entendermos os paradigmas da complexidade, devemos a piori entender o paradigma da simplificação, no qual considera a desordem um processo fundamental. Destaca que: A complexidade da relação ordem/desordem/organização surgem quando se verifica empiricamente que os fenômenos desordenados são necessários em certas condições, em certos casos, para a produção de fenômenos organizados, que contribuem para o aumento da ordem. (MORIN, 2001, p.91) Essa concepção da relação de ordem/desordem/organização pode ser nitidamente observada na percepção de Piaget com a equilibração e desequilibração na construção do conhecimento; por Bachelard, através da ruptura epistemológica entre a ciência contemporânea e o senso comum; pela abordagem de Foucault, que modificou e transformou nossa relação com o saber e com a verdade, fruto da visão histórico-cultural do conhecimento. Todos tinham o mesmo objetivo, apresentar, de forma distinta, a idéia de que a construção do conhecimento se origina quando um novo paradigma vem substituir o antigo ou entender novas abordagens fruto das necessidades de reorganização do conhecimento. Morin (2001, p.99) postula que o que é complexo releva por um lado do mundo empírico, da incerteza, da incapacidade de estar seguro de tudo, de formular uma lei, de conceber uma ordem absoluta. Revela, por outro lado, de algo lógico, quer dizer da incapacidade de evitar contradições. A complexidade leva à insegurança, à aspiração da completude. Nunca poderemos ter um saber total. “A totalidade é a não verdade”. 32 Com muita propriedade, Morin aborda que tais concepções só são possíveis através da razão, que é um dos instrumentos racionais, capaz de permitir o conhecimento acerca do universo complexo e fazer uma autocrítica. Enfatiza que a “razão” são aspectos lógicos que corresponde à visão coerente dos fenômenos, das coisas e do universo; a “racionalidade” se constitui no diálogo incessante entre o nosso espírito que cria estrutura lógica e que as aplica e dialoga com o mundo real; a “racionalização” consiste em querer encerrar, o mundo em um sistema coerente o que se contradiz a isto é visto como ilusão ou aparência, ou seja, explicação simplista. A falta de limite entre a racionalidade e a racionalização leva o indivíduo a uma tendência seletiva sobre o que favorece a idéia e uma desatenção sobre o que desfavorece. A racionalização desenvolve-se no próprio espírito do cientista. Nesse sentido, o pensamento complexo busca desenvolver não somente a crítica, mas a autocrítica de um diálogo permanente com a coerência, considerando três princípios norteadores: dialógico, recursão organizacional e hologramático. Na argumentação sobre o pensamento complexo, o “dialógico” permite manter a dualidade no seio da unidade, associado, ao mesmo tempo, a termos complementares e antagônicos, como a ordem e a desordem. Na “recursividade organizacional”, a idéia recursiva é uma ruptura com a idéia linear de causa e efeito, de produto/produtor, de estrutura/superestrutura, uma vez que tudo o que é produzido volta sobre o que produziu num ciclo do qual ele mesmo autoconstitutivo, auto-organizador e autoprodutor”. (MORIN, 2001, p. 108) O “hologramático” perpassa a idéia de que não apenas está no todo, mas o todo está na parte. Reconhece-se assim que, com o “paradigma da complexidade”, surgirá o conjunto de novas concepções, de novas visões, de novas descobertas e de novas reflexões que vão conciliar-se e juntar-se” (MORIN, 2001, p. 112). O paradigma da complexidade foca o desafio do diálogo entre a certeza e a incerteza, propiciando que os indivíduos vivenciem uma realidade marcada pela indeterminação, a interdependência e a causalidade entre os diferentes processos. A epistemologia da complexidade se norteia por essa concepção inovadora dos paradigmas, a qual não traz em si complicadores, pelo contrário, possibilita o pensar no ser em si, na sua relação com o mundo, nas relações do mundo com o mundo e do ser com o ser. Trata-se de uma epistemologia aberta sem princípios rígidos direcionadores. Fundamenta-se a partir dos eventos do conhecimento, para estudar o próprio conhecimento, ou seja, o conhecimento do conhecimento. Assim, o conhecimento se condiciona, determina-se e se 33 limita pelo não condicionamento, pelo indeterminismo e pela condição ilimitada em sua gênese, que é justamente o seu limite. Como afirma Morin (1996, p. 201) que “não há conhecimento sem autoconhecimento”. Portanto, a necessidade de abordar-se a epistemologia da complexidade numa perspectiva ambiental decorre da percepção quanto ao incipiente processo de reflexão sobre as práticas existentes e as múltiplas possibilidades que estão sendo postuladas, para pensar a realidade de modo complexo, defini-la como uma nova racionalidade e como um espaço no qual se articulam natureza, técnicas e culturas, considerando a complexidade como um desafio e não uma resposta. Nesse sentido, é cada vez mais notória a complexidade do processo de transformação de conhecimento sobre o meio ambiente planetário, não apenas no tangente ao ecossistema ou aos aspectos físicos, mas também ao conhecimento, diretamente afetado pelos processos de disseminação do conhecimento sobre esta problemática. A epistemologia da complexidade preconiza, de forma clara, o propósito da epistemologia ambiental, fomenta, nas bases do conhecimento científico-filosófico, que não tem visão linear e sim uma visão aberta, proativa e desafiadora frente às novas mudanças planetárias, oriundas das novas abordagens ambientais, colocando-se em um processo contínuo de reflexão e construção desse novo conhecimento. Dessa forma, o postulado de Morin enfatiza que “a totalidade não é a verdade” suscita a preocupação e a investigação por se tratar de uma abordagem nascente e emergente. A gestão ambiental necessita de uma base epistemológica com fundamentação científico-filosófica que aborde as complexidades das questões ambientais frente às atividades inerentes a sua área de atuação. 3.5 EPISTEMOLOGIA AMBIENTAL 3.5.1 A visão de Leff sobre a epistemologia ambiental Dentro do contexto científico sobre a epistemologia ambiental, um dos grandes precursores atuais é Enrique Leff, doutor em Economia de Desenvolvimento pela Universidade de Paris na década de 70, considerado um intelectual latino-americano que vem estudando a temática ambiental dentro de uma perspectiva capaz de reduzir, de forma acelerada, o abismo entre teoria e prática ambiental. É coordenador, desde 1996, da Rede de 34 Formação Ambiental da América Latina e Caribe e do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Devido ao seu interesse com teorias e práticas ambientais, é autor de mais de 150 livros e artigos publicados no México, Espanha, Argentina, Brasil, Colômbia, Chile, EUA, Inglaterra, Itália, Alemanha, Holanda e em diversos países da América Latina. Entre suas principais obras, destacam-se “Saber Ambiental”, “Racionalidade Ambiental” e “Epistemologia Ambiental”. Esta última é considerada uma obra de grande valia para as discussões dos novos paradigmas ambientais. Na obra “Saber Ambiental”, apresenta como objetivo central a discussão de elementos cosntrutores de um saber que possa realmente ser adjetivado como ambiental e que ao mesmo tempo permitam o questionamento sobre as abordagens ambientais. Enfatiza Leff que: O saber ambiental excede as ciências ambientais, constituídas como um conjunto de especialização surgida da incorporação dos enfoques ecológicos as disciplinas tradicionais – antropologia ecológica ecologia urbana, saúde, psicologia, economia
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