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Brasília-DF. Farmacologia e TerapêuTica VeTerinária do SiSTema cardioVaScular Elaboração Iracema Gomes de Araujo Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração Sumário APrESEntAção .................................................................................................................................. 4 orgAnizAção do CAdErno dE EStudoS E PESquiSA ..................................................................... 5 introdução ..................................................................................................................................... 7 unidAdE i Fisiologia CardiovasCular ............................................................................................................. 9 CAPítulo 1 aspeCtos básiCos da Função CardíaCa ........................................................................... 9 CAPítulo 2 CiClo CardíaCo: Coração Como uma bomba ............................................................. 17 unidAdE ii digitáliCos, inotrópiCos positivos e vasodilatadores ............................................................... 20 CAPítulo 1 inotrópiCos positivos ....................................................................................................... 20 CAPítulo 2 inodilatadores .................................................................................................................. 36 CAPítulo 3 inibidores da enzima Conversora de angiotensina ...................................................... 41 CAPítulo 4 vasodilatadores ............................................................................................................... 46 unidAdE iii drogas antiarrítmiCas .................................................................................................................. 55 CAPítulo 1 ritmiCidade CardíaCa ....................................................................................................... 55 CAPítulo 2 ClassiFiCação dos meCanismos arritmogêniCos ........................................................ 60 CAPítulo 3 ClassiFiCação das drogas antiarrítmiCas .................................................................... 63 PArA (não) FinAlizAr ...................................................................................................................... 72 rEFErênCiAS .................................................................................................................................... 74 4 Apresentação Caro aluno A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD. Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo. Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira. Conselho Editorial 5 organização do Caderno de Estudos e Pesquisa Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares. A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos e Pesquisa. Provocação Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor conteudista. Para refletir Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões. Sugestão de estudo complementar Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso. Praticando Sugestão de atividades, no decorrer das leituras, com o objetivo didático de fortalecer o processo de aprendizagem do aluno. Atenção Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a síntese/conclusão do assunto abordado. 6 Saiba mais Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões sobre o assunto abordado. Sintetizando Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos. Exercício de fixação Atividades que buscam reforçar a assimilação e fixação dos períodos que o autor/ conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo (não há registro de menção). Avaliação Final Questionário com 10 questões objetivas, baseadas nos objetivos do curso, que visam verificar a aprendizagem do curso (há registro de menção). É a única atividade do curso que vale nota, ou seja, é a atividade que o aluno fará para saber se pode ou não receber a certificação. Para (não) finalizar Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado. 7 introdução A compreensão da farmacodinâmica clínica das drogas que agem no sistema cardiovascular é essencial para a medicina veterinária por duas importantes razões. Primeiramente, para a manutenção do padrão da indispensável função bombeadora do coração e, em segundo lugar, pois disfunções cardíacas passíveis de tratamento são comuns em diversas espécies. Esse caderno de estudos considera as principais drogas utilizadas no manejo terapêutico das desordens cardiovasculares, com foco nos aspectos básicos da função cardíaca, agentes inotrópicos positivos, inodilatadores e vasodilatadores, bem como drogas antiarrítmicas e anticoagulantes. objetivos » Promover uma breve revisão sobre a anatomia e fisiologia do sistema cardiovascular e os seus principais distúrbios em medicina veterinária. » Compreender os mecanismos de ação dos diferentes fármacos com ação sobre o sistema cardiovascular com relevância em Medicina Veterinária. » Analisar diferentes aspectos (clínicos e experimentais) na utilização dos diferentes fármacos, a fim de estabelecer as melhores estratégias terapêuticas. 9 unidAdE iFiSiologiA CArdiovASCulAr CAPítulo 1 Aspectos básicos da função cardíaca O coração do mamífero possui quatro câmaras, dois átrios e dois ventrículos, formados basicamente por células miocárdicas, por meio das quais a atividade elétrica se propaga (Figura 1). Imersas nessa massa muscular contrátil, existem estruturas constituídas por tecido muscular modificado especializadas na gênese e na condução da atividade elétrica. Figura 1. representação esquemática das estruturas do coração de mamíferos. Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/n%C3%b3dulo_sinoatrial> 10 UNIDADE I │ FIsIologIA CArDIovAsCUlAr No átrio direito, nas proximidades da desembocadura da veia cava superior, situa-se o nó sinusal (ou sinoatrial – NSA), que no coração normal é o local de gênese da atividade elétrica cardíaca espontânea. Por isso, o NSA éconsiderado o marca-passo cardíaco. Também no átrio direito, na superfície endocárdica da porção inferior do septo interatrial, localiza-se o nó atrioventricular – NAV. Outro tecido especializado em condução é o feixe de His, que parte do NAV e se estende para a musculatura ventricular, subsequentemente dividindo-se e formando uma extensa rede de condução intraventricular, as fibras de Purkinje (Figura 2). Figura 2. representação esquemática dos sistemas de condução da atividade elétrica cardíaca. Fonte: <http://www.lifesavers.com.br/r/nocoes-de-Fisiologia-11.html.>. A manutenção do potencial de repouso dentro de certos valores é fundamental para a ativação normal do coração, uma vez que os principais canais iônicos responsáveis pela atividade elétrica cardíaca são dependentes de voltagem. Assim como nos neurônios, o potencial de repouso – PR da célula miocárdica corresponde em grande parte, ao potencial de equilíbrio do K+. Dessa forma, para ativação normal do miocárdio, excetuando-se o marcapasso, é fundamental que o PR seja mantido na faixa de -80 a -90mV, quando o canal de Na+, responsável pela fase inicial do potencial de ação – PA está fechado. As células musculares cardíacas reagem ao estímulo, que se origina do NSA, pela despolarização de sua membrana, com uma PA. Um aspecto que chama atenção é a grande diversidade de formas de PAs dependendo da região do coração. Outra característica marcante dos PAs cardíacos é a longa duração. Levando em conta o nível de potencial de repouso e a velocidade de despolarização, os PAs cardíacos podem ser unificados em dois tipos: potencial de ação rápido e lento. O potencial de ação rápido (em células de resposta rápida) é característico do miocárdio de trabalho atrial e ventricular, também do feixe de His e das fibras de Purkinje (Figura 3). Quando a membrana é despolarizada, há ativação de canais de Na+ voltagem-dependentes, o que permite o influxo de Na+, que vai promover despolarização adicional e, consequentemente, mais influxo de Na+, e assim por diante num processo de retroalimentação positiva, o que resulta em uma rápida e grande despolarização da membrana na forma de ultrapassagem (de +40 a +50mV). 11 Fisiologia CardiovasCular │ uNidadE i Então, a principal corrente de despolarização, responsável pela despolarização (fase 0) do PA rápido, é a corrente de sódio dependente de voltagem (INa). Pela sua grande densidade, essa corrente é fundamental para a rápida propagação do PA (1 a 5m/s). As menores velocidades ocorrem no miocárdio atrial e ventricular e as maiores, nas fibras de Purkinie, tecido especializado na condução. A seguir, diferentemente do observado no PA do axônio em que a repolarização se processa em poucos milissegundos, há uma rápida e transitória repolarização (fase 1), associada à abertura do canal de potássio transiente de efluxo (Ito1) ativada por despolarização. Nesse momento, há um rápido e momentâneo aumento da permeabilidade da membrana ao K+, explicado pelas rápidas cinéticas de ativação e inativação deste canal. Nas fibras de Purkinje, há a evidencia de que a fase 1 conta também com influxo de Cl- por meio de um canal de cloreto (Ito2). Logo após a fase 1, inicia-se a fase de platô (fase 2) de duração variável (100 a 500ms). Durante o platô, a célula fica despolarizada com um potencial próximo de zero mV, e tanto as correntes despolarizantes (influxo) quanto as repolarizantes (efluxo) são pequenas, de amplitudes praticamente iguais, pois a soma das condutâncias ao Na+ e ao Ca++ praticamente se iguala à condutância ao K+. Assim, o fluxo efetivo de cargas durante esta fase é muito pequeno, razão pela qual o potencial transmembrana permanece relativamente estável. As correntes despolarizantes presentes nessa fase incluem a corrente de cálcio do tipo L (ICa,L) que possuem uma inativação lenta, e a INa, com seu componente de inativação lenta. Quanto às correntes repolarizantes, a bomba de Na+/K+ tem seu efeito mais proeminente nessa fase, assim como a inativação completa de Ito1 também contribui. É interessante ressaltar, que é na fase 2 do PA que há o aumento da condutividade da membrana ao Ca++ para as fibras musculares, importante para a contração muscular. As correntes despolarizantes decaem completamente, havendo uma absoluta predominância de correntes repolarizantes, caracterizando a fase de repolarização rápida final (fase 3). Nessa fase, a maior condutância ao K+ está associada com a ativação de canais de K+ dependentes de voltagem, retificadores retardados (IK: IKr, IKs e IKur). Induzidas pela despolarização de fase 0, promovendo um grande efluxo de K+, o que leva à rápida repolarização. Até que o potencial volta ao nível de repouso (fase 4), caracterizado, novamente, por um balanço entre correntes despolarizantes e repolarizantes, de modo que o saldo é uma corrente efetiva nula, nas células com PR estável. Figura 3. representação esquemática do potencial de ação cardíaco em células de resposta rápida. Fonte: <http://www.uff.br/fisio6/aulas/aula_07/topico_01.htm> 12 UNIDADE I │ FIsIologIA CArDIovAsCUlAr O potencial de ação lento (em células de resposta lenta) está presente nas células do NSA e NAV (Figura 4). Como não há participação de canais de Na+ na gênese desse PA, a principal corrente despolarizante e responsável pela fase 0 é a corrente de Ca++ do tipo L (ICa,c), que se caracteriza por um ativação mais lenta e uma densidade bem inferior a de INa. Disso resulta uma fase 0 mais lenta e, consequentemente, uma propagação do PA mais lenta nos dois nós (cerca de 0,05m/s). Esse PA não apresenta fase 1 e fase 2, então, após a fase 0, segue-se uma repolarização contínua, mais lenta no início o e mais rápida no final, em função da abertura de canais de K+ retificadores retardados (IKr e IKs). Essa repolarização atinge um potencial de cerca de -70 a -60mV, retornando, então, ao potencial de repouso (fase 4). Mas essa fase é caracterizada por uma despolarização lenta, assim, diferente do miocárdio de trabalho, os nós NAV e NSA não apresentam um PR fixo. Figura 4. representação esquemática do potencial de ação cardíaco em células de resposta lenta. Fonte: <http://www.fac.org.ar/6cvc/llave/c155/perezra.php> Uma vez estimulado um PA rápido no miocárdio, por maior que seja a intensidade do estímulo, um segundo PA só poderá ser elicitado depois que tenha ocorrido ao menos 50% da repolarização. Esse é o período refratário absoluto. A partir daí, inicia-se o período refratário relativo, que é o período em que um estímulo com intensidade supralimiar é capaz de estimular um segundo PA. Com PA de maior duração, os períodos refratários no músculo cardíaco são muitos mais longos do que no axônio e, igualmente, são cruzados pela inativação dos canais de Na+, que só retornam à conformação de fechados quando o potencial retorna para o valor de repouso. Uma consequência de períodos refratários mais longos é que no coração não ocorre o fenômeno somação temporal, observado nos neurônios. Outra consequência é que a frequência máxima possível a ocorrência de PA é cerca de três vezes menor no coração, no axônio. Essas diferenças são muito interessantes e importantes para a função de cada tipo celular, pois no axônio, a função básica do PA é transmitir rapidamente mensagens ao corpo, de grandes distancias, consequentemente, quanto mais ampla a faixa de frequência, maior a capacidade de transmissão de mensagem. Já no miocárdio, a função básica do PA é garantir uma propagação rápida e coordenada e, com isso, disparar o processo de contração sincronizada em todo o coração. Dessa forma, frequências ventriculares muito altas reduziriam o tempo de enchimento ventricular, diminuindo 13 Fisiologia CardiovasCular │ uNidadE i a eficiência da bomba cardíaca. Além disso, a contração muscular cardíaca ocorre “dentro” da fase de platô do PA, isto é, no período refratário absoluto, diferente do músculo esquelético, no qual a contração ocorre após o finaldo PA. Assim, o músculo cardíaco só é novamente estimulado quando a contração já estiver terminado. Consequentemente, o miocárdio não é passível de tetania, essencial para sua ritmicidade. Uma observação interessante é que o período refratário no PA lento ultrapassa a própria duração do PA, consequência do maior tempo requerido para a remoção da inativação do canal de Ca++ do tipo L. Determinadas células cardíacas não necessitam de estímulo externo para iniciar uma ação potencial. Essa propriedade é denominada automatismo, presente nas células do NSA e NAV. Nessas células não existem um potencial de repouso fixo, sendo a repolarização seguida de uma despolarização lenta da membrana chamada despolarização diastólica ou fase 4 do PAs automáticos. Essa fase prossegue até um certo potencial limiar (em torno de -40mV), no qual se desencadeia a despolarização rápida (fase 0) por ativação de ICaL, iniciando-se assim um novo PA. As células do NSA são as que apresentam a fase 4 mais inclinada (despolarização diastólica mais rápida), atingindo o limiar mais rápido que o NAV, o que garante ao NSA a condição de marca-passo cardíaco. Assim, em condições normais, apenas o automatismo do NSA se manifesta. A despolarização diastólica é um somatório de várias correntes iônicas que atravessam a membrana nos dois sentidos. As principais correntes são as correntes marca-passo (If), que permite maior influxo de Na + do que efluxo de K+, as correntes de cálcio (ICaT e ICaL) e as correntes de potássio (IKr e IKs). Entretanto, a corrente de Ca++ do tipo T é considerada a principal corrente na gênese do automatismo, sendo encontrada em densidade maior no NSA que no NAV. O miocárdio apresenta, em pontos de contatos entre as células vizinhas, regiões especializadas, denominadas discos intercalares, onde se encontram junções de adesão mecânica, como os desmossomas, indispensáveis para que o coração suporte as altas pressões desenvolvidas (particularmente, no ventrículo esquerdo) em condições normais, mas também nas outras câmaras em condições patológicas. Também, há junções especializadas em comunicação que permite a troca de substâncias entre células contíguas, chamadas junções comunicantes, ou gap juntions, que formam vias de baixa resistência entre célula adjacente, que se aderem formando um canal juncional. Dessa forma, há a possibilidade de o miocárdio se comportar como um sincício funcional, pois ocorre fluxo de corrente entre as células por meio dessas junções, de tal forma que, se determinada região do miocárdio for estimulada, ativando o PA, este se propagará por toda a massa muscular. Como os átrios ficam separados dos ventrículos, dizemos que o coração é formado por 2 sincícios, um atrial que forma a parede dos dois átrios, e outro ventricular, que forma a parede dos ventrículos. Essa divisão permite que os átrios se contraiam pouco antes da contração ventricular, o que é importante para a eficácia do bombeamento cardíaco. Os estímulos excitatórios se propagam pelo coração, originados no NSA, passando pelos átrios (como se fosse uma onda), pelo NAV, pelo feixe de His e pelas fibras de Purkinje, e atingem todo o miocárdio ventricular. Quando os ventrículos estão inteiramente despolarizados, os átrios já repolarizaram. Pode-se dizer que há também uma propagação da repolarização a partir da região que primeiro repolariza. 14 UNIDADE I │ FIsIologIA CArDIovAsCUlAr O traçado do eletrocardiograma – ECG equivale a essa sequência de eventos. O ECG é um procedimento clínico que fornece informações sobre a propagação de excitação elétrica nos miocárdios atrial e ventricular. Baseia-se em variações na diferença de potencial entre dois pontos na superfície corporal em função do tempo. Dependendo da posição dos eletrodos, a morfologia das ondas do ECG pode variar. Na posição do braço direito e pé esquerdo (derivação II, segundo Einthoven), onde P corresponde à despolarização atrial (excitação atrial), o intervalo PQ corresponde ao tempo de condução átrioventricular, o complexo QRS corresponde à despolarização ventricular, e a onda T representa a repolarização ventricular. Figura 5. representação esquemática da unidade eletrocardiográfica Fonte: <http://ecg.med.br/assuntos-online/o-eletrocardiograma-normal> A repolarização dos átrios, que ocorre na fase de despolarização dos ventrículos (complexo QRS), normalmente não é visto no ECG por causa do baixo valor de voltagem. O segmento ST corresponde à fase de platô, que se situam em torno de 0mV. Pode ainda aparecer a onda U, que parece ser determinada pela repolarização das fibras ventriculares com PAs mais longos. Quando o impulso cardíaco normal cursou cada extensão do miocárdio, ele “morre” e o coração aguarda um novo PA gerado no NSA. O fenômeno de reentrada é quando o impulso continua e trafegar, causando a reentrada do impulso em músculo que já foi excitado. Isso pode acontecer em 3 condições: 1. se a extensão do percurso for longa (exemplo, coração dilatado), pois a célula originalmente estimulada não estará mais refratária; 2. se a velocidade de condução diminuir (exemplo, isquemia do músculo); 3. se o período refratário ficar muito encurtado (exemplo, em resposta a diversos fármacos). A reentrada pode causar muitos padrões anormais de contração cardíaca e até mesmo ritmos cardíacos anormais, que ignoram o efeito marca-passo do NSA, como a mais grave de todas as arritmias, a fibrilação. 15 Fisiologia CardiovasCular │ uNidadE i O músculo cardíaco, assim como o músculo esquelético, é estriado porque os filamentos de actina e miosina se interdigitam, formando as estrias transversais. Os miofilamentos que também se organizam em miofibrilas, têm a mesma constituição que a do músculo esquelético, e é também os deslizamentos da actina sobre a miosina que caracteriza a contração. Figura 6. representação esquemática do ciclo das pontes transversas na contração da musculatura esquelética Fonte: <http://nutrisdoexercicio.wordpress.com/2013/04/23/histofisiologia-neuromuscular/> Os mecanismos que causam o acoplamento entre a despolarização da membrana e a contração estão associados pelo conceito de acoplamento eletromecânico (Figura 7). Nesse processo, os íons Ca++ desempenham papel fundamental. O retículo sarcoplasmático – RS, importante reservatório de Ca++, é menos desenvolvido no miocárdio, por isso o influxo de Ca++, por meio do sarcolema, é muito importante. Os RS estão situados nas proximidades dos miofilamentos, com curtas vias de difusão para o Ca++, possibilitando alterações de concentração de Ca++ diretamente no local de sua ação. A liberação de Ca++ ocorre pelos compartimentos dilatados, nas extremidades do RS, chamadas de cisternas terminais, que se situam na proximidade imediata de invaginações do sarcolema (Túbulos T). O PA se propaga pela membrana da célula cardíaca, atingindo os túbulos T, onde estão os canais 16 UNIDADE I │ FIsIologIA CArDIovAsCUlAr de Ca++ do tipo L, também denominados receptores para di-hidropiridina (DHPR). Durante a fase de platô (fase 2) do PA, o Ca++ flui, ao longo de seu gradiente eletroquímico, pelos canais (DHPR), para o interior das fibras musculares, e ativa canais de Ca++ do RS, denominados receptores para rianodina (tipo 2, RyR2), desencadeando liberação adicional de Ca++ pelo RS (liberação de Ca++ induzida por Ca++). Esse Ca++ induz o ciclo de contração por sua ligação com a troponina C, igual no músculo esquelético (Figura 7). Brevemente, o miocárdio relaxa quando o transporte ativo primário – ATP se liga à cabeça da miosina, o que diminui sua afinidade pela actina e volta para 90º, e quando a concentração citosólica de Ca++ diminui, pois não há ligação de Ca++ a TnC e o complexo tropomiosina-troponina retorna a sua conformação de repouso, isto é, recobrindo os sítios ativos na actina para ligação da miosina. Há a rápida reabsorção (ou recaptação) de Ca++ pelo RS, um processo dependente de ATP, que é mediado por uma Ca++-ATPase,também chamada de ATPase transportadora de cálcio do RS (SERCA), e modulada pela proteína fosfolambam. A fosforilação do fosfolambano, por proteínas cínases dependentes de AMPc, desinibe (e assim, estimula) a atividade da SERCA e com isso aumenta a recaptaçao de Ca++ pelo RS. O Ca++ também é transportado por meio do sarcolema para fora da célula, por uma Ca++-ATPase e por um trocador de 3Na+/1Ca+. Esse trocador transfere 3Na+ para dentro, a favor do gradiente, e 1Ca++ para fora da célula, contra o gradiente de concentração, sendo então um transporte ativo secundário, mantido pela atividade contínua de Na+-K+-ATPase. Figura 7. representação esquemática do mecanismo de acoplamento excitação-contração no músculo cardíaco. 17 CAPítulo 2 Ciclo cardíaco: coração como uma bomba Sob o ponto de vista funcional, o coração consiste de duas bombas, interligadas de modo sequencial. O coração direito, abastecido com sangue venoso pelas veias cavas superior e inferior, por intermédio da contração do ventrículo direito, ejeta sangue venoso para circulação pulmonar por meio da artéria pulmonar. O coração esquerdo bombeia o sangue rico em oxigênio, por meio de contração do ventrículo esquerdo, por meio da aorta, para a circulação corporal (sistêmica). As contrações do coração esquerdo e do direito ocorrem simultaneamente. A função de bombeamento do coração está baseada na sequência rítmica de contração (sístole) e relaxamento (diástole), que compõem o chamado ciclo cardíaco. A ação bombeadora do coração reflete-se nas mudanças de volume e pressão que ocorrem em cada câmara cardíaca e nas grandes artérias, na medida em que o coração completa cada ciclo. A direção do fluxo sanguíneo é determinada pela disposição das valvas cardíacas, cuja função permite o transporte do sangue em uma só direção. A valva atrioventricular direita é composta por três cúspides (ou folhetos) e denomina-se valva tricúspide, enquanto aquela que separa o átrio e ventrículo esquerdo é composta por duas cúspides, sendo denominada bicúspide ou mitral. Essas valvas atrioventriculares abrem-se quando a pressão ventricular é menor que a atrial e fecham-se quando as pressões se invertem. Além das valvas atrioventriculares, existem as semilunares, constituídas por três cúspides cada, inseridas no trato de saída da artéria pulmonar (valva pulmonar) e da aorta (valva aórtica). As valvas semilunares abrem-se, quando a pressão ventricular ultrapassa a pressão arterial (pulmonar ou aórtica), e fecha-se quando ocorre o inverso. Sons sincronizados, ou melhor, ruídos, podem ser percebidos por meio do tórax, com auxilio de estetoscópio, são produzidos no coração durante o ciclo cardíaco. Quatro ruídos ou bulhas cardíacas geralmente são produzidos pelo coração, mas somente duas são audíveis pelo estetoscópio. A primeira bulha cardíaca inicia-se no começo da sístole ventricular, sendo um ruído abafado, alto e de longa duração. É produzida pela oscilação do sangue nas câmaras ventriculares e pela vibração das paredes dessas câmaras, quando há elevação abrupta da pressão ventricular e, principalmente, com a retração repentina das valvas atrioventriculares (A-V), havendo desaceleração do sangue quando elas se fecham. As vibrações dos ventrículos e do sangue neles contidos são transmitidas, através dos tecidos adjacentes, e alcançam a parede torácica, sendo ouvido um ruído do tipo “tum”. Assim, a primeira bulha coincide com o fechamento das valvas A-V. A segunda bulha coincide com o fechamento abrupto das valvas semilunares e é composta por vibrações de frequência mais alta (tom mais alto), com menor intensidade e duração; é auscultada como um ruído mais “claro”, do tipo “ta”. Com recursos eletrônicos especiais (fonocardiograma), uma terceira bulha cardíaca pode ser demonstrada. Causada pelo sangue entrando durante o enchimento ventricular inicial, essa bulha consiste de vibrações de frequência e intensidade baixas. Em corações sobrecarregados, como em 18 UNIDADE I │ FIsIologIA CArDIovAsCUlAr caso de insuficiência cardíaca congestiva, quando o volume ventricular é muito grande, a terceira bulha pode ser auscultada, o que é um sinal grave. Uma quarta bulha consiste de poucas oscilações de baixa frequência, é ouvida raramente em indivíduos normais, sendo causada por oscilações do sangue e das câmaras durante a sístole atrial. Os ruídos anormais são caracterizados como sopros cardíacos, que podem ser causados por uma insuficiência valvar, quando não há o fechamento completo da valva, ou por uma estenose, quando não há abertura completa da valva, então, esse estreitamento dificulta a passagem do sangue. A insuficiência mitral e a estenose mitral produzem, respectivamente, sopros sistólico e diastólico, pois há refluxo do sangue no momento da diástole ou dificuldade para passagem do sangue na diástole. A insuficiência aórtica e estenose aórtica, por outro lado, produzem, respectivamente, sopros diastólico e sistólico. As características do sopro servem como guia importante para o diagnóstico de doença valvar. A cada geração espontânea de um PA pelo NSA, inicia-se um ciclo cardíaco. Esse, portanto, refere-se ao período compreendido entre o início de um batimento cardíaco e o início do batimento seguinte. Porquanto, as alterações de volume e pressão no lado direito são similares àquelas do lado esquerdo do coração, exceto quanto à pressão desenvolvida na sístole, cujo valor situa-se em torno de 1/5 da pressão desenvolvida pelo ventrículo esquerdo. Para facilitar, o lado esquerdo é usado como exemplo na figura 7. O ciclo cardíaco inicia-se com a excitação atrial, a qual é indicada pela onda P no ECG. Como a valva A-V está aberta, a transferência de sangue do átrio para o ventrículo, feita pela onda de contração atrial, completa o período de enchimento ventricular. Essa sístole atrial é responsável pelos pequenos aumentos das pressões atrial (onda a) e ventricular, assim como do volume ventricular, já que a valva aórtica está fechada (pressão na aorta maior que no ventrículo esquerdo). Em frequências cardíacas baixas, a contribuição da sístole atrial para o enchimento ventricular é pequena, uma vez que, quando a despolarização atinge o ventrículo esquerdo, indicado pela presença do complexo QRS no ECG, inicia-se a sístole ventricular. Então, observa-se, em um curto intervalo de tempo, uma rápida subida da pressão ventricular, forçando o fechamento da valva A-V (mitral) e produzindo a primeia bulha cardíaca. Nesse curto período em que as valvas mitral e aórtica permanecem fechadas, a contração ventricular processa-se sem haver alteração de volume na câmara, por isso essa fase da sístole é denominada de contração isovolúmica ventricular. O aumento progressivo de tensão na parede ventricular produz rápido aumento da pressão ventricular e também em pequena elevação da pressão atrial (onda c) por causa da elevação do assoalho atrial e pequena protusão da valva A-V em direção a cavidade atrial. No momento em que a pressão ventricular ultrapassa a pressão na aorta (aproximadamente 80 mmHg), a valva semilunar abre-se, começando a fase seguinte de ejeção de sangue da cavidade ventricular para aorta. Essa fase de ejeção tem um componente inicial rápido (ejeção rápida) seguido por uma ejeção final mais lenta (ejeção reduzida). A ejeção rápida é caracterizada pelo aumento da pressão ventricular e pelo declínio da curva de volume ventricular e como a entrada de sangue na aorta ocorre mais rapidamente que a passagem deste para as artérias menores, a pressão aórtica, que antes estava em declínio, agora aumenta até atingir um valor máximo, aproximadamente na metade do período de 19 Fisiologia CardiovasCular │ uNidadE i ejeção. Essa pressão máxima é referida como pressão arterial sistólica. Nesse momento, o miocárdio ventricular esquerdo começa a se repolarizar, conforme se constata pela presença da onda T no ECG. A pressão ventricular torna-se inferior à aórtica, mas a ejeção continua,ainda que reduzida (fase de ejeção reduzida), devido à alta aceleração imprimida ao sangue pela contração ventricular na fase anterior. Essa queda de pressão ventricular leva ao fechamento da valva aórtica (segunda bulha), terminando assim o período de sístole e ejeção ventricular (não é ejetado todo volume). Agora, as duas valvas (mitral e aórtica) estão fechadas e o miocárdio ventricular está relaxando, de modo que, por uma função de tempo, não há variação de volume ventricular, por isso esse período é denominado de relaxamento isovolúmico, que marca o início de diástole. Por causa da queda da tensão ativa na parede ventricular, a pressão ventricular diminui rapidamente. A pressão aórtica varia pouco devido à elasticidade de suas paredes, mas depois decresce durante toda a diástole, na medida em que o sangue flui em direção à microcirculação. A pressão atrial continua crescendo, devido ao retorno venoso e ao fato da válvula mitral estar fechada, até o momento em que supera a pressão ventricular, que inicialmente é rápido, havendo grande aumento do volume ventricular porque o gradiente pressórico é muito favorável à passagem do sangue da cavidade atrial a ventricular. Na medida em que esse gradiente pressórico diminui, o que ocorre na fase média da diástole, a velocidade de enchimento torna-se menor, caracterizando a fase de enchimento ventricular lento ou diástole, havendo um pequeno e lento aumento do volume ventricular. Simultaneamente, a pressão aórtica continua caindo lentamente até atingir um valor mínimo no final da diástole, referida como pressão arterial diastólica. O enchimento ventricular termina com a sístole atrial e o fechamento da valva mitral, que indicam o início de mais um ciclo cardíaco. Figura 8. representação esquemática da relação temporal entre as pressões atrial, ventricular e aórtica, o volume ventricular, o eletrocardiograma e fonocardiograma, no ventrículo esquerdo. Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ciclo_card%C3%adaco> 20 unidAdE ii digitáliCoS, inotróPiCoS PoSitivoS E vASodilAtAdorES CAPítulo 1 inotrópicos positivos Os digitálicos e diversos agentes químicos da mesma família são derivados de plantas, como a dedaleira roxa (Digitalis purpurea), além de outras espécies não relacionadas aos digitális. O uso medicinal de extratos dessas plantas, contendo princípios cardioativos, apresenta uma longa história, datada dos tempos antigos das civilizações grega e romana. A aplicação dos digitálicos na medicina moderna pode ser datada em 1765, quando William Withering – médico da Inglaterra – relatou suas observações sobre o uso de terapêutico da dedaleira. Essa notável história teve início com uma senhora idosa que, durante muitos anos, divulgou um remédio popular de ervas supostamente eficaz contra a hidropsia (edema). Apesar de tal remédio ser um segredo de família e de ter em sua composição cerca de 20 diferentes ervas, Withering atribuiu corretamente os efeitos terapêuticos benéficos ao ingrediente da dedaleira. Após 10 anos de estudos, Withering foi convencido sobre os valores terapêuticos da planta e publicou a sua clássica monografia intitulada “An account of the Foxglove and some of its medical uses: with practical remarks on dropsy and other diseases”. A monografia “An account of the Foxglove and some of its medical uses: with practical remarks on dropsy and other diseases”, pode ser encontrada no seguinte link: <http:// books.google.com.br/books/about/An_Account_of_the_Foxglove_and_Some_ of_I.html?id=VgIta49rzT4C&redir_esc=y>. Devido à resposta diurética frequentemente pronunciada, os rins foram primeiramente atribuídos como órgãos-alvo para a dedaleira; entretanto, Withering expôs que ele teria ação sobre os movimentos cardíacos, em um grau até o momento não observado com qualquer outro medicamento, e tal efeito pode ser convertido para fins salutares. Estudos subsequentes realizados por diversos estudiosos identificaram o coração como sendo o foco dos agentes digitálicos em pacientes com falência cardíaca congestiva e designaram como o seu principal mecanismo de ação o seu efeito inotrópico positivo sobre o miocárdio. Tais agentes também exercem importantes ações antiarrítmicas que possuem aplicações terapêuticas, estando a falência cardíaca congestiva instalada ou não. 21 Digitálicos, inotrópicos positivos e vasoDilataDores │ UniDaDe ii A resposta terapêutica aos digitálicos em pacientes com falência cardíaca congestiva implica em um amplo escopo de ajustes hemodinâmicos que aumentam a contratilidade miocárdica, além de aumentar o output cardíaco, aumentar a diurese e reduzir o edema, controlar as arritmias cardíacas e reduzir o volume sanguíneo, a pressão venosa, o tamanho do coração e a frequência cardíaca. A melhora na contratilidade miocárdica é o seu efeito mais importante, consistindo no efeito primário, a partir dos quais todos os demais efeitos são dependentes. A habilidade dos glicosídeos cardíacos em aumentar a contratilidade miocárdica foi demonstrada em uma série de experimentos. O músculo cardíaco suspenso, e em comprimento constante, responde aos digitálicos com um aumento na força sistólica isométrica; já quando o músculo cardíaco é estudado sob condições isotônicas, o encurtamento muscular é aumentado. A infusão endovenosa da droga aumenta a pressão desenvolvida intraventricular em indivíduos intactos, até mesmo quando a frequência cardíaca, o retorno venoso e a pressão sanguínea são mantidas constantes por meios experimentais. Tais resultados validam um efeito direto no encurtamento contrátil, independente de alterações no comprimento da fibra em repouso, frequência cardíaca, ou pós-carga. A ação inotrópica positiva dos glicosídeos cardíacos é particularmente pronunciada nos corações hipodinâmicos ou com falência. Entretanto, tal fato não deve ser interpretado como evidência de que os digitálicos corrigem seletivamente o defeito bioquímico específico no coração com falência cardíaca crônica. Tal imperfeição já foi identificada de forma satisfatória. Os digitálicos, por meio do aumento da disponibilidade de cálcio nas fibras cardíacas, aumentam a contratilidade, tanto do coração normal quanto daquele com falência. Assim, os glicosídeos cardíacos podem aumentar a fração de encurtamento cardíaco através de uma via celular que ignore ou envolva – apenas parcialmente – o defeito espontâneo. (ARANOW, 1992). O mecanismo de ação dos digitálicos, útil na falência cardíaca congestiva, seria o seu efeito inotrópico positivo sobre a musculatura cardíaca; entretanto, apenas parte de seus mecanismos podem ser respondidos sem controvérsias. (FELDMAN, 1993). A bomba de sódio e potássio (Na+/K+-ATPase) presente na membrana celular é dependente de magnésio e responsável pelo transporte ativo de Na+ e K+ contra os seus respectivos gradientes de concentração (Figura 9). Acredita-se que Na+/K+-ATPase seja o receptor celular para os glicosídeos digitálicos (AKERA e NG, 1991) de forma que a sua inibição por tais substâncias resulta em uma progressiva redução nas concentrações intracelulares de K+, a medida que a habilidade da bomba em transportar os íons Na+ e K+ diminui (KATZ, 1985). Uma diminuição na concentração intracelular de íon potássio e/ou um aumento em sua concentração extracelular reduz o potencial de repouso da membrana para valores mais negativos, o que pode levar a um aumento do automatismo e, eventualmente, um prejuízo na condução e excitabilidade. A inibição da Na+/K+-ATPase e a depleção resultante das concentrações intracelulares de potássio são os responsáveis por muitos das atividades tóxicas antiarritmogênicas dos digitálicos. 22 UNIDADE II │ DIgItálIcos, INotrópIcos posItIvos E vAsoDIlAtADorEs Figura 9. representação esquemática da atividade da bomba de sódio e potássio. disponível em: <http://dc367.4shared.com/doc/mttYwy58/preview.html>. O efeito inotrópico envolve a ativação do trocador Na+/Ca++, pormeio do acúmulo de Na+ no meio intracelular. Baker et al. (1969) demonstraram com axônio gigante de lula que o aumento no conteúdo de sódio no meio intracelular aumentava a captação do íon cálcio através do processo de troca mediado pelo transportador Na+/Ca++. Tal mecanismo parece ser eficaz em outros tecidos excitáveis e tem sido evocado como o elo entre a inibição da Na+/K+-ATPase e a inotropia digitálica no coração (LANGER, 1977). A sequência de eventos pode ser visualizada na seguinte progressão: I. os digitálicos interagem com a Na+/K+-ATPase, inibindo-a; II. o efluxo de sódio é reduzido; III. as concentrações intracelulares de Na+ aumentam; IV. aumenta o gradiente para o transporte antiporte por meio da membrana entre Na+ (intracelular) e Ca++ (extracelular); V. a concentração intracelular de Ca++ aumenta; VI. o aporte de Ca++ para as proteínas contráteis aumenta; e VII. o efeito inotrópico positivo é alcançado (Figura 10). 23 Digitálicos, inotrópicos positivos e vasoDilataDores │ UniDaDe ii Figura 10. representação esquemática da ação dos digitálicos sobre a bomba de sódio e potássio e a sua consequência sobre os processos contráteis cardíacos. Fonte: modificado de riviere Je e papich mg, In: veterinary pharmacology and therapeutics, 9th edition, iowa: Wiley-blackwell. Output Cardíaco Glicosídeos digitálicos exercem uma ação fundamentalmente similar no miocárdio com ou sem falência: o aumento na contratilidade. Entretanto, alterações no output cardíaco são influenciados pelo status funcional do sistema cardiovascular no momento da administração dos digitálicos. Coração sem falência O output cardíaco do coração normal aumenta minimamente e pode até reduzir suavemente após o tratamento com os digitálicos (BRAUNWALD, 1985). A resistência periférica total é aumentada pelos digitálicos no indivíduo normal como resultado do aumento centralmente mediado no tônus simpático vasomotor e um efeito vasoconstrictor direto. A impedância do sistema arterial para a ejeção ventricular é, desse modo, aumentada, o que se opõe à tendência de aumento no output cardíaco produzido pela resposta inotrópica positiva à droga. O aumento na impedância de efluxo e na contratilidade cardíaca tende a neutralizar um ao outro, produzindo uma pequena razão de alteração no output cardíaco em populações normais. 24 UNIDADE II │ DIgItálIcos, INotrópIcos posItIvos E vAsoDIlAtADorEs Coração com falência A capacidade de trabalho do ventrículo com falência em qualquer volume diastólico final ou pressão é inadequada pra gerar um volume sistólico normal. A fração de ejeção é reduzida adequadamente, o que aumenta o volume de sangue residual no ventrículo após a sístole. Caso o enchimento diastólico continue em uma razão próxima ao normal, o ventrículo irá dilatar a fim de acomodar o aumento no volume diastólico final. Após a administração de digitálicos, ambos os processos são revertidos. O aumento no vigor contrátil cardíaco mediado pelos digitálicos aumenta a capacidade de trabalho do ventrículo em qualquer pressão final de enchimento diastólico. Os digitálicos trocam a função ventricular completa em direção ao aumento da contratilidade (MASON, 1973). O esvaziamento sistólico é mais completo neste momento e o volume residual ventricular é reduzido. O output cardíaco aumenta e o tamanho do coração é reduzido à medida que o volume de enchimento ventricular é diminuído. Ajustes hemodinâmicos subsequentes evocam outras respostas que contribuem para a manutenção da melhora do output cardíaco no paciente com falência cardíaca congestiva. Por exemplo, a vasoconstricção mediada pelo sistema nervoso simpático e seu respectivo aumento na resistência vascular periférica já estão em progresso nestes indivíduos, como parte da resposta compensatória para a sua condição patofisiológica; o aumento na impedância para a ejeção ventricular está em vigor. Após os digitálicos, o aumento pronunciado da contratilidade miocárdica e o volume sistólico colocaram em progressão uma retirada reflexa do tônus vasomotor. Isso, por sua vez, evoca a vasodilatação periférica, a redução da resistência periférica e a redução da impedância do efluxo. Tal sequência de eventos continua a dominar, à medida que a perfusão periférica e a oxigenação tecidual melhora, o que compensa os efeitos vasoconstrictores diretos dos digitálicos. O aumento no output cardíaco persiste à medida que o estado de compensação do miocárdio prevaleça. Metabolismo energético cardíaco Os primeiros estudos forneceram evidências de que a resposta inotrópica positiva para os glicosídeos cardíacos seria única, quando contrastado com a atividade catecolaminérgica, devido aos digitálicos aumentarem a força de contratilidade sem um aumento proporcional no consumo de oxigênio. Entretanto, estudos com músculos sem falência, mostraram que os glicosídeos cardíacos aumentam o consumo de oxigênio proporcionalmente ao aumento na força contrátil. (LEE e KLAUS, 1971). Tais dados, aparentemente contraditórios, podem ser reconciliados por meio da comparação da dinâmica cardíaca dos digitálicos nos corações com e sem falência. O coração com um volume ventricular normal responde aos digitálicos com o aumento no consumo de oxigênio proporcional com o aumento na contratilidade. O aumento no consumo de oxigênio é o resultado direto do aumento na contratilidade, de acordo com o conceito de que a demanda miocárdica pelo oxigênio é diretamente influenciada pelo estado inotrópico, frequência cardíaca e tensão da parede. A tensão da parede ventricular é diretamente proporcional à pressão ventricular e ao raio (Teoria de Laplace). Assim, ela diminuirá se houver uma redução na pressão ou no raio. 25 Digitálicos, inotrópicos positivos e vasoDilataDores │ UniDaDe ii Já no coração dilatado e com falência, a redução no tamanho cardíaco, secundária à ação inotrópica da terapia com digitálicos, leva a uma redução significante na tensão da parede, o que, por sua vez, leva a uma redução na demanda miocárdica por oxigênio. Pressão sanguínea Ajustes na pressão sanguínea após a terapia com glicosídeos cardíacos são secundários ao progresso cardiodinâmico no paciente com falência cardíaca congestiva e a pressão sistêmica tende a normalizar. Efeitos neuroendócrinos Nos pacientes com falência cardíaca congestiva, a redução na frequência cardíaca acompanha o efeito inotrópico positivo. Tal resposta é resultado, aparentemente, dos efeitos neuroendócrinos que têm sido reconhecidos como, talvez, mais importantes do que o próprio efeito inotrópico em doses terapêuticas. Também parece que tais efeitos neuroendócrinos são independentes da ação inotrópica positiva. Os efeitos neuroendócrinos são alcançados devido a os digitálicos aumentarem a sensibilidade reflexa dos barorreceptores, que foi perdida durante a falência cardíaca. A dessensibilização parece causar um aumento nas concentrações de catecolaminas nos pacientes, bem como os digitálicos restauram a sensibilidade e diminuem o tônus simpático nos pacientes com falência cardíaca. Os efeitos neuroendócrinos também são atribuídos à estimulação vagal (efeito parassimpatomimético). Os efeitos neuroendócrinos são responsáveis pela diminuição na frequência de disparo do nodo sinusal, bem como na redução da velocidade de condução do impulso no nodo atrioventricular. Excitabilidade Efeitos eletrofisiológicos diretos e indiretos dos digitálicos podem ser demonstrados por todo o coração (GILLIS e QUEST, 1990). A redução na concentração intracelular de íon potássio e o aumento no conteúdo intracelular de íon sódio resultante da inibição da bomba de sódio e potássio produz uma despolarização parcial da célula, isto é, a negatividade da face interna da membrana é reduzida. A redução resultante no potencial diastólico traz esse valor para próximo ao limiar, tendendo então à aumentar a excitabilidade. O aumento da excitabilidade pode ser observado no átrio e no ventrículo a partirde uma pequena dose de digitálicos; entretanto, a excitabilidade é deprimida com o aumento progressivo do conteúdo da droga à medida que a despolarização diastólica progride para além do limite crítico. Automatismo As células marca-passo são caracterizadas pela despolarização espontânea, o que move o potencial diastólico para o limiar de excitação requerido para a fase 0 e, desse modo, disparando o potencial de ação automaticamente (ver capítulo 1). Doses terapêuticas de glicosídeos cardíacos produzem 26 UNIDADE II │ DIgItálIcos, INotrópIcos posItIvos E vAsoDIlAtADorEs uma redução na curva da despolarização espontânea do marca-passo sinoatrial, o que produz uma redução na taxa de disparos. Esse efeito, entretanto, é secundário ao aumento do tônus vagal e à diminuição do tônus simpático. Após o pré-tratamento com atropina, ou com doses relativamente altas de digitálicos, os efeitos não vagais dominam e um aumento no automatismo é observado; tal resposta prevalece nos sistemas especializados de condução atrial e, especialmente, ventricular. O aumento no automatismo evocado pelos glicosídeos cardíacos é relacionado com uma acelerada taxa de despolarização diastólica espontânea. A atividade marca-passo das células do sistema de condução ventricular, normalmente latente, é magnificada, levando a batimentos ventriculares ectópicos que são normalmente um importante sinal inicial de toxicidade digitálica. Em contraste, as fibras musculares no átrio e ventrículos podem ser despolarizadas de forma que se tornem não excitáveis, sem a deflagração de impulsos espontâneos. Caso a excitabilidade do músculo ventricular caia para abaixo do normal, concomitantemente com o aumento da frequência de impulsos ectópicos a partir das fibras de condução especializadas, a tendência para a fibrilação ventricular é aumentada. A relevância clínica para a não usual pós-despolarização atrasada, que pode ser vista com a utilização dos digitálicos, não é completamente elucidada. Essas despolarizações secundárias do potencial inicialmente estão abaixo do limiar e aparecem espontaneamente durante a diástole, após um potencial de ação comum. A pós-despolarização pode alcançar o limiar à medida que a toxicidade piora; as extra-sístoles resultantes contribuem para as arritmias ectópicas associadas com a intoxicação por digitálicos. Condução do impulso e período refratário O efeito dominante dos digitálicos na condução do impulso é reduzir a velocidade de condução por meio de mecanismos tanto vagais quanto não vagais. Essa resposta é praticamente predominante no sistema de transmissão atrioventricular e contribui de forma importante para os efeitos benéficos dos digitálicos em controlar a taxa ventricular durante a fibrilação atrial e palpitação. As ações vago-dependentes no animal intacto encurtam o período refratário das fibras atriais, que tendem a exacerbar o ritmo de fibrilação atrial. Em contraste, o período refratário do sistema de condução atrioventricular é marcadamente prolongado pelos mecanismos vagais. Os digitálicos encurtam o período refratário no ventrículo, o que contribui para as arritmias de reentrada. Efeitos combinados durante a fibrilação atrial e a palpitação Durante a fibrilação atrial, a frequência ventricular é rápida e sem ritmo, como resultado da transmissão dos impulsos nervosos de forma rápida e irregular através do nodo atrioventricular. Tal fato contribui ainda mais para a síndrome da falência cardíaca por promover o enchimento ventricular e ejeção incompleta. Devido ao fato de os digitálicos prolongarem o período refratário e atrasarem a condução do impulso nervoso através do nodo atrioventricular, o ventrículo será bombardeado por menos impulsos que atravessam efetivamente a junção atrioventricular. Assim, a frequência ventricular é ajustada para um nível mais lento, porém, mais fisiológico (MIJLER, 1985). 27 Digitálicos, inotrópicos positivos e vasoDilataDores │ UniDaDe ii Benefícios similares são ganhos durante o flutter atrial. Os digitálicos podem converter esse ritmo para fibrilação atrial (ou o aumento na frequência do último) por meio de um mecanismo vago- dependente, evocando a redução no período refratário atrial. A frequência ventricular ainda é reduzida devido a uma refratariedade atrioventricular prolongada e redução na condução do impulso. A conversão do flutter atrial para a fibrilação pelos digitálicos é vista de forma otimista em razão de a frequência ventricular ser controlada de forma mais fácil durante a fibrilação do que durante o flutter atrial. Para uma breve revisão sobre as diferenças entre a fibrilação atrial e o flutter atrial, leia o seguinte artigo: ORGA FILHO, Adalberto et al. Diretriz de fibrilação atrial. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 81, supl. 6, 2003. Disponível em: <http:// www.arquivosonline.com.br/pesquisartigos/Pdfs/2003/8106/Dir_FibriAtrial.pdf>. Efeitos no eletrocardiograma A multiplicidade dos efeitos eletrofisiológicos dos digitálicos cardíacos no miocárdio pode ser expressa de uma forma igualmente complexa por meio do eletrocardiograma. A maioria dos tipos de distúrbios de condução e disritmias detectados em animais doentes pode ser reproduzida em indivíduos normais por meio dos glicosídeos cardíacos. A maioria dessas alterações são mais importantes para o diagnóstico da toxicidade por glicosídeos do que para a sua terapia. Pacientes com falência congestiva, com taquicardia sinusal ou outra taquiarritmia supraventricular demonstram, geralmente, o retorno em direção ao eletrocardiograma normal após a administração de digitálicos. Frequências ventriculares rápidas associadas com a fibrilação ou flutter atrial devem ser reduzidos à medida que a ação depressora dos digitálicos sobre a condução atrioventricular é manifestada. O prolongado intervalo PR, refletindo o atraso na condução atrioventricular, é relativamente comum no aspecto do eletrocardiograma de cães submetidos à terapia com digitálicos. Reciprocamente, um aumento no intervalo PR não é necessariamente um pré-requisito para a resposta terapêutica. Alguns cardiologistas acreditam que o prolongamento do intervalo PR pode ser um sinal incerto de uma toxicidade induzida pelos digitálicos. (TILLEY, 1979). Diferentes tipos de anormalidades no eletrocardiograma podem aparecer, caso a resposta terapêutica aos digitálicos degenera em toxicidade. A progressão de sinais no eletrocardiograma que se segue foi reconhecida como resultado da ação da digoxina (DETWEILER, 1977): i) sinais ocasionalmente observados em cães normais, mas também característicos de efeitos da digoxina (bloqueio de primeiro grau atrioventricular ou bloqueio atrioventricular com queda nas batidas); ii) sinais improváveis de acontecer espontaneamente em cães normais em repouso (bradicardia sinusal menor que 50 batimentos/minuto ou taquicardia sinusal excedendo os 200 batimentos/minuto); e iii) sinais que não ocorrem em cães normais (dissociação atrioventricular, taquicardia paroxismal atrial com ou sem bloqueio, focos ectópicos atriais, fusão de batimentos, bloqueio intraventricular ou batimentos ectópicos ventriculares). 28 UNIDADE II │ DIgItálIcos, INotrópIcos posItIvos E vAsoDIlAtADorEs rins e diurese Os mecanismos compensatórios que participam com o objetivo de restaurar o fluxo sanguíneo na falência cardíaca congestiva inclui aumento reflexo no tônus simpático vasoconstrictor. A constrição arteriolar no rim é particularmente crucial devido à redução do fluxo sanguíneo renal diminuir a taxa de filtração glomerular, resultando em uma retenção de água e de sódio. A subperfusão renal também ativa um mecanismo humoral rim-dependente que promove a reabsorção adicional de água e de sal. Tal sequência de eventos envolve a seguinte progressão de fatos: diminuição do débito cardíaco, hipotensão, reflexos via barorreceptores, aumento na atividade simpática, constrição arteriolar renal, redução no fluxo renal, liberaçãode renina, aumento na formação de angiotensina, aumento na formação de aldosterona, retenção de sódio, retenção de água e expansão de volume sanguíneo (Figura 3). Figura 11. sistema renina – angiotensina – aldosterona. disponível em: <http://dc153.4shared.com/doc/ptQma0e0/preview.html>. O aumento no volume sanguíneo tende a aumentar o débito cardíaco; entretanto, uma consequência prejudicial é o aumento no volume do fluido intersticial, o que promove a formação de edema. À medida que o volume sanguíneo expande e a pressão intravascular dilata, a probabilidade para a formação de edema aumenta proporcionalmente. O edema forma-se nos pulmões e em outros tecidos periféricos caso a falência ventricular esquerda e direita, respectivamente, se agrava progressivamente. 29 Digitálicos, inotrópicos positivos e vasoDilataDores │ UniDaDe ii Após o tratamento com digitálicos, os processos acima mencionados são revertidos. A vasoconstrição reflexa é removida à medida que o débito cardíaco e a hemodinâmica melhoram; o fluxo sanguíneo renal e a taxa de filtração glomerular aumentam e o estímulo para a secreção de aldosterona reduz. Uma redução marcante na secreção de aldosterona pode ser observada após a terapia com digitálicos em cães com falência cardíaca congestiva (CARPENTER et al., 1962). Uma diurese profusa é resultado da diminuição da reabsorção renal de água e sódio. A diurese e uma redução na pressão hidrostática capilar move a água tecidual a partir do compartimento tecidual para o espaço vascular, promovendo o alívio ao edema. A diurese não é uma característica proeminente da terapia com digitálicos, caso o edema não acompanhe a síndrome da falência cardíaca congestiva. Similarmente, os digitálicos não evocam a diurese, caso o edema não seja cardiogênico. Assim, a resposta diurética aos digitálicos é secundária à melhora circulatória e não é um efeito direto sobre os rins. (ROBINSON, 1972). Efeitos extracirculatórios Os glicosídeos cardíacos podem afetar as funções celulares ao longo do corpo, aparentemente por meio da inibição total da bomba de sódio e potássio, ou seja, tais agentes podem afetar a função da musculatura esquelética, a atividade da glândula tireoide, os parâmetros hematológicos e tantas outras funções. Tais atividades parecem ter pouca relevância terapêutica, exceto para a toxicose evidente que geralmente requer quantidades da droga em excesso, quando comparada à quantidade que deveria ser administrada. Reações de vômito após a administração de digitálicos estarão relacionadas principalmente com a sua ação central e ocorrem mesmo após a administração parenteral em um animal eviscerado. Tanto a zona quimiorreceptora do gatilho quanto o centro emético medular parecem estar envolvidos: a irritação local da mucosa gástrica também pode participar da resposta emética após a administração oral de digitálicos. Farmacocinética O intestino delgado é o principal sítio para a absorção dos digitálicos após ser administrado por via oral, apesar de a taxa e a extensão deste processo variar de acordo com os diferentes componentes de sua formulação. A absorção de digoxina após a sua administração por via oral por meio de um elixir é, normalmente, uniforme, variando entre 75-90%, com o pico de sua concentração sérica sendo alcançado dentro de 45 – 60 minutos (KRASULA et al., 1976). O valor de pico sérico é menor e ocorre mais tardiamente (por volta de 90 minutos) quando administrado sob a forma de tablete. Dependendo dos métodos farmacológicos utilizados na formulação dos tabletes, a absorção dos glicosídeos digitálicos pode ser irregular e ineficiente na medida em que as concentrações séricas necessárias para a terapêutica podem não ser alcançadas. 30 UNIDADE II │ DIgItálIcos, INotrópIcos posItIvos E vAsoDIlAtADorEs Após a administração intravenosa, a resposta inotrópica positiva máxima para a digoxina é alcançada dentro de 60 minutos (HAMLIN et al., 1971). Há uma queda inicial nas concentrações séricas à medida que a droga mistura-se com o compartimento vascular e é distribuída ao longo dos tecidos, seguida por uma lenta queda exponencial. Os valores biológicos de meia-vida para os glicosídeos digitálicos em cães permanecem incertos devido á variedade de resultados obtidos a partir de diferentes laboratórios e até mesmo a partir de um único laboratório. Breznock (1973, 1975) reportou que a meia-vida plasmática da digoxina foi de 38,9 a 55,9 horas, em diferentes estudos. Outros valores aproximados incluem 27 horas (BARR et al., 1972), 30 horas (HAHN, 1977), 24 horas (DOHERTY, 1973) e 31 horas (de RICK et al., 1978). Tais variações fortalecem a necessidade da adoção de regimes de dosagem individuais dependendo da resposta do paciente. Dessa forma a excreção urinária parece ser a sua via de eliminação mais importante, sendo que 25% da digoxina liga-se a proteínas plasmáticas (BREZNOCK, 1973). Os glicosídeos digitálicos e os seus metabólitos podem seguir um ciclo enterro-hepático no qual os componentes são excretados na bile, pelo fígado, e alguns ainda podem ser posteriormente reabsorvidos. toxicidade dos digitálicos Concentrações plasmáticas O desenvolvimento de um radioimunoensaio preciso, para mensurar a quantidade de digoxina e digitoxina em fluidos biológicos, foi um importante avanço no campo da farmacologia. A aplicação clínica desse método permite a correlação das concentrações séricas dessas drogas com os seus efeitos terapêuticos ou tóxicos. (HABER, 1985). Em humanos, as concentrações plasmáticas terapêuticas e tóxicas da digoxina são frequentemente entre 0,8-1,6 ng/mL e maior que 2,4 ng/mL, respectivamente (MOE e FARAH, 1975). Números similares foram obtidos em estudos com animais: concentrações plasmáticas de digoxina de 0,5- 2 ng/mL e 2,3 ng/mL foram consideradas não tóxicas para cavalos (BUTON et al., 1980) e gatos (ERICKSEN et al., 1980), respectivamente. Concentrações plasmáticas de digoxina maiores que 2,5 ng/mL foram descritas como não tóxicas para cães saudáveis e com falência cardíaca espontânea; vale ressaltar que valores entre 0,8 e 1,9 ng/mL pode também ser terapêutico no grupo de animais com falência cardíaca espontânea. Concentrações de digoxina maiores que 2,5 a 3,0 ng/mL foram associadas com o aumento na probabilidade de intoxicação nos cães. (de RICK et al., 1978). A administração intravenosa aguda de digoxina em doses tóxicas em cães foi determinada em 0,177 mg/Kg (BECK, 1969). Toxicidade subaguda com digoxina pode ser induzida e mantida em Beagles saudáveis por meio de uma dose de 0,125-0,150 mg/Kg com um incremento após 1, 4 e 24 horas, seguido por uma dose de manutenção diária de 0,015-0,025 mg/Kg (FILLMORE e DETWEILER, 1973; TESKE et al., 1976). Os sinais de toxicidade foram suaves ou ausentes quando as concentrações séricas de digoxina foram menores que 2,5 ng/mL; por sua vez, sinais moderados de intoxicação foram associados com concentrações entre 2,5 e 6 ng/mL, enquanto que intoxicação severa, inclusive com algumas mortes, foi observada quando as concentrações séricas de digoxina 31 Digitálicos, inotrópicos positivos e vasoDilataDores │ UniDaDe ii ultrapassavam 6 ng/mL. A mais elevada concentração de digoxina foi associada com hipotermia (redução de 0,6 a 1,7ºC), aumento no nitrogênio ureico sanguíneo e aumento na creatinina sérica. O aumento inesperado nas concentrações séricas de creatinina e no nitrogênio ureico foi interpretado como uma evidência de que a intoxicação por digoxina compromete a função renal. Sinais clínicos A intoxicação por digitálicos é caracterizada por um conjunto de sinais clínicos cuja forma varia desde desconforto gastrointestinal até a perda de peso crônica e arritmias com riscos de vida (DETWEILER, 1977; TILLEY, 1979). A anorexia inicial e o amolecimento das fezes são efeitos colaterais comuns; caso eles não piorem, não há a necessidade de reduzir a dose de administração. Vômitos após a administração de glicosídeoscardíacos por via endovenosa também é uma reação comum; por outro lado, vômitos em cães após a administração de digitálicos por via oral devem ser observados mais cautelosamente, principalmente se acompanhada por diarreia prolongada, devendo tais indivíduos ser examinados para buscas de outras evidências de intoxicação. Distúrbios gastrointestinais são certamente perturbadores e podem debilitar o paciente; entretanto, as consequências letais da intoxicação por digitálicos estão relacionadas às arritmias cardíacas. Uma variedade de anormalidades pode aparecer no eletrocardiograma, à medida que a intoxicação por digitálicos aparece. A redução na frequência sinoatrial e a lenta condução atrioventricular, alcançadas com a terapia com digitálicos, podem progredir para o bloqueio incompleto ou completo do coração, com redução dos batimentos cardíacos e alterações no segmento ST visto que se segue com a intoxicação. O bloqueio atrioventricular, por sua vez, pode progredir para ritmo de escape juncional e sístoles ventriculares prematuras. Caso um complexo QRS extra apareça após cada sístole regular, os digitálicos terão evocado sístoles ventriculares acopladas. Tal ritmo pode aparecer antes ou após o desenvolvimento de outras arritmias que podem ser associadas com a intoxicação por digitálicos. A taquicardia paroxismal atrial ou ventricular com bloqueio e sístole ventriculares prematuras multifocais são evidências adicionais de severo distúrbio cardíaco. A ocorrência dessas ou de qualquer outra importante anormalidade no eletrocardiograma necessita de uma remoção completa da terapia com digitálicos; o tratamento com uma dose menor não deve ser estabelecido até que o eletrocardiograma esteja livre de tais arritmias. Detweiler (1967) fez uma breve revisão sobre as diferentes sensibilidades espécie-específicos para a intoxicação com glicosídeos digitálicos. A dose letal mediana para diversas espécies, tendo o gato como a unidade, seria: gato, 1; coelho, 2; diversas rãs, 28; diversos sapos, >400; ratos, 671. A resistência à toxicidade dos digitálicos parece residir no coração e, pode ser reflexo de uma relativa sensibilidade da bomba de sódio e potássio à inibição mediada pelos glicosídeos. Envolvimento eletrolítico A toxicidade cardíaca aos digitálicos é afetada pela disponibilidade de eletrólitos, em especial, o íon potássio e cálcio. Em essência, redução nas concentrações de K+ potencializa a arritmogenicidade dos digitálicos, enquanto que o excesso de K+ antagoniza tal atividade arritmogênica. A atividade antiarrítmica do K+, na intoxicação por digitálicos é relacionada, provavelmente, à inibição exercida 32 UNIDADE II │ DIgItálIcos, INotrópIcos posItIvos E vAsoDIlAtADorEs por tal cátion na ligação do glicosídeo com o transportador Na+/ K+ - ATPase. A razão intracelular/ extracelular de K+ parece ser o determinante primário da interação desse íon com os digitálicos, mais do que apenas a concentração intersticial de K+. A disritmia induzida por digitálicos pode ocorrer na presença de concentrações plasmáticas normais de K+ devido a depleção intracelular desse cátion que acompanha a inibição da Na+/ K+ - ATPase. tratamento Apesar de as técnicas de radioimunoensaio poderem distinguir as concentrações plasmáticas terapêuticas e tóxicas dos digitálicos, uma sobreposição considerável pode ocorrer, ou seja, a concentração terapêutica em um paciente pode ser considerada tóxica em outro. A experiência e o julgamento clínico devem ser exercidos quando a intoxicação por digitálicos é diferenciada de uma exacerbação na falência cardíaca com o tratamento para as arritmias. Quando a intoxicação por digitálicos é diagnosticada, o primeiro procedimento é remover a terapia com os glicosídeos; a progressão do paciente deve, então, ser monitorada cuidadosamente por meio de eletrocardiogramas frequentes. As medidas conservadoras acompanhadas por repouso são frequentemente efetivas no controle das arritmias cardíacas e outros sinais de intoxicação; entretanto, a terapia apropriada deve ser instituída, caso as arritmias piorem ou falhem em sua reversão espontânea. O cloreto de potássio (KCl) é administrado na tentativa de aumentar as concentrações plasmáticas de potássio para limites além dos valores normais e, assim, suprimir as arritmias causadas pelos glicosídeos. Entretanto, caso as concentrações plasmáticas de potássio já estejam elevadas nos cães intoxicados por digitálicos, a administração de K+ exógeno pode causar uma deterioração adicional no perfil do eletrocardiograma. Obviamente, um cuidado considerável deve ser exercido quando a terapia com K+ for empregada no manejo da intoxicação com digitálicos. Em cães, o padrão de dosagem para o KCl inclui 0,6 a 1 g por via oral como dose inicial, seguido por 0,3 a 0,5 g, a cada 1 ou 2 horas para 2 doses, e continuado em intervalos de 4 horas, caso necessário para o controle das arritmias. (DETWEILER, 1977). A infusão lenta de KCl por via endovenosa com o frequente monitoramento do eletrocardiograma e das concentrações séricas de K+ podem ser experimentados. (ETTINGER e SUTER, 1970). Entretanto, uma infusão de sais de potássio com elevada velocidade podem precipitar outras arritmias, incluindo a fibrilação ventricular. A colestiramina é uma resina de troca, que liga o glicosídeo ao trato gastrointestinal, usada experimentalmente com o objetivo de interromper o ciclo enterro-hepático e, assim, apressar a eliminação dos componentes digitálicos. Adicionalmente, o uso de anticorpos antiglicosídeos é outra terapia utilizada (HABER, 1985; KUROWSKI et al., 1992). A Digoxina imune FAB Digibind® é um anticorpo antidigoxina produzido em ovelhas; é um tratamento utilizado em animais, porém, é muito caro. Um frasco pequeno contém 38 mg de Digoxina imune FAB que neutralizará 500 mcg de digoxina. Os animais irão melhorar rapidamente após a administração. Caso seja utilizado em animais, um ensaio clínico para quantificar as concentrações séricas de digoxina não serão corretos devido a interferência e não devem ser utilizados para monitorar a toxicidade. 33 Digitálicos, inotrópicos positivos e vasoDilataDores │ UniDaDe ii Agentes como o íon magnésio, o Ácido Etilenodiamino Tetra-acético – EDTA, citrato de sódio, sais de canrenoato, procainamida e quinidina possuem pouco uso clínico em animais. Entre os agentes antiarrítmicos, a lidocaína, o propranolol e especialmente a fenitoína são as drogas mais utilizadas no controle da arritmia cardíaca. A atropina pode ser útil nos casos de severa bradicardia sino-aórtica. Na presença de bloqueio atrioventricular, agentes antiarrítmicos e terapia com potássio devem ser evitadas. A utilização de intervenções antiarrítmicas em que a dose de digitálicos pode ser aumentada, na esperança de alcançar uma resposta inotrópica maior, pode ser perigosa e sem garantias. A quinidida pode realmente causar um aumento nas concentrações plasmáticas de digoxina, provavelmente por meio do bloqueio dos transportadores de efluxo. indicações terapêuticas para os digitálicos Falência cardíaca congestiva Há controvérsia relativa aos benefícios reais para a sobrevivência com o uso dos glicosídeos digitálicos no manejo da terapia em longo prazo da falência cardíaca congestiva em pacientes animais. Os glicosídeos cardíacos são indicados para a falência cardíaca congestiva, resultante de uma sobrecarga absoluta ou relativa, cujo fornecimento de energia para o coração é descomprometido. Tais problemas incluem a hipertensão, impedância de saída passiva (ex. dirofilariose) e cardiomiopatia dilatada idiopática. Novas drogas inodilatadoras têm sido muito utilizadas no lugar dos digitálicos no manejo da falência cardíaca congestiva. Arritmias atriais Os digitálicos podem ser utilizados no tratamento da fibrilação ou flutter atrial, com a presença ou não da doença cardíaca congestiva. Entretanto, a droga não é empregada para a remoção do padrão arrítmico. O objetivo da terapia comdigitálicos, em qualquer desses estágios, é reduzir a frequência ventricular, por meio da desaceleração da condução atrioventricular, eliminar o déficit do pulso, caso presente, e melhorar a eficiência cardíaca (MEIJLER, 1985). O potencial envolvimento da falência cardíaca latente ou oculta na patogênese da fibrilação atrial em alguns animais não deve ser desconsiderado; os resultados benéficos dos digitálicos no tratamento do que parece ser uma fibrilação atrial descomplicada pode muito bem envolver tais complexidades. Precauções Os digitálicos não são indicados em casos de choques circulatórios, falência renal, falência hepática, contrações ventriculares prematuras, taquicardia ventricular ou bloqueio cardíaco, ao menos que a anormalidade esteja associada com a falência cardíaca congestiva (BRAUNWALD e KAHLER, 1964). A terapia com digitálicos em pacientes com falência cardíaca congestiva com bloqueio cardíaco ou taquicardia ventricular deve ser supervisionada de forma intensa e sua administração deve ser monitorada de perto, por meio de registros contínuos de eletrocardiograma. Os digitálicos podem acentuar o bloqueio atrioventricular, o que pode resultar em uma séria redução da frequência 34 UNIDADE II │ DIgItálIcos, INotrópIcos posItIvos E vAsoDIlAtADorEs ventricular e o seu us em tratamento também pode transformar uma taquiarritmia ventricular em fibrilação. Apesar de os digitálicos diminuírem a frequência sinusal na falência cardíaca congestiva, tal atividade é complexa e não possui aplicação na tentativa de reduzir a frequência cardíaca quando a taquicardia sinusal é presente sem a evidência de falência cardíaca congestiva. A taquicardia associada a outras condições, tais como febre, tireotoxicose, pericardite constritiva ou tamponamento cardíaco, não é passível de terapia com digitálicos. Cardiomiopatias hipertróficas e a ruptura da cordoalha tendinea constituem outras não indicações para a terapia com digitálicos. A toxicose digitálica pode simular certos aspectos da doença cardíaca, especialmente severas arritmias. Os clínicos devem sempre assegurar que cada paciente enquadrado para o tratamento com digitálicos não os tenham recebido, sob quaisquer preparações, recentemente; caso contrário, a tentativa de produzir uma terapia com digitálicos em pacientes que realmente sofrem de intoxicação não reconhecida pode apresentar resultados negativos. Procedimentos clínicos Quando iniciado o tratamento com digoxina, o esquema de dosagem preciso pode ser menos importante do que o cuidado com o monitoramento da resposta do paciente durante a implementação. Em todos os casos, uma dose pré-determinada não deve ser administrada indiscriminadamente até que os efeitos tóxicos sejam observados. Caso os sinais de intoxicação aparecem logo após o manejo dos digitálicos e antes de os efeitos benéficos serem atingidos, o tratamento é suspenso e retomado com doses baixas, após os sinais de toxicose estarem ausentes. Similarmente, caso a toxicose desenvolva-se durante a manutenção da terapia, a dose deverá ser reajustada para um nível menor. Por outro lado, a dose poderá ser aumentada ou administrada em intervalos menores, caso os efeitos terapêuticos não sejam alcançados com o esquema terapêutico pré-determinado. Assim, o manejo da terapia com digitálicos deve ser interpretado na clínica de acordo com as necessidades individuais de cada paciente. Os dados publicados por de Rick et al. (1978) indicaram que a administração de 0,025 mg/Kg de digoxina a cada 12 horas, ao longo de 36 horas, ou seja, dose total de digitalização de 0,1 mg/Kg, seguido por uma dose de manutenção de 0,01 mg/Kg a cada 12 horas, foi associada com uma menor toxicidade em relação às técnicas com doses elevadas. Harris (1974) e Hahn (1977) defendem que uma dose elevada de digoxina não é necessária em cães e que a dose de manutenção diária de 0,022 mg/Kg (administrada a cada 12 horas) deva ser implementada como procedimento original. Utilizando os cálculos farmacocinéticos baseados em indivíduos animais, Button et al. (1980) encontraram que o padrão de 0,022 mg/Kg seria a dose de manutenção ideal para digoxina em cães. Kittleson (1983) assinalou que devido à elevada razão toxicidade/dose terapêutica, os digitálicos deveriam ser administrados de acordo com a razão área de superfície corpórea/peso corporal. Assim, já que tal razão geralmente diminui à medida que o tamanho do animal aumenta, raças de cães maiores podem requerer menos digitálicos por Kg de peso corporal em relação às raças menores. De acordo com a dose de digoxina recomendada, de 0,22 mg/m2 de área de superfície 35 Digitálicos, inotrópicos positivos e vasoDilataDores │ UniDaDe ii corporal, duas vezes ao dia, cães pesando 10, 20, 30, 40 e 50 kg deveriam receber 0,011, 0,009, 0,008, 0,007 e 0,006 mg/kg de digoxina, respectivamente, duas vezes ao dia. Abordagem parenteral A administração endovenosa de digoxina aumenta a probabilidade de arritmias tóxicas e esta limitação deve ser considerada. Administração intramuscular reduz o perigo, mas a dor e o inchaço nos locais de injeção limita a aceitação do paciente por esse método. A dose de manutenção oral deve ser substituída, caso seja possível. A resposta inotrópica positiva para a digoxina pode ser detectada dentro de 15 a 30 minutos após a administração endovenosa em cães (HAMLIN et al., 1971). Quando em estado de emergência, a dose total administrada por via endovenosa é de aproximadamente 0,044 mg/Kg (ETTINGER e SUTER, 1970), sendo 25 a 50% do total da dose administrada, inicialmente, de forma lenta, através da via endovenosa; 25% adicional é administrada dentro de 30 a 60 minutos ou 60 a 120 minutos. Os pacientes tratados com essa técnica devem ser examinados com cuidado, a fim de monitorar os sinais de intoxicação e anormalidade no eletrocardiograma. 36 CAPítulo 2 inodilatadores Os inodilatadores são agentes que possuem tanto propriedades vasodilatadoras quanto inotrópicas positivas (OPIE, 2001). Historicamente, o manejo em curto prazo de falência cardíaca aguda ou descompensada, caracterizada por disfunção sistólica, é beneficiada por uma combinação com dobutamina (inotrópico positivo) e nitroprussiato de sódio (vasodilatador). Agentes dessa classe combinam tais propriedades e o pimobendan, que é disponível em uma formulação para administração oral, torna a terapia crônica possível. Aplicação clínica O pimobendan é um agente original com propriedades úteis no manejo clínico de cães com falência cardíaca secundária, cardiomiopatia dilatada ou doença valvular degenerativa crônica. A eficácia do pimobendan no tratamento da falência cardíaca em consequência da cardiomiopatia dilatada e da doença valvular degenerativa crônica foi avaliada minuciosamente em cães quando comparado a outras drogas cardioativas até o momento, incluindo os inibidores da enzima conversora de angiotensina. Em um estudo prospectivo duplo-cego com placebo, O’Grady et al. (2003) demonstraram uma duplicação da sobrevida global de Doberman pinschers, com falência cardíaca secundária à cardiomiopatia dilatada, de uma média de 63 ± 14 dias com furosemida, um inibidor da enzima conversora de angiotensina e placebo, versus 128 ± 29 dias com furosemida, um inibidor da enzima conversora de angiotensina e pimobendan (0,25 mg/Kg, por via oral, duas vezes ao dia). Estudos adicionais sugerem um benefício para a sobrevivência com a combinação de pimobendan e furosemida, quando comparado com a associação entre furosemida com um inibidor da enzima conversora de angiotensina (com ou sem digoxina), em cães com falência cardíaca secundária à cardiomiopatia dilatada e da doença valvular degenerativa crônica. Outros estudos oferecem evidências conflituosas a respeito da superioridade do pimobendan para o tratamento desde a falência cardíaca secundária até a doença valvular degenerativa crônica. Análises preliminares de um estudo contínuo de O’Grady et al. (2003) não mostraram
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