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Livro_Feuerstein e a Construção Mediada do Conhecimento

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Feuerstein e a Construção Mediada do Conhecimento
Book · January 2002
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1 author:
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Estudos na validação das Escalas Nordoff Robbins View project
Cristiano Mauro Assis Gomes
Federal University of Minas Gerais
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GOMES, CRISTIANO MAURO ASSIS. 
TEORIA E MÉTODO PARA ALTERAR A CAPACIDADE DE APRENDER: 
FEUERSTEIN E A CONSTRUÇÃO MEDIADA DO CONHECIMENTO 
 
 
 
 
Dedico este livro à memória de meu avô, Antônio Assis, 
 e à chegada de minha filha, Isabella. 
Agradecimentos 
 
 
 
 
Como produto final, este livro possui uma história, e pessoas importantes foram fundamentais 
para a sua realização, seja através de um incentivo marcante, seja através de ensinamentos, seja 
através do exemplo de vida. 
Meu agradecimento especial: ao Professor Reuven Feuerstein, a Rabbi Raffi Feuerstein, a 
Nechama Tzaban e a Alex Kozulin. 
Meu agradecimento, mais que especial, a duas pessoas fundamentais na realização deste livro e 
grandes incentivadoras em minha vida: à minha mãe, Rosa Maria Assis e à minha esposa, Flávia 
Schayer Dias. 
Sumário 
 
 
 
 
Apresentação ................................................................................................................... 13 
Prefácio ............................................................................................................................. 17 
Introdução....................................................................................................................... 29 
PARTE I – Psicologia da cognição: panorama geral 
1 Contornos teóricos da psicologia cognitiva: modelos 
norteadores para a educação ................................................................................................. 35 
Psicologia cognitiva: o modelo associacionista e o modelo organicista .. 35 
O construtivismo piagetiano ............................................................................ 40 
A abordagem sócio-histórica de Vygotsky ..................................................... 49 
PARTE II – Teoria e método de Reuven Feuerstein 
2 Teoria da modificabilidade cognitiva estrutural ......................................................... 63 
O lugar da psicologia cognitiva ..........................................................................63 
O fator da modificabilidade............................................................................... 66 
Privação cultural: fator paralisador da modificabilidade ............................. 68 
3 Experiência de aprendizagem mediada ..................................................................... 71 
O surgimento da experiência de aprendizagem mediada .............................. 71 
A definição da experiência de aprendizagem mediada .................................. 72 
Transmissão cultural ...........................................................................................76 
Dois caminhos do conhecimento: aprendizagem mediada 
e exposição direta ............................................................................................. 79 
Desenvolvimento: o lugar da aprendizagem para a maturação 
da estrutura cognitiva ..................................................................................... 80 
A função do mediador no impulsionamento da maturação 
da estrutura cognitiva do sujeito ................................................................... 83 
Critérios do processo mediacional ................................................................... 86 
Conceito de cultura .......................................................................................... 103 
Mediação espontâneo-informal e mediação técnico-formal ....................... 105 
4 Funções cognitivas e operações mentais ................................................................ 109 
Análise clínico-funcional do processo interno............................................... 119 
Descoberta das funções cognitivas .................................................................. 111 
Funções cognitivas e processamento de informações ................................. 112 
Propriedades da função cognitiva .................................................................. 113 
Fases do ato mental ........................................................................................... 113 
Dificuldades de aprendizagem: funções cognitivas deficientes .................. 134 
Funções cognitivas, aprendizagem mediada e ciência cognitiva ................ 136 
Descrição das operações mentais (I) .............................................................. 139 
Descrição das operações mentais (II) ............................................................. 149 
Operações mentais: funções cognitivas operando em cadeia ..................... 158 
Abrindo as portas para a intervenção cognitiva ............................................ 161 
Divertindo-se com a lógica formal .................................................................. 161 
5 Sistemas aplicativos de Feuerstein..........................................................................185 
Método de avaliação do potencial de aprendizagem. (LPAD) ................... 186 
Mudando o paradigma de avaliação cognitiva ........................................186 
Metodologia .................................................................................................188 
Programa de enriquecimento instrumental................................................... 191 
Concepções de aprendizagem e intervenções psicoeducativas ............. 192 
PEI: uma aposta na inteligência geral ...................................................... 194 
PEI: intervenção psicoeducativa através de material padronizado .. 197 
Objetivos ..................................................................................................... 199 
Formando hábitos e transformando padrões espontâneos .................. 200 
Mapa cognitivo: analisando materiais para 
intervenção cognitiva ................................................................................. 202 
Uma amostragem dos instrumentos do PEI ........................................... 205 
Mediar: a arte de interrogar ...................................................................... 230 
Treinamento e supervisão dos mediadores do PEI................................ 237 
PARTE III – A intervenção educativa: novos paradigmas de ação 
6 Paradigmas cognitivos na educação ................................................................................... 247 
Paradigmas e práticas educativas .................................................................. 247 
O “novo” construtivismo ................................................................................. 250 
Levando em conta a complexidade ............................................................... 253 
O valor da escola .............................................................................................. 256 
Educação especial: reformulando paradigmas.............................................261 
Necessidades educativas especiais para alunos “normais” ....................... 264 
Necessidades educativas especiais para indivíduos com 
retardo mental ............................................................................................... 267 
Dimensão ética ................................................................................................. 270 
7 A experiência de aprendizagem mediada 
e o plano emocional .............................................................................................................275 
Plano cognitivo e plano afetivo ...................................................................... 275 
Problematizando modelos .............................................................................. 278 
Conclusão 283 
Feuerstein: abrangência, pesquisas e resultados ................................................... 283 
Referências bibliográficas .......................................................................................... 289 
 
Apresentação* 
 
 
 
 
Certamente, um dos maiores desejos de um autor – particularmente do criador de uma 
concepção teórica – é ver o produto de seu trabalho disseminado na mais extensa área possível. 
Mais do que a disseminação – que, em alguns casos, limita-se a uma reprodução – é fascinante 
ver a teoria tornar-se um componente embrionário do processo de pensamento que anima 
alunos e produz reações no campo de ação. Nesse caso, depois de um processo de assimilação 
de idéias, eles se tornam a fonte de atividades acomodativas que levam a novos 
desenvolvimentos, ao aprofundamento do sistema teórico inicial, através da busca de suas 
raízes em meio a uma diversidade de constructos mentais e através da elucidação de certas 
experiências significativas que ocorreram nos programas aplicados ao longo do tempo. 
Sinto-me verdadeiramente afortunado por ter visto muitos dos discípulos de minha teoria 
brotando, florescendo e amadurecendo, trazendo contribuições altamente apreciadas e 
significativas para o conjunto abundante de programas na área das intervenções cognit ivas e 
educacionais. 
Este livro apresenta uma abordagem muito séria, meritória e sistemática de análise dos 
vários parâmetros envolvidos no aparato conceitual da teoria da Modificabilidade Cognitiva 
Estrutural (MCE), Experiência de Aprendizagem Mediada (EAM) e sistemas aplicados 
derivados, LPAD, PEI e Programa de Formação de Ambientes Cognitivos. 
O considerável investimento feito por Cristiano Assis certamente acrescenta elementos 
importantes à teoria, o suficiente para torná-los componentes estruturais, e não apenas 
componentes somatórios de tal teoria. Como um leitor iniciante da língua em que o livro foi 
escrito (português), vejo-me com a necessidade verdadeira de procurar ajuda para 
compreender de modo preciso as intenções, as elaborações e a conclusão a que o autor chegou 
a partir de suas várias operações. 
Os esforços de Cristiano Assis focalizam as conexões entre a MCE e outras teorias 
cognitivas. Desse ponto de vista, pode-se dizer que ele elaborou dimensões que contribuem 
 
 
significativamente para a definição das fronteiras da plataforma conceitual que forma a base 
dos sistemas aplicados derivados da teoria. Inicialmente investi pouco nesse aspecto particular 
de meu trabalho. O ímpeto básico para a criação da teoria da MCE não partiu de um interesse 
intelectual puro, mas de uma necessidade muito urgente e vital de encontrar meios para ajudar 
milhares de crianças, cujo futuro dependia em muito de uma mudança radical nos pontos de 
vista dos psicólogos, professores, “tomadores de conta” e elaboradores de política educacional. 
É por isso que a história dessa teoria está ligada em especial a uma realidade sociocultural 
e educacional difícil, que tinha a tendência a continuar assim por causa daqueles que 
acreditavam na fixidez e na imutabilidade da inteligência e em outras características humanas 
que os conduziam a manter tal difícil realidade. 
Por ocasião da elaboração da teoria da MCE, atuava como Diretor Psicológico da 
Organização Youth Aliyah. Essa organização colocara para si própria o objetivo de resgatar 
física, moral e educacionalmente crianças e adolescentes sobreviventes do Holocausto e de 
outras condições difíceis em que estavam vivendo em vários países. Lidar com crianças nessas 
terríveis condições de vida confrontou-me com a questão profética de Ezeklian: “De algum 
modo, esses ossos viverão?”. 
Será possível reverter o resultado das mais difíceis condições em que essas crianças 
viveram ao longo de sua infância e adolescência nos campos de morte do Holocausto? Poderão 
elas aprender a como superar os danos que lhes causaram? 
Assim, em lugar de procurar por fontes teóricas que servissem de base para uma visão 
otimista do ser humano e da possibilidade de modificar o curso de sua vida, buscamos meios de 
provar que isso era possível, envolvendo-nos em um programa de diagnóstico e intervenção, a 
fim de confirmar nosso postulado e nosso sistema otimista de crença na modificabilidade de 
sua condição: cognitiva, emocional ou comportamental. 
Admitimos ter usado uma abordagem de certa forma não-científica naquilo que 
deveríamos ter considerado necessário como base para a geração da teoria. De fato, levando em 
conta as funções deficientes das crianças e seu baixo nível de desempenho, foi extremamente 
difícil abstermo-nos das predições usuais a que tal observação levaria inevitavelmente. 
Contudo, em vez de continuar a detectar deficiências e suas manifestações em um baixo nível 
de funcionamento, acreditamos que aqueles exemplos de comportamento poderiam ser 
mudados por uma intervenção focalizada e assídua. Então, usamos os exemplos de 
transformação que foram marcados no comportamento da criança como sinais da propensão 
para mudança. 
A teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural (MCE) é baseada em um sistema de 
crenças originado da necessidade vital de ver aquelas crianças desenvolvendo-se, apesar de 
todas as dificuldades e contra todos os prognósticos. Mesmo agora, de posse de dados que 
confirmam a teoria da MEC e diante do fato de que dados empíricos e novos desenvolvimentos 
teóricos dão suporte à idéia da modificabilidade humana, é nossa convicção de que esse 
sistema de crençasque iniciou a teoria e deu-lhe origem ainda é um de seus importantes 
ingredientes. Se, verdadeiramente, a teoria da MCE deve tornar-se um ponto de partida que 
conduz à aplicação de sistemas gerados por teorias para o benefício daqueles que mais 
necessitam deles, isso acontece porque o sistema de crenças é produzido por uma necessidade, 
a necessidade de oferecer a uma criança, a uma família, a um outro a possibilidade de 
desenvolver e alcançar seu máximo potencial e de se materializar como a imagem de Deus. 
É somente quando tal necessidade existe no ser humano, de que a mudança é possível, que 
dará origem à crença de que a ingenuidade do ser humano será sem limites e de fato criará os 
melhores meios para levar o outro, com quem ele se preocupa, às condições necessárias para 
fazê-lo beneficiar-se delas e ajudá-lo a atingir seus objetivos. Se não existe a necessidade no 
sistema de crenças, a melhor prova científica, os melhores instrumentos poderão acabar não 
sendo usados. 
O papel do sistema de crenças gerado pela necessidade de aderir a uma visão otimista do 
ser humano como uma entidade modificável é não menos importante no desenvolvimento de 
uma metodologia para criar a plataforma científica que apóie a crença. Pode parecer ao leitor 
algo circular: você necessita, você acredita, você cria uma base científica para reforçar sua 
 
 
crença. E, de fato, nós nos perguntamos: não estará esse processo por trás do progresso 
científico? A MCE tornou-se uma hipótese teoricamente plausível a partir de três grandes 
pressupostos, os quais serão apresentados brevemente a seguir. 
A primeira consideração está relacionada à concepção da ontogenia dupla do organismo 
humano: a ontogenia biológica e a ontogenia sociocultural. A ontogenia biológica consiste em 
perceber o ser humano como uma comunidade de células interagindo agitadamente entre si e 
com o ambiente. A entidade humana “biológica” está tornando-se um indivíduo. 
A ontogenia sociocultural é responsável pela estrutura social, moral e comunicacional do 
ser humano. É essa parte do desenvolvimento que dá ao organismo a verdadeira natureza de 
entidade humana. Aqui, a individualidade tem peso muito menor, ao passo que a cooperação 
coletiva e a nova interação cultural exercem o papel preponderante na formação dos estados do 
ser humano. 
A relação entre essas duas ontogenias é marcada por uma interação estressante contínua e 
altamente conflituosa. A entidade biológica certamente impõe limites e os traz à tona, ao 
mesmo tempo em que a ontogenia sociocultural luta por libertar o ser humano desses limites, 
modificando e criando novos rumos de vida, apesar da imposição, mas contra tal imposição da 
realidade biológica, neurológica e cromossômica. 
O nível da operação cognitiva da criança com Síndrome de Down é amplamente 
determinado por sua condição cromossômica; no entanto, a intervenção social e educacional 
pode transformar significativamente as restrições produzidas pelos cromossomas, como 
apontado por um jornalista do Le Monde: “O cromossoma não tem a última palavra”. Dito de 
outro modo, nesse diálogo entre a ontogenia sociocultural e a ontogenia biológica, a primeira, 
de fato, tem a última palavra. 
O segundo fator que acrescenta plausibilidade ao conceito de modificabilidade cognitiva é 
a definição modal do comportamento humano como um estado, e não como algo fixo e 
imutável. Além disso, o comportamento modal seria considerado modificável, da mesma forma 
que os estados, uma vez que está fortemente relacionado a certas condições que podem ser 
mudadas. 
O terceiro fator que deveria ser considerado como uma grande fonte de apoio ao conceito 
de modificabilidade é a nova e dramática mudança na concepção neurocientífica do cérebro 
humano como um organismo altamente flexível e elástico. Evidência de pesquisa e evidência 
clínica estão agora se tornando cada vez mais disponíveis sobre os efeitos do ambiente 
interacional do organismo na estrutura do cérebro e sobre a sua propensão de ser configurado 
pela experiência, do mesmo modo que a experiência configurou o cérebro. 
Assim, quando falamos sobre Modificabilidade Estrutural, estamos referindo-nos não 
apenas às mudanças no comportamento e na estrutura mental cognitiva, mas também às 
mudanças relacionadas ao substrato neurológico, que pode ser sensivelmente afetado por 
certas interações e experiências no ambiente. Os neurocientistas vêem isso como altamente 
evidente e, mesmo com base na abordagem da pesquisa usando formas não-invasivas de coleta 
de dados, trazem com eles a promessa que está dando forte apoio à teoria da MCE para uma 
qualidade particular de intervenção incluída nessa Experiência de Aprendizagem Mediada 
(EAM) e uma variedade de outras mudanças que também se referem a aspectos emocionais e 
comportamentais do indivíduo. Nossa própria experiência com Alex, um jovem rapaz com o 
hemisfério esquerdo removido, que começou a falar com a idade de 9,5 anos e que, seguindo a 
EAM, aprendeu a ler, a escrever e a pensar logicamente, apesar do prognóstico bastante 
limitado dos neurocientistas mais conservadores. Os dados que estamos coletando agora em 
nosso trabalho com soldados que têm danos cerebrais graves ou disfunções cerebrais e com 
civis após um trauma sustentam fortemente a plasticidade e a flexibilidade do comportamento 
humano como tal e do cérebro em particular. 
O papel exercido pela EAM por uma conceitualização cognitiva de funções deficientes e o 
mapa cognitivo que permite analisar a tarefa em relação ao indivíduo representa uma teoria de 
estratégias cognitivas derivadas da teoria da MCE e dá partida à materialização da 
modificabilidade. Este livro, ao discutir tal teoria à luz de outras abordagens teóricas, 
certamente permitirá ao leitor aprofundar seu conhecimento e sua compreensão do significado 
 
 
da teoria e o habilitará a escolher a melhor maneira de intervir a fim de promover a 
modificabilidade estrutural do indivíduo. 
Dr. Reuven Feuerstein 
Dr. Rabbi Raffi Feuerstein 
 ICELP. Jerusalém, Israel. 
 
Prefácio* 
 
 
 
 
APRENDIZAGEM MEDIADA E AS MUDANÇAS 
EM PAUTA DA EDUCAÇÃO MODERNA 
 
A teoria da Experiência de Aprendizagem Mediada (EAM) de Feuerstein (1990) e seus 
sistemas aplicados podem ser melhor avaliados à luz das seguintes mudanças em pauta da 
teoria contemporânea de aprendizagem e instrução: 
 
• redefinição da atividade de aprendizagem; 
• revisão dos conceitos de desenvolvimento “normativo” e de “períodos críticos”; 
• abordagens alternativas da avaliação cognitiva; 
• elaboração dos aspectos simbólicos e humanos da interação mediada; 
• discussão do lugar da educação cognitiva no currículo escolar. 
 
*Tradução de Anilce Simões. 
 
 
 
 
AGENCIAMENTO DA APRENDIZAGEM 
 
Uma das principais mudanças que ocorreram na teoria educacional foi a identificação do 
agenciamento da aprendizagem. Por um tempo, pareceu óbvio que um aprendiz individual, por 
si só, realizava tal agenciamento. Essa interpretação “óbvia”, no entanto, recebeu uma 
reavaliação crítica de pelo menos duas direções. Uma delas é a teoria sociocultural baseada no 
trabalho de Vygotsky (1991; cf. também Kozulin, 2000a) e de seus seguidores. A outra é a teoria 
da Experiência de Aprendizagem Mediada, de Feuerstein. Ambas as abordagens enfatizaram a 
importância das forças socioculturais em configurar a situação de desenvolvimento e 
aprendizagem de uma criança. Ambas apontaram para o papel fundamental exercido por pais, 
professores, colegas e comunidade na definição do tipo de interação que ocorre entre as 
crianças e seu ambiente. Como resultado, a “óbvia” identificação individualista do 
agenciamento da aprendizagem foi desafiada. 
Na teoria de Vygotsky, o marco inicial na aprendizagem da criança é definido como uma 
situação sociocultural que cria uma possibilidade para a criança apropriar-se de certas 
ferramentas simbólicas e de atividades disponíveis em uma dada sociedade. Assim, a situação 
sociocultural torna-se um elementointegrante do agenciamento superindividual da 
aprendizagem. Para os seguidores de Vygotsky, a criança como uma agência independente de 
aprender constitui o objetivo, a meta, e não o ponto inicial do processo educacional. 
Feuerstein, por sua vez, sugeriu que, além da situação de aprendizagem direta, em que a 
criança verdadeiramente se constitui como sujeito agente da aprendizagem, há também uma 
situação de aprendizagem mediada. Tal situação pressupõe a existência de um mediador 
 
 
humano ativo que, juntamente com a criança, constitui um agenciamento cooperativo do 
aprender. Além disso, segundo Feuerstein, a falta da EAM leva a subseqüentes danos nas 
habilidades da criança no nível de aprendizagem direta. Assim, a ausência desse agenciamento 
cooperativo da aprendizagem pode levar a danos significativos do potencial de aprendizagem 
da criança e de sua prontidão para a educação formal. 
 
 
DESENVOLVIMENTO INFANTIL 
 
O segundo alvo de reavaliação crítica foi a teoria tradicional de desenvolvimento como 
refletindo fatores experienciais e maturacionais “naturais”. De acordo com a teoria 
sociocultural, o desenvolvimento puramente natural da criança é impossível, porque, desde o 
princípio, a sua interação com o ambiente é mediada pelo mundo sociocultural. A cada estágio 
do desenvolvimento da criança, fatores naturais, determinados pelos mecanismos genéticos e 
maturacionais, interagem com os fatores socioculturais daquilo que Vygotsky definiu como 
uma situação social de desenvolvimento. A maior aproximação de um desenvolvimento 
“natural” é o que Vygotsky chama de “primitivismo”. A criança-primitiva é aquela cujo 
desenvolvimento é guiado quase exclusivamente pelos processos maturacionais e pela 
experiência cotidiana não-sistemática. As experiências dessa criança permanecem não-media- 
das pelos sistemas simbólicos socioculturais (leitura, escrita, matemática) nem pela experiência 
sistemática de adultos (pais, professores, pessoas mais velhas ou membros proeminentes da 
sociedade). 
A teoria sociocultural reconhece a importância dos chamados períodos sensitivos, mas 
percebe-os não como períodos de manifestação espontânea de funções previamente latentes, e 
sim como reflexos da interação entre o desenvolvimento interno de funções cognitivas e fatores 
socioculturais externos. Por exemplo, Vygotsky atribui o caso de a criança estar mais pronta 
para a leitura na idade de 5 a 7 anos ao fato de que funções cognitivas mais gerais essenciais 
para a leitura estão geralmente em estágio de formação durante essa faixa etária. Antes disso, 
ainda não estão formadas na maioria das crianças. Bem mais tarde, estão completamente 
formadas e tornam-se menos receptivas à influência educacional. O domínio da leitura e de 
outras atividades sistematicamente aprendidas é inseparável do desenvolvimento da função 
cognitiva integrada nessas atividades. 
A teoria da EAM de Feuerstein distingue a “mudança” previsível no desenvolvimento e a 
“modificabilidade” ativamente produzida. A modificabilidade é definida como uma modificação 
estrutural no funcionamento cognitivo de um indivíduo fora do curso esperado do 
desenvolvimento. 
 
Assim definida, a “modificabilidade” difere da “mudança” no sentido de que a mudança é produzida 
por processos maturacionais e de desenvolvimento, enquanto a modificabilidade representa um 
afastamento notável do curso natural de desenvolvimento de um indivíduo como determinado por 
sua base genética e/ou neurofisiológica e/ou experiencial. (Feuerstein, Krasilovsky e Rand, 1978, p. 
197) 
 
Deve-se estar atento ao fato de que, quando Feuerstein e colaboradores escrevem sobre 
“curso normal de desenvolvimento”, o que eles têm em mente é um curso previsto de 
desenvolvimento patológico em crianças com limitações genéticas, orgânicas ou psicológicas. A 
modificabilidade, então, refere-se à capacidade do organismo de mudar o curso do 
desenvolvimento associado a deficiências. Assim, mesmo que a teoria da EAM reconheça o 
efeito de determinantes genéticos, orgânicos e maturacionais, a ênfase principal é dada aos 
fatores experienciais que trabalham contra esses determinantes. 
Os fatores limitantes genéticos, orgânicos e ambientais podem levar à falta da EAM e, 
conseqüentemente, ao desempenho deficiente relativo a tarefas cognitivas e comportamentais. 
 
 
No entanto, se, apesar da hereditariedade e da organicidade, à criança é proporcionada a EAM, 
quando as barreiras que obstruem a mediação são estabelecidas e ultrapassadas por estratégias 
especiais ou pelo aumento da intensidade da exposição à EAM, então a deficiência prevista pode não 
ocorrer, necessariamente. (Feuerstein, Krasilovsky e Rand, 1978, p. 207) 
 
Feuerstein e colaboradores enfatizam que seu modelo não estabelece limites aos processos 
de re-mediação e de re-desenvolvimento e, como tal, não implica períodos críticos de 
desenvolvimento. Admitem que os primeiros anos da infância podem ser considerados como o 
período ótimo para a EAM, mas afirmam que mudanças significativas também podem ser 
alcançadas durante a adolescência e o início da juventude. 
A ênfase na possibilidade de um desvio radical no curso previsto do desenvolvimento 
lança dúvidas sobre a questão do desenvolvimento normativo. Se, por exemplo, a criança que 
teve sérios problemas de comunicação durante seus primeiros anos de vida acaba adquirindo 
uma fala fluente aos nove anos, o que esse desenvolvimento nos diz a respeito do curso 
“normal” do desenvolvimento? 
 
 
AVALIAÇÃO COGNITIVA 
 
Feuerstein e colaboradores também questionaram os métodos existentes de avaliação do 
desenvolvimento normativo. Por um longo tempo, as tarefas piagetianas têm sido consideradas 
um método confiável para determinar o estágio do desenvolvimento cognitivo da criança. Esse 
método é baseado na suposição de que algumas tarefas, como, por exemplo, a conservação de 
matéria, fazem uso de certas estruturas cognitivas fundamentais da criança em 
desenvolvimento. Ao mesmo tempo, comprovou-se (Feuerstein e Richelle, 1963) que novas 
crianças imigrantes de Marrocos demonstraram nessas tarefas um nível de desempenho de 4 a 
5 anos abaixo do nível da norma das crianças israelenses. A análise do desempenho dessas 
crianças revelou que sua dificuldade com a conservação de matéria estava relacionada à 
ausência de comportamento comparativo adequado. Depois que elas foram ensinadas a 
comparar, mostraram desempenho adequado de conservação de matéria. Assim, aquilo que no 
modelo piagetiano funciona como uma estrutura cognitiva básica, na teoria da EAM aparece 
como uma operação complexa, dependente de alguns pré-requisitos cognitivos sensíveis a 
fatores socioculturais e educacionais. 
Resultados semelhantes foram apresentados por Goodnow e Bethen (1966), os quais 
chegaram a resultados mais ou menos semelhantes. Eles observaram a falta de consistência nos 
resultados das tarefas piagetianas entre meninos chineses que tinham pouca ou nenhuma 
escolaridade. Enquanto nas tarefas de conservação (peso, área, volume) essas crianças tiveram 
o mesmo desempenho que seus pares europeus educados, nas tarefas de raciocínio 
combinatório mostraram nível de desempenho consideravelmente inferior. O problema é que, 
para a amostra de crianças européias educadas, o desempenho em ambos os conjuntos de 
tarefas era bastante correlacionado, devendo refletir as mesmas estruturas cognitivas, cuja 
maturação ocorre em determinada idade. A inconsistência dos resultados do desempenho das 
crianças chinesas desafia essa pressuposição teórica. Parece mais plausível acreditar que o 
desempenho nas diferentes tarefas piagetianas depende de diferentes pré-requisitos cognitivos 
que são tanto culturalmente sensíveis quanto treináveis. 
Outro conhecido teste de desenvolvimento, o Desenho da Figura Humana, também se 
mostrou sensível às influências socioculturais. Feuerstein e colaboradores (1979) relatam uma 
diferença de 3 a 4 anos entre os desenhos produzidos porcrianças da classe média urbana e por 
crianças das camadas populares do meio rural. As diferenças culturais e educacionais 
mencionadas podem indicar que, em lugar de refletir certos traços cognitivos maturacionais, as 
chamadas normas de desenvolvimento na verdade apenas captam o desenvolvimento 
demonstrado/manifestado. Para alguns grupos altamente homogêneos, por exemplo, de 
crianças de classe média urbana educadas em escolas regulares, o componente sociocultural 
pode ser reprimido e, assim, as diferenças de desempenho das crianças de idades diversas 
 
 
podem ser facilmente interpretadas em termos de maturação. Quando as populações “atípicas”, 
tais como as de camadas populares, de novos imigrantes e de crianças com deficiências de 
aprendizagem, são avaliadas, essa explanação maturacional torna-se menos convincente. 
A teoria da EAM parece muito mais radical que qualquer outra abordagem em sua rejeição 
do modelo de desenvolvimento normativo. O foco da discussão desloca-se para a 
disponibilidade ou a falta da experiência de aprendizagem mediada. O desempenho da criança, 
antes e depois de mediação intensiva, torna-se um sistema interno de referência, substituindo 
aquele da norma externa ligada à idade. Em termos práticos, isso significa que não é feita 
nenhuma previsão baseada no desempenho corrente da criança, em seu nível final de 
desempenho. Não se mede a criança pelo seu grupo sociocultural ou pelo desempenho médio 
da sociedade como um todo. Tal atitude lembra a posição existencialista com sua ênfase no 
caráter inacabado, não-previsível e “aberto” do indivíduo humano. 
 
 
AGENTES DE MEDIAÇÃO 
 
A mediação serve como palavra-chave em um número considerável de estudos 
educacionais correntes. Há, no entanto, duas faces da mediação: uma humana e a outra 
simbólica. Abordagens que focalizam o mediador humano normalmente tentam responder à 
questão: Que tipo de envolvimento por parte do adulto é efetivo na melhoria do desempenho 
da criança? Já aquelas que focalizam o aspecto simbólico da mediação colocam a seguinte 
questão: Que mudanças no desempenho da criança podem ser alcançadas pela introdução 
das ferramentas mediadoras simbólicas às crianças? 
Na teoria sociocultural, o papel do mediador humano é sublinhado pela noção de que cada 
função psicológica aparece duas vezes no desenvolvimento, uma como forma de interação real 
entre pessoas, outra como forma interiorizada dessa função. Por causa disso, uma das 
preocupações centrais dos estudos socioculturais inspirados em Vygotsky foi elucidar de que 
maneira as atividades que começam como uma interação entre a criança e o adulto tornam-se 
interiorizadas como funções psicológicas da própria criança. 
Os estudos inspirados pelas idéias socioculturais da mediação humana parecem ser 
principalmente dirigidos pelos dados. Eles começam com dados empíricos da interação pais- 
criança e professor-criança e tentam identificar os elementos significativos da mediação 
humana. Os estudos inspirados pela teoria de Feuerstein, pelo contrário, são conduzidos pela 
teoria. Feuerstein postulou que a qualidade da experiência de aprendizagem mediada pode ser 
alcançada apenas se alguns critérios da EAM forem seguidos. Dentre os mais importantes 
critérios está a intencionalidade e a reciprocidade da interação, seu caráter transcendente (isto 
é, ter significado além da situação aqui e agora) e a mediação do significado. Estudos que 
seguem esse postulado focalizam a presença dos parâmetros especificados da EAM na 
interação criança-adulto, as conseqüências da ausência ou da quantidade insuficiente de EAM 
para o desenvolvimento cognitivo e a aprendizagem da criança. Com esse objetivo em mente, 
foram desenvolvidas algumas escalas para medir a presença dos principais parâmetros da EAM 
(Klein, 1988; Lidz,1991). 
Além da mediação proporcionada pelo ser humano, a teoria sociocultural identificou um 
tipo diferente de mediação – a mediação através de instrumentos simbólicos. Dentre os mais 
antigos desses mediadores simbólicos, Vygotsky mencionou “tirar a sorte, amarrar laços e 
contar os dedos”. Além dessas ferramentas simbólicas, ficam vastas áreas de mediadores 
simbólicos de ordem mais alta, incluindo-se aí sinais diversos, símbolos, escrita, fórmulas, 
organizadores gráficos. Na teoria sociocultural, o desenvolvimento cognitivo e a aprendizagem 
dependem essencialmente de a criança dominar os mediadores simbólicos, apropriando-se 
deles e interiorizando-os sob forma de instrumentos psicológicos internos. 
Fazemos referência a um tema importante da relação entre aspectos simbólicos e 
humanos da mediação. Os símbolos podem permanecer inúteis, a não ser que seu significado 
como instrumentos cognitivos seja mediado para a criança de forma apropriada. O simples fato 
de sinais e textos estarem disponíveis não implica que eles serão usados pelos estudantes como 
 
 
instrumentos psicológicos. Isso se torna particularmente claro nos estudos sobre o resultado da 
alfabetização. A escrita, em suas diversas formas, constitui a principal classe de mediadores 
simbólicos e, por esse motivo, a questão do papel mediativo da alfabetização tem estado no 
centro do debate educacional. Seguidores de Vygostsky, acreditando que a aquisição da 
alfabetização modifica o sistema inteiro de processos cognitivos do aprendiz, tentaram provar 
isso com seus estudos pioneiros na Ásia Central. Mais recentemente, a centralidade da 
alfabetização e da escrita para o desenvolvimento de processos cognitivos mais elevados foi 
reafirmada por Olson (1994). Contudo, há sérias razões para acreditar que a alfabetização como 
tal não tem uma influência inequívoca no funcionamento cognitivo. A fim de colocar a questão 
de um modo adequado, deve-se perguntar sobre o tipo de alfabetização, o contexto no qual foi 
adquirida e o tipo de tarefas que exigem processos cognitivos hipoteticamente influenciados 
pela alfabetização (Scribner e Cole, 1981; Scribner, 1997). Scribner e Cole demonstraram que a 
alfabetização adquirida no contexto dos estudos religiosos, da aprendizagem doméstica e da 
escola formal apresentava diferentes características e impacto diverso nos processos cognitivos. 
Por exemplo, a alfabetização em língua não-nativa adquirida no contexto dos estudos 
religiosos, com o objetivo de memorizar os textos sagrados, demonstrou influenciar a facilidade 
do estudante com as tarefas da memória, mas não mostrou influência nas outras funções 
cognitivas. 
Essa descoberta faz com que retornemos à questão, já colocada, da apropriação dos 
mediadores simbólicos. Tal apropriação, aparentemente, depende do objetivo que o professor 
– ou o pai – coloca para o instrumento-mediador oferecido ao estudante. Muitas vezes, temos a 
tendência de confundir a alfabetização em um sentido genérico com um tipo especial de 
alfabetização analítica que se supõe seja a meta da educação formal. Nem todo o tipo de 
alfabetização leva às mudanças cognitivas observadas nos estudos vigotskianos. Além disso, 
nem mesmo a alfabetização adquirida no ambiente nominalmente educacional formal provoca 
necessariamente mudanças cognitivas, a não ser que essa alfabetização seja mediada para o 
estudante como um instrumento cognitivo. Nossa pesquisa (Kozulin, 2000a) com novos 
imigrantes adultos, originalmente educados em escolas do Terceiro Mundo, demonstrou que 
sua habilidade de ler, escrever e resolver problemas básicos de matemática em sua língua 
nativa quase não influenciou suas habilidades gerais de resolver problemas. O desempenho 
cognitivo desses sujeitos só melhorou depois que os sistemas simbólicos relevantes para a 
atividade de solucionar problemas foram sistematicamente trabalhados com eles. Pode-se 
suspeitar que a alfabetização e o conhecimento dos números foram-lhes ensinados como 
habilidades estritamente técnicas com o objetivo limitado de serem capazes de decodificar, 
memorizar e reproduzir textos, bem como executar cálculos básicos. O otimismo inicial 
referente ao podertransformador dos mediadores simbólicos deveria ser qualificado. É 
verdade que, por sua própria natureza, os mediadores simbólicos têm a capacidade de se 
tornarem ferramentas cognitivas. Para que isso aconteça, os mediadores deverão estar em 
condições apropriadas muito especiais, que enfatizam seus significados próprios como 
instrumentos cognitivos. 
 
 
EDUCAÇÃO COGNITIVA 
 
Cada vez mais, tem sido reconhecida a necessidade da introdução sistemática dos 
estudantes aos sistema simbólicos que servem como instrumentos no trabalho com materiais 
de aprendizagem. Todavia, na prática educacional regular, o papel dos instrumentos 
psicológicos muitas vezes é obscurecido pelo fato de que a aquisição de material de conteúdo e 
a aquisição de ferramentas simbólicas estão interligadas. Sob certas circunstâncias, porém, a 
aquisição normativa das ferramentas psicológicas é obstruída. Isso acontece quando um grande 
número de instrumentos simbólicos não está disponível na cultura nativa da criança (por 
exemplo, em uma sociedade tradicional analfabeta), ou quando desvantagens específicas de um 
indivíduo (por exemplo, a cegueira) interferem na apropriação dos instrumentos simbólicos 
 
 
disponíveis para os outros. É por essa razão que a aquisição e o uso de ferramentas psicológicas 
podem ser estudados em dois contextos: 
 
1. No contexto do desenvolvimento regular da educação formal, que inclui a 
aquisição das ferramentas psicológicas como um elemento integral do processo de 
aprendizagem. 
2. No contexto dos programas especiais de intervenção cognitiva, que fornecem 
ferramentas psicológicas aos alunos que, por uma razão ou outra, não os possuem. 
 
Muitas das abordagens educacionais correntes enfatizam que a cognição, a aprendizagem 
e a instrução não deveriam ser consideradas isoladamente. A teoria sociocultural declara que a 
instrução é o verdadeiro motor do desenvolvimento cognitivo da criança, enquanto Feuerstein 
enfatiza que o processo instrucional somente será bem-sucedido se se prestar atenção aos pré- 
requisitos cognitivos da aprendizagem. A meta da intervenção educacional baseada na 
Experiência da Aprendizagem Mediada é realçar a modificabilidade cognitiva dos alunos. Essa 
meta leva à natureza livre de conteúdo do Programa do Enriquecimento Instrumental 
(Feuerstein et al., 1980). Argumenta-se que a aquisição das funções e estratégias cognitivas 
mais básicas, isto é, do processo de aprender como aprender, não exige materiais de conteúdo 
específicos. 
O fato de o Enriquecimento Instrumental (EI) não ter conexão com uma área específica de 
conteúdo não significa que ele não tenha conteúdo algum. Tarefas usadas nesse programa 
exigem algum conhecimento de conteúdo básico, tal como o de figuras geométricas. Quando os 
alunos demonstram a falta de um conhecimento particular qualquer necessário para o trabalho 
com o material do programa, então eles obtêm esse conhecimento durante as aulas do EI. Esse 
conhecimento, porém, é apresentado como um meio, e não como meta. Informações e regras 
matemáticas, geográficas ou lingüísticas são fornecidas tendo como objetivo a cognição em 
geral, e não as disciplinas específicas. Uma vez que os princípios e as estratégias cognitivas 
gerais são desenvolvidos durante as lições do EI, eles são “transpostos” (isto é, transferidos) 
para temas de conteúdo. A quantidade e a qualidade dessa “transposição” depende da 
habilidade e da iniciativa do professor. Como o EI é, em primeiro lugar, um programa de 
melhoria cognitiva, sua efetividade foi avaliada predominantemente através de medidas 
cognitivas. Nesse aspecto, parece ser particularmente eficiente para desenvolver as habilidades 
de solucionar problemas, em especial medidas pelos testes não-verbais (Kozulin, 2000b). Com 
relação ao efeito de “transferência” para conteúdos escolares, os resultados não são sempre 
consistentes ou fáceis de interpretar. Uma razão para essa influência pouco clara do Programa 
de Enriquecimento Instrumental (PEI) na aprendizagem de conteúdos escolares é que o 
funcionamento efetivo exige, além de boas habilidades cognitivas, também uma base de 
conhecimento sobre o qual tais habilidades poderão ser aplicadas. Na realidade, porém, os 
professores que participam do programa não têm, muitas vezes, a oportunidade de oferecer um 
corpo substancial de conhecimento acadêmico para os alunos-alvo do programa. Como 
resultado, as mudanças no funcionamento cognitivo dos alunos não tiveram repercussão em 
seu aprendizado de conteúdos escolares específicos. 
Nem todos os programas de educação cognitiva favorecem uma abordagem neutra quanto 
ao seu conteúdo. A teoria sociocultural descreve dois processos conceituais diferentes 
associados à aprendizagem de conteúdos: a formação de conceitos espontâneos, empíricos ou o 
desenvolvimento de conceitos científicos. A aquisição de conceitos do senso comum não 
acrescenta muito ao desenvolvimento cognitivo do estudante, porque esses conceitos são 
baseados em mecanismos cognitivos já existentes e simplesmente somam rica experiência 
empírica. É claro que, algumas vezes, as habilidades cognitivas da criança podem ser 
insuficientes até mesmo para a aquisição de conceitos espontâneos; nesse caso, os programas 
de intervenção cognitiva neutros quanto ao conteúdo podem tornar-se bastante úteis. 
Entretanto, a teoria sociocultural preocupa-se mais com a necessidade de levar a criança além 
dos conceitos espontâneos empiricamente ricos, mas não-sistemáticos e freqüentemente 
contraditórios, até o domínio da conceitualização erudita que corresponde ao raciocínio 
 
 
sistemático característico das ciências e das humanidades. Nessa esfera, não há oposição entre 
mecanismos cognitivos e conhecimento específico de conteúdo, pela simples razão de que o 
conteúdo aparece, aqui, em uma forma conceitual que define não apenas esse conteúdo, mas 
também o tipo de raciocínio envolvido. Como a teoria sociocultural enfatiza o caráter histórico 
da cognição humana, a estrutura conceitual do conhecimento de disciplinas aparece como uma 
autêntica forma de pensamento humano. Em outras palavras, não existe algo chamado de 
pensamento puro, aplicado às vezes a problemas físicos, às vezes a problemas lingüísticos. As 
formas de raciocínio na física e na lingüística constituem formas verdadeiras de pensamento 
humano, correspondendo a atividades socioculturais historicamente específicas, tais como 
indagação física ou lingüística. Apropriadamente organizada, a aprendizagem de conteúdo 
daria origem a muitas das estratégias cognitivas gerais que servem como foco dos programas 
de educação cognitiva. 
A formação dos pré-requisitos para atividades de aprendizagem começam já no período 
maternal. 
 
A atividade de aprendizagem pressupõe o desenvolvimento do pensamento teórico, cuja base é um 
sistema de conceitos científicos. Para as crianças de cinco anos, no entanto, as formas lógico- 
conceituais de cognição não são tão típicas quanto as imaginativo-visuais. Como conseqüência, 
nessa idade não deveria, ainda, ser desenvolvida como tal uma atividade de aprendizagem qualquer, 
mas, na verdade, seus pré-requisitos. O fundamento mais adequado para o domínio subseqüente do 
sistema de conceitos científicos são as noções esquemáticas generalizadas que visualmente refletem 
as ligações e relações essenciais dos conceitos a serem dominados. (Vender e Gorbov, 1993, p. 3) 
 
Pode-se notar uma certa similaridade entre a ênfase nos pré-requisitos de aprendizagem 
nos programas vygotskianos regulares da pré-escola e os programas compensatórios de 
Feuerstein para crianças em idade escolar. A similaridade não é acidental, porque uma das 
metas do Programa de Enriquecimento Instrumental de Feuerstein é formar, em crianças mais 
velhas, aquelas funções que crianças mais favorecidas adquirem mais cedo. Assim, em sua 
função compensatória, o PEI é similar à função geradora de desenvolvimento dos programas 
vygotskianos da pré-escola e da primeirasérie. 
 
 
INTERFACES TEÓRICAS 
 
Identificaremos a seguir as interfaces teóricas entre a teoria da EAM e a mudança em 
pauta da educação contemporânea. A primeira interface surgiu em torno da questão do 
desenvolvimento cognitivo da criança, que, por sua vez, surgiu como um processo fortemente 
dependente da mediação humana e simbólica provida pela comunidade, através dos pais, 
colegas, professores e outros mediadores. Os marcos referenciais do desenvolvimento cognitivo 
acabaram por se mostrar culturalmente específicos. O curso do desenvolvimento patológico 
pode ser radicalmente transformado através de esforços maciços de medicação. Apesar de ser 
evidente que a avaliação cognitiva deveria referir-se ao potencial de aprendizagem da criança, 
em lugar de referir-se ao nível demonstrado de desempenho, uma exploração adicional é 
necessária para decidir como referenciar as medidas do potencial de aprendizagem sem 
diminuir as chances da criança para uma melhoria cognitiva sensível no futuro. 
A segunda interface localiza-se na área dos mediadores humanos e simbólicos. Seria 
necessária a realização de um número maior de pesquisas na classificação dos diferentes tipos e 
técnicas de mediação e sua influência nos resultados cognitivos e de aprendizagem. Aqui, o 
ponto mais importante é a interação entre aspectos humanos e simbólicos de mediação. É 
possível que as crianças não se apropriem de sistemas simbólicos se eles não lhes forem media- 
dos adequadamente. O desencanto atual com alguns dos programas de aprendizagem baseados 
no computador provém exatamente dessa fonte. O computador é potencialmente uma fonte 
muito rica de instrumentos psicológicos. No entanto, tais instrumentos não serão dominados 
pelas crianças se a interação entre elas e o computador permanecer sem mediação. 
 
 
A última interface situa-se na área das relações entre educação cognitiva e aprendizagem 
de conteúdo. Em primeiro lugar, alguns instrumentos psicológicos embutidos nos programas 
de educação cognitiva como o PEI deveriam tornar-se disponíveis para aqueles alunos que não 
os detêm. Em segundo lugar, o modelo de ensino mediado desenvolvido na educação cognitiva 
pode ser usado de maneira proveitosa também no ensino de conteúdos. E, finalmente, deveria 
ser encontrada uma fronteira entre as funções cognitivas básicas que servem como alicerce 
para qualquer atividade de aprendizagem e as funções cognitivas mais especializadas 
associadas à aprendizagem conceitual de diferentes conteúdos. Aparentemente, essas funções 
básicas tornam-se incorporadas e transformam-se dentro do novo sistema conceitual. A 
exploração do processo de tal incorporação pode levar a um projeto mais adequado dos 
programas de aprendizagem de conteúdo que incluem elementos cognitivos. 
Alex Kozulin 
ICELP – Israel 
 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
 
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thinking styles: classroom applications. Washington, DC: National Education Association, 1990. p. 68-134. 
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VYGOTSKY, L. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1991. 
1 
 
 
Introdução 
 
 
 
 
 
DILEMA DE QUEM ESCREVE 
 
Havia em Teerã, na Pérsia, um velho mercador que tinha três filhos. Um dia, o mercador chamou os 
jovens e disse-lhes: 
— Aquele que passar o dia sem pronunciar palavras inúteis receberá de mim um prêmio de vinte e 
três timões. 
2 
 
 
 
Ao cair da noite, os três filhos foram ter à presença do ancião. Disse o primeiro: 
— Evitei hoje, meu pai, todas as palavras inúteis. Espero, portanto, merecer (segundo a vossa 
promessa) o prêmio combinado – prêmio esse de vinte e três timões, conforme deveis estar 
lembrado. 
O segundo aproximou-se do velho, beijou-lhe as mãos e limitou-se a dizer: 
— Boa noite, meu pai! 
O mais moço, finalmente, não pronunciou palavra alguma, aproximou-se do velho e estendeu-lhe 
apenas a mão para receber o prêmio. O mercador, ao observar a atitude dos três rapazes, assim 
falou: 
— O primeiro, ao chegar à minha presença, fatigou-me a atenção com várias palavras inúteis; o 
terceiro mostrou-se exageradamente lacônico. O prêmio caberá, pois, ao segundo, que foi discreto, 
sem verbosidade e simples, sem afetação. (Tahan, 1997, p. 26) 
 
Inicio a exposição deste livro utilizando a metáfora da palavra inútil. É uma forma não- 
usual de introduzir as intenções que permeiam um livro, mas que justamente visa a expor a 
dificuldade da escrita, por meio da clareza e da desenvoltura das idéias. Escrever não é tarefa 
fácil, pois engloba pelo menos dois fatores fundamentais. Primeiro, os conceitos devem estar 
bem definidos e deve haver coerência lógica entre as idéias. Segundo, o fluxo deve ser agradável 
e seqüencial, possibilitando ao leitor navegar juntamente com o escritor em uma aventura 
difícil que é a busca pelo saber e pela construção do conhecimento. 
Este livro tem seu embrião em uma necessidade particular de escrever sobre a teoria de 
Reuven Feuerstein, contextualizando-a na prática e nas vicissitudes do campo psicoeducativo. 
Como bem argumenta Mezan (1998), há um momento da prática e um momento da escrita 
(sobre essa prática): este é o momento da escrita. 
Segundo Nasio (1988), eminente psicanalista da atualidade, há um saber sensato e um 
saber inventado, produzido pelo setting analítico. No caso, o saber inventado produz-se 
através da experiência do analista, no momento de sua atuação clínica, em que várias 
perguntas e enigmas abrem-se no instante do ato analítico. Sobre esse lugar inseguro, 
inaugurando uma necessidade de construção que dê conta justamente de sua incerteza, 
demarca-se o saber sensato: produção de uma certeza parcial para o incerto. 
Por que me referir ao saber sensato e ao saber inventado exatamente neste contexto 
introdutório? Porque considero que a metáfora-teorização de Nasio abrange todo o campo 
científico (não somente o clínico) e quem trabalha com o ser humano, em suas dimensões 
psicoeducativas, sejam cognitivas e/ou emocionais, navega em um terreno movediço, em um 
terreno na qual interagem ambos os saberes no caminho da construção do conhecimento. Por 
isto, entrego-me às palavras de Paul Watzlawick: 
 
(...) na melhor das hipóteses só podemos saber acerca da realidade o queesta não é. O capitão de um 
navio deve atravessar um estreito durante uma noite escura e tempestuosa, sem conhecer sua 
configuração, sem carta náutica nem farol, sem nenhum instrumento de navegação. Ou naufragará 
ou, se conseguir atravessar o estreito, voltará a navegar em segurança. Se se chocar contra os 
rochedos e o capitão perder a embarcação e a vida, o naufrágio será a comprovação de que a rota 
escolhida não era a adequada para a travessia do estreito. Por assim dizer, o capitão terá descoberto 
o que a rota não era. Pelo contrário, se chegar são e salvo, ficará apenas demonstrado que a rota 
escolhida não o levou a chocar-se, literalmente, com nenhum rochedo. O êxito não ensina nada ao 
capitão sobre a verdadeira configuração do estreito; ele não sabe se navegou o tempo todo em 
segurança, ou se cada momento esteve na iminência da catástrofe: cruzou o estreito como um cego. 
Seu roteiro conformou-se às condições (por ele desconhecidas) do local, mas não correspondia 
necessariamente a ele (se se entender esse termo na acepção de Von Glasersfeld), isto é, a rota não 
correspondia à verdadeira natureza do estreito. É fácil perceber que a verdadeira configuração do 
estreito talvez permitisse roteiros mais curtos e mais seguros. (Watzlawick, 1994, p. 22-23) 
3 
 
 
 
É no desejo de desbravar alguns enigmas relativos ao campo da cognição humana, 
contextualizado na prática educativa e orientado por uma construção teórica mais ampla, que 
norteie a diversidade de caminhos e possibilidades, que este livro se inscreve. A primeira parte, 
constituída pelo Capítulo 1, é dedicada a uma síntese bastante sucinta das teorias de Piaget e 
Vygotsky, não só por marcar e demarcar fundamentos de práticas educativas, mas 
especialmente por formar a base para compreensão e contextualização da proposta 
psicoeducativa de Feuerstein: teoria e sistemas aplicados. 
A segunda parte introduz Reuven Feuerstein. No Capítulo 2, há a explicitação das bases 
conceituais e dos princípios que sustentam a Teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural 
(TMCE). No Capítulo 3, é exposto o conceito de Experiência de Aprendizagem Mediada (EAM), 
fundamental no pensamento de Feuerstein, por ser considerada não só como a modalidade 
universal de aprendizagem, que permeia a construção do conhecimento humano, mas também 
como a modalidade particular de interação humana e fonte de modificabilidade e flexibilidade 
mental. O Capítulo 4, por sua vez, trata do processo cognitivo através de dois aspectos: as 
funções cognitivas e as operações mentais. O Capítulo 5 é constituído por duas seções, nas 
quais se busca apresentar os dois sistemas aplicativos psicoeducativos desenvolvidos por 
Feuerstein e sua equipe, a saber: 
 
1. Método de Avaliação do Potencial de Aprendizagem (LPAD)*: A primeira seção 
diz respeito ao método dinâmico de avaliação cognitiva, através do qual se procura 
identificar o nível de modificabilidade do ser humano, o seu potencial de 
aprendizagem, e determinar em que condições e modalidades esse potencial pode ser 
acessado. 
2. Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI): A segunda seção diz respeito 
ao programa de intervenção psicoeducativo de natureza cognitiva, importante 
metodologia que busca ampliar a capacidade das pessoas para aprender e alterar seu 
nível de inteligência. 
 
Na terceira parte, o Capítulo 6 problematiza a proposta de Feuerstein no campo da 
educação, principalmente nas práticas educativas escolares, e o Capítulo 7 discute a relação 
entre o plano cognitivo e o plano afetivo-emocional. 
Concluindo, para Karl Popper (1993), o caminho do conhecimento científico não é apenas 
a evidência de uma hipótese, mas a possibilidade de sua refutação. Entretanto, como vimos em 
Watzlawick (1994), as hipóteses são cegas à totalidade, sendo em sua essência refutáveis, se 
não experimentalmente, então por meio de axiomas divergentes, nós, limites dentro da própria 
teoria. As hipóteses são caminhos para que os “capitães” possam navegar. 
Nesse rumo, pode-se dizer que o mais importante não é que as hipóteses possam ser 
refutadas em um critério experimental (apesar de sua importância), e sim que possam suportar 
a realidade humana da forma mais criativa e empreendedora, possibilitando que nós sejamos 
capitães de algo que ofereça um sentido a nós mesmos. Com respeito a isso, espero que as 
palavras mostrem-se propícias. 
 
 
*A sigla LPAD será utilizada neste livro por ser amplamente utilizada, correspondendo em 
inglês a Learning Potential Assessment Device. 
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Parte I 
1 
 
 
 
Teorias de Piaget e Vygotsky: Modelos 
Norteadores para a Educação 
 
 
O CONSTRUTIVISMO PIAGETIANO 
 
Falar de Piaget é sempre difícil, porém fundamental, por duas razões. Primeiro, 
possivelmente nenhum outro pesquisador, em nível individual, tenha tido tanta influência no 
terreno da cognição e da educação. Segundo, suas idéias são tão ricas que até hoje continuam 
fomentando pesquisas, até mesmo em tendências diferentes e divergentes do próprio 
construtivismo. Durante quase toda a sua vida acadêmica, o grande teórico da mente infantil 
buscou entender as transformações existentes no desenvolvimento da inteligência, enfocando, 
por isso mesmo, o estudo da criança e do adolescente (Gardner, Kornhaber e Wake, 1998). 
Piaget partiu do pressuposto de que a estrutura cognitiva deve ser concebida como um 
processo em transformação, e as pesquisas, em nenhuma condição, poderiam ser conduzidas e 
reduzidas a uma análise simplesmente descritiva e estática da mente. Entender as 
transformações qualitativas pelas quais passa a mente humana é entender o próprio estado da 
mente (Piaget e Inhelder, 1988). Graças aos estudos piagetianos, o conhecimento sobre as 
transformações qualitativas das atividades mentais tornou-se amplo e verticalizado ao mesmo 
tempo. Segundo ele, a estrutura cognitiva é construída em etapas, e pode-se dizer que cada 
etapa apresenta uma qualidade própria que incorpora as anteriores (Piaget, 1988). Por isso, 
sua corrente de pensamento foi denominada de construtivismo: a estrutura mental e o 
conhecimento são construídos em uma relação dialética entre a maturação biológica e o 
ambiente. 
Os estímulos do mundo, analisados por certos empiristas como passíveis de serem 
incorporados diretamente pelo organismo, são vistos de outra maneira por Piaget (1987). 
Determinando que os estímulos do mundo são organizados pelo organismo através da 
estrutura cognitiva, Piaget preconizou e definiu dois conceitos elementares em sua teoria: a 
assimilação e a acomodação. 
O conceito de assimilação demarca-se justamente pela capacidade da estrutura cognitiva 
do indivíduo em atuar no ambiente. O organismo assimila a realidade à sua maneira, ou seja, 
de acordo com a capacidade de sua estrutura interna (Piaget, 1987). Em contrapartida, a 
estrutura cognitiva também é mobilizada e modifica-se em função dos objetos da realidade, 
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acomodando-se aos mesmos: tem-se o conceito de acomodação (Piaget, 1987). Piaget 
determina e defende a idéia de que a estrutura cognitiva funciona através do movimento 
contínuo e dialético entre a assimilação do real e sua acomodação. O conceito de assimilação 
define que todo ser humano primeiro filtra e interpreta os estímulos do mundo, segundo a 
capacidade de sua estrutura cognitiva interna. Uma criança de quatro de anos assimila, ou seja, 
interage com o mundo diferentemente de um adulto, pelo simples motivo de que suas 
estruturas cognitivas (da criança e do adulto) são qualitativamente diferentes. Já o conceito de 
acomodação define que a estrutura cognitiva é capaz de ser modificada pelo mundo, pelos 
objetos que interagem com o indivíduo. 
Para Piaget, o comportamento inteligente é um processo que envolve a presença dialética 
entre assimilação e acomodação. Por exemplo, desde o nascimento, a criança apresenta uma 
herança filogenética (de sua espécie), como é o caso dos reflexos presentes no nascimento. 
Segundo Piaget(1987), a estrutura cognitiva prévia, proveniente dessa herança filogenética, 
tem a tendência e a propensão de apreender a realidade de acordo com seus recursos internos, 
demarcando o conceito de assimilação já desde os primeiros dias do bebê. Quando ele começa a 
emitir o reflexo da sucção, inicialmente há o puro reflexo, enquanto movimento ou ação 
indiferenciada, sem o referencial específico de um objeto. O bebê simplesmente movimenta sua 
boca em um exercício reflexo, e essa sucção sem a presença do objeto é uma forma de 
assimilação pura. Entretanto, pelo contato com o seio da mãe, o objeto-seio transforma 
gradativamente o sugar, por meio da acomodação, o que transpõe, por sua vez, o reflexo puro 
em uma ação inteligente, dirigida ao objeto. Assim, Piaget sustenta que todo comportamento 
inteligente é uma relação entre a capacidade de assimilar a realidade e a capacidade de se 
modificar, ou seja, de se acomodar frente aos desafios proporcionados pelos objetos da 
realidade. 
Piaget buscou analisar o desenvolvimento da estrutura cognitiva desde o bebê, porque ele 
partia do pressuposto de que todas as funções cognitivas são construídas, e não simplesmente 
pré-formadas, inatas.1 Na verdade, o modelo piagetiano baseia-se no modelo biológico de 
equilíbrio e auto-regulação. Através de desequilíbrios com o ambiente, o organismo entra em 
conflito, o que acarreta uma necessidade de readaptação. Essa necessidade de readaptação 
promove novas acomodações da estrutura interna frente ao mundo, o que a enriquece, 
tornando-a cada vez mais adaptada. A capacidade da estrutura de se acomodar, conforme a 
necessidade provocada por conflitos cognitivos, garante o movimento de equilibrações 
progressivas (Inhelder, 1987), de modo que podemos dizer que a estrutura cognitiva assimila o 
mundo de acordo com suas habilidades e que, quando surge um conflito, ela busca acomodar- 
se frente ao mundo, em um processo de auto-regulação. Essa rede complexa e não-linear de 
conflitos cognitivos produzidos pelo ambiente e persistente ao longo da vida do indivíduo 
somente tem sentido porque a estrutura cognitiva, para Piaget (1988), é flexível e auto- 
regulada. 
Piaget (1990) chama a atenção para o fato de que, para todas as funções cognitivas em 
desenvolvimento, primeiro há o predomínio da assimilação para, em seguida, a acomodação 
alterar e melhorar o funcionamento da própria função. Assim, em todas as etapas descritas por 
Piaget, primeiro há um movimento funcional próprio (assimilação) que se especializa e se 
modifica pelo contato com os objetos (acomodação). 
Na tentativa de definir a construção do conhecimento e da estrutura cognitiva, Piaget 
concomitantemente postulou quatro etapas fundamentais do desenvolvimento cognitivo. Cada 
fase apresenta características particulares, diferenciadas, desenvolvendo-se de acordo com o 
princípio da auto-regulação, apontada anteriormente. Descrevendo-as esquematicamente, 
temos: 
 
1. Período sensório-motor (até por volta dos 2 anos): caracteriza-se pela 
inteligência puramente manipulativa e direta (esquemas de ações). É nessa fase que se 
formam as primeiras noções de objeto, espaço-tempo e causação (Piaget, 1987). 
2. Período pré-operatório (por volta dos 2 aos 7 anos): é marcado pela aquisição 
da linguagem e da representação mental, estabelecendo-se, a partir de então, o 
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pensamento propriamente dito. Os esquemas práticos e manipulativos adquiridos pela 
criança no período anterior são interiorizados e transformados em ações virtuais, já 
que passam a ser representados mentalmente. Apesar do imenso progresso alcançado, 
as representações infantis desse período são parciais e intuitivas, determinando um 
conhecimento ainda não-lógico sobre a realidade (Piaget, 1990). 
3. Período operatório concreto (por volta dos 7 aos 11 anos): caracteriza-se pelo 
pensamento reversível. As operações mentais como seriações e classificações (Piaget e 
Inhelder, 1983) ganham estatuto de pensamento lógico. A criança compreende a 
conservação da noção de substância, peso e volume (Piaget e Inhelder, 1983a), além da 
conservação da noção de quantidade (Piaget e Szeminska, 1981). O espaço (Piaget e 
Inhelder, 1993) e o tempo (Piaget, s.d.) passam a ser quantificados através de uma 
métrica (relação quantitativa entre os elementos) e de um sistema de referência 
reversível. 
4. Período operatório formal (acima dos 12 anos): destaca-se pelo 
desenvolvimento do pensamento formal, dotado de aspectos probabilísticos e 
combinatórios (Piaget e Inhelder, s.d.). O pensamento sai do plano concreto e passa a 
ser determinado por meio de proposições e de enunciados (Piaget e Inhelder, 1972). 
 
Mais do que períodos rígidos ou idades fixas e bem determinadas (Piaget, 1988), essas 
fases devem ser compreendidas como qualidades da mente humana. Gardner, Kornhaber e 
Wake (1998), citando várias pesquisas atuais, demonstram que a cronologia das fases não é tão 
segura e que, dependendo de certos fatores experimentais, a criança pode atingir algumas das 
fases piagetianas em uma idade bem anterior à esperada. Ainda com relação às idades ou à 
faixa etária de cada período do desenvolvimento cognitivo, é necessário ressaltar que Piaget 
tomava como referência as idades de crianças que apresentavam características funcionais 
definitivamente já maduras.2 
Retomemos as fases piagetianas, aprofundando o estudo sobre o desenvolvimento da 
estrutura cognitiva, pois isso nos ajudará a entender melhor a proposta de Feuerstein, a ser 
discuta posteriormente. Assim, o período sensório-motor é a fase em que a criança, até por 
volta dos dois anos, ainda não está inserida na ordem da linguagem, mas desenvolve de forma 
significativa vários processos inteligentes. Como já dissemos, o bebê inicia sua vida com 
esquemas previamente determinados e, gradativamente, adquire esquemas construídos. Aos 
poucos, ele vai adquirindo comportamentos cada vez mais inteligentes, o que é explicado pelo 
conceito de esquema, o mais importante conceito desse período. Como ilustração desse 
conceito, podemos pensar no fenômeno da preensão, reflexo básico humano. Inicialmente 
reflexa, a preensão é apenas uma ação automática e indiferenciada. Porém, através de contatos 
com os objetos, ela sofre o processo da acomodação, já não sendo a mesma ação para qualquer 
objeto. Por exemplo, a preensão de uma latinha é muito diferente da preensão de um gelo. Com 
o desenvolvimento progressivo, o esquema de preensão passa a compreender todas as ações de 
pegar, aprendidas no contato com o ambiente, ou seja, um conjunto de ações modificadas, 
especializadas e adaptadas forma um esquema. 
Ao longo do desenvolvimento da fase sensório-motora, os esquemas começam a se 
interligar uns aos outros em um processo de coordenação. Como exemplo, temos uma ligação 
muito importante efetuada entre o esquema do acompanhamento visual a um determinado 
objeto e o esquema da preensão, ligação essa que ocorre entre a percepção (esquema da visão) 
e a ação motora (esquema da preensão), tornando possível o pegar e o olhar ao mesmo tempo. 
Antes dessa coordenação, o bebê ou olhava o objeto, ou pegava o objeto, mas não fazia as duas 
coisas simultâneas e conjuntamente! Por volta dos 18 meses, a criança já apresenta uma 
riqueza enorme de esquemas, podendo, assim, interagir intencionalmente com os objetos e 
formular relações de causa e efeito entre suas ações e as modificações causadas no ambiente a 
partir de suas ações. Nesse período, os esquemas prévios e os esquemas construídos iniciam o 
desenvolvimento das operações mentais, como, por exemplo, a classificação e a seriação, além 
da formação das categorias do pensamento, como as noções de espaço, tempo, objeto e causa e 
efeito. 
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A importância da fase sensório-motora não se restringe ao fato, já em si da maior 
importância, de que a maioria das operações mentais inteligentes aí se inicia. Piaget (1973) 
demonstra que a inteligência é anterior à linguagem, seguindo exatamente agênese dos 
processos sensório-motores.3 Nessa linha de pensamento, ele preconiza que a inteligência 
constitui-se primeiramente pela ação e depois pelo recurso da imagem e da palavra, assim 
como do conceito, ou seja, o que inicia o processo inteligente no ser humano é a ação. 
Piaget (1977) realizou uma série de experimentos-tarefas, nos quais crianças de 4 a 14 
anos deveriam atingir determinados objetivos por meio de uma seqüência de ações 
inteligentes. Essas crianças, além de agir para realizar o objetivo, deveriam, posteriormente, 
definir suas próprias ações, indicando uma tomada de consciência. Tais pesquisas 
demonstraram que os objetivos eram atingidos através de ações sensório-motoras por quase 
todas as crianças e que sua conceituação plena e coerente somente era realizada pelas crianças 
mais velhas, por volta dos 11 ou 12 anos, faixa de desenvolvimento do período operatório 
formal.4 
Apesar da importância do período sensório-motor no desenvolvimento infantil, por volta 
dos dois anos acontece uma revolução na criança, denominada de período pré-operatório. Essa 
fase é muito importante, porque marca a inserção da linguagem e da representação mental no 
ser humano, provocando uma transformação radical na estrutura cognitiva. E por quê? A 
criança passa a simbolizar, a representar suas ações tanto mentalmente quanto graficamente 
(por desenhos), gestualmente (por imitação). Se no período sensório-motor a criança interage 
com o mundo somente por meio de esquemas imediatos, agora ela começa a interiorizar as 
características dos objetos e sua relação com os mesmos. Assim, ela passa a representar suas 
ações no mundo e também a representar o ambiente que a cerca. 
A fala, a representação mental, a imitação e o jogo simbólico são todos recursos próprios 
adquiridos no período pré-operatório, e é graças a essa fase que a criança adquire a capacidade 
de virtualizar as experiências concretas e práticas e invocá-las, seja em termos de uma imagem 
mental de uma ação passada, seja em termos de palavras que generalizam as ações para vários 
contextos e vários outros objetos. Entretanto, a capacidade figurativa e lingüística da criança 
nesse nível possui algumas características específicas, próprias de seu desenvolvimento. 
Piaget (1990), sem dúvida, foi o pesquisador que mais contribuiu para o estudo das 
minúcias do desenvolvimento, oferecendo uma análise das diversas formações simbólicas da 
criança. O estudo da formação simbólica infantil efetivamente causou grande repercussão nas 
práticas educativas. Como exemplo, temos o ensino da alfabetização. 
Analisemos o desenvolvimento dos símbolos no pensamento da criança no período pré- 
operatório. Em seu início, o simbolismo infantil abdica da objetividade para apenas externar o 
desejo interno do ego, ou do eu, frente ao mundo: destacam-se a imitação e o jogo simbólico. A 
imaginação, nesse momento, é bastante parcial e fragmentada. Somente a partir de uma série 
de transformações é que a criança começa a simbolizar os dados do mundo de uma forma 
objetiva e descentrada, o que marca justamente o final desse período pré-operatório. 
Nessa fase de desenvolvimento, ocorre uma dicotomia bastante evidente entre a 
acomodação e a assimilação, já que elas passam a se “hiperespecializar”, pois em determinados 
momentos do funcionamento mental há um forte predomínio da assimilação e em outros 
momentos um forte predomínio da acomodação. Na imitação, por exemplo, há uma 
dominância da acomodação, invertendo a situação no jogo simbólico, em que há o predomínio 
da assimilação. Apesar dessa dicotomia, os dois processos caminham progressivamente para 
um ponto de equilíbrio, marcado na próxima fase (Piaget, 1990). 
Um aspecto que não deve passar despercebido ao estudioso da cognição é o conceito de 
egocentrismo. Nessa fase pré-operatória, a criança representa suas ações, podendo virtualizar e 
antecipar suas respostas futuras, mas apenas em uma concepção egocêntrica, a qual diz 
respeito a uma forma de representação que apenas estabelece pontos parciais e fragmentados 
da realidade (Piaget, s.d.). A respeito da aquisição do conhecimento, Piaget enfoca que, para as 
crianças dessa fase, o mundo é feito dentro de uma ordem causal, em que o sujeito está em 
primeiro lugar. Assim, se uma criança constata que sua cidade possui um rio e que esse rio 
fornece riqueza à sua cidade, muito provavelmente generalizará que todas as cidades possuem 
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um rio que fornecem riqueza. Piaget (1990) enfoca a existência de um pensamento pré-lógico, 
denominado transdução, marcado pela ausência de conceitos propriamente ditos.5 
Embora o egocentrismo6 seja uma característica importante da fase pré-operatória, 
demonstrando uma incapacidade de a criança perceber e analisar a realidade em um todo 
coerente e lógico, há também no mesmo período uma tendência progressiva para um declínio 
do egocentrismo, o que Piaget chama de descentração, entendida como a consideração de mais 
de um ponto de vista sobre um determinado objeto. Ganhando uma riqueza cada vez maior de 
representações sobre o mundo e sobre os fenômenos do cotidiano, a criança começa a ter 
conflitos entre as suas próprias representações mentais, que muitas vezes se contradizem. 
Nessa riqueza de conflitos, formam-se as primeiras descentrações. 
Graças à condição de descentração progressiva, a estrutura cognitiva adquire uma nova 
qualidade, denominada reversibilidade (Piaget, s.d.): equilíbrio entre a assimilação e a 
acomodação. Pode-se dizer, pelo pensamento piagetiano, que a criança pré-operatória possui 
uma mente egocêntrica e irreversível, devido ao desequilíbrio próprio entre a assimilação e a 
acomodação (Piaget, 1990). Entretanto, em meio a tal desequilíbrio, concomitante e 
mutuamente, transformações vão preparando o terreno para a reversibilidade como parte da 
natureza do próprio processo de desenvolvimento da estrutura cognitiva pela auto-regulação. 
Passando para a próxima fase, o período operatório concreto, podemos dizer que a 
flexibilidade é a sua marca, e há duas alterações que merecem destaque: a constituição da 
reversibilidade do pensamento e a instauração do pensamento lógico. É nessa etapa que as 
operações mentais, norteadas pelo pensamento lógico, estabelecem-se por excelência. No 
pensamento de Piaget (1958), uma operação mental lógica é um ato mental reversível, capaz de 
reverter suas operações internas. Assim, quando uma criança é capaz de operar que A > B > C é 
a mesma coisa que C < B < A, por exemplo, a reversão das operações internas indica a 
existência de uma operação mental de caráter lógico. Outro exemplo: se dois elementos 
formam um terceiro elemento, como no caso de 2+3=5, então a subtração do terceiro elemento 
com o segundo só pode resultar no primeiro elemento novamente, ou seja, 5 - 3 =2. 
Através da reversibilidade, operações mentais como a análise, a seriação, a classificação e a 
comparação passam a ser organizadas pelos princípios da dedução e da indução, as quais se 
constituem em caminhos do pensamento lógico. Por meio de algumas provas 
experimentais, Piaget define que a percepção da criança no período operatório concreto é 
regulada pelo pensamento lógico. No início dessa fase, ela começa a compreender as 
relações existentes no mundo não só através dos dados fornecidos diretamente por sua 
percepção, mas também através de inferências lógicas, seja pela dedução, seja pela indução. 
Um exemplo disso é a prova piagetiana que analisa a compreensão da criança frente à 
noção de substância. A prova consiste em mostrar à criança duas “bolas” de argila, 
contendo o mesmo formato e a mesma quantidade de massa (Figura 1.1). Diante da criança, 
o experimentador enrola uma das bolas, transformando seu formato inicial de bola em 
formato de “salsicha”; após fazer isso, o experimentador pergunta à criança qual das bolas 
possui mais massa, se é a bola de argila não modificada, ou se é a bola que foi transformada 
em salsicha (Figura

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