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Thaís Morghana - UFPE-CAA Infecção do trato urinário (ITU) INTRODUÇÃO A infecção do trato urinário (ITU) compreende a colonização bacteriana da urina e a infecção de várias estruturas que formam o aparelho urinário, desde a uretra até o parênquima renal. ITU baixa → inclui as infecções da bexiga (cistite), da uretra (uretrite), da próstata (prostatite) e do epidídimo (epididimite). Cistite Infecção geralmente superficial na mucosa da bexiga, causada na maior parte das vezes por enterobactérias. Suas principais manifestações são disúria e polaciúria. Uretrite Infecção da uretra, com frequência causada por germes sexualmente transmissíveis. No homem, o quadro clássico é de corrimento uretral associado ou não à disúria, enquanto na mulher os sintomas são exatamente os mesmos da cistite. Prostatite e epididimite Infecção da próstata e do epidídimo. Os agentes infecciosos provêm do refluxo de urina pelos ductos prostáticos e ejaculatórios, respectivamente. Tanto a prostatite aguda quanto a crônica podem apresentar sintomas parecidos com os da cistite. Já a epididimite frequentemente se acompanha de orquite (epididimorquite). ITU alta → infecção do parênquima renal, denominada pielonefrite. Pielonefrite aguda Inflamação do parênquima renal causada por agentes infecciosos. É uma forma de nefrite intersticial aguda caracterizada pela invasão tecidual de leucócitos polimorfonucleares, geralmente unilateral. Pielonefrite crônica Processo crônico — nefrite intersticial crônica — associado à fibrose e à atrofia do parênquima, comumente, mas nem sempre relacionado à infecção. A ITU alta de repetição associada ao refluxo vesicoureteral é uma causa comum de pielonefrite crônica. EPIDEMIOLOGIA Acomete 3% a 5% da população mundial e corresponde anualmente nos EUA a mais de 8.600.000 consultas médicas. A prevalência de ITU nos homens é maior nos extremos da vida, enquanto nas mulheres as infecções aumentam com a idade. Em recém-nascidos, a ITU é mais frequente entre meninos, principalmente os não circuncidados. Mas, a partir do 1º ano de vida, a prevalência de ITU é maior entre as meninas. PATOGÊNESE Os microrganismos podem alcançar a via urinária e causar infecção por diferentes formas: Via ascendente → frequente em mulheres devido a curta extensão da uretra e em pacientes com sondas e instrumentação cirúrgica local. Via hematogênica → a infecção urinária é causada pela disseminação hematogênica de uma infecção sistêmica de foco em órgão próximo ou distante. Via linfática → semelhante à via hematogênica, mas é rara. Extensão direta → devido a fístulas vesicovaginais, vesico intestinais e abscessos perivesicais. FATORES BACTERIANOS ● As bactérias uropatogênicas derivadas da microbiota fecal apresentam características que possibilitam a aderência, o crescimento e a resistência às defesas do hospedeiro. ● A Escherichia coli uropatogênica (ECUP) é o patógeno mais frequentemente isolado nos pacientes com ITU. Thaís Morghana - UFPE-CAA ● Os genes das ECUP apresentam fatores de virulência como adesinas, protectinas, sideróforos e toxinas. ● Esses fatores facilitam a fixação das bactérias no urotélio e causam lesão tecidual. ● A adesão ao urotélio está associada a fímbrias ou pilli, filamentos proteicos que existem na superfície de bactérias Gram-negativas uropatogênicas. ● As bactérias possuem estruturas e substâncias flagelares (antígeno H), capsulares (antígeno K) e lipopolissacarídeos (antígeno O), responsáveis pela motilidade, a resistência à fagocitose e a antigenicidade, respectivamente. ● A permanência de algumas cepas no urotélio da bexiga forma um biofilme, que pode explicar a recorrência das infecções e resistência à resposta imune. FATORES DO HOSPEDEIRO ● Fatores comportamentais como maior atividade sexual e utilização de espermicidas estão relacionados à maior prevalência nas mulheres. ● Outros fatores que aumentam a prevalência de ITU são uso pregresso de antibióticos que alteram a microflora vaginal. ● Fatores protetores nos homens: maior comprimento da uretra, maior fluxo urinário e fator antibacteriano prostático. ● A disfunção miccional e constipação intestinal favorecem a recorrência de ITU. FATORES GENÉTICOS ● A proteína de TammHorsfall e receptores uroteliais impedem a aderência da E. coli fimbriada ao urotélio. ● Mulheres e crianças com fenótipo do grupo sanguíneo P1 têm maior risco de pielonefrite recorrente. FATORES BIOLÓGICOS ● Fatores antibacterianos da urina e mucosa vesical: IgA secretória, pH ácido, concentração de ureia, osmolalidade e ácidos orgânicos. ● Alterações hormonais e metabólicas que aumentam o risco de ITU: diabetes mellitus, gestação e diminuição de estrógeno em idosas. AGENTES ETIOLÓGICOS DIAGNÓSTICO O diagnóstico baseia-se no quadro clínico e exames complementares. EXAMES INESPECÍFICOS Leucograma e PCR → geralmente sem alterações em casos de cistite e uretrite. Podem estar alterados em pielonefrite e prostatite aguda. EAS → faz parte do diagnóstico, mas não deve ser avaliado isoladamente. ○ Piúria: a contagem de piócitos ≥ 10 por campo ou ≥ 5 em câmara de Burker tem baixa acurácia, com sensibilidade de cerca de 65% e especificidade de 80%. ○ Também pode-se avaliar a presença de piúria testando a enzima esterase leucocitária (dipstick) na urina. ○ Teste do nitrito: somente os gram-negativos entéricos possuem a enzima nitrato-redutase. Por isso, esse teste tem sensibilidade baixa de cerca de 35-85%, mas especificidade de cerca de 90%. ○ Na ITU também pode-se ter achados de hematúria (principalmente na cistite) e proteinúria (máx de 2g/24h). EXAMES ESPECÍFICOS O diagnóstico definitivo é realizado pela urocultura, considerada o padrão-ouro. A coleta pode ser asséptica de jato médio, por punção suprapúbica (principalmente em crianças) ou por cateterismo vesical. BACTERIÚRIA SIGNIFICATIVA Thaís Morghana - UFPE-CAA Mulheres com sintomas de cistite não complicada → ≥ 10² UFC/ml + piúria (≥ 10 leucócitos/campo, medido pelo EAS ou ≥ 5 leucócitos/ml de urina, medido pela Câmara de Bürker). Mulheres com pielonefrite não complicada ou homens com qualquer forma de ITU → ≥ 104 UFC/ml + piúria. Mulheres com ITU complicada → ≥ 105 UFC/ml, com ou sem piúria. BACTERIÚRIA ASSINTOMÁTICA Bacteriúria significativa, sem sintomas urinários. Mulheres → ≥ 105 UFC/ml em 2 ou mais amostras separadas por pelo menos 24h. Homens → ≥ 105 UFC/ml em 1 amostra. Cateter vesical → ≥ 102 UFC/ml em 1 amostra. Punção suprapúbica → qualquer contagem em 1 amostra. CISTITE AGUDA NÃO COMPLICADA ↠ CRIANÇA ↞ QUADRO CLÍNICO Recém-nascidos e lactentes (até 1 ano) → apresentam sinais e/ou sintomas quase sempre inespecíficos para o trato urinário, como falta de ganho de peso, irritabilidade, hipertermia sem foco, palidez, anorexia, apatia e, por vezes, icterícia (em recém-natos). É nessa época que se desenvolvem as lesões renais irreversíveis. Crianças > 1 ano → sinais e sintomas de infecção baixa são mais específicos, como disúria, polaciúria com pequeno volume de urina às micções, odor forte ou fétido, desconforto suprapúbico, dor abdominal, em flanco, hipertermia pouco elevada, raramente hematúria macroscópica e, por vezes, reaparecimento de enurese. TRATAMENTO Cefalexina 50 mg/kg 8/8h por 3 dias Cefadroxila 25 a 50 mg/kg 12/12h por 3 dias Nitrofurantoína 5 a 7 mg/kg 6/6h por 3 dias Amoxicilina/clavulanato 50 mg/kg 8/8h por 3 dias ↠ MULHER JOVEM ↞ QUADRO CLÍNICO Disúria inicial aguda, polaciúria, urgência miccional ou dor suprapúbica. DIAGNÓSTICO Na maioria das vezes, a urocultura não é indicada em mulheres com cistite não complicada, uma vez que a história clínica é altamente confiável no estabelecimento do diagnóstico. Nos casos em que é solicitada a urocultura, define-se cistite como contagem maior ou igual a 10³ UFC/mL. Diagnóstico diferencial → uretrite aguda por Chlamydia trachomatis, Neisseria gonorrhoeae ou infecções por herpes vírus simples ou vaginites. TRATAMENTO Regimes de curta duração são recomendados como tratamento de primeiralinha para a cistite aguda não complicada devido a eficácia comparável, maior adesão ao tratamento, menor custo e menores efeitos adversos. Sulfametoxazol-trime toprim (TMP-SMX) 800+160 mg 12/12h por 3 dias. Em gestantes, evitar no 1º trimestre Trimetoprim 100 mg 12/12h. Em gestantes, evitar no 1º trimestre Thaís Morghana - UFPE-CAA Nitrofurantoína monoidratada 100 mg 12/12h por 7 dias. Menos ativa contra Proteus spp. Nitrofurantoína monocristais 50 mg 6/6h por 7 dias. Menos ativa contra Proteus spp. Cefpodoxime proxetil 100 mg 12/12h Fosfomicina 3000 mg dose única. Menos efetivo do que fluoroquinolonas ou TMP-SMX Amoxicilina/clavulan ato 500+125 mg 12/12h por 3 a 7 dias Amoxicilina 500 mg 12/12h. Indicada apenas em patógenos sabidamente suscetíveis ou empírico em cistite leve em gestante. Fluoroquinolonas - Ciprofloxacino - Levofloxacino - Ofloxacino Segunda linha. - 100 a 250 mg 12/12h - 250 mg 24/24h - 200 mg 12/12h Por 3 dias. Evitar em gestantes, lactantes e < 18 anos ↠ RECORRENTE EM MULHER ↞ QUADRO CLÍNICO Caracteriza-se por infecções repetidas, o que em muitos casos é secundária à persistência da cepa inicialmente infectante na flora fecal ou por reservatório latente de uropatógenos no epitélio vesical. TRATAMENTO Modificações comportamentais → aumento da ingestão de líquidos, evitar espermicidas, garantir micção pós-coito. Profilaxia antimicrobiana → deve ser considerada para as mulheres que experimentam três ou mais infecções durante um período de 12 meses, ou sempre que a mulher pense que sua vida está sendo prejudicada por recorrências frequentes. ○ Profilaxia contínua. ○ Profilaxia pós-coito. ○ Autotratamento intermitente. Profilaxia contínua TMP-SMX 40+200 mg diária ou 3 vezes por semana Trimetoprim 100 mg diária Nitrofurantoína 50 ou 100 mg diária Cefaclor 250 mg diária Cefalexina 125 ou 250 mg diária Norfloxacino ou outras fluoroquinolonas 100 mg Profilaxia pós-coito TMP-SMX 40+200 mg ou 80+400 mg dose única Nitrofurantoína 50 ou 100 mg dose única Cefalexina 150 mg dose única Ciprofloxacino 125 mg dose única Norfloxacino 200 mg dose única Ofloxacino 100 mg dose única ↠ ADULTO SAUDÁVEL ↞ Infecções sintomáticas ou assintomáticas ocorrem raramente em homens com < 50 anos, na ausência de instrumentação do trato urinário ou prostatite. O quadro clínico é semelhante ao da mulher jovem com cistite, devendo-se excluir uretrite. Deve-se solicitar urocultura de rotina e também após o tratamento, assim como ultrassonografia, tanto no homem quanto na mulher grávida. PIELONEFRITE AGUDA NÃO COMPLICADA EM MULHERES QUADRO CLÍNICO Febre (temperatura ≥ 38 °C), calafrios, dor em flanco, náuseas e vômitos e sensibilidade aumentada na região do ângulo costovertebral. Sintomas da cistite são Thaís Morghana - UFPE-CAA variavelmente presentes. Os sintomas podem variar de uma doença leve a uma síndrome séptica, com ou sem choque e insuficiência renal. DIAGNÓSTICO ● Piúria está sempre presente, mas os cilindros leucocitários são raros. ● A coloração de gram pode ser usada para diferenciar infecções por bactérias gram + ou -. ● Urocultura deve ser realizada sempre: cerca de 95% das pacientes vai ter uropatógenos ≥ 104 UFC/mL. ● Exame anatomopatológico: reação inflamatória focal, infiltrados de neutrófilos e monócitos, dano tubular e edema intersticial. ● TC com contraste (é pouco realizada): diminuição da densidade do parênquima, com padrões focais em cunha ou lineares. TRATAMENTO Indicações de internamento ○ Incapacidade de manter hidratação VO ou de ingerir medicamentos. ○ Situação social incerta ou falha de adesão. ○ Incerteza sobre o diagnóstico e doença grave com febre alta, dor severa e debilidade acentuada. Terapia ambulatorial ○ Pacientes estabilizados com hidratação e antibióticos em serviço de urgência. ○ Uso domiciliar de antibióticos orais sob estreita vigilância. ○ É recomendado o uso de uma fluoroquinolona oral para o tratamento empírico de Gram -. ○ TMP-SMX ou outros agentes podem ser usados em casos em que a cepa é sabidamente sensível. ○ Nitrofurantoína e fosfomicina não são aprovados. Terapia hospitalar ○ A terapia parenteral pode ser substituída pela terapia oral cerca de 24-48h após o seu início, em pacientes com regressão dos sintomas. ○ O tratamento pode ser limitado a 7 dias para pacientes com pielonefrite discreta ou moderada, com resolução rápida dos sintomas. Ceftriaxona 1000 a 2000 mg 24/24h Cefepime 1000 a 2000 mg 12/12h Fluoroquinolonas - Ciprofloxacino - Levofloxacino 200 a 400 mg 12/12h 250 a 750 mg 24/24h Gentamicina +/- Ampicilina 3 a 5 mg/kg 24/24h 1 mg/kg 8/8h TMP-SMX 800+160 mg 12/12h Meropenem 500 mg 8/8h
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