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Ana Victória Ribeiro – M7 IMUNIDADE E ENVELHECIMENTO INTRODUÇÃO A imunidade obedece a princípios biológicos fundamentais como a carga genética individual e a influência do meio. Com o envelhecimento, este binômio sofrerá interferências que tornarão este sistema de defesa menos eficiente (disfuncional), especialmente em situações de limite estressor, seja ele de ordem física ou emocional. A discussão continua em torno da fronteira entre o envelhecimento natural, fisiológico do sistema imune, conhecido como imunossenescência, e o limite das alterações imunológicas causadas pela presença de doenças crônicas mais frequentes na idade avançada. Este fato aumenta a importância do cuidado nos estudos sobre o envelhecimento imunológico, utilizando-se protocolos rigorosos, dos quais excluem-se da amostra a ser estudada indivíduos com patologias que possam exigir, direta ou indiretamente, uma ação do sistema de defesa. Dessa forma, a análise volta-se para as transformações imunológicas que ocorrem exclusivamente pelo fato de estarmos ficando velhos e não por estarmos doentes. A diminuição progressiva da reserva funcional do organismo, que ocorre naturalmente em todos os sistemas na medida em que eles envelhecem (senescência), provocará limitações também na resposta de defesa, que se agravarão em condições de estresse imunológico, situação na qual, muitas vezes, as reservas já foram esgotadas. Desse modo, as modificações do comportamento imunológico decorrentes do envelhecimento reduzirão a capacidade de resposta diante de uma infecção, maior vulnerabilidade oncológica e autoimune, além de poder diminuir a resposta às vacinas. Isso implica aumento da mortalidade e morbidade por doenças infecciosas, autoimunes e neoplasias. FUNÇÃO IMUNE É a vigilância de um aparato complexo e sofisticado como é o do sistema imune que possibilita a existência humana. Esta vigilância definida geneticamente precisa interagir com outros sistemas como o endócrino e o neurológico, bem como reagir e adaptar-se ao mundo externo fazendo frente a vírus, fungos, bactérias, protozoários, parasitas, macromoléculas e agentes estranhos ao meio interno. As células envolvidas neste sistema têm origem em uma célula pluripotencial (célula- tronco) que proliferam dando origem a duas linhagens: linfoide e mieloide. O sistema imunológico é dependente da capacidade de formar células precursoras. Esta capacidade de renovação celular diminui com a idade. A linhagem linfoide é composta pelos linfócitos B e T, além das células natural killer (NK). A linhagem mieloide é constituída pelos neutrófilos, eosinófilos, basófilos e monócitos, além das hemácias e dos precursores das plaquetas, os megacariócitos. A proteção imunológica pode ser didaticamente dividida em dois tipos: Imunidade inata Em contato com o patógeno atua prontamente, porém, de forma inespecífica, por meio de barreiras físicas e químicas como a pele, enzimas de superfície de mucosas, proteínas especiais e células com capacidade fagocitária. É composta por uma rede celular com diferentes funções, como os neutrófilos, os monócitos (com alta mobilidade e que darão origem aos macrófagos), as células dendríticas, apresentadoras de antígenos (fundamentais na ponte que fazem entre o sistema imune inato e o adquirido) e as células NK, (com função citotóxica e produtora de citocinas), em resposta a estímulos. As células NK são caracterizadas morfologicamente como grandes linfócitos granulares que expressam em sua superfície moléculas identificadoras como o Ana Victória Ribeiro – M7 CD56 e o CD16. Tem um importante papel especialmente na defesa antiviral antes mesmo de a resposta adaptativa ser iniciada e sem a necessidade de sensibilização prévia. Participam da resposta antitumoral pela produção de citocinas pró-inflamatórias (interleucinas) como a interferona-γ, a qual ativa macrófagos para a tarefa da fagocitose. Além disso, as células NK também agem sobre a imunidade adaptativa modulando a magnitude e a qualidade de sua resposta. Em seu conjunto, funcionarão como a primeira linha na barreira defensiva contra agentes patogênicos. Imunidade adquirida Proveniente de exposição a patógenos ao longo da vida, apresenta especificidade e memória. É representada pelos linfócitos T e B. Os linfócitos T promovem o ataque célula a célula enquanto os linfócitos B agem por meio da produção de anticorpos. Enquanto a imunidade inata, por meio de seus principais componentes como as células fagocitárias, barreiras físicas e químicas como a pele e enzimas de superfície de mucosas, além de algumas proteínas especiais como o complemento, apresenta um repertório limitado em sua atuação, a imunidade adquirida apresenta o potencial de ampliar sua competência de acordo com o agente patogênico ao qual ela se expuser ao longo da vida. Isso quer dizer que, a cada exposição a determinado micróbio, haverá um aumento na quantidade e na especificidade da resposta de defesa do hospedeiro. É uma imunidade de “memória” que lhe permite responder de forma mais rápida e precisa a um patógeno específico (imunidade específica). Os representantes mais importantes da imunidade adquirida ou específica são os linfócitos e os produtos originados por eles, os anticorpos. A divisão entre imunidade inata e imunidade adquirida é meramente didática, uma vez que funcionam de forma combinada. A resposta imunológica adquirida pode ser dividida ainda em resposta imune humoral e resposta imune mediada por célula. A resposta imune humoral é iniciada pelas imunoglobulinas, as quais são produzidas pela diferenciação do linfócito B em resposta a antígenos (p. ex., por infecções bacterianas). Já a imunidade mediada por célula é da responsabilidade do linfócito T, o qual prolifera rapidamente em resposta à apresentação do antígeno, com produção de proteínas mediadoras (citocinas). Após a produção pela medula óssea, os linfócitos são submetidos a um processo de maturação para que adquiram suas capacidades particulares. Enquanto os linfócitos B amadurecem na própria medula, os precursores do linfócito T migram para o timo, onde receberão moléculas diferenciadas entre si (receptores de membrana) para que adquiram capacidades muito específicas de reagir. Os linfócitos T correspondem à proporção de 40 a 70% do total de linfócitos. Após a passagem pelo timo, serão capazes de iniciar a resposta celular imune quando antígenos invadirem o corpo, sendo também responsáveis pela modulação da resposta imune para prevenir autoimunidade e defesa contra o crescimento de tumores. A progressiva involução do timo deve ser lembrada como tendo papel importante na imunossenescência. Os linfócitos B (independentes do timo), por meio de sua própria diferenciação no interior da medula Ana Victória Ribeiro – M7 óssea, produzirão anticorpos (imunoglobulinas) que protegerão o hospedeiro ao longo da vida. Com base em sua estrutura e função, as imunoglobulinas são divididas em IgA, IgG, IgM, IgD e IgE. IMUNIDADE MEDIADA POR CÉLULAS E IMUNIDADE HUMORAL A distinção entre imunidade humoral e celular é de certa forma artificial, porque ambas as células, B e T, podem participar em cada reação. Enquanto as células T são efetoras na resposta imune celular, elas também são necessárias para a maior parte da atividade da célula B na resposta imune humoral (anticorpos). Por outro lado, enquanto as células B envolvem a produção de anticorpos, elas podem agir também como células apresentadoras de antígenos, na resposta imune celular da célula T. Os vários componentes celulares do sistema imune podem interagir pelo contato célula a célula como no caso do linfócito T citotóxico (citolítico) ou liberando fatores que podem modular sua atividade (linfócito T auxiliar) por meio de moléculas como citocinas (proteínas sinalizadoras envolvidas na regulação do sistema imune que são ativadas emcasos de inflamação (estimulam a proliferação celular, sua migração e iniciam a apoptose) e linfócitos B (por meio das imunoglobulinas). As células que podem responder precisam expressar proteínas de membrana como parte do desenvolvimento ou da ativação do processo. Estas moléculas de superfície (marcadores) funcionam como uma espécie de impressão digital da célula, permitindo o reconhecimento do grupo ao qual pertencem e identificando sua fase de ativação. São chamados de CD – cluster of differentiation – e agem como marcadores de superfície identificados pelo método de citometria de fluxo. Um grupo de diferenciação se define caracterizando a molécula que o constitui. Esta caracterização deve incluir a natureza bioquímica da molécula, seu tamanho, sua estrutura e sua aparição nos vários estágios de sua diferenciação. Um bom exemplo de marcador da célula T é o CD3 (linhagem). Já a molécula de superfície CD25 (receptor da interleucina-2) é um marcador de ativação das células T, presente apenas quando da ativação da célula T pelo antígeno. Também são conhecidas como moléculas acessórias ou moléculas de superfície. Na resposta da imunidade celular, o linfócito T com a molécula de superfície CD8 (também chamado de linfócito T citolítico ou citotóxico), ao ser ativado por um agente infeccioso, apresentará 3 fases distintas: expansão, contração e memória. Quando a infecção é controlada, a população de linfócitos T CD8 + que havia se expandido sofre morte celular (apoptose), iniciando a etapa da contração. Permanecerá, entretanto, uma subpopulação com memória. A manutenção da memória replicativa da célula CD8 + é primordial no mecanismo da proteção imune. Por outro lado, o linfócito T com mólecula de superfície CD4 + , também conhecido como linfócito T auxiliar Ana Victória Ribeiro – M7 (helper), está implicado com a função dos macrófagos por meio da ação de interleucinas. Apresentará expansão com menor magnitude e terá uma contração retardada. Embora muitas vezes a definição dos marcadores em termos de sua função se apresente como um aspecto prático, nem sempre isto é possível, já que um marcador pode funcionar como marcador de maturação para determinada linhagem celular e como marcador de ativação para outra. Na resposta humoral, os linfócitos B produzem anticorpos que podem se ligar a antígenos ou a produtos de antígenos e então ativar uma série de respostas defensivas mediadas por células fagocitárias e outras proteínas. Como se observou até aqui, a célula T apresenta receptores específicos (marcadores de membrana) CD3 que a distinguem das outras e que podem reconhecer e se ligar a um local específico do antígeno (epítopo) – quando este é muito grande para ser processado pelo linfócito B. Depois do reconhecimento, há a ativação de um processo que envolve transdução intracelular de sinais para o citoplasma e o núcleo; isto resulta no avanço da regulação do mRNA para vários componentes receptores e para a expressão de novas moléculas na membrana celular, qualificando a célula para a fase efetora. A iniciação da resposta imune requer o reconhecimento do antígeno pelo linfócito imunocompetente. Algumas destas estruturas estão envolvidas com o reconhecimento da célula B pela célula T. A célula T ativada libera novos fatores de síntese que resultarão em expansão do próprio clone de célula T, enquanto outros fatores influenciam o desenvolvimento de células B que, por sua vez, sintetizarão anticorpos. Ocorre então um período de morte celular (apoptose) no qual a maioria das células T ativadas desaparece e a atividade efetora declina tanto quanto o conteúdo antigênico. Esta contração na resposta da célula T é tão intensa quanto a expansão e, na maior parte dos casos, 95% das células T antígeno-específicas desaparecem. Este fenômeno de morte celular serve como um mecanismo regulador do número de células e de manutenção da homeostase. Quando o antígeno é depletado, a rede de anticorpos (memória) já está formada. A resposta diminui, deixando expandida uma população de células de memória e imunoglobulinas, produto da estimulação de linfócitos B, que agora estão prontas a responder com rapidez no próximo contato com o mesmo antígeno (memória imunológica). O sistema imune é um processo dinâmico que interage com vários componentes dele mesmo e com o meio ambiente. Seu papel é garantir a integridade do organismo. Este objetivo é alcançado pela capacidade de distinguir o próprio do não próprio, da alta especificidade e da memória imunológica. Assim, a imunidade depende em última instância do número de células que podem ser ativadas e do número de células-filhas que podem ser produzidas por esta ativação no espaço de tempo entre o período de exposição ao agente agressor e a resolução do processo. Com o envelhecimento, todas as etapas deste mecanismo estão modificadas. Ana Victória Ribeiro – M7 IMUNOSSENESCÊNCIA O progressivo e fisiológico declínio da reserva funcional que ocorre em todos os sistemas biológicos ao longo da vida também afetará o sistema de defesa, a função imune. A este fenômeno chamamos imunossenescência, que corresponde ao envelhecimento imunológico traduzido por um conjunto de modificações tanto na resposta inata quanto na adquirida. Tais modificações podem ocorrer em uma ou várias etapas do caminho de ativação celular, as quais resultarão em menor eficiência do sistema de defesa aumentando a propensão e a gravidade de doenças infecciosas, autoimunes e neoplásicas. A marca do envelhecimento é o progressivo declínio dos três maiores sistemas de comunicação do corpo: o imune, o endócrino e o nervoso. Entre as incontáveis variáveis relacionadas com o processo de envelhecimento, uma das mais controversas é o perfil imunológico do indivíduo velho. Há um consenso de que ele se modifica, tornando-se menos eficiente. Embora tenha sido aceito por muito tempo que a imunidade inata fosse menos atingida com o envelhecimento, os estudos mais recentes demonstram a existência de importantes alterações também nesta esfera de defesa. IMUNIDADE INATA Entre os componentes da imunidade inata, os neutrófilos, que apresentam um papel importante na defesa primária contra fungos e bactérias, e fazem parte das etapas de ativação (p. ex., liberação de enzimas proteolíticas) são afetados no envelhecimento, reduzindo seu potencial microbicida como também sua interação com o sistema da imunidade adquirida. A capacidade fagocitária e, em alguns estudos também a capacidade quimiotática estão reduzidas, dando mais tempo à multiplicação bacteriana aumentando o dano tecidual (liberação de enzimas proteolíticas). As células dendríticas relacionam o sistema imune inato com o adquirido, tendo a capacidade de induzir tanto uma potente resposta antigênico- específica como também à tolerância. Iniciam e amplificam respostas, estando distribuídas pelo corpo em regiões de contato com o meio externo como pulmões, trato digestivo e em extensa rede a qual inclui outras células apresentadoras de antígenos. Com o envelhecimento, apresentam menor eficiência na apresentação do antígeno, o que levará a menor estimulação de linfócitos T. Os monócitos/macrófagos, componentes de alta mobilidade, parecem aumentar em número com o avançar da idade, entretanto sua função (diferenciação) é reduzida. Com relação às células NK importantes na defesa viral e oncológica, com o envelhecimento ocorre um aumento quantitativo, porém à custa de células menos eficientes na produção de citocinas (responsáveis pela emissão do sinal e regulação para a resposta imune). Há um aumento, porém, de células killer de menor competência. IMUNIDADE ADAPTATIVA O declínio da atividade da célula T é representado por um aumento na proporção das células de memória (que já tiveram contato com um antígeno), em relação a células virgens (naïve), aquelas que ainda nãoentraram em contato com um antígeno, o que resultará em uma diminuição do potencial de reatividade a novos antígenos. Com a involução do timo, diminui o repertório de células T provenientes dele, inclusive aquelas com capacidade supressora que impediriam a quebra do delicado equilíbrio entre estas e as efetoras, aumentando assim a chance de fenômenos autoimunes. O envelhecimento é acompanhado por um progressivo aumento na proporção de células T que atuam de forma disfuncional. O declínio da capacidade imune com a idade poderia ser atribuído à prevalência de um linfócito T com fenótipo senescente. Suas células virgens apresentam defeitos funcionais, redução dos telômeros, diminuição na produção de interleucina 2, prejuízo na expansão e diferenciação em célula efetora e consequente redução na habilidade da resposta antigênica. Sua Ana Victória Ribeiro – M7 maior característica é a irreversibilidade da perda de sua capacidade replicativa. O número de divisões celulares, nos quais a senescência é atingida, depende da espécie, da idade e do conjunto genético do indivíduo. Assim, células de origem fetal ou neonatal são capazes de um número maior de divisões do que as células de indivíduos velhos – limite de Hayflick. Com o avanço da idade, há um aumento no número de células que parecem normais, mas falham em responder ao estímulo ativador. Os linfócitos B, embora não demostrem alteração quantitativa importante, apresentarão a qualidade da função de seus anticorpos prejudicada, o que se refletirá em respostas mais baixas às vacinas. Com o envelhecimento a medula óssea tem reduzida a capacidade de expansão da população de linfócitos B. Estes linfócitos são estimulados de forma menos eficiente, fazendo surgir uma população de linfócitos B de memória cada vez maior e de linfócitos virgens (naïve) cada vez menor, reduzindo a capacidade de reconhecer novos antígenos. Enquanto os títulos de anticorpos para partículas estranhas e a resposta imune secundária caem com a idade, os autoanticorpos aumentam. Aumenta a frequência da autorreatividade que parece se originar na diminuição do potencial de regulação imune, ou talvez pelo fato de que o sistema imune também preencha a função de remover material autólogo danificado. Geralmente estes autoanticorpos são IgM e IgG de baixa afinidade A afinidade do anticorpo é crítica na resposta imune, já que é ela quem determina a força e a especificidade com a qual o anticorpo se ligará ao antígeno. Anticorpos com alta afinidade são capazes de se ligar mais avidamente, formando o chamado complexo imune, tornando mais eficiente a eliminação do antígeno. Anticorpos de baixa afinidade, por sua vez, são pouco específicos e pouco eficientes na eliminação do antígeno e apresentam, além disso, mais reações cruzadas com outros antígenos. O declínio na resposta dos anticorpos e a diminuição de sua ligação (afinidade) com o antígeno aumentarão o estado de anergia (não responsividade ao antígeno). O fato de os anticorpos produzidos pelo linfócito B de indivíduos velhos serem de baixa afinidade se refletirá no menor percentual de eficácia na vacinação quando comparados a jovens. Além das células envolvidas em todo o processo de defesa, existem as proteínas mediadoras da resposta imunológica, as citocinas, que afetam desde a proliferação e a diferenciação até o estágio final de morte celular (apoptose). Entre as principais, destacamos as interleucinas (IL-1, IL-2 e IL-6), a interferona- γ (IFN-γ), o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), e o fator de crescimento tumoral (TGF). Estes mediadores apresentam-se alterados com o envelhecimento. As interleucinas possuem, entre outras funções, a de ativação dos linfócitos e a indução da divisão de outras células. Cada interleucina atua sobre um grupo limitado e específico de células que expressam receptores adequados para elas. Com o envelhecimento, diminui a produção interleucina-2 (IL-2), importante fator de crescimento para linfócito T. Além disso, células de doadores velhos não expressam receptor para IL-2 na mesma proporção. A mobilização do cálcio e a ativação para a progressão do ciclo celular estão modificadas nas células de indivíduos velhos. Enquanto algumas células podem não liberar interleucina-2 e interferona-γ adequadamente após a ativação, elas liberam outros fatores, como o TNF-α, com propriedades inflamatórias, interleucina-1, interleucina-6, mais do que os liberados por células de indivíduos jovens. A interleucina-6 está relacionada com distúrbios inflamatórios crônicos, e seus níveis parecem aumentar com a idade. Assim, existem perda da função celular, modificação na habilidade em responder aos eventos de ativação e modificações da resposta aos eventos desta ativação. FENÓTIPO SENESCENTE E CENTENÁRIOS O fenótipo do envelhecimento é determinado por um conjunto de eventos aleatórios associados a alguns predeterminados como o ambiente, a Ana Victória Ribeiro – M7 genética, o equilíbrio químico hormonal e fenômenos epigenéticos. Os principais aspectos observados no envelhecimento imunológico caracterizam-se por uma resposta de ativação e efetora diminuída ou disfuncional tanto na resposta imune inata quanto na adaptativa, tendo no linfócito T sua principal expressão, uma vez que o timo já terá involuído completamente. Na imunidade inata os neutrófilos demonstram menor atividade quimiotática e fagocítica, e as células NK apresentam aumento numérico com menor capacidade citotóxica. Na imunidade adaptativa há atrofia do timo, desequilíbrio entre as células T virgens e as de memória, dificultando a indução de resposta imunológica adaptativa contra novos antígenos, além de uma alteração na produção de imunoglobulinas (anticorpos) pelos linfócitos B. Uma marcante característica do fenótipo senescente é a diminuição de células periféricas nativas (naïve) já depletadas pelo contato com antígenos ao longo da vida e não substituídas após a involução do timo e, portanto, convertidas a células de memória (imunidade adaptativa). Este fato limita a geração de novas células para fazer frente aos novos antígenos que se apresentarão durante o envelhecimento. Estas alterações concorrerão para o aumento da gravidade em caso de exigência defensiva aguda maior, ao mesmo tempo que a produção de mediadores inflamatórios e sua consequente estimulação antigênica prolongada podem dar origem a uma situação de cronicicidade inflamatória de baixo grau (inflamm-aging). Este processo tem impacto no meio interno, podendo mudar sua composição ao longo do tempo, uma vez que uma carga antigênica crônica formada por antígenos não eficientemente inativados e por restos celulares não completamente eliminados poderá estar envolvida na estimulação imunológica continuada e contribuir para a patogênese de doenças crônico-degenerativas. Estas alterações que estimulam a produção de citocinas pró-inflamatórias, proteases, quimiocinas, entre outros, são conhecidas como fenótipo secretor relacionado à senescência, que pode ser benéfico ou deletério, dependendo do momento no qual ele é desencadeado e por quanto tempo é mantido. O estado inflamatório prolongado, de baixa intensidade (inflamm-aging), é o resultado da ativação de macrófagos e linfócitos T dirigidos contra vírus comuns como por exemplo o Epstein- Barr (EPV) ou o citomegalovírus (CMV). Trata-se de um desequilíbrio entre os agentes inflamatórios e a rede anti-inflamatória (pleiotropia antagônica), aumentando a morbidade. Tanto uma condição inflamatória subclínica como uma incapacidade do sistema imune em degradar estes produtos, ao mesmo tempo que, induzindo certa tolerância ao antígeno facilitando, a destruição de tecido sadio, esta distorção do reconhecimento, podem estar envolvidas na patogênese das doenças crônicas do envelhecimento bem como a ocorrência de fenômenos alérgicos e autoimunes. Em outras palavras, afonte antigênica tanto pode ser externa (vírus, bactérias) como endógena, derivada de macromoléculas alteradas que continuam a estimular a atividade dos macrófagos. Concentrações elevadas de interleucina-6 (IL-6) e fator de necrose tumoral alfa (TNF-α) são relacionados como preditores de fragilidade, morbidade e mortalidade. Este fenômeno não é incompatível com a longevidade, uma vez que mesmo em centenários pode ser encontrado, entretanto, aumenta sua vulnerabilidade. A maior sobrevivência associada a uma boa qualidade de saúde dependerá do nível particular de citocinas anti-inflamatórias e de um “genótipo protetor”. Dessa forma os centenários parecem estar equipados com variantes de genes que lhes permitem otimizar o equilíbrio entre os agentes pró e anti-inflamatórios. Os marcadores genéticos encontrados no fenótipo pró�inflamatório relacionados a doenças comuns no envelhecimento estão sub-representados nos centenários ao mesmo tempo que mediadores anti-inflamatórios estão representados de forma mais importante neste grupo, chamando a atenção para o controle genético desta condição. Estudos epidemiológicos em diferentes populações indicam a presença de forte Ana Victória Ribeiro – M7 componente familiar. Estes estudos revelam que parentes de longevos, mas não cônjuges, têm maior chance de serem longevos também e correrem menor risco de sofrer de doenças crônico-degenerativas como diabetes, doenças cerebrovasculares e câncer. Centenários em boas condições de saúde parecem ser capazes de neutralizar estas respostas inflamatórias, mas não são capazes de alterar a competência imunológica contra agentes infecciosos. Deve-se considerar que a longevidade depende também de outros fatores não exclusivamente genéticos. Dessa forma, o fenótipo senescente parece refletir não apenas uma função prejudicada, mas uma desregulação. A longevidade e o envelhecimento saudável têm sido relacionados também com altos níveis de citotoxicidade das células NK que desempenham importante papel contra células infectadas por vírus e tumores, enquanto baixos níveis funcionais têm sido associados ao aumento da morbidade e mortalidade por infecções, má resposta a vacinação contra a gripe e aterosclerose. Há ainda dois aspectos que vêm sendo estudados: o encurtamento dos telômeros e o estresse oxidativo igualmente envolvidos na diminuição da eficiência imunológica relacionada à idade. Tal fenótipo, a chamada senescência celular replicativa, indica que a capacidade de proliferar chegou à exaustão com o encurtamento máximo dos telômeros. Essas modificações poderiam explicar o aumento da morbidade relacionado com o envelhecimento, incluindo não somente as doenças infecciosas, mas também doenças vasculares, demência e neoplasias. O declínio da função imune inata tem consequências sobre a imunidade adaptativa, uma vez que sua ação está intimamente relacionada. PAPEL NEUROENDÓCRINO O sistema imunológico se relaciona e é modulado quimicamente por padrões hormonais. Aumentam os estudos que relacionam sua eficiência com padrões de comportamento de humor. Quando uma infecção desencadeia uma resposta inflamatória as células do sistema imune inato produzem citocinas pró�inflamatórias que agem no cérebro provocando um “estado de enfermidade”. Se a ativação imunológica prossegue como durante uma infecção sistemica, um câncer ou uma doença autoimune, o resultado subsequente poderá ser uma sinalização para o cérebro de exacerbação do “estado de enfermidade”, com sintomas de depressão, agravados em indivíduos com maior vulnerabilidade. Ainda que os fatores que iniciam um estado de estresse psicológico e de estresse físico sejam diferentes, a forma pela qual eles afetam o sistema imunológico é parecida e inclui a ativação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal e o eixo simpático-adrenal-medular que, por sua vez, influenciarão o sistema imunológico. Um aumento do cortisol encontrado após trauma físico (fratura de bacia) está associado a uma diminuição da produção de superóxido pelos neutrófilos e aumento do risco de infecção. Assim, com o envelhecimento, condições estressantes emocionais (perdas, insegurança) ou físicas (traumas, doenças), ativarão os caminhos que poderão levar o eixo medular à depressão crônica, diminuindo a resposta imune. Ana Victória Ribeiro – M7