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VIEIRA, Sulian A voz como produção corporal o Princípio Dinâmico dos Três Apoios

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A voz como produção corporal: o Princípio Dinâmico dos Três Apoios
1
. 
Sulian Vieira2 
 
Resumo 
Desejamos apresentar a proposta pedagógica, delineada por Silvia Davini entre os anos 
1990 e 1995, para o trabalho vocal na formação de atores e professores, que desde então 
tem sido aplicada nos cursos do Departamento de Artes Cênicas da Universidade de 
Brasília. Será dada ênfase à dimensão da aquisição da técnica para as demandas de altas 
intensidades vocais, com flexibilidade de frequências, timbre e duração. Em tal 
proposta, o corpo é entendido como lugar de produção simultânea de voz e movimento 
e as relações entre ambas as produções é a linha transversal da proposta. Os princípios 
da Eutonia, técnica corporal criada por Gerda Alexander, associados aos princípios da 
Teoria da Neurocronaxica, teoria da fonação proposta por Raul Husson, bem como as 
técnicas de canto para a produção de altas intensidades vocais, orientam a formulação 
das sequências de exercícios posturais, respiratórios e de vocalização que integram a 
presente proposta. 
Palavras-Chave: pedagogias; corpo; voz; técnica; formação de atores e professores. 
 
A proposta pedagógica, desenhada por Silvia Davini entre os anos 1990 e 1995, 
para o trabalho vocal na formação de atores e professores, tem os seus princípios 
aplicados, parcial ou totalmente, pelos professores que atualmente são responsáveis 
pelas disciplinas de voz para a cena nos cursos do Departamento de Artes Cênicas da 
Universidade de Brasília. Sulian Vieira tem atuado desde 2003 na atualização constante 
da proposta, bem como no desenvolvimento de seus diversos aspectos que ainda 
demandam pesquisas e novas formulações. Contudo, a nossa ênfase neste artigo recairá 
sobre o Princípio Dinâmico dos Três Apoios que orienta a aquisição de uma técnica 
 
1 Artigo publicado no livro Práticas e Poéticas Vocais II. Organizadores: Dr. Fernando Aleixo, Dra. 
Daiane Dordette e Dra. Janaína Martins.Universidade Federal de Uberlândia, 2016. 
2 É professora de Voz e Performance do Departamento de Artes Cênicas da UnB desde 2002, membro do 
Grupo de Pesquisa Vocalidade e Cena desde 2003, Mestre em Teatro pela Universidade de Manchester 
(RU) e Doutora em Arte pelo PPG-Arte da UnB. Email: <sulianvp@gmail.com> 
2 
 
para as demandas de altas intensidades vocais, com flexibilidade e controle de 
frequências, timbre e duração. 
Firmando o vínculo entre o ensino e a pesquisa, o Grupo de Pesquisa Vocalidade 
e Cena
3
, propõe para as disciplinas de voz do Departamento de Artes Cênicas uma 
diferenciação metodológica e conceitual próxima à que estabelece para o trabalho 
teatral em suas pesquisas. Tal distinção mapeia, como diferentes instâncias do processo 
teatral, a Técnica, os Procedimentos e a Estética. Se bem, tais dimensões 
interpenetram-se e muitas vezes perdem sua nitidez, consideramos necessário delimitá-
las, na tentativa de caracterizá-las, ao invés de segmentá-las (DAVINI, 2002: p 63). 
Além de permitir a verticalização nos processos de formação de atores em cada 
instância do trabalho teatral, a explicitação de tais instâncias tem nos permitido pensar o 
trabalho técnico com certa independência do trabalho estético. Tal diferenciação nos 
estimula a considerar um trabalho técnico que permita abrir as potencialidades corporais 
dos estudantes para uma variada gama de estéticas, ao invés de restringi-las a alguma 
estética específica. Neste sentido, o treinamento evitaria ser reprodutor de estéticas 
específicas, para assumir seu lugar enquanto flexibilizador dos materiais dos atores, 
habilitando-os para o trabalho com uma variada gama de estéticas, ou para trilharem 
novos caminhos estéticos. 
Conforme esquematiza o diagrama que segue, enquanto o treinamento é situado 
na dimensão da Técnica, a performance é posicionada na dimensão da Estética. Já os 
ensaios encontram-se entre a Técnica e a Estética, na dimensão dos Procedimentos que, 
nesta perspectiva, estabelecem o trânsito e o diálogo entre a técnica e a estética, em uma 
via de mão dupla. 
 
3 Grupo de Pesquisa, instituído por Davini e Sulian Vieira em 2003 pela plataforma de grupos do CNPq, 
atualmente liderado por César Lignelli e Sulian Vieira. 
 
3 
 
 
Assim, nosso diagrama propõe representar, além da diferenciação entre tais 
dimensões, seus pontos de intersecção. Deste modo observamos que tais dimensões 
comportam um dado grau de singularidade, enquanto integram o trabalho teatral nessa 
heterogeneidade de momentos. 
A partir da Reforma Curricular de 2008, os cursos de graduação do 
Departamento de Artes Cênicas passaram a contar com 3 disciplinas de voz para a cena 
obrigatórias, totalizando 12 créditos: A Voz em Performance, A Palavra em 
Performance e A Voz e Palavra em Performance, todas de 4 créditos. O aumento de 
créditos foi significativo, considerando que o curso de Bacharelado em Interpretação 
Teatral contava com 4 créditos e que o curso de Licenciatura em Artes Cênicas contava 
com 6 créditos de disciplinas que compunham a área de voz de seus currículos. As 
disciplinas de voz para a cena deixaram de ter um espaço periférico no currículo e 
passaram a integrar o núcleo comum dos cursos, tendo sido dispostas em seus três 
primeiros semestres, junto às disciplinas iniciais de Interpretação, Encenação, 
Movimento e História e Teoria Teatral. 
A disciplina A Voz em Performance, propõe estabelecer os fundamentos para a 
produção de voz e palavra na performance teatral, ou seja situa-se em uma dimensão 
Técnica. A Palavra em Performance, objetiva constituir estratégias para a construção de 
sentido em performance, tendo como ponto de partida a palavra dita por meio de 
diversos tipos de textos orais, destinando-se mais pontualmente à instância dos 
Procedimentos de ensaio. Já em A Voz e Palavra em Performance, observa-se a 
multiplicidade de possibilidades para a produção de sentido a partir do som e da voz na 
cena, para além da palavra dita e apresenta-se uma metodologia de ensaio que tenha um 
texto teatral curto como ponto de partida para a realização de uma performance a ser 
4 
 
apresentada na mostra semestral de artes cênicas do Departamento, posicionando-se na 
dimensão da Estética
4
. 
Entendemos que as práticas metodológicas e conceituais das disciplinas podem 
favorecer a flexibilização, bem como o controle do potencial corporal dos estudantes 
para a produção de voz em cena. Deste modo, os objetivos pedagógicos que têm 
norteado a nossa prática apoiam o fortalecimento da autonomia dos estudantes, 
instrumentalizando-os técnica e conceitualmente para definição de seu perfil estético, 
em um momento mais avançado de sua formação. 
 Ainda quanto ao fortalecimento da autonomia, cabe advertir que, mesmo com o 
aumento da quantidade de créditos atualmente disponíveis para as disciplinas de voz em 
nossos cursos, não podemos garantir que os estudantes estejam plenamente aptos para 
atender satisfatoriamente às demandas vocais da atuação profissional ao concluírem as 
três disciplinas obrigatórias. O trabalho proposto em cada uma das disciplinas necessita 
de certo tempo de maturação corporal, que é variável entre os estudantes e que, na 
maioria das vezes, não corresponde ao tempo disponível para estas disciplinas no 
currículo do curso. Assim, a autonomia dos estudantes torna-se basilar, uma vez que é 
recomendável que exercitem as práticas propostas continuamente, para além do tempo 
dedicado às disciplinas, a fim de que se apropriem das mesmas. 
 
1 - Aspectos Conceituais: 
No sentido já exposto, entendemos ser imprescindível a abordagem dos 
conceitos como de corpo, voz, palavra, movimento, técnica, estética, que urdem o tecido 
da rede conceitual de base para a proposta metodológica em questão. Vamos 
inicialmente expor as noções de corpo,voz, palavra e movimento para posteriormente, 
ao longo deste artigo, apontar os demais conceitos. 
 
1.1 - Corpo, Voz, Palavra e Movimento. 
 
4 Há ainda no currículo a disciplina optativa A Voz e Palavra em Performance II, aberta para o 
desenvolvimento de propostas pedagógicas e/ou estéticas que ampliem o alcance dos conteúdos 
desenvolvidos nas demais disciplinas de voz para a cena. 
 
5 
 
Para apresentar aqui as relações que estabelecemos com tais conceitos, cabe 
destacar que nos afastamos inicialmente das definições que consideram tanto o corpo 
quanto a voz como ‘instrumentos’, pois entendemos que tais definições não 
correspondem às potencialidades do corpo e da voz humana em performance. Se o 
corpo e a voz são considerados como instrumentos, tais acepções pressupõem a 
presença de sujeitos que executem tais instrumentos. Assim, a instrumentalização do 
corpo e da voz restringem tais noções a uma relação objetificada, apontando à 
fragmentação entre o corpo e a voz do sujeito que supostamente os operam. 
Poderíamos explicitar diferenças de muitas ordens entre as noções de corpo, voz 
e de instrumento, a fim de apresentarmos argumentos que explicitem o quanto a noção 
de instrumento apresenta-se restritiva enquanto conceito, contudo nos concentraremos 
somente em algumas. 
Ao considerarmos o fato biológico de que um corpo humano pode nascer, 
crescer, reproduzir-se e morrer, já podemos averiguar o reducionismo da noção de 
instrumento para o corpo em performance, uma vez que nenhum instrumento realiza 
este tipo de ciclo. Contudo, ao cogitarmos ainda que um corpo possa afetar outros 
corpos e que por eles possa ser afetado, somos impelidos a reconsiderar tal noção. Do 
mesmo modo, ao consideramos que a voz humana resulta de complexos processos 
fisiológicos e psicológicos, modulando-se conforme as sensações e emoções do corpo 
que a produz, não nos restarão dúvidas de que o pensamento que instrumentaliza 
também a voz merece revisões. 
Outro tipo de operação conceitual para a definição da voz, que envolve o corpo, 
é aquela que assume que ‘a voz é o corpo’, na tentativa de superação da segmentação 
entre ambos. Porém, reconhecemos que esta identificação não tem validade conceitual, 
uma vez que estaríamos erroneamente igualando instâncias diversas. Por outro lado, a 
mesma fórmula ainda é muito utilizada para a definição do movimento corporal, que por 
sua vez é também comumente igualado ao corpo. Deste modo, se a voz e o movimento 
são corpo, poderíamos então afirmar que a voz se iguala ao movimento e vice-versa? 
Tal impasse elucida que a equiparação da voz e do movimento ao corpo pode resultar 
ilógica e sem operacionalidade, revelando-se como um contrassenso. 
Davini compreende a voz e o movimento como produções do corpo capazes de 
gerar sentidos complexos, controláveis na cena. Porém, por permitir a articulação da 
palavra, a voz alcança maior definição, precisão, acuidade de sentidos do que o que 
6 
 
entendemos por movimento (DAVINI, 2002: p. 60). Assim, importa agora ressaltar que 
entendemos que a voz e o movimento não se igualam ao corpo humano, mas 
assemelham-se entre si enquanto suas produções. 
Os corpos em cena, concomitantemente, propõem sentidos a todo o aparato 
cênico visual ou acústico, bem como têm suas significâncias redimensionadas por estes. 
Assim, assumimos que o corpo humano em performance, configura-se como lugar de 
produção de gestualidade vocal e cinética e como intersecção das dimensões visuais e 
acústicas da cena (DAVINI, 2006: p.309). 
Situada como ‘uma’ entre as diversas possibilidades da dimensão acústica da 
cena, a voz, que é reconhecida enquanto som constitui-se por meio de parâmetros: a 
frequência, a intensidade, o timbre e a duração. O fato de um som ser mais ou menos 
agudo ou grave refere-se à sua frequência, ou seja, à sua afinação. Se um som 
manifesta-se mais forte ou mais fraco, estaremos considerando o seu volume ou 
intensidade. Já o timbre remete à qualidade do som, caracterizado, a princípio, pelas 
qualidades materiais da fonte sonora que o emite, determinando se ele é mais escuro ou 
mais claro, mais áspero ou mais limpo. Por isso o timbre é também o parâmetro que nos 
permite distinguir entre diferentes instrumentos, mesmo quando soam exatamente na 
mesma frequência. Finalmente, a duração nos permite diferenciar entre sons longos e 
breves, conforme o tempo de emissão de suas vibrações pela fonte sonora. 
Interessa-nos explicitar que a interferência sobre qualquer um desses parâmetros 
tende a incidir sobre todos os outros, como observaremos nos comentários referentes ao 
item 2.3 deste artigo. 
 
1.2 – Técnica: Flexibilidade e Controle. 
Como já ressaltamos anteriormente, a técnica é considerada aqui no sentido de 
abrir um leque de possibilidades corporais dos estudantes, que possam ser canalizadas 
de acordo com as demandas estéticas que surjam no exercício teatral. Entendemos, pois, 
que o trabalho técnico está lado a lado ao trabalho criativo, ao permitir a abertura das 
potencialidades corporais, tanto para o já convencional quanto para o ainda inusitado. A 
técnica, nesta perspectiva, objetiva tornar processos corporais involuntários em 
voluntários (DAVINI, 2002: p. 64). 
7 
 
Assim, as funções corporais como a respiratórias, postural, cinética, vocal, 
articulatória são assumidas como condutas corporais no treinamento de atores. 
Entendemos que uma conduta corporal possa assumir diversos modos como: amorosa, 
agressiva, compreensiva, detalhista, entre uma infinidade de outros modos (HUSSON, 
1965: p.68). Tal acepção de técnica nos aproxima de modo aberto e flexível das 
demandas corporais que um ator deve assumir em cena, nas quais deve, de modo 
genérico, atualizar condutas corporais para a produção de sentidos vocais e cinéticos 
variados. 
Levaremos, neste ponto, a atenção para as relações entre a produção postural, 
cinética e vocal, observando que cada uma das produções interfere nas outras, do 
mesmo modo que o trabalho sobre qualquer um dos parâmetros do som tende a incidir 
sobre todos os outros. Devemos observar quando esta inferência é produtiva ou desejada 
e quando não é produtiva nem desejada. Assim, trabalhamos tanto para o 
reconhecimento da associação entre os dois tipos de produção corporal quanto para a 
dissociação entre eles. 
Evidenciamos aqui que não se trata de fazer com que o estudante esteja atento a 
tudo o que acontece em seu corpo enquanto atua. Este tipo de atenção dispersaria a sua 
presença em cena, drenando o seu foco e dificultando o seu desempenho. O treinamento 
proposto diz respeito, como já assinalamos, à adaptação do sistema nervoso para realizar 
voluntariamente determinadas funções corporais geralmente involuntárias, tornando 
possível o controle de seus resultados, transformando-as em condutas. Em etapas mais 
avançadas da aquisição da técnica, o sistema nervoso passa a assimilar as novas 
condutas, que são realizadas em cena dispensando aquela atenção inicialmente exigida 
nas fases iniciais do treinamento. 
 
2 - Aspectos Metodológicos: O Princípio Dinâmico dos Três Apoios
5
. 
Ambos, atores ou professores, precisam garantir a produção de altas intensidades 
vocais, a fim de, em um primeiro momento, serem ouvidos, conservando-se também 
saudáveis ao longo de suas vidas profissionais. Davini observa que este objetivo é 
 
5A proposta metodológica aqui apresentada foi publicada no Módulo 11 (Laboratório de Teatro 2) do 
Programa de Educação à Distância - Pró-Licen em 2009. Nesta publicação está descrita grande parte das 
Sequências de exercícios mencionadas aqui. Ver o tópico “Produção Conceitual” em 
<http://www.vocalidadecena.com/> 
 
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reconhecido pelas técnicas vocais tradicionais, contudo, tais técnicas não consideram 
que o movimento associadoà produção de voz em altas intensidades seja também uma 
demanda importante para o trabalho de atores e professores (2008: p.53). Deste modo, o 
Princípio Dinâmico dos Três Apoios, que procura atender também a esta demanda, 
consiste: 
[...] na coordenação dos apoios do corpo sobre o chão, do ar sobre a 
região pélvica e das vogais sobre a região da epiglote. Consideramos 
que sempre que alguém produza voz em altas intensidades e em toda a 
extensão do registro conseguindo alguma flexibilidade tímbrica, o faz 
a partir da ação coordenada destas três regiões de apoio. Acredito que 
isto valha tanto para cantores populares ou acadêmicos, para atores, 
para políticos, ou professores, o que permite formular esta constatação 
como um Princípio. Porém, enquanto algumas pessoas conseguem 
esta coordenação sem treinamento, a grande maioria adquire estas 
habilidades ao apropriar-se de um repertório técnico (DAVINI, 2008: 
p.55). 
 
O Princípio Dinâmico dos Três Apoios assinala ainda outra diferença em relação 
às técnicas vocais tradicionais. Tais técnicas consideram dois desses apoios somente, o 
do ar na região pélvica, e o da vogal sobre a epiglote, não identificando amplamente o 
papel do trabalho postural na produção vocal em altas intensidades (DAVINI, 2008: 
p.55). 
Cabe agora explicitarmos que dois tipos de saberes, além das técnicas de canto 
tradicionais, são articulados pela proposta metodológica baseada no Princípio Dinâmico 
dos Três apoios: A técnica corporal Eutonia e a teoria da fonação Neurocronaxica. 
Os princípios da técnica corporal Eutonia, de Gerda Alexander, nos permite 
trabalhar as associações entre chão, apoios, peso, impulso e deslocamento do corpo, 
respiração e impulso expiratório. Dadas associações objetivam a flexibilidade de tônus 
corporal adequada para as demandas da produção de voz, palavra e movimento para a 
cena. O tônus
6
 é considerado como a tensão, ou atividade de resistência e elasticidade, 
de um músculo em repouso aparente. 
O trabalho focado sobre as sensações proprioceptivas, que vão desde a pele até 
os ossos do esqueleto, são princípios sobre os quais a Eutonia trabalha. A pele é 
estimulada como o extenso e sensível órgão de contato do corpo com o meio, que ao 
invés de criar um limite entre o corpo e o meio, o permite realizar trocas constantes com 
 
6 Curiosamente, a palavra tônus, que deriva do latim tonu e do grego tonos, remete também a conceitos 
musicais como tom e acentuação. 
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meio, incidindo de modos variados sobre a dinâmica do tônus corporal. Já o esqueleto 
deve ser considerado como sustentador do corpo e como seu motor de movimento, a fim 
de que a musculatura dinâmica seja liberada da sobrecarga que ela passa a assumir, 
quando o esqueleto deixa de cumprir totalmente a sua função, derivando assim, nas 
fixações de tônus corporal. O trabalho com os princípios eutônicos proporciona uma 
potente linha de acesso para o trabalho de atuação, uma vez que nos permite operar 
sobre a flexibilidade do corpo para a produção de voz e de movimento, na produção de 
sentido em cena. 
Por outro lado, a teoria da fonação Neurocronaxica, proposta por Raul Husson, 
nos permite considerar a produção de voz como uma produção estética, para além da 
produção coloquial de voz e das patologias vocais, que têm sido o principal foco das 
demais teorias da fonação. Entre outros pontos importantes, destacamos que tal teoria 
organiza as técnicas ocidentais de canto vocal clássico, como ‘técnicas de alta 
impedância projetada’ e de ‘baixa impedância projetada’ (HUSSON, 1965: p.83-4). 
Segundo Husson, as técnicas de alta impedância projetada produzem sons vocais 
em altas intensidades em amplos intervalos de frequências, acionando simultaneamente 
os ressonadores altos, médios e baixos. Por sua vez, as técnicas de baixa impedância 
projetada produzem intensidades vocais médias em um intervalo de frequências mais 
restrito, acionando mais pontualmente os ressonadores médios. 
Cabe aqui mencionar que o Princípio Dinâmico dos Três Apoios é voltado para a 
técnica de alta impedância projetada, considerando as demandas da cena teatral de altas 
intensidades e de flexibilidade tímbrica, associadas ao movimento. Assim, este conjunto 
de saberes informa parte da presente proposta metodológica. 
A coordenação dos três apoios é estimulada inicialmente quando organizamos o 
corpo em torno dos seus eixos Longitudinal e Transversal, expandidos a partir do 
contato dos pés com o chão. Esta organização do corpo em torno dos eixos, já demanda 
certa flexibilidade de tônus muscular, explicitadas pelos diversos tipos de resistências 
musculares do corpo a tal organização. Alinhando e organizando o corpo em torno dos 
eixos Longitudinal e Transversal também se evidenciam as fixações de tônus, pois, se a 
musculatura estiver encurtada em alguma região resistirá em repousar ao longo dos 
ossos alinhados em relação ao chão ou, se estiver muito estendida, não sustentará 
determinada parte do corpo alinhada. Em ambos os casos temos exemplos de fixações 
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Realce
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de tônus: no primeiro caso, de fixação de tônus alto e no segundo, de fixação de tônus 
baixo. 
Assim, o trabalho se inicia pelo primeiro apoio do corpo: o chão. Os apoios do 
corpo sobre o chão, ou sobre alguma outra superfície, serão base para aplicarmos o 
impulso adequado a variadas demandas de deslocamentos, nos permitindo assim, 
reorganizar a nossa atividade corporal no sentido de nos aproximarmos de uma 
movimentação o mais ‘econômica’ possível, ou seja, aquela que nos permita obter o 
maior rendimento com o menor desgaste. Também é sobre este apoio que focamos o 
impulso expiratório para a produção de som vocálico. 
Por sua vez, o segundo apoio, a pressão de ar sobre a região pélvica, demanda a 
estimulação da musculatura intercostal e abdominal que permitirá a sustentação de uma 
dinâmica respiratória para o aumento da pressão de ar subglótica. Já os exercícios de 
vocalização cumprem o objetivo de coordenar esse esquema respiratório com o som 
vocal. 
Por meio da repetição das sequências de exercícios posturais e respiratórios 
propostos, levamos o corpo a apropriar-se delas a fim de que o terceiro apoio seja 
definido: o da voz propriamente dita, ou seja, o das vogais sobre a região glótica. 
Situado na laringofaringe, o terceiro apoio é o lugar a partir do qual é possível produzir 
todos os sons vocais, em frequências, intensidades e timbres variados (DAVINI, 2002: 
p. 69). 
Os exercícios das sequências posturais, cinéticas, respiratórias e vocais não serão 
descritos neste artigo. Contudo, apresentaremos os princípios pedagógicos mais 
importantes para cada tipo de sequência de exercícios, bem como os seus objetivos, a 
fim de explicitarmos a progressão e especificidades das sequências. 
Observamos que tais sequências podem ser combinadas em uma mesma aula, na 
medida em que os conteúdos das distintas sequências sejam compatíveis quanto ao grau 
de complexidade. Por exemplo, se uma dada sequência de vocalização demanda os 
conteúdos ainda não trabalhados nas sequências posturais, cinéticas e respiratórias, deve 
ser evitada e substituída por outra que se agregue aos conteúdos já trabalhados ou aos 
que serão trabalhados na aula. 
 
2.1 - Sequências Posturais e Cinéticas: 
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As sequências posturais e cinéticas são propostas para a flexibilização do tônus 
muscular. A flexibilização do tônus muscular corresponde à sua afinação conforme as 
necessidades do corpo na cena e não se confunde com aplicação clássica de exercícios 
de relaxamento no teatro. Uma vez identificadas e exploradas as regiões nas quais o 
corpo apresenta ‘fixações do tônus’ muscular, parte-se para o trabalho de flexibilização, 
que interfere integralmente sobre o tônus corporal. Evitando a ação específica sobre os 
pontos de fixação de tônus, buscamos formasde atuar sobre o imaginário e percepções 
corporais globais dos estudantes. 
Esta interferência na organização tônica dos corpos faz com que os estudantes 
estranhem, no início do processo, as relações entre seus corpos e o espaço em que se 
encontram. Por exemplo: alinhados longitudinal e transversalmente alguns estudantes 
podem sentir-se desalinhados. Observamos que tais sensações correspondem à 
interferência que os exercícios operam sobre os padrões de normalidade do corpo, sobre 
o imaginário corporal. 
Como as fixações de tônus correspondem tanto ao tônus excessivamente baixo 
ou ao tônus elevado de determinadas partes do corpo. É relevante observar que, algum 
ponto de fixação de tônus elevado geralmente encontra a sua correspondência oposta em 
algum outro ponto do corpo, ou seja, a fixação de tônus elevado geralmente é simétrica 
a alguma parte corpo na qual a fixação de tônus baixo prevalece, ou vice-versa. 
Portanto, a flexibilização de tônus muscular permite que o corpo esteja mais 
disponível para atender às diversas demandas da cena, sejam elas de grandes 
deslocamentos cinéticos, de produção de voz cantada ou falada em altas intensidades ou 
de sutilezas gestuais associadas às atitudes ou intenções determinadas, lembrando ainda 
que, em cena, tais demandas são geralmente simultâneas. 
Com relação à atividade corporal para a produção de voz em altas intensidades 
especificamente, procuramos estimular os processos de compensação de tônus corporal, 
objetivando diminuir a atividade de grupos musculares próximos à laringe, no sentido 
de garantir que a musculatura adjacente às pregas vocais esteja disponível para as 
modulações posturais sutis que o trabalho com as altas intensidades e com grandes 
modulações de frequências e timbres demanda de quem atua ou canta. Deste modo, 
neste processo de compensação, o trabalho com os apoios do corpo sobre o chão serve 
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para liberar a musculatura dinâmica, apoiando o controle respiratório, além de evitar a 
sobrecarga de atividade sobre a laringe. 
Assim apresentaremos os objetivos de algumas sequências de exercícios 
posturais e cinéticos: 
 Levar a atenção ao próprio imaginário corporal partindo do contato que o corpo 
faz com o ar e com as superfícies de apoio através da pele como órgão de contato; 
 Registrar a percepção das cavidades ósseas e cartilaginosas da cabeça, e a 
circulação de ar nelas, realizando um registro do peso, volume e forma da cabeça antes 
e depois de ter concentrado a atenção na circulação de ar nas cavidades; 
 Entrar em contato com a mobilidade da caixa torácica e registrar a pressão 
negativa nela (pelas características dos órgãos que ela abriga - pulmões, coração que são 
ocos) e a pressão positiva na região pélvica (ocupada por órgãos espessos); 
 Perceber possíveis fixações de tônus muscular e propiciar a progressiva 
flexibilização das mesmas a partir da observação da interferência que o fluxo 
respiratório é capaz de operar nos apoios do corpo sobre o chão; 
 Proporcionar conscientização do esqueleto, a fim de que a musculatura adquira, 
de um modo geral, a flexibilidade adequada para as diversas demandas da cena; 
 Gerar impulso a partir dos apoios do corpo sobre o chão, a fim de estimular a 
produção do movimento econômico
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 e propiciar a afinação do tônus muscular de acordo 
com o movimento desenvolvido; 
 Expandir o corpo em torno de seu eixo longitudinal a fim de posicionar 
adequadamente as cavidades de ressonância e de expandir os espaços articulatórios 
comprimidos pela ação da força da gravidade e fixações de tônus muscular locais; 
 Estimular a atividade de pernas e abdominais oblíquos para o sustento da 
respiração de apoio às altas intensidades, acentuando a mobilidade da cintura escapular 
da região cervical; 
 Estimular o alinhamento do corpo em torno dos eixos longitudinal e transversal 
em movimento; 
 
7 Chamamos ‘movimento econômico’ aquela produção de movimento que nos permite obter o maior 
rendimento com o menor desgaste. 
Particular
Realce
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 Estimular o movimento econômico a partir da relação entre os apoios do corpo 
sobre o chão, o impulso e o transporte em gestos muito repetidos cotidianamente, como 
levantar de um acento; 
 Estimular o movimento econômico a partir da relação entre os apoios do corpo 
sobre o chão, o impulso e o transporte no movimento de salto, de caminhada, de 
corrida; 
 Estimular o movimento econômico a partir da relação entre os apoios, chão, 
impulso e transporte do corpo em decúbito dorsal, no movimento de empurrar o chão 
com os pés na direção oposta ao deslocamento desejado com impulsos contínuos; 
 Localizar e ativar os músculos abdominais oblíquos que darão apoio à técnica 
respiratória a ser implementada; 
 Experimentar o movimento passivo8 para registrar fixações de tônus onde haja 
resistência a ele e criar um registro corporal de passividade, para aplicá-lo ao 
movimento econômico; 
 Estimular o papel do esqueleto para a sustentação e deslocamento, utilizando o 
os ossos como motores de movimento. 
 
2.2 – Sequências Respiratórias: 
Enquanto organizamos o corpo a partir da expansão do eixo Longitudinal, 
possibilitamos a dilatação e desobstrução de todas as cavidades ósseas e cartilaginosas 
que funcionam como caixas de ressonância para a voz. Já, a técnica respiratória para a 
produção de voz em altas intensidades realiza-se por meio da expansão do eixo 
Transversal, considerando assim o alargamento das costelas e também da cintura 
escapular. Assim, a técnica respiratória pode ser considerada como parte do trabalho 
postural propriamente dito, uma vez que a sua realização está diretamente relacionada 
ao trabalho ósseo e aos apoios do corpo sobre o chão. 
A técnica respiratória adotada neste contexto é a intercostal, que permite grande 
aumento da pressão subglótica, bem como sua sustentação por meio da expansão das 
costelas em todas as direções simultaneamente, enquanto não interfira na expansão do 
eixo Longitudinal e no tônus da cintura escapular, que deve ser o mais baixo possível. 
 
8
 Chamamos ‘movimento passivo’ aquela produção de movimento independe da musculatura dinâmica, 
como por exemplo, quando uma segunda pessoa movimenta nossos ossos e articulações, com a menor 
intervenção possível da nossa musculatura dinâmica. 
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Parte do trabalho respiratório consiste em aumentar o espaço da cavidade torácica, 
contribuindo para a diminuição da pressão interna, o que permite que o ar entre 
passivamente e sem obstruções, uma vez que a tendência é que a pressão negativa da 
cavidade torácica iguale-se à pressão positiva do meio. Deste modo, sugerimos que os 
estudantes evitem no treinamento a ideia de ‘trazer o ar pelo nariz’, pois entendemos 
que este procedimento obstrua a passagem do ar, tornando a sua reposição mais 
demorada. Propomos então, a ideia de expandir a cavidade torácica, para que o ar a 
ocupe instantaneamente e de forma mais eficaz para as nossas necessidades. 
Apesar de a respiração intercostal ser considerada por nós como a respiração que 
melhor se adéqua às nossas demandas, tentamos explorar as diversas formas 
respiratórias, a fim de que a respiração intercostal não resulte fixada pelos corpos em 
treino. O ideal é que o corpo possa responder flexivelmente também a outras demandas 
respiratórias, pois, se bem a respiração intercostal mostra-se como a mais apropriada 
para o trabalho técnico vocal na produção das altas intensidades vocais, outros tipos de 
respiração, como a peitoral ou a abdominal, podem resultar produtivas para algum 
trabalho exploratório que tenha objetivo estético pontual. 
Assim, os exercícios respiratórios que propomos seguem gradativamente os 
seguintes objetivos, entre outros: 
 Entrar em contato com a mobilidade da caixa torácica; Sustentar a expansão da caixa torácica a fim de aumentar a pressão de ar 
subglótica; 
 Sustentar a expansão da caixa torácica a fim de aumentar a pressão de ar 
subglótica, configurando um tempo mínimo de inspiração e máximo de expiração; 
 Registrar a pressão de ar sobre a região pélvica e sobre os apoios do corpo no 
chão, a fim de associar o impulso expiratório ao contato e aos apoios do corpo sobre o 
chão; 
 Retrair simultaneamente a musculatura abdominal oblíqua e expandir a 
musculatura intercostal e diafragmática; 
 Estimular a projeção anterior do osso esterno e o posicionamento das escápulas, 
a fim de aumentar o espaço e a mobilidade no tórax, mantendo a retração abdominal 
atingida em exercícios prévios. 
 
15 
 
2.3 – Sequências de Produção de Som: 
No contexto desta proposta técnica, é na produção vocal que os trabalhos 
postural e respiratório adquirem seu sentido maior, quando o corpo é assumido como 
lugar de produção de som. 
As Sequências de Produção de Som têm, a princípio, o objetivo de exercitar a 
produção das vogais, responsáveis pela linha de som, que na produção de palavra falada 
e cantada será articulada pelas consoantes. Assim, tomamos as vocalizações como 
exercícios que consistem em cantar sobre uma vogal uma sequência de notas, escolhidas 
conforme objetivos didáticos, modulando-a, sem articular palavras ou nomear notas. 
Nas vocalizações, além da frequência, observamos também o controle sobre os 
demais parâmetros, pois o ar expirado se transforma em som vocálico, com 
características definíveis e variáveis de intensidade, timbre e duração. Paulatinamente, 
os estudantes começam a estabelecer as relações entre o alinhamento corporal, a pressão 
de ar sobre os apoios do corpo e a produção de voz realizada. 
Deste modo, observamos que há necessidades corporais diferenciadas para a 
produção de sons agudos e de sons graves. O corpo, ao longo de uma sequência de 
vocalização, mesmo que permaneça sem deslocar-se, realiza pequenas e sutis mudanças 
posturais. Cada tipo de frequência vocálica demanda diferentes posicionamentos da 
laringe e distintas formas de coordenação fono-respiratória. 
Por exemplo, segundo Husson, para a produção de som em um registro agudo, o 
bloco laríngeo realiza um deslocamento descendente, o que permite às pregas vocais, 
simultaneamente, se alongarem, tendo seu tônus elevado, e diminuírem a distância entre 
ambas, favorecendo a elevação da frequência do som vocálico (HUSSON, 1965: p. 14). 
Com relação à coordenação fono-respiratória para a produção de sons de 
frequência aguda, se faz necessário o aumento da pressão subglótica a fim de que se 
garanta uma pressão de ar conforme as demandas de ressonância. Como na produção de 
frequências agudas as fases de abertura da fenda glótica são extremamente curtas, 
registramos menos gasto de ar inspirado por fração de tempo. Já na produção de sons de 
frequências graves, enquanto devemos manter uma considerável pressão subglótica, 
expandindo a região intercostal, a fim de garantirmos a intensidade do som produzido, 
registramos maior gasto do ar expirado por fração de tempo, uma vez que as fases de 
abertura da fenda glótica são mais longas que as do som agudo. 
Neste sentido procuramos dar oportunidades para que os estudantes percebam, a 
princípio, o que é preciso que aconteça em seus corpos para que produzam o som vocal 
16 
 
em frequências variadas, enquanto mantêm controle sobre os parâmetros de intensidade, 
timbre e duração, cientes de que a intervenção sobre um parâmetro tende interferir na 
produção do outro. 
A tendência é que, ao nos encaminharmos para a produção de sons mais agudos 
em uma vocalização, haja uma diminuição na duração da sequência vocálica, 
acelerando o seu andamento. Assim, em um momento posterior ao acesso e controle 
deste registro será indicado também que se mantenha o foco na duração dos exercícios, 
a fim de que possam realizar a dissociação entre o aumento da frequência e da 
aceleração do andamento. 
Conforme indicamos, deve-se observar também a manutenção do timbre e da 
intensidade na primeira fase de apropriação da técnica. O ‘som boca fechada’, tal como 
proposto, é o som de referência para a voz, pois em sua produção estimulamos a 
ativação de todos os ressonadores simultaneamente. Assim, nos exercícios de 
vocalização, quando se produz modulações na frequência do som fundamental sobre 
diferentes vogais, o timbre obtido no ‘som boca fechada’ deve ser mantido. Cabe 
ressaltar que o exercício sobre a totalidade dos ressonadores para a manutenção deste 
‘timbre inteiro’, é possível no trabalho com as altas intensidades, uma vez que neste 
contexto trabalhamos com pressão de ar suficiente para percorrer o conjunto de 
ressonadores concomitantemente. 
Busca-se assim, a voz em altas intensidades com o timbre composto pelo maior 
número de ressonadores, para que em etapas futuras de exercícios técnicos ou em 
produções estéticas, seja possível aos estudantes selecionarem e combinarem timbres e 
intensidades adequadas às atualizações de personagens e às modulações de atitudes e 
intenções, conforme as múltiplas necessidades das propostas teatrais. 
A manutenção daquele ‘timbre inteiro’ contribuirá com a flexibilidade para a 
modulação de frequências. Durante a vocalização de sons agudos, por exemplo, se 
perdermos o contato com os ressonadores médios e graves, teremos dificuldades de 
realizarmos transições para as frequências médias e graves. A mesma atenção é 
necessária para a produção de sons graves: se perdermos o contato com os ressonadores 
médios e agudos, teremos dificuldades de realizarmos transições para as frequências 
médias e agudas ao longo dos vocalizes. Nos dois casos, o timbre também sofrerá 
alteração, passando a serem enfatizadas as ressonâncias mais próximas ao som 
fundamental produzido. 
Particular
Realce
Particular
Realce
Particular
Realce
Particular
Realce
17 
 
Assim, estimulamos os estudantes para que realizem determinadas 
compensações de ressonância ao longo das vocalizações, ou seja, enquanto estão 
produzindo um som fundamental grave, estimulamos a atenção aos ressonadores médios 
e agudos. No caso da produção de com fundamental agudo, estimulamos a atenção aos 
ressonadores médios e graves. Assim, evitamos a fixação do corpo, mesmo que 
momentaneamente, em um tipo de emissão que privilegie uma única ressonância, 
disponibilizando-o para transitar por outros registros com agilidade e integridade 
tímbrica. Conforme Davini observava em sessões de treinamento, “é preciso mudar algo 
no corpo para que o timbre não se modifique”, remetendo-se às compensações tônicas 
ou às sutis mudanças posturais sugeridas ao longo das sequências de vocalizações. 
Os estudantes são sempre orientados a levarem a atenção aos apoios do corpo 
sobre o chão, pois, na necessidade do aumento de pressão subglótica, devem concentrar-
se nos apoios do ar sobre a pélvis e, por consequência, nos apoios do corpo diretamente 
sobre o chão. Indicamos sempre que se certifiquem da passividade da cabeça, das 
cervicais, da cintura escapular e dos braços, enquanto registram alta atividade tônica dos 
baixos abdominais e a busca de contato e apoio do corpo sobre o chão. 
 Assim o trabalho corporal para o aumento de pressão subglótica dá-se do modo 
mais econômico possível, evitando compensações tônicas que possam comprimir a 
cintura escapular e as vértebras cervicais, conforme explicitamos no item 2.1. Caso 
contrário, comprometeremos a flexibilidade da laringe, dificultando, por exemplo, o seu 
alongamento para o aumento da frequência das pregas vocais, na produção dos sons 
agudos. 
Neste sentido, entendemos ser relevante também pontuarmos especificamente a 
atividade tônica e postural da face durante as vocalizações, dando continuidade às 
questões posturais, contudo em sua dimensão micro. As técnicas de produção de voz em 
alta impedância projetadademandam a abertura verticalizada da boca: conforme o som 
produzido passa a ser mais agudo, a mandíbula deve abaixar-se, enquanto os lábios são 
projetados para fora, deixando os dentes da arcada superior à mostra, auxiliando na 
elevação do palato mole e o alargamento da faringe. Assim, experimentamos na face a 
mesma atividade ascendente e descendente que experimentamos no eixo Longitudinal,: 
enquanto a mandíbula e a base da língua trabalham na direção descendente, toda a parte 
superior da face – lábios superiores, palato mole, região do olho, narinas - trabalha na 
direção ascendente. Tal verticalização da abertura da boca deve aumentar 
progressivamente na medida em que acessamos frequências mais agudas. 
Particular
Realce
Particular
Realce
Particular
Realce
18 
 
O trabalho de técnica vocal, conforme já enfatizamos anteriormente, consiste em 
interferências voluntárias sobre os processos corporais involuntários na produção de 
voz, lançando mão de sensações ou imagens corporais, experimentadas e elaboradas nas 
diversas situações de treino para disponibilizar o corpo às múltiplas exigências do 
trabalho teatral. 
Outro aspecto de valor para esta proposta refere-se às relações entre a escuta e a 
voz dos estudantes em processo de treinamento, contudo nos restringiremos aqui a 
apenas uma observação quanto a ele. No início do trabalho técnico, lembramos aos 
estudantes que quando escutamos a nossa própria voz, não a escutamos como os outros 
a escutam, pois a escutamos pelo ouvido externo e pelo nosso ouvido interno, ao mesmo 
tempo. Assim, ressalvamos que o feedback do professor e dos colegas é importante na 
apresentação de referências ao estudante para o reconhecimento das diferenças entre 
como ele escuta e como escutam a sua voz, contribuindo para a coerência do seu 
imaginário sobre sua própria voz. 
Seguem então, alguns exemplos de objetivos das Sequências de Produção de 
Som propostas: 
 Definir um timbre formado na mistura de ressonâncias médias, graves e agudas, 
que servirá como referência primária a todos os exercícios de produção vocal, a partir 
do ‘som boca fechada’; 
 Situar as vogais no lugar definido como referência para o som vocálico 
anteriormente, exercitando a manutenção do timbre adquirido. A musculatura de lábios 
e língua modificará seu posicionamento o mínimo necessário para definir a vogal sem 
modificar o timbre; 
 Coordenar a sustentação da frequência e de do timbre na sequência de vogais 
“i/e/a/o/u”, repetindo-a em intervalos de semitons ascendente e descendente, deslocando 
levemente o maxilar inferior para baixo nas três primeiras vogais e, mantendo a posição 
adquirida, realizar as duas últimas vogais projetando os lábios para frente e para fora; 
 Exercitar a coordenação fono-respiratória na produção de sons intermitentes e de 
sons ligados; 
 Vocalizar intervalos variados ascendente e descendente, a fim de transitar com 
flexibilidade dos registros agudos aos graves e vice-versa; 
Particular
Realce
Particular
Realce
Particular
Realce
Particular
Realce
19 
 
 Identificar as relações entre frequência, coordenação fono-respiratória e duração 
do som; 
 Associar e dissociar a produção de som, o trabalho postural e o deslocamento do 
corpo; 
 Manter a conexão fono-respiratória mesmo quando o corpo está fora do eixo 
longitudinal e transversal, realizando compensações para que, mesmo em uma posição 
desfavorável, possam ser mantidas as relações que favorecem àquele timbre inteiro. 
 
 
Conclusões: 
Até aqui, realizamos a descrição das sequências elementares de exercícios 
posturais, respiratórios e de produção de som baseados no Princípio Dinâmico dos Três 
Apoios. Contudo, ressaltamos que há ainda desdobramentos destas sequências para uma 
fase mais avançada do trabalho, que propõe exercícios de associação e de dissociação 
entre a Produção de Som e a de Movimento. 
Davini integrou sua formação e experiência no canto vocal clássico à formação 
de atores para o trabalho vocal em cena, considerando a dimensão musical da voz e da 
palavra, bem como a formação de professores. A sua proposta potencializou-se nos 
pilares técnicos e pedagógicos associados aos princípios da teoria da fonação 
Neurocronaxica e à técnica corporal Eutonia, consolidando além de uma técnica para a 
produção vocal em altas intensidades, uma rede de saberes consistente em suas relações 
com a formação de atores e de professores hoje. 
Tal proposta nos oferece princípios pedagógicos concretos, com exercícios de 
complexidade progressiva e parâmetros objetivos para a orientação do desempenho dos 
estudantes, livres de limites estéticos. Neste caso, a esfera do trabalho técnico, pode 
disponibilizar o corpo dos estudantes para os procedimentos de ensaio e para a 
performance de um abrangente leque de estéticas. 
As relações entre aspectos posturais, tônicos e os sons vocais produzidos pelo 
corpo em cena, abrem caminhos, junto a outros procedimentos de ensaio, para a 
atualização de personagens, evitando, contudo, os procedimentos exclusivamente 
introspectivos, que julgamos não atenderem amplamente às necessidades da 
Particular
Realce
Particular
Realce
Particular
Realce
20 
 
materialidade acústica da voz e da palavra em cena. Tal abordagem traça uma conexão 
clara entre a produção cinética e acústica dos corpos em cena, abrindo caminhos para 
uma gestualidade em cena estendida ao som vocal. O corpo assim passa de lugar de 
produção de som e de movimento para o lugar de produção de sentidos em cena. 
 
Referências Bibliográficas: 
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Martins Fontes, 1983. 
DAVINI, S. A. “Pesquisa em Teatro: a questão da palabra e da voz”. TELLES. N. 
(Org.) Pesquisa em Artes Cênicas: Textos e Temas. Rio de Janeiro: E-papers, 2012. 
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______. “O lado épico da cena ou a ética da palavra”. Anais do IV Congresso da 
Associação Brasileira de Pesquisa em Artes Cênicas. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2006. 
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DAVINI.S; VIEIRA.S. Módulo 11 – Laboratório de Teatro 2. Programa de Educação à 
Distância Pró-Licen, Licenciatura em Teatro. Brasília: Artes Gráficas e Editora Pontual, 
2009. < http://www.vocalidadecena.com/ > Acessado em 06/06/2013. 
HUSSON. R.: El canto. Buenos Aires: Eudeba, 1965. 
VIEIRA, S. “Do Corpo como instrumento ao Corpo como lugar”. Anais do V 
Congresso da Associação Brasileira de Pesquisa em Artes Cênicas. Belo Horizonte: 
2008. 
______. “Treinamento, Técnica e Estética no Teatro Contemporâneo”. Anais da V 
Reunião Científica da Associação Brasileira de Pesquisa em Artes Cênicas. São Paulo, 
2009. 
______. “O Corpo Ressoante: Voz, Palavra e Desejo em Cena”. Revista do Programa 
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http://www.vocalidadecena.com/
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