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Fichamento TGD

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Universidade Estadual de Feira de Santana
Departamento de Ciências Sociais Aplicadas – DCIS
Curso de Graduação em Direito
Componente Curricular: CIS711 Teoria do Direito II
Docente: Flávia Almeida Pita
Discente: Roseane dos Santos Freitas
Turma: Direito 2019.2
LOIS, Cecilia Caballero. Ensino jurídico e função social dos cursos de Direito: é possível superar impasses históricos e limitações teóricas para reescrever seus caminhos? In: Anuário ABEDI, ano 4, n. 4, 2006. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2006. p. 51-62
p. 51
“Com efeito, se considerado o modelo de ensino do direito que se pratica ainda atualmente nas salas de aula da universidade brasileira é impossível deixar de abordá-lo a partir de duas questões que demonstram o quão distante ele se encontra realizar seus objetivos declarados. A primeira delas diz respeito à concepção de política que funda e que se mantém nos cursos de direito no Brasil até os dias de hoje e que provoca uma redução drástica das possibilidades emancipatórias do direito. ” 
 
“A segunda, por seu turno, vincula-se à concepção epistemológica que perpassa a ciência do direito em geral, também conhecida como dogmática jurídica, que impede de pensar o direito a partir de uma perspectiva que rompa com a tradição positivista e bacharelesca, pressuposto necessário para obter-se um avanço significativo em termos de saber jurídico. ”
p. 53
“Essas observações são importantes, já que a formação universitária dada aos brasileiros seguia o mesmo padrão de dominação —no Brasil Colônia não existiam cursos superiores. A formação superior vinha, à época, da Universidade de Coimbra. Desta forma, quando começam as "movimentações" para a construção do processo de independência brasileira torna-se imperioso compor uma elite intelectual, formar quadros técnicos e científicos em várias áreas de saber. ”
“Portanto, não se trata exatamente de uma novidade para aqueles que se dedicam ao estudo do ensino do direito no Brasil o fato de que a criação dos primeiros cursos jurídicos está vinculada às exigências da elite imperial, bem como à tentativa de consolidação de um Estado independente de Portugal. ”
p. 54
“Como explicita Wolkmer, a implantação dos cursos jurídicos no Brasil teve como principal função atender às prioridades burocráticas do Estado, não sendo mero acaso terem surgido juntamente com o processo de independência e a construção do Estado nacional. Wander Bastos complementa que "as elites políticas brasileiras sempre viram o Estado como entidade de apoio às suas próprias posições e mais do que isto, que deveria absorver os seus quadros e garantir a sua formação. ”
“Mesmo com a transformação dos cursos jurídicos em faculdades de Direito os currículos não sofreram significativas alterações. Apenas foram incorporadas algumas disciplinas, das quais destacamos hermenêutica jurídica, direito romano (vinculado ao estudo comparado com o direito civil) e direito administrativo. ”
p. 55
“Em termos mais precisos é possível afirmar que na França revolucionária o Estado só será possível mediante o direito, e este só é eficaz quando o mesmo Estado sujeita a ele (ao direito) sua atividade. ”
“No período de 1930 a 1972, as únicas mudanças verificadas no ensino jurídico em relação ao período de sua criação foram, conforme elenca Rodrigues, 15 : a) proliferação dos cursos e o consequente acesso a eles por parte da classe média; b) o reforço na substituição do paradigma jusnaturalista vigente no início do funcionamento dos cursos pelo paradigma positivista; c) tentativa de transformar o curso de direito num curso estritamente profissionalizante, com a redução (para não falar em quase eliminação) das cadeiras de cunho humanista e de cultura geral, substituídas por cadeiras voltadas para a atividade técnica do advogado no foro.”
p. 56
“Dois fatos contrastantes, entretanto, merecem ser destacados:
A carta de San Thiago Dantas: é neste momento que se inicia, na década de 1950, a falar da crise do ensino jurídico. A crise seria oriunda da perda do prestígio dos bacharéis em relação ao passado. A crise também seria proveniente do mercado ou da inadequação das demandas do mercado. Porém, é lamentável dizer que a carta não teve nenhuma correspondência epistemológica. Os cursos continuaram a construir (e a confundir) os destinos do Estado e a gestão do Estado, com sua total e completa administrativização e consequente despolitização.
A reforma universitária pós-1964: que dissociava definitivamente a produção do conhecimento com a sociedade na qual está inserido. Seu escopo principal foi descartar a tradição humanista de universidade, substituindo-a pela idéia de que a universidade deve formar quadros técnicos e gerenciais que eram necessários para viabilizar o modelo de Estado que começava a emergir do golpe. ”
p.57
“Por jusnaturalismo escolástico entende-se o conjunto de princípios éticos que constituem um sistema de dogmas, com pretensão de validade universal e de fundo cristão. O seu grande mérito consiste em, mesmo reconhecendo os ideais jusnaturalistas de imutabilidade e universalidade, unir a esta concepção clássica de jusnaturalismo ingredientes históricos e sociais, defendendo uma necessária mudança no direito, admitindo-o como dinâmico e evolutivo. ”
“Contrariamente ao jusnaturalismo escolástico, o racionalista prescinde de toda idéia ou fundamento divino para o direito, usando o método racional e a idéia de contrato para fundamentá-lo. Seu objetivo é criar uma ética racional, longe da teologia, capaz de garantir a universalidade dos princípios que regem a conduta humana. ”
“A Escola Histórica surge em contraposição ao jusnaturalismo e inicia-se na Alemanha, com Savigny, seguido por Jhering. Para Antonio Hernadez Gil, a Escola Histórica produziu o maior giro epistemológico da história da ciência jurídica. Várias foram as contribuições: a inserção do elemento histórico no direito, a redefinição do papel do Estado como elemento de autoridade obrigatória ao direito, do legislador como "descobridor" da vontade do povo e do jurista como aquele a quem cabe a tarefa de "representar o povo". ”
p.58
“A esta forma de conhecimento denominamos de dogmática jurídica e seu principal feito foi assumir para si a construção de um discurso com pretensões cientificistas que nada mais representa, porém, do que uma descrição dos conteúdos legais a partir do sujeito que conhece o objeto. ”
“Segundo Warat, a dogmática jurídica atua em três tempos: o da contextualização, o da dogmatização e o da sistematização. No primeiro momento — o da contextualização —, ocorreria a vinculação com o positivismo. Para a dogmática não existiria qualquer outro tipo de realidade que não a do direito posto, isto é, da norma. ”
“E, contudo, na segunda etapa que se procederia à dogmatização jurídica propriamente dita. Neste momento devem ser fixados os chamados dogmas jurídicos[...]. ”
p. 59
“[...] ou seja, devem ser elaboradas as categorias jurídicas fundamentais, extraídos os princípios gerais do direito, formulados os estereótipos, estabelecidas as interpretações dominantes, entre outras possibilidades que, ainda que vazias de significação, vão servir para a tomada de decisão por parte dos operados jurídicos, bem como para tentar abarcar a complexidade do Estado dentro de um ordenamento jurídico que, evidentemente, não está apto a realizá-lo. Vê-se, portanto, que a dogmática tem como função auxiliar fortalecer a ideia de que o direito representa a realidade, confundindo-se com ela. ”
“Dito de outra maneira, a ciência jurídica (episteme) nada mais é que a opinião (doxa) de alguns doutrinadores sobre determinados institutos legais que, em determinado momento histórico/político, tornam-se mais relevantes socialmente que outros e passam, assim, a representar e a construir a ciência jurídica. Para facilitar, poderíamos dizer que a episteme nada mais é do que uma doxa politicamente privilegiada. ”
p. 60
“Ao transformar opiniões que representam escolhas políticas e ideológicas de determinados atores sociaisem discursos científicos, e com isto atribuir-lhes o caráter de neutralidade e universalidade, a ciência do direito produz um novo tipo de realidade, um universo paralelo somente acessível através do direito. Assim, quando o direito se ensina, constrói-se o direito. Este é o fato mais pernicioso da educação jurídica em geral: ensinar é produzir/construir um determinado direito aliado a uma realidade ficcional. ” (??????)
p. 61
“Apontadas aquelas que, como dito, parecem ser as funções mais importantes dos cursos de direito, devemos perguntar-nos se eles estão cumprindo os fins desejados ou o que seria necessário para que isto viesse a ocorrer. Antes, contudo, devemos destacar, rapidamente, que função social não pode ser confundida com extensão universitária. Na maioria das vezes esta tem um caráter altamente assistencialista e funciona como retro-alimentação para o ensino e a pesquisa. Um bom exemplo seriam os núcleos de prática que, longe de representarem uma possibilidade de exercício de algum modelo de função social no curso de direito, têm como objetivo fortalecer o núcleo rígido e profissionalizante — inclusive sustentados numa posição bastante privatista, uma vez que suas atividades não ultrapassam o direito de família ou, na melhor das hipóteses, o já cambaleante direito do trabalho. ”
“A função social dos cursos de direito e, por via de conseqüência, dos juristas requer que suas atividades se vinculem às instituições democráticas, que sejam construídas a partir de um espaço institucional estratégico. Tal dado implica reorganizá-lo em direção a novos sujeitos, objetivos sociais, econômicos, políticos, administrativos e culturais, em consonância com as aspirações de uma sociedade bastante estratificada e notadamente desigual. ”
“Outra questão urgente é da revisão metodológica dos conteúdos transmitidos. Não se pode ensinar direito sem articulá-lo com a sua dimensão política. A percepção que de a dogmática jurídica é um dos entraves ao processo de abertura do saber comprometido com a democracia é essencial aos cursos jurídicos. ”
p. 62
“Finalmente devemos lembrar que estes fenômenos espelham-se uns nos outros. A necessária retomada do espaço da sala de aula como local do ensino e da política não se separa da superação dos limites da dogmática. Pelo contrário, somente podem ser combatidas se tomadas conjuntamente. ”

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