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Transtornos mentais orgânicos 1. DEMÊNCIA · É uma síndrome na qual há uma perda ou prejuízo, usualmente progressivo, de memória e de funções corticais superiores, tais como: PSIQUIATRIA II TRANSTORNOS MENTAIS ORGÂNICOS 7 · PÂMELA MARTINS BUENO · Pensamento · Orientação · Compreensão · Cálculo · Aprendizagem · Linguagem (Afasia) · Julgamento · Reconhecimento (Gnosia) · Execução de atividades motoras (Praxis) · Planejamento e abstração (Função executiva) 1.1 Demência na doença de Alzheimer 1.1.1 Doença de Alzheimer · Expectativa é de que sua incidência quadruplique nos próximos 40 anos (acometerá 1/85 pessoas no mundo), com mais de 100 milhões de pessoas em 2050. · A principal teoria para sua base biológica gira em torno da formação de placas amilóides tóxicas a partir de peptídeos (beta-amilóide) e sua deposição lenta e inexorável por todo o cérebro, causando destruição neuronal. · O dilema terapêutico desta doença está na atual incapacidade terapêutica em interferir na formação das placas amilóides. 1.1.2 Critérios diagnósticos Deve preencher critérios para demência e: 1. Início insidioso (meses ou anos). 2. Histórico bem definido de queda da cognição por relato ou observação. 3. Déficits iniciais e mais proeminentes em: I. Apresentação amnésica para informações recentemente aprendidas (mais comum), com disfunção cognitiva também em algum outro domínio. II. Apresentações não amnésicas: · Linguagem (não encontrar palavras) · Visuoespacial (agnosia para objetos, rostos, alexia). · Disfunção executiva (prejuízo do raciocínio, julgamento e solução de problemas). 4. O diagnóstico não deve ser aplicado quando houver evidências de: I. Doença cerebrovascular concomitante substancial definida por histórico de acidente vascular encefálico temporalmente relacionada com início do agravamento do comprometimento cognitivo; ou presença de infartos múltiplos ou extensos; ou lesão grave manifestada por hiperintensidade da substância branca; ou II. Características nucleares da Demência com Corpúsculos de Lewy além da demência em si; ou III. Características da afasia progressiva primária; ou IV. Evidência de outra doença neurológica concomitante ou comorbidade clínica não- neurológica ou uso de medicação que afete cognição substancialmente 1.1.3 Classificação diagnóstica · Alzheimer possível: pacientes que preenchem critérios para demência, não preenchem critérios para Alzheimer, mas tem marcadores positivos. · Alzheimer provável: pacientes que preenchem os critérios para demência e Alzheimer. · Alzheimer provável com aumento do nível de certeza: preenchem os critérios, têm avaliação neuropsicológica positiva ou mutação ligada à doença. · Alzheimer provável com evidências claramente positivas: critérios preenchidos e marcadores positivos. · Virtualmente 100% dos pacientes com Alzheimer clinicamente provável apresentam deposito maciço de amilóide. 1.1.4 Neurodegeneração, Alzheimer e imagem · Atrofia hipocampal (5%/ano), aumento ventricular (1,3 cm3/ano nos saudáveis e 7,7cm3/ano nos com D.A.) e redução da espessura cortical (14% mais reduzida no total, 11% temporal, 9,6% parietal e 7,8% frontal na D.A. em relação à redução esperada para a respectiva idade). · Neuroimagem funcional (PET): menor captação de glicose nas áreas de deposição de amilóide (principalmente em regiões temporoparietais). 1.1.5 Estágios da doença · Pré-clínico (amiloidose assintomática) · Comprometimento cognitivo leve (estágio sintomático de pré-demência: início da neurodegeneração) · Demência (amiloidose com neurodegeneração e declínio cognitivo) 1.1.6 Primeiro estágio · Déficit cognitivo leve, não ao nível de Demência (1 a 3 anos de evolução). · MEMÓRIA: Dificuldade para novas memórias, recordação remota discretamente acometida. · PERCEPÇÃO: Desorientação topográfica, construções complexas pobres. · LINGUAGEM: Distúrbios de evocação, anomia discreta, perifrases, linguagem circunvolutória vazia. · COMPORTAMENTO: Indiferença, Irritabilidade ocasional, delusões. · RNM: Atrofia em estruturas mesotemporais e hipocampais. · PET/SPECT: Hipoperfusão/hipometabolismo parietal posterior bilateral. · Ainda é difícil neste ponto estabelecer a diferença cognitiva entre envelhecimento normal e Alzheimer em curso. · Atenção para quadros depressivos associados (ou pela pseudodemência ou como pródromo da D.A.). Não hesitar em tratar a depressão no idoso. · 50% dos pacientes neste estágio com depósitos amilóides detectáveis evoluem para demência franca em 1 ano e 80% em 3 anos. · A atrofia neurodegenerativa na RNM precede o declínio cognitivo e se intensifica juntamente ao declínio. · A RNM volumétrica é o biomarcador para estadiamento da Doença de Alzheimer 1.1.7 Segundo estágio · Moderado (2 a 10 anos de evolução) · MEMÓRIA: prejuízo recente e remoto. · PERCEPÇÃO: desorientação espacial, construções pobres, agnosia visual. · LINGUAGEM: Afasia fluente, anomia, parafasias (sílabas, palavras ou frases involuntárias), déficit de compreensão, dificuldade em iniciar conversa. · COGNIÇÃO: Apraxia e acalculia. · COMPORTAMENTO: Indiferença ou irritabilidade, delusões. · MOTRICIDADE: Inquieto ou calmo. · EEG: Lentificação no ritmo de base. · TC/RNM: Normal ou dilatação ventricular com alargamento dos sulcos corticais · PET/SPECT: Hipoperfusão/hipometabolismo temporoparietal (pode ser unilateral) 1.1.8 Terceiro estágio · Estágio avançado, demência propriamente dita (8 a 12 anos de evolução). · COGNIÇÃO: Intensamente deteriorada. · FALA: Ecolalia, palilalia (repetição da última palavra dita ou eco da mesma, logoclonia (repetição espasmódica de sílaba no meio ou fim de palavra), disartria (dificuldade muscular em articular fala), mutismo terminal. · MOTRICIDADE: Rigidez de membros, postura em flexão, incontinência urinária e fecal. · EEG: Lentificação difusa. · TC/RNM: Dilatação ventricular e alargamento dos sulcos (atrofia). · PET/SPECT: Hipometabolismo/hipoperfusão temporoparietal bilateral. 1.1.9 Panorama atual · Apenas metade dos pacientes com Alzheimer são diagnosticados. · Apenas metade dos pacientes diagnosticados são tratados. · Apenas metade dos pacientes tratados recebe a melhor opção terapêutica disponível até agora (inibidores de acetilcolinesterase). · Os pacientes com Alzheimer são tratados em média por 200 dias (dados dos EUA), sendo que a evolução da doença ocorre em 7 a 10 anos. 1.1.10 Dilemas terapêuticos · Ainda não é possível deter ou reverter a progressão da doença. · Tentativas de tratamento antiamilóide fracassaram. 1.1.11 Tratamentos atuais · Inibidores de Acetilcolinesterase · Antagonista glutamatérgico 1.1.11.1 Inibidores de acetilcolinesterase · Princípio: aumentar a disponibilidade de acetilcolina (principal neurotransmissor dos neurônios do núcleo basal de Meynert – principais responsáveis pela formação da memória). · Pacientes geralmente não apresentam melhora dramática. · Retardam a instalação de problemas comportamentais (e da institucionalização). · Podem preservar funções pragmáticas (autocuidado). · Donepezila, Galantamina e Rivastigmina Fármaco Vantagens Desvantagens Donepezila (5 a 10mg/dia) · Dose única diária. · Indicada para quadros moderados a severos. · Menos efeitos colaterais no TGI (por menor ação periférica). · Maior incidência de alterações no sono. Rivastigmina (6 a 12mg/dia em 2 doses) · Útil nos estágios finais da doença ou nos pacientes com progressão rápida. · Efeitos periféricos significativos (maior incidência de efeitos colaterais). Galantamina (16 a 32mg/dia em duas doses) · Muito útil quando há demência vascular associada. · Efeitos colaterais comuns, porém, mais leves e transitórios. · Dose dupla diária (existe cápsula de liberação lenta). · Pouco eficaz em estágios mais avançados. 1.1.11.2 Antagonista glutamatérgico · Glutamato: principal neurotransmissor excitatório. · A presença das placas amilóides inibem regulação do transportador de glutamato, inibindo sua recaptação e potencializando sua estimulação. · Tal estimulação excessiva provoca acúmulo de radicais livres, estresseoxidativo e destruição neuronal. · Memantina (5mg/dia, dose única a 20mg/dia, 2 doses) · Junto à Donepezila ou Rivastigmina, é indicada para pacientes em estágio moderado a severo. · Uso sempre associado a um inibidor de acetilcolinesterase. · Efeito nos receptores NMDA similar ao magnésio. · Bem tolerada, com poucos efeitos colaterais (tontura, cefaléia, constipação, fadiga). 1.1.12 Medidas gerais · Manter paciente integrado ao meio familiar e social. · Tratar complicações comportamentais e de humor. · Facilitar orientação do paciente (relógios, calendários, casa clara durante o dia, identificação de todos). · Propiciar manutenção das necessidades biológicas (alimentação, hidratação). · Excluir drogas que possam agravar o déficit cognitivo do paciente. · Conversar com a família sobre a necessidade de proteção jurídica do paciente. 2. DEMÊNCIA VASCULAR · Demência mais comum após Alzheimer/Lewy · Comprometimento cognitivo relacionado a doenças cerebrovasculares. 2.1 Causas · · Infartos lacunares · AVC único em localização estratégica (tálamo, giro angular esquerdo) · Múltiplos infartos em território de grandes artérias · Lesões extensas de subst. Branca (Doença de Binswanger) · AVCHs (subdurais, subaracnóides, intraparenquimatosos) 2.2 Fatores de risco · · HAS · FA · DM · Hipercolesterolemia · Tabagismo · Alcoolismo 2.3 Exame físico · Sinais neurológicos localizatórios · Fundoscopia · Artérias temporais (redução de pulsatilidade, sensibilidade local, espessamento – arterite de células gigantes) · Fundoscopia · Ausculta cardíaca (valvopatias, arritmias) · Mini-mental 2.4 Escala de Hachinski (>6) 2.7 Critérios diagnósticos específicos · Aparecimento de déficits cognitivos associados com AVC · Aparecimento abrupto de sintomas, seguido de piora progressiva · Achados neurológicos consistentes com AVC prévio · Achados de imagem compatíveis com AVC 2.8 Tratamento e evolução · Controlar fatores de base · Progressão variável · Mortalidade alta (50% em 4 anos) 3. OUTRAS DEMÊNCIAS 3.1 Demência de Lewy · A demência com corpos de Lewy se apresenta com: · declínio cognitivo, · alucinações visuais recorrentes, · flutuação no estado cognitivo, · sinais parkinsonianos extrapiramidais, · sensibilidade aumentada ao uso de neurolépticos. · Ao exame neuropatológico, presença de corpos de Lewy em regiões corticais e subcorticais 3.1.1 Tratamento: aspectos gerais · Os pacientes com DCL apresentam boa resposta ao uso dos inibidores da acetilcolinesterase. · Em muitos casos, apresentam melhor resposta ao tratamento com esses medicamentos do que pacientes portadores de doença de Alzheimer. 3.1.2 Uso de antipsicóticos · O uso de medicamentos neurolépticos pode piorar ou ainda precipitar as manifestações extrapiramidais nos pacientes com DCL, aumentando significativamente a morbidade e a mortalidade. · Aproximadamente 81% dos idosos com DCL vão apresentar algum tipo de efeito adverso, e mais da metade dos indivíduos sensíveis aos neurolépticos apresentarão reações severas. · Sedação, aumento da confusão, rigidez e imobilidade são algumas reações graves observadas. · Em outros casos podemos observar o aparecimento da síndrome neuroléptica maligna, com febre, rigidez generalizada e aumento dos níveis séricos da CPK. 4. DEMÊNCIAS FRONTOTEMPORAIS 4.1 Características · Surgimento entre 45 e 65 anos (pré-senil) · História familiar positiva · Significativa alteração de personalidade e comportamento com relativa preservação da cognição, praxia, gnosia e memória · Comprometimento progressivo de linguagem 4.2 Exame neurológico · Ao exame neurológico, os pacientes com DFT podem exibir também reflexos primitivos, como preensão palmar e sucção, que constituem sinais de frontalização. · Mais raramente, podem apresentar sinais de doença do neurônio motor (esclerose lateral amiotrófica), que incluem fraqueza muscular, amiotrofia e fasciculações 4.3 Neuroimagem · Os exames de neuroimagem tendem a mostrar atrofia dos lobos fronto-temporais. · Entretanto, nas fases iniciais da DFT, essas alterações estruturais podem não ser evidentes. · Nesses casos, a tomografia por emissão de fóton único (SPECT) pode revelar hipoperfusão nas áreas frontais (principalmente ventromedial) e/ou temporais (principalmente ântero-lateral), sendo exame mais sensível para auxiliar o diagnóstico de DFT 4.4 Tratamento · Ao contrário do que ocorre em outras demências primárias, como na DA e na demência com corpos de Lewy, estudos neuroquímicos não evidenciaram alterações do sistema colinérgico na DFT. · Assim, os inibidores da acetilcolinesterase empregados no tratamento dessas demências primárias não beneficiam os pacientes com DFT. 4.5 Uso de ISRS · Benéfico apenas após 8 semanas de uso. · Pode ser que, na DFT, tal como no transtorno obsessivo-compulsivo, condição que também envolve disfunção serotoninérgica e do córtex pré-frontal orbital, sejam necessárias várias semanas de tratamento antes de se atingir o efeito terapêutico pretendido. 4.6 Antipsicóticos · O papel de disfunção dopaminérgica na DFT é controverso, uma vez que existem tanto resultados positivos como negativos. · Distúrbios do comportamento, especialmente desinibição e agressividade, que expõem o paciente ou seus cuidadores a riscos, podem ser controlados com antagonistas dopaminérgicos ou antipsicóticos. · Nesse caso, a tendência atual é a de se empregar preferencialmente os antipsicóticos atípicos. 5. DELIRIUM 5.1 Delirium (estado confusional agudo) · Síndrome clínica caracterizada por: · rebaixamento súbito do nível de consciência, · comprometimento da atenção, · distúrbios da percepção (ilusões e alucinações), · distúrbio da capacidade de compreensão e abstração, · delírios pouco estruturados e fugazes, · déficit de memória de fixação e relativa preservação da memória remota, · desorientação (mais comumente temporal), · aumento ou redução de psicomotricidade, · alteração do ciclo sono-vigília, · transtornos emocionais. · · O início dos sintomas é abrupto. · Os sintomas flutuam ao longo do dia. · Tendência a piora no período da noite. · Duração limitada a dias ou semanas. · Sintomas desaparecem quando o fator causal é identificado e tratado. · Frequente em pacientes internados. · 30% dos pacientes de UTIs cirúrgicas e cardiológicas. · 50% pós cirurgias de quadril. · 70% dos casos não são diagnosticados. · Indicador de maior morbi-mortalidade. 5.2 Delirium por abstinência · · Álcool (delirium tremens) · Anfetaminas e relacionados · Sedativos · Hipnóticos e ansiolíticos 5.3 Diagnóstico de delirium · Encontrar a causa-base · Exame físico completo · Revisão de prontuário (mudanças de comportamento, de fármacos e resultados de exames) · Investigação complementar 5.4 Diagnósticos diferenciais · Demências (curso mais lento e insidioso; não há rebaixamento de nível de consciência). Podem coexistir. · Mania ou psicose (sem alterações de consciência) 5.5 Manejo do Delirium · Tratar a condição de base. · Uso de antipsicóticos potentes, com baixo efeito metabólico (Haloperidol, Risperidona, Ziprasidona). 5.6 Delirium tremens · Em geral aparece 72 horas depois da última ingesta alcoólica, podendo durar de 2 a 10 dias. · Soma de delirium e sintomas de abstinência alcoólica. · Internar paciente, checar eletrólitos, enzimas pancreáticas, hematócrito, plaquetas e função hepática. · Monitorar sinais vitais, manter em quarto iluminado durante o dia, orientar paciente quanto a tempo, espaço e pessoa. · Medicar visando controle da agitação (haloperidol), regular sono e aumentar limiar convulsivo (diazepam).
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