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www.pneumoatual.com.br SDRA Autor(es) Bruno do Valle Pinheiro 1 Júlio César Abreu de Oliveira 2 Mai-2009 1 - O que é a síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA)? A SDRA é uma condição de insuficiência respiratória aguda decorrente da lesão, de natureza inflamatória, da barreira constituída pelo epitélio alveolar e pelo endotélio, que determina, entre outras coisas, edema e colapso de unidades alveolares. Essa lesão inflamatória causa uma série de alterações clínicas, funcionais e radiológicas que compõem o quadro de SDRA e serão usadas para sua definição por meio de alguns critérios. 2 - Quais são os principais critérios de definição da síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA)? Os critérios de definição de SDRA mais utilizados atualmente foram propostos em 1994, em uma conferência norte-americana e européia de consenso sobre o assunto. Foram propostos critérios clínicos, gasométricos e radiográficos com o objetivo de definir a SDRA e ainda estabelecer um nível menos grave de insuficiência respiratória, denominado lesão pulmonar aguda (LPA). A tabela 1 mostra essas definições. Tabela 1. Definição de SDRA e LPA pela Conferência Norte-americana e Européia Início Critério de oxigenação Critério radiográfico Critério de exclusão SDRA PaO2/FIO2<200 LPA Agudo PaO2/FIO2<300 Opacidades alveolares bilaterais, consistentes com edema pulmonar Pressão capilar pulmonar>18 mmHg ou sinais clínicos de falência cardíaca esquerda Antes dessa conferência de consenso, Murray e colaboradores, em 1988, tinham proposto outros critérios diagnósticos, criando o chamado escore de lesão pulmonar (LIS, do inglês lung injury score), ainda hoje citado em alguns estudos. O escore é calculado pela média aritmética dos pontos obtidos pela análise de quatro variáveis: radiografia de tórax, nível de hipoxemia, nível de PEEP e complacência do sistema respiratório. Um escore acima de 2,5 é indicativo de SDRA. A tabela 2 mostra o cálculo do LIS. 1 Coordenador médico da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora; Professor Adjunto de Pneumologia e Semiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora; Doutor em Pneumologia pela UNIFESP - Escola Paulista de Medicina. 2 Chefe do Serviço de Pneumologia e da UTI do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora; Doutor em Pneumologia pela UNIFESP - Escola Paulista de Medicina; Professor Associado da Universidade Federal de Juiz de Fora. www.pneumoatual.com.br Tabela 2. Escore de lesão pulmonar (LIS) Radiografia de tórax • Sem consolidação alveolar • Consolidação em 1 quadrante • Consolidação em 2 quadrantes • Consolidação em 3 quadrantes • Consolidação em 4 quadrantes 0 1 2 3 4 Escore de hipoxemia • PaO2/FIO2 > 300 • PaO2/FIO2 – 225-299 • PaO2/FIO2 – 175-224 • PaO2/FIO2 – 100-174 • PaO2/FIO2 < 100 0 1 2 3 4 PEEP • < 5 cmH2O • 6-8 cmH2O • 9-11 cmH2O • 12-14 cmH2O • > 15 cmH2O 0 1 2 3 4 Complacência do sistema respiratório • 80 ml/cmH2O • 60-79 ml/cmH2O • 40-59 ml/cmH2O • 20-39 ml/cmH2O • < 19 ml/cmH2O 0 1 2 3 4 Escore Final – LIS • 0 = sem lesão pulmonar • 0,1 – 2,5 = lesão pulmonar leve ou moderada • > 2,5 lesão pulmonar grave (SDRA) 3 - Quais são as limitações dos critérios diagnósticos da síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA)? Os escores para diagnóstico de SDRA não são específicos e diferentes doenças pulmonares agudas podem ser confundidas com a síndrome. Em 2004, Esteban e colaboradores avaliaram o rendimento dos critérios diagnósticos de SDRA preconizados pela Conferência Norte- americana e Europeia, em pacientes que faleceram e foram submetidos a autopsia, estabelecendo-se como padrão-ouro a presença de dano alveolar difuso na análise histopatológica. Os critérios diagnósticos apresentaram sensibilidade de 75% e especificidade de 84%, com valores ainda menores quando o fator de risco para SDRA era pulmonar (61% e 69%, respectivamente). Neste estudo, entre os pacientes que preencheram o diagnóstico clínico, mas que não apresentavam dano alveolar difuso (43 pacientes de um total de 270), o principal diagnóstico foi pneumonia (32 pacientes), seguido de hemorragia alveolar (4 pacientes), edema agudo de pulmão e embolia pulmonar (3 casos cada um) e pneumonia intersticial aguda (1 caso). A primeira implicação desta falta de acurácia dos critérios diagnósticos é que algumas doenças, eventualmente com tratamentos específicos, podem ficar mascaradas sob o diagnóstico sindrômico de SDRA. Por isso, o médico deve estar atento quando não há uma causa óbvia que justifique a ocorrência da SDRA ou quando sua evolução é atípica. Nesses casos, a decisão pela biópsia pulmonar pode ser crucial para a evolução favorável do paciente. Outra limitação refere-se aos resultados de estudos clínicos em SDRA, sobretudo os que avaliam tratamentos medicamentosos, que podem estar comprometidos pela presença de pacientes com diagnósticos específicos ou mesmo pelas múltiplas etiologias da síndrome. Por exemplo, será válido avaliar a resposta ao tratamento com corticóide em uma população tão heterogênea em relação à etiologia? 4 - Quais as limitações dos critérios diagnósticos de SDRA em relação à gravidade dos pacientes? Nos critérios diagnósticos, o comprometimento das trocas gasosas é avaliado pela relação PaO2/FIO2, sem que haja, entretanto, uma padronização das condições ventilatórias em que a gasometria é obtida. Assim, alguns casos mais leves, cuja relação PaO2/FIO2 preenche, num primeiro momento, os critérios diagnósticos de SDRA, podem apresentar melhora com pequenos ou moderados níveis de PEEP. A inclusão destes pacientes em ensaios clínicos pode fazer com que não se evidencie benefícios potenciais das estratégias estudadas, visto que elas podem não ser necessárias em pacientes menos graves. 5 - Qual a incidência da síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA)? A determinação da incidência da SDRA não é fácil, em função de diferentes critérios adotados no seu diagnóstico e pelas dificuldades de se estabelecer uma população definida e acompanhá-la em relação à ocorrência ou não da síndrome. Em função disso, poucos estudos avaliaram a incidência de SDRA e seus resultados são bem diferentes, variando de 1,5 casos www.pneumoatual.com.br por 100.000 habitantes a 75 casos por 100.000 habitantes. Outros estudos mostraram valores intermediários, entre 13 e 18 casos por 100.000 habitantes, que, acredita-se, estão mais próximos da realidade. 6 - Qual a mortalidade da síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA)? Entre os estudos que definem as taxas de óbitos nos pacientes com SDRA, há grande variação de resultados, com valores extremos de 10% e 90%, mas a maioria mostrando taxas entre 40% e 60%. Entre os fatores responsáveis pelas discrepâncias de resultados estão diferenças nos critérios usados para diagnóstico de SDRA, diferenças entre as populações estudadas, entre os fatores de risco presentes e diferenças entre os períodos escolhidos para observação do desfecho. A mortalidade encontrada nos estudos clínicos tende a ser menor do que a dos estudos observacionais, em função dos critérios de exclusão geralmente presentes nos primeiros, que retiram da análise pacientes com outras condições associadas e, portanto, de pior prognóstico. Em 2009, Phua e colaboradores fizeram uma revisão sistemática de artigos publicados sobre SDRA e que descreveram sua mortalidade e confirmaram este dado. Eles observaram que a mortalidade nos estudos clínicos prospectivos e randomizados foi de 37,5%, enquanto nos estudos observacionais foi de 44,3%. Outro achado interessante deste estudo foi que ele mostrou que desde 1994, quando se padronizaram os critérios diagnósticos de SDRA, a mortalidade permanece inalterada.Outro ponto controverso em relação à mortalidade na SDRA é qual a mortalidade especificamente atribuída a ela. Como a SDRA, em geral, ocorre na vigência de condições agudas graves, muitos dos pacientes morrem em função da doença primária e não em função da insuficiência respiratória aguda. 7 - Quais são as condições clínicas associadas à ocorrência da síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA)? A SDRA pode ocorrer a partir de condições que agridem os pulmões diretamente, as causas pulmonares, ou de condições de resposta inflamatória sistêmica, que agridem os pulmões indiretamente, as causas extrapulmonares (tabela 3). Tabela 3. Condições clínicas associadas à SDRA Causas pulmonares Causas extrapulmonares • Pneumonia • Aspiração • Contusão pulmonar • Embolia gordurosa • Embolia de líquido amniótico • Quase afogamento • Inalação de gás tóxico • Hemorragia alveolar • Lesão de reperfusão • Sepse • Choque circulatório • Politrauma • Múltiplas transfusões • Pancreatite aguda • Circulação extra-corpórea • Overdose de drogas • Coagulação intravascular disseminada • Queimaduras • Traumatismo craniano Apesar desta separação entre causas pulmonares e extra-pulmonares, a evolução da SDRA parece ser semelhante entre os dois grupos, sendo a gravidade dependente de outros fatores, como idade, condições de base, acometimento de outros sistemas, intensidade da lesão pulmonar avaliada pelo comprometimento das trocas gasosas e da mecânica do sistema respiratório. 8 - Quais são as células e os mediadores inflamatórios envolvidos na síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA)? Estudos experimentais e clínicos apontam os neutrófilos como as células mais importantes na patogênese da SDRA, mas certamente não são as únicas envolvidas, pois a síndrome pode ocorrer mesmo em pacientes com profunda neutropenia. Os macrófagos alveolares também são importantes, liberando citocinas que iniciarão ou amplificarão respostas inflamatórias, o mesmo ocorrendo com as plaquetas. Parece ainda que as células epiteliais e endoteliais não são simplesmente alvo da lesão, elas provavelmente participam ativamente do processo. www.pneumoatual.com.br Em relação aos mediadores inflamatórios, o cenário é ainda mais complexo e indefinido. Muitas substâncias já tiveram suas participações na SDRA comprovadas e, provavelmente, um número igual ou superior de outras moléculas terão essa comprovação no futuro. Destacamos a seguir alguns desses mediadores, mais para exemplificar a complexidade do processo do que para detalhá-lo (tabela 4). Tabela 4. Mediadores inflamatórios na SDRA • Interleucinas (IL) • IL-1 • IL-6 • IL-8 • IL-10 • TNF-α • Fator de ativação plaquetária • Leucotrienos • Proteases • Espécies reativas do oxigênio • peróxido de hidrogênio • superóxido • hidroxila • Moléculas de adesão • Produtos da coagulação • Interferon-gama • Fatores estimuladores de colônia 9 - Quais são as fases evolutivas da síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA)? Fase exsudativa É a fase inicial da SDRA, na qual há um grande influxo de edema rico em proteínas, inicialmente para as paredes alveolares e depois para o espaço alveolar. O edema é decorrente da quebra de integridade da barreira alvéolo-capilar, tanto por lesão endotelial quanto por lesão epitelial. A persistência do edema leva à formação da membrana hialina, que é a precipitação do edema rico em fibrina na superfície dos alvéolos. Ao lado do edema, existe um infiltrado inflamatório com predomínio de neutrófilos, mas com participação também de macrófagos alveolares. Áreas de atelectasia estão presentes, decorrentes da menor produção de surfactante em função da lesão dos pneumócitos tipo II e de sua inativação pelos componentes do edema. Nesta fase, há uma tendência pró-coagulante nos pulmões, com queda nas proteínas anticoagulantes (proteínas C e S) e aumento da expressão das pró- coagulantes (fator tissular) e antifibrinolíticas (inibidor do ativador do plasminogênio 1), com consequente trombose capilar. Fase fibroproliferativa Embora alguns pacientes apresentem evolução benigna da SDRA, com rápida melhora clínica, radiográfica e das trocas gasosas, outros podem evoluir com organização do processo inflamatório e formação de fibrose. Inicialmente há acúmulo de miofibroblastos e produção de matriz extracelular no interior dos alvéolos, que ficam preenchidos por tecido conjuntivo frouxo. Nas paredes alveolares ocorre hiperplasia de pneumócitos tipo II e acúmulo de colágeno e fibronectina. Fase de resolução A maior parte dos pacientes que sobrevive ao quadro de SDRA e da doença de base apresenta resolução completa da lesão pulmonar. Com o controle do processo inflamatório, o edema é reabsorvido pelo epitélio, cuja integridade é inicialmente restaurada pelos pneumócitos tipo II, que depois se diferenciam em pneumócitos tipo I. Os mecanismos implicados na resolução do infiltrado inflamatório e da fibrose não estão claros, mas parece que a apoptose, a morte programada das células, tem papel importante. Em uma minoria de pacientes, em torno de 5%, a fase fibroproliferativa pode evoluir para fibrose, em geral com um padrão difuso de espessamento das paredes alveolares, embora um padrão de maior destruição, com faveolamento pulmonar, tenha sido descrito. 10 - Quais são as conseqüências fisiopatológicas das alterações presentes na síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA)? A lesão pulmonar na SDRA determina profundas alterações nas trocas gasosas, na mecânica do sistema respiratório e na circulação pulmonar. Alterações nas trocas gasosas O edema e o colapso alveolar, mais intensos nas fases precoces da SDRA, são responsáveis pela grave hipoxemia que estes pacientes apresentam. Esses alvéolos não ventilados continuam sendo perfundidos, o que determina áreas de baixa relação ventilação-perfusão www.pneumoatual.com.br (baixa V/Q) e shunt, com conseqüente hipoxemia. Em situações extremas, as alterações na V/Q podem contribuir para a ocorrência de hipercapnia, embora esta seja uma alteração infreqüente na SDRA. Alterações na mecânica do sistema respiratório A principal alteração da mecânica pulmonar na SDRA é a redução da complacência, decorrente do edema intersticial e alveolar e do colapso alveolar, que exige grandes pressões para abertura, durante a inspiração, das unidades fechadas. Embora haja aumento da resistência das vias aéreas, decorrente do acúmulo de líquido e espessamento das paredes das vias aéreas distais, este aumento não é importante e não tem grande significado clínico. Alterações na circulação pulmonar A hipertensão pulmonar é uma complicação comum na SDRA e decorre, sobretudo, da vasoconstrição hipóxica, ou seja, os vasos pulmonares adjacentes aos alvéolos não ventilados, portanto com baixas tensões de oxigênio, sofrem vasoconstrição. Ainda contribuem para a hipertensão pulmonar a compressão dos vasos pelo edema alveolar e pela própria pressão positiva da ventilação mecânica, a ação vasoconstritora de mediadores inflamatórios liberados na evolução da doença e a trombose capilar decorrente do desequilíbrio entre fatores pró- coagulantes e anticoagulantes, com predomínio dos primeiros. 11 - Qual o quadro clínico inicial da síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA)? Na SDRA, o quadro clínico de insuficiência respiratória aguda grave soma-se ao da doença de base que a originou. Dispneia e taquipneia são os dados mais importantes na apresentação clínica. Como o trabalho respiratório está aumentado, em virtude das alterações da mecânica respiratória e, muitas vezes, em função também de uma maior demanda ventilatória, é comum a utilização da musculatura acessória da respiração, que pode ser notada pela inspeção e/ou palpação da contração dos esternocleidomastóideos, escalenos e intercostais externos e até mesmo de músculos abdominais durante a expiração. Evolutivamenteo paciente pode desenvolver respiração paradoxal, dado sugestivo de fadiga do diafragma. Todos esses dados desaparecem com a instituição do suporte ventilatório bem ajustado. Na ausculta pulmonar, crepitações bilaterais são os achados mais comuns. Como a hipoxemia grave é uma característica da SDRA, os sintomas e sinais a ela relacionados são observados. Assim, além da cianose, que não é um sinal precoce de hipoxemia, o paciente pode apresentar taquicardia, sinais de vasoconstrição periférica, alterações do sistema nervoso central, inicialmente com agitação e instabilidade motora, podendo evoluir para rebaixamento da consciência. A intensidade da hipoxemia, refratária à oferta de oxigênio sob máscara, e o desconforto respiratório determinam, na grande maioria dos pacientes, necessidade de ventilação mecânica. A gravidade da doença de base, sobretudo quando há instabilidade hemodinâmica, contribui para a indicação do suporte ventilatório. 12 - Quais as alterações na radiografia de tórax na síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA)? A alteração radiográfica característica na SDRA é a presença de opacidades alveolares bilaterais, as quais fazem parte, inclusive, da definição da síndrome (figuras 1 e 2). Porém, antes da completa definição do quadro alveolar, com opacidades homogêneas, às vezes até com broncograma aéreo, nas fases iniciais, pode haver opacidades intersticiais, seguidas de opacidades alveolares menos homogêneas, em um padrão de vidro despolido. www.pneumoatual.com.br Figura 1. Paciente com pancreatite necro-hemorrágica grave, inicialmente com radiografia de tórax normal, evolui com SDRA. Notam-se opacidades alveolares difusas e bilaterais, características da síndrome. (Imagens de Marcelo A. Holanda – UFC) Figura 2. Paciente com grave, evoluindo com SDRA, com opacidades alveolares bilaterais e provável derrame pleural a direita. A evolução mostra acentuada melhora radiológica, mantendo ainda opacidades acinares na base direita, mas já não mais caracterizando um quadro de SDRA (Hospital Universitário - UFJF) Em relação à distribuição das lesões nos campos pleuropulmonares, ela tende a ser homogênea nos quadros secundários às doenças sistêmicas (SDRA extrapulmonar). Já nas causas pulmonares, é comum a distribuição mais heterogênea das lesões, com as áreas primariamente lesadas mostrando alterações mais acentuadas. O principal exemplo dessa situação é na SDRA por aspiração de conteúdo gástrico, na qual a lesão tende a predominar no local da aspiração, em geral no lobo inferior direito. Durante toda a evolução da SDRA, o paciente deve ser submetido a radiografias de tórax diárias, que permitirão monitorar a melhora do quadro e o surgimento de complicações. Entre www.pneumoatual.com.br as complicações estão o desenvolvimento de pneumotórax, pneumomediastino ou áreas localizadas de hiperinsuflação ou mesmo com formação de cistos. Outra complicação freqüente, nem sempre de fácil distinção na radiografia de tórax, é a pneumonia, que deve ser sempre lembrada quando há surgimento de nova área de opacidade alveolar ou progressão de alterações já existentes. 13 - A radiografia de tórax permite a distinção entre síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) e edema agudo de pulmão (EAP)? Se estivéssemos diante de uma questão de sim ou não, a resposta seria simples: não. Mas o raciocínio clínico, na maioria das vezes, não é dicotômico e sim construído a partir de dados que sugerem ou não determinada condição. Assim, na radiografia de tórax compatível com edema pulmonar, alguns achados podem auxiliar na diferenciação entre SDRA e EAP, embora nenhum deles seja definitivo. Entre eles destacam-se: • área cardíaca: quando aumentada sugere EAP, quando normal, SDRA. • Hilos proeminentes e alargamento da ázigos, evidenciado como alargamento do mediastino superior: sugerem EAP. • Na SDRA, a distribuição do edema é mais periférica e no EAP, mais central. • Nas fases iniciais, no EAP pode-se observar a inversão da trama vascular, que torna-se mais proeminente para os ápices do que para as bases. • O EAP é habitualmente acompanhado de derrame pleural, mais freqüentemente bilateral ou a direita. Derrames pequenos podem não ser visualizados na radiografia em decúbito e a SDRA também pode cursar com essa alteração. • Evolutivamente, no EAP a melhora radiográfica é mais rápida. 14 - Quais as alterações na tomografia computadorizada de tórax (TC) na síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA)? A TC de tórax tem contribuído muito para a compreensão da lesão pulmonar na SDRA. Por permitir avaliar os pulmões sem a superposição de imagens, problema característico da radiografia de tórax, ela mostrou que a expressão do acometimento pulmonar não é homogênea, com nítido predomínio nas regiões dorsais, ditas dependentes (dependentes da gravidade). Assim, nas porções dorsais observam-se opacidades homogêneas e densas, muitas vezes com broncograma aéreo, resultado não só da distribuição gravitacional do edema, mas também do colapso que o pulmão doente e o mediastino impõem sobre as porções dependentes dos pulmões. Mais dorsalmente a essas áreas, em alguns pacientes, observa-se uma lâmina de derrame pleural. Ventralmente às áreas consolidadas, é comum observar uma área de opacidade em vidro fosco e, nas porções mais ventrais, o pulmão é normal ou mesmo hiperluscente (figura 3). A TC de tórax permite ainda a identificação de complicações da ventilação mecânica na SDRA, como pneumotórax, pneumomediastino ou áreas localizadas de hiperdistensão pulmonar. Quando a SDRA é de causa pulmonar, ao lado das alterações decorrentes da síndrome, são observadas as alterações da doença de base, como, por exemplo, focos de consolidações nas pneumonias (figura 4). www.pneumoatual.com.br Figura 3. TC de tórax de paciente com SDRA decorrente de sepse abdominal mostrando consolidações homogêneas, com broncograma aéreo, nas porções dorsais, com áreas de vidro fosco e de pulmões normais mais ventralmente. Observa-se ainda fina lâmina de derrame pleural (setas) Figura 4. TC de tórax de paciente com SDRA decorrente de pneumonia grave mostrando acometimento pulmonar bilateral e difuso, mas heterogêneo, com áreas de consolidação (talvez os focos pneumônicos iniciais) entremeadas com vidro fosco. Observa-se ainda fina lâmina de derrame pleural a esquerda (seta) Com a resolução da SDRA, há regressão progressiva das imagens alveolares, podendo permanecer, em alguns pacientes, opacidades reticulares e, mais raramente ainda, áreas de destruição da arquitetura pulmonar. www.pneumoatual.com.br 15 - Quais são os princípios da ventilação mecânica na síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA)? A ventilação mecânica é uma medida de suporte na SDRA e, embora seja essencial para a manutenção do paciente vivo até a recuperação da lesão pulmonar, ela não contribui para que esta recuperação ocorra; pelo contrário, ela pode favorecer o aparecimento de complicações, como pneumonia, ou mesmo induzir a lesão pulmonar. Assim, a estratégia de ventilação mecânica na SDRA deve se preocupar com: Manter a oxigenação adequada do paciente A lesão pulmonar da SDRA é extensa, traduzindo em hipoxemia grave e necessidade de ventilação mecânica para sua correção. Na ventilação mecânica, além maiores FIO2, podem ser implementadas manobras para reduzir as áreas colapsadas, reduzindo assim as alterações de V/Q e shunt, melhorando a hipoxemia. Essas manobras, que serão detalhadas mais adiante, incluem estratégias de recrutamento alveolar e manutenção dos alvéolos recrutados com PEEP. Reduzir o trabalho respiratório do paciente As alterações na mecânica respiratória na SDRA tornam o trabalho respiratório muito aumentado, gerando grande desconforto para o paciente. Esse trabalho aumentado pode ainda requerer grande partedo débito cardíaco para ser executado, o que pode gerar, sobretudo em pacientes já com instabilidade cárdio-circulatória, prejuízo na perfusão de outros órgãos. O ajuste adequado da ventilação mecânica reduz o trabalho ventilatório do paciente para níveis adequados e favorece sua estabilização clínica. Evitar a lesão induzida pela ventilação mecânica Hoje já está bem estabelecido que a ventilação mecânica, sobretudo quando mal ajustada, é capaz de lesar o pulmão, sendo essa lesão de natureza inflamatória e com características semelhantes à própria SDRA. Ao mesmo tempo, em um pulmão previamente com SDRA, a possibilidade de lesão pela ventilação mecânica é ainda maior, podendo criar uma situação em que a SDRA não se resolve e o paciente persiste em ventilação mecânica, exposto aos seus riscos, entre eles a infecção, e com o prognóstico muito comprometido. A compreensão da lesão induzida pela ventilação mecânica é fundamental para o ajuste adequado do suporte ventilatório, já havendo estudos clínicos que mostram que esse ajuste adequado é capaz de interferir beneficamente na evolução dos pacientes. 16 - Quais são os aspectos importantes da lesão pulmonar induzida pela ventilação mecânica? Nas últimas décadas, muito se estudou sobre a lesão pulmonar induzida pela ventilação mecânica (LPIV). Sabe-se que além do trauma mecânico direto, a LPIV tem um componente inflamatório capaz de lesar tanto o endotélio capilar quanto o epitélio alveolar, levando ao edema pulmonar por quebra de barreira. Mais recentemente, tem-se especulado que esse processo inflamatório poderia sair do compartimento pulmonar e deflagrar ou perpetuar um estado de inflamação sistêmica. Assim como na SDRA, as células e os mediadores inflamatórios que participam do processo não estão completamente definidos, mas certamente constituem uma rede imbricada, difícil de ser quebrada com medidas terapêuticas isoladas. Já está bem definido que grandes pressões transpulmonares estão associadas à LPIV. Como na SDRA extensas áreas alveolares estão colapsadas ou consolidadas, não recebendo, portanto, ventilação, o volume corrente é ofertado a uma superfície menor, onde poderá gerar grandes pressões e lesar o parênquima. Outro fator importante na LPIV é a abertura (na inspiração) e o fechamento (na expiração) cíclicos de unidades colapsadas. Pela deficiência de surfactante e pela pressão sofrida pelo próprio peso do pulmão doente, unidades alveolares localizadas nas porções dependentes dos pulmões são colapsadas. Quando o fluxo de ar chega a essas regiões, a pressão gerada para suas aberturas é muito grande e lesiva. Por tudo isso, a estratégia ventilatória protetora contra a LPIV deve incluir o uso de volume corrente que não gere grandes pressões transpulmonares e o uso de manobras que tentam recrutar os alvéolos e mantê-los abertos. O recrutamento alveolar, além de evitar a abertura e fechamento cíclicos, permite que o volume corrente se acomode em um maior continente, gerando menores pressões. www.pneumoatual.com.br 17 - Como escolher o volume corrente na síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA)? O risco de lesão pulmonar induzida pela ventilação mecânica (LPIV) faz com que o ajuste do volume corrente seja importante. Após vários estudos experimentais mostrarem que grandes volumes correntes determinam lesão pulmonar, dois estudos clínicos mostraram que a limitação do volume corrente (VT) melhora a sobrevida na SDRA. No primeiro estudo, realizado no Brasil por Amato e colaboradores, os pacientes ventilados com VT menor que 6 ml/kg, evitando pressões maiores que 20 cmH2O acima da PEEP, que também era titulada para permitir abertura dos alvéolos, apresentaram melhor sobrevida ao final de 28 dias do que os ventilados com VT de 12 ml/kg e sem titulação da PEEP (38% versus 71%, com p<0,001). Em um segundo estudo, conduzido em vários centros nos EUA com mais de oitocentos pacientes, pacientes ventilados com VT de menos de 6 ml/kg, objetivando manter a pressão de platô abaixo de 30 cmH2O, apresentaram melhor sobrevida do que os ventilados com 12 ml/kg e pressão de platô menor que 50 cmH2O (31% versus 40%, com p=0,007). Outros autores, em estudos com desenhos semelhantes, encontraram resultados divergentes, nos quais a redução do VT não se associou a melhor evolução. Com a análise conjunta desses estudos, fica a idéia de que diferentes níveis de lesão pulmonar na SDRA permitem diferentes níveis de VT, ou seja, enquanto alguns pacientes realmente necessitam de importantes reduções de VT, em outros esse ajuste pode ser mais liberal. Clinicamente, a maneira mais fácil, e que parece ser suficiente, para ajustar o VT na SDRA é guiando-se pela pressão de platô, que deve ser mantida abaixo de 30 cmH2O. Observação: Quando se ajusta o volume corrente pelo peso do paciente, deve-se utilizar o peso ideal estimado pelas seguintes fórmulas: • Sexo masculino: Peso ideal = 50 + 0,91 x (altura em cm – 152,4) • Sexo feminino: Peso ideal= 45,5 + 0,91 x (altura em cm – 152,4) 18 - Como manusear a hipercapnia que pode surgir com a ventilação com baixos volumes correntes? Com a ventilação mecânica priorizando a proteção pulmonar, com níveis seguros de pressão de platô, pode haver hipoventilação e retenção de gás carbônico, que poderá ser tolerada, dentro do conceito de hipercapnia permissiva. Existem controvérsias em relação aos níveis de PaCO2 e de pH que podem ser tolerados. Como parâmetros a serem inicialmente seguidos, pode-se dizer que níveis de PaCO2 de 8 0mmHg e pH de 7,20 são bem tolerados. Valores de pH menores que 7,20 devem ser corrigidos com a infusão lenta de bicarbonato de sódio (infusões de 1 mEq/kg em 1 hora, repetindo segundo a necessidade para se manter o pH>7,20). Outro dado interessante é que quando a elevação da PaCO2 se faz gradualmente, o nível de acidemia é menor, o que facilita a condução do paciente. Ainda há controvérsias sobre os possíveis efeitos deletérios da hipercapnia, entre os quais estão a possibilidade de arritmias cardíacas, de depressão miocárdica, de hipertensão pulmonar e de aumento do fluxo sanguíneo cerebral. Dentre eles, o mais preocupante é o aumento do fluxo sangüíneo cerebral, que poderá contribuir para edema cerebral e hipertensão intracraniana. Em função desses efeitos, a hipercapnia está contra-indicada em pacientes com hipertensão intracraniana e em pacientes com instabilidade hemodinâmica grave, com insuficiência coronariana aguda e com arritmias graves. 19 - Quais as possíveis vantagens da PEEP na ventilação mecânica na síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA)? A PEEP tem benefícios na ventilação mecânica na SDRA já comprovados tanto por estudos em animais, quanto por estudos clínicos com avaliação de variáveis funcionais. Entre os benefícios destacamos: • Aumento das unidades alveolares ventiladas, o que reduz as áreas de baixa V/Q e shunt, melhorando a oxigenação e permitindo a utilização de menores frações inspiradas de oxigênio (FIO2). • Preservação da função do surfactante. • Redução da lesão pulmonar por abertura e fechamento cíclicos dos alvéolos. www.pneumoatual.com.br 20 - Como escolher a PEEP na síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA)? Como já foi discutido, a manutenção dos alvéolos abertos na SDRA é um dos pilares da ventilação mecânica nessa condição e a PEEP é a principal forma para se conseguir esse objetivo. Diferentes técnicas para escolha da chamada “PEEP ideal” têm sido descritas, mas nenhuma delas consegue reunir todas as qualidades necessárias a ponto de ser preconizada como a melhor. Entre essas qualidades destacamos a praticidade de aplicação na beira do leito, a garantia de recrutamento do maior número possível de alvéolos, a garantia de não haver hiperdistensão de unidades alveolares, a associação com a melhor troca gasosa possível para aquele paciente, a ausência de repercussão hemodinâmica e a aplicabilidade em diferentes condiçõesde SDRA. Como não se tem ainda a técnica ideal, diferentes estratégias têm sido propostas para o ajuste da PEEP na SDRA: • utilização de tabelas que ajustam a PEEP com base na FIO2 necessária no momento; • ajuste da PEEP que se associa à melhor complacência do sistema respiratório; • ajuste da PEEP com a tomografia computadorizada de tórax; • ajuste da PEEP no maior valor que permite o uso de um volume corrente de 6 ml/kg e uma pressão de platô de 30 cmH2O. 21 - Como escolher a PEEP com base na FIO2? Pode-se estabelecer um roteiro de elevação da PEEP com base na FIO2 necessária, conforme ilustrado na tabela 5. Esta estratégia foi testada em um grande estudo multicêntrico com pacientes com SDRA e lesão pulmonar aguda e não mostrou resultados animadores, ou seja, ajustes mais elevados da PEEP, em comparação com ajustes mais baixos, não se traduziram em benefícios clínicos como mortalidade ou duração da ventilação mecânica. Em função desses resultados, esta estratégia não tem sido empregada. Tabela 5. Protocolo de elevação progressiva da PEEP conforme a FIO2 necessária Passos 1 2 3 4 5 6 7 8 FIO2 0,3 0,3 0,3 0,3 0,3 0,4 0,4 0,5 PEEP 5 8 10 12 14 14 16 16 Passos 9 10 11 12 13 14 15 16 FIO2 0,5 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 1,0 1,0 PEEP 18 20 20 20 20 20 20 22 22 - Como escolher a PEEP com base na complacência do sistema respiratório? O ajuste da PEEP com base na melhor complacência do sistema respiratório deve ser feito após uma manobra de recrutamento, que será descrita mais a frente. Após a manobra, deve-se colocar o paciente em ventilação volume-controlada com fluxo quadrado, com volume corrente em torno de 6 ml/kg, FIO2 de 100%, freqüência respiratória entre 12 e 15 irpm e pausa inspiratória de 0,5 a 1 segundo. Com esses parâmetros, níveis decrescentes de PEEP vão sendo testados (25-23-21-19-17-15-13-11-9) durante aproximadamente 10 ciclos e, para cada um deles, a complacência estática é calculada. A PEEP “ideal” é a que determinou a melhor complacência ou 2 cmH2O acima desta. Escolhida a PEEP “ideal”, deve-se repetir a manobra de recrutamento e ajustar o valor da PEEP após a mesma. Uma gasometria arterial 30 minutos após todo este processo mostrando uma relação PaO2/FIO2 maior que 350 mmHg confirma a eficácia do recrutamento e de sua manutenção pela PEEP. 23 - Como escolher a PEEP com base na tomografia computadorizada? A PEEP pode ainda ser ajustada durante a tomografia computadorizada do tórax. Durante o exame, observa-se a abertura dos alvéolos com a manobra de recrutamento (descrita mais a frente) e o momento em que, reduzindo-se progressivamente a PEEP, começa a aparecer novamente colapso alveolar. A PEEP escolhida será aquela imediatamente antes do reaparecimento de áreas de colapso alveolar. Pode-se ainda identificar se há áreas de hiperinsuflação e titular uma PEEP que mantenha o máximo de abertura de alvéolos sem hiperdistensão de outras áreas. www.pneumoatual.com.br Trata-se de um excelente método de titulação da PEEP que tem, entretanto, como limitação a necessidade de deslocamento do paciente até o local de exame, o que exige uma boa estrutura para que o procedimento seja feito com segurança. 24 - Como escolher a PEEP com base nos ajustes de volume corrente e pressão de platô? Uma interessante estratégia de ajuste da PEEP foi descrita por Mercat e colaboradores, em estudo publicado no JAMA, em 2008. Os autores propuseram a fixação do volume corrente em 6 ml/kg de peso ideal e da pressão de platô em 28-30 cmH2O, sendo então ajustada a maior PEEP que permitia esses limites. Esta estratégia foi comparada a outra, denominada de ventilação com mínima distensão, na qual uma PEEP, entre 5 e 9 cmH2O (média de 6,7 cmH2O no terceiro dia), era ajusta junto com volume corrente de 6 ml/kg, o que determinava baixas pressões de platô. Os pacientes ventilados com níveis mais elevados de PEEP e com platô de 30 cmH2O melhores níveis de oxigenação de complacência respiratória, foram desmamados da ventilação mais rapidamente e necessitaram menos frequentemente de estratégias ventilatórias de resgate em função de hipoxemia grave (por exemplo, ventilação em posição prona, óxido nítrico e almitrina). Considerando-se todos os pacientes, não houve diferença de mortalidade entre os grupos, mas considerando-se apenas os com SDRA (excluindo-se os com lesão pulmonar aguda), houve uma maior sobrevida no grupo com PEEP mais elevada que quase alcançou significância estatística (p=0,08). Os resultados deste estudo mostram claramente benefícios clinicamente relevantes da utilização de níveis mais elevados de PEEP. O ajuste da PEEP sugerido neste trabalho é simples e prático, podendo ser facilmente aplicado no dia-a-dia. 25 - O que são as manobras de recrutamento alveolar e por que fazê-las na síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA)? Como já foi discutido anteriormente, na SDRA há extensas áreas colapsadas que se constituem em áreas de baixa V/Q ou shunt e, portanto, contribuem para a hipoxemia. A tentativa de abertura dessas áreas com a oferta do volume corrente, a cada ciclo da ventilação mecânica, acaba gerando altas pressões nos tecidos, lesando-os. Por isso, estratégias ventilatórias que promovam a abertura dessas áreas, ditas manobras de recrutamento alveolar, são recomendadas na ventilação mecânica da SDRA. Depois de recrutados, os alvéolos deverão ser mantidos abertos, o que será possível com a utilização de níveis adequados de PEEP. É interessante notar que a mesma PEEP que mantém os alvéolos abertos após o recrutamento não é suficiente para abri-los, em função da chamada histerese pulmonar. Histerese pulmonar é o nome dado para o fato de que a pressão gerada na inspiração, quando um dado volume encontra-se nos pulmões, na expiração, consegue manter um volume maior dentro dos pulmões (figura 5). www.pneumoatual.com.br Figura 5. Considerando a linha vermelha, pode-se observar que para a mesma pressão, o volume pulmonar é maior na expiração do que na inspiração, em função da histerese pulmonar. Assim, após uma manobra de recrutamento, a PEEP ajustada será capaz de manter um maior volume de ar nos pulmões, ou seja, será capaz de evitar mais eficazmente o colapso alveolar. Do ponto de vista prático, a presença de histerese pulmonar faz com que a PEEP ajustada após uma manobra de recrutamento seja mais eficaz em manter os alvéolos abertos do que a ajustada sem recrutamento prévio. Apesar do embasamento teórico e de estudos fisiológicos que já demonstraram benefícios com manobras de recrutamento, ainda não há estudos que comprovem que elas melhoram o prognóstico final dos pacientes com SDRA. 26 - Como fazer o recrutamento alveolar na síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA)? Ainda não há padronização bem definida para as manobras de recrutamento. Uma técnica freqüentemente empregada consiste na colocação do paciente em CPAP, com nível elevado de pressão (ex. 40 cmH2O), por um período em torno de 40 segundos. Durante essa manobra, deve-se desligar a opção de ventilação de “back-up” do ventilador, pois um ciclo dessa natureza a partir de uma pressão contínua de vias aéreas elevada pode causar barotrauma. Uma outra técnica de recrutamento pode ser implementada com o paciente em ventilação com pressão controlada. Escolhe-se um valor fixo de variação de pressão, em geral 15 cmH2O, e aumenta-se progressivamente a PEEP, de 20 cmH2O até 25 cmH2O, de 5 em 5 cmH2O, permanecendo em torno de 20 segundos em cada estágio. Em pacientes com pulmões mais heterogêneos, obesos ou com altas pressões abdominais (por ascite ou distensão gasosa), estes níveis de pressão podem não ser suficientes para o recrutamento, podendo ser necessários valores de 50 ou até memso 60 cmH2O de pressão de platô. É claro que aumentam os riscos de hipotensão e barotrauma, os quais devem ser pesados frente aos potenciais benefícios da manobra, considerando-seainda a experiência da equipe e o grau de monitoração disponível. Após a manobra de recrutamento, o paciente deve ser mantido com níveis elevados de PEEP, o qual pode ser escolhido por uma das técnicas já descritas anteriormente. O sucesso do recrutamento é comprovado se a relação PaO2/FIO2 ultrapassa valores em torno de 350 mmHg. Deve-se evitar, posteriormente, desconexões do circuito, pois elas determinam perda da pressurização do sistema e necessidade de novo recrutamento. A aspiração traqueal, se necessária, deve ser feita com circuito fechado. www.pneumoatual.com.br 27 - Como a ventilação mecânica em posição prona melhora a oxigenação na síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA)? Como já ficou demonstrado nos estudos com tomografia computadorizada de tórax, a distribuição do edema e do colapso alveolar na SDRA não é uniforme, predominando nas porções dorsais, ditas dependentes da gravidade. Apesar da lesão pulmonar ser difusa, por gravidade o edema desloca-se para as regiões dorsais. Ao mesmo tempo, o peso do pulmão edemaciado e o peso do mediastino fazem com que a pressão pleural seja bem mais positiva nas porções dorsais do que nas ventrais, favorecendo a atelectasia nessas regiões. Com isso, a ventilação concentra-se nas porções ventrais, havendo grande área de pulmão não ventilado nas porções dorsais. Ao mesmo tempo, a perfusão pulmonar não é uniforme. Os vasos das regiões dorsais, anatomicamente, apresentam menor resistência ao fluxo de sangue, recebendo maior parte do débito do ventrículo direito. Ao final, as regiões não ventiladas, as dorsais ou dependentes, são as mais perfundidas, determinando um grande "shunt", responsável pela hipoxemia na SDRA. Quando colocamos o paciente em posição prona, invertemos a ação da gravidade sobre o edema, que agora será distribuído para as regiões ventrais. As porções dorsais do mediastino, coluna vertebral e musculatura paravertebral, são mais estáveis e não "desabam" sobre o pulmão, reduzindo seu impacto sobre as pressões pleurais e, portanto, sobre o colapso alveolar. Por outro lado, as diferenças regionais da perfusão pulmonar não são dependentes da gravidade, mas sim anatômicas, ou seja, mesmo com o decúbito ventral, a perfusão será predominante nas porções dorsais. Assim, com o paciente em posição prona, aumenta-se a ventilação para as regiões dorsais, agora em posição não dependente da gravidade, mantendo-se a perfusão para essa região. O resultado final é a redução do "shunt" e melhora da hipoxemia. Desta forma, a posição prona funciona como uma forma de recrutamento de unidades alveolares e de melhora da relação V/Q. 28 - Qual o impacto da ventilação mecânica em posição prona na síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA)? Diferentes autores já comprovaram a eficácia da posição prona em melhorar a oxigenação na SDRA. A melhora ocorre em 60% a 80% dos pacientes, com as variações sendo decorrentes dos diferentes níveis de gravidade e etiologia dos quadros de SDRA e dos diferentes critérios adotados para se definir a melhora. Apesar da melhora apresentada pelos pacientes com SDRA quando colocados em posição prona, o impacto dessa conduta na evolução final não está bem estabelecido. O principal trabalho conduzido com esse objetivo foi publicado por Gattinoni e colaboradores (N Engl J Méd, 2001), no qual pacientes com SDRA foram ventilados ou em posição supina ou em posição prona (pelo menos 6 horas, 1 vez ao dia, durante 10 dias, ou até o óbito ou melhora gasométrica). Apesar de ter impacto benéfico sobre a oxigenação, não houve benefício da posição prona na evolução final dos pacientes, conforme ilustrado na tabela 6. Tabela 6. Taxa de mortalidade nos grupos de posição prona e supina Prona Supina Risco relativo (95% IC) Mortalidade em 10 dias 21,1% 25,0% 0,84 (0,56-1,27) Mortalidade na UTI 50,7% 48,0% 1,05 (0,84-1,32) Mortalidade em 6 meses 62,5% 58,6% 1,06 (0,88-1,28) Neste mesmo estudo os autores mostraram benefícios da posição prona entre os pacientes mais graves, caracterizados pelos maiores níveis de hipóxia, de escore de gravidade (SAPS II) e pelo uso de maiores volumes correntes. Outros autores também demonstraram benefícios da posição prona em pacientes mais graves e que foram ventilados por mais tempo nesta posição (em torno de 20 horas por dia e até a resolução do quadro). 29 - Quais são os cuidados a serem tomados na implementação da ventilação mecânica em posição prona e quais são as possíveis complicações? Antes de iniciar a mudança de decúbito, deve-se certificar que o paciente encontra-se confortável, caso contrário ele deve ser sedado. A FIO2 deve ser ajustada em 100% e secreções de vias aéreas, se presentes, devem ser aspiradas. Uma ou duas pessoas devem ficar responsáveis pela segurança da cânula traqueal e dos cateteres venosos, enquanto outras três, habitualmente, são suficientes para a realização da mudança de decúbito, inicialmente para o lateral e depois para o ventral. www.pneumoatual.com.br Mesmo com todos esses cuidados, complicações são descritas com a posição prona. Elas ocorrem no momento da mudança de posição ou durante o período em que o paciente permanece em decúbito ventral. A tabela 7 mostra as complicações com a posição prona observadas no estudo de Gattinoni e colaboradores. Tabela 7. Complicações relacionadas à posição prona Necessidade de aumentar sedação 55% Hipotensão 12% Obstrução das vias aéreas 39% Vômitos 8% Edema facial 30% Arritmias 4% Necessidade de aumento da curarização 28% Perda de acesso venoso 1% Incoordenação com o ventilador 20% Perda de dreno torácico 0,5% Dessaturação transitória 19% Extubação acidental 0,5% 30 - Há vantagens em se ventilar o paciente com síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) em pressão-controlada em comparação com volume controlada? Quando comparada à ventilação volume-controlada (VVC) com onda de fluxo quadrada, a pressão-controlada (VPC), em função de seu fluxo desacelerado, apresenta vantagens: melhor distribuição da ventilação, com menor espaço morto, menor pico de pressão nas vias aéreas, maior pressão média das vias aéreas, maior complacência, redução da PaCO2 e aumento da PaO2. Além disso, com a VPC, ao contrário da VVC, tem-se a segurança de não haver hiperdistensão de alvéolos com menor resistência e maior complacência, fato que teoricamente poderia evitar maior lesão induzida pelo ventilador. Entretanto, os trabalhos clínicos não demonstraram de forma definitiva as vantagens da VPC em relação à evolução final dos pacientes, sobretudo quando comparada com a VVC com fluxo de padrão desacelerado. 31 - Que medidas além do suporte ventilatório têm sido avaliadas no tratamento da SDRA? Várias medidas têm sido estudadas para o tratamento da SDRA, algumas de suporte, outras tentando interferir na fisiopatologia da síndrome. Embora alguns resultados positivos tenham sido observados com algumas delas, nenhuma demonstrou ter impacto significativo sobre a mortalidade da SDRA. As principais medidas avaliadas são: • restrição no balanço hídrico; • medicações vasodilatadoras, com destaque para o óxido nítrico; • medicações antiinflamatórias, com destaque para os corticóides; • medicações antioxidantes; • reposição de surfactante; • uso de beta-2 agonista para melhorar a absorção do edema alveolar. 32 - Como deve ser mantido o balanço hídrico na SDRA? Nas fases iniciais da SDRA, sobretudo quando secundária a sepse ou outra condição inflamatória de repercussão sistêmica, é muito comum a ocorrência de hipotensão. Neste momento, a reposição volêmica vigorosa é fundamental, na tentativa de se restabelecer a perfusão tecidual. Posteriormente, com o paciente já hemodinamicamente estável, mesmo que com o uso de drogas vasopressoras, a manutenção de um balanço hídrico persistentemente positivo associa-se a piora do edema e, consequentemente, das trocas gasosas. Em estudo publicado no New England Journal ofMedicine em 2007, o grupo ARDS-NET (grupo norte-americano que tem desenvolvido uma série de estudos sobre a síndrome) avaliou duas estratégias de reposição volêmica na SDRA, uma mais liberal e outra mais conservadora, esta com uso mais precoce de vasopressores. Eles observaram que a estratégia conservadora, ao manter o balanço hídrico menos positivo, associou-se a importantes desfechos favoráveis, entre os quais reduções na duração da ventilação mecânica e da internação na UTI. Além disso, ela não determinou maior ocorrência de falência de outros sistemas, incluindo o renal, como poder-se-ia temer. Apesar destes benefícios, não houve diferenças entre as mortalidades nos dois grupos. Em relação à natureza do líquido usado na reposição volêmica, não há qualquer comprovação de superioridade dos colóides sobre os cristalóides, quando usados em pacientes com SDRA. www.pneumoatual.com.br 33 - Qual o papel do óxido nítrico (NO) na síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA)? O óxido nítrico (NO) é um radical livre produzido no endotélio e que tem ação vasodilatadora. Quando administrado por via inalatória, ele atingirá as áreas pulmonares que estão sendo ventiladas e promoverá aí vasodilatação. As áreas não ventiladas permanecerão sem o seu efeito vasodilatador, havendo assim importante melhora na relação ventilação-perfusão, com conseqüente melhora na oxigenação. Outros efeitos são atribuídos ao NO, como redução da hipertensão pulmonar, redução da agregação plaquetária e da adesão de neutrófilos, mas seus significados clínicos não estão estabelecidos. Por outro lado, o NO pode reagir com espécies reativas tóxicas do oxigênio, formando peroxinitritos, que são potencialmente lesivos aos pulmões, mas cuja significância clínica também não está estabelecida. O NO é capaz de melhorar a oxigenação em aproximadamente 60% dos pacientes com SDRA. Apesar desses resultados, os estudos clínicos prospectivos e controlados não mostraram benefícios na sobrevida ou na duração da ventilação mecânica, fazendo com que ele não seja recomendado de forma rotineira. Em pacientes selecionados, com hipoxemia refratária às estratégias ventilatórias disponíveis, ou em pacientes com hipertensão pulmonar grave e falência de ventrículo direito, o NO pode ser tentado. A dose de NO varia de paciente para paciente, sendo que na maioria deles já há resposta com doses menores que 10 partes por milhão (ppm). Embora não haja consenso, há uma tendência em se estabelecer 40 ppm como a dose máxima usada, dose que é segura em relação à formação de subprodutos tóxicos ou geração de metemoglobinemia importante, que poderiam ser complicações do uso do NO. Como o NO liga-se muito rapidamente à hemoglobina, seu efeito está limitado à circulação pulmonar, não determinando vasodilatação sistêmica, portanto não causando hipotensão arterial. 34 - Qual o papel dos corticosteróides na síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA)? Os corticosteróides reduzem a produção de uma série de mediadores inflamatórios, bem como diminuem a ação de mediadores pró-fibróticos. Esses efeitos, aliados às boas experiências clínicas com estes medicamentos em outras causas de insuficiência respiratória aguda, como, por exemplo, a pneumocistose, motivaram estudos que avaliaram o papel dos corticóides na SDRA. A maior parte dos estudos avaliou o uso dos corticóides em fases mais tardias da SDRA, supostamente na fase fibroproliferativa. Acredita-se que após sete a dez dias do diagnóstico, o quadro inflamatório mais exuberante dá lugar à fase fibroproliferativa, sobre a qual os corticosteróides teoricamente teriam melhores efeitos. Dentre esses estudos, o de resultados mais significativos foi o de Meduri e colaboradores, publicado em1998. Eles estudaram 24 pacientes com SDRA e que não tinham melhora após sete dias de evolução, randomizando-os a receberem metilprednisolona (16 pacientes) ou placebo (8 pacientes). Os pacientes tratados com corticosteróide apresentaram melhor evolução gasométrica, menor falência de órgãos e maior sobrevida (87% versus 37%, com p=0,03) do que os que receberam placebo. As grandes limitações deste estudo foram: pequeno número de pacientes e todos proveniente de um único centro. O esquema de tratamento proposto neste estudo está ilustrado no quadro abaixo. Dose de corticóide no tratamento da SDRA Dia Dose de metilprednisolona Ataque 2 mg/kg D1 a D14 2 mg/kg/dia, em 4 doses (6-6 h) D15 a D21 1 mg/kg/dia, em 4 doses (6-6 h) D22 a D28 0,5 mg/kg/dia D29 e D30 0,25 mg/kg/dia D31 e D32 0,125 mg/kg/dia Em 2006, em artigo publicado no New England Journal of Medicine, o grupo ARDS-NET colocou dúvidas sobre os benefícios dos corticóide na SDRA. Eles avaliaram 160 pacientes com SDRA com mais de 7 dias de evolução e os randomizaram a receber metilprednisolona ou placebo. Não se observaram diferenças de mortalidade entre os grupos ao final de 60 e 180 dias, apesar de efeitos positivos observados em alguns desfechos secundários, como melhora na oxigenação e na complacência do sistema respiratório, além de desmame mais precoce da ventilação mecânica. Uma das explicações para esses achados é que os pacientes que www.pneumoatual.com.br receberam corticóide tiveram mais frequentemte miopatia mais grave e, assim, embora saíssem mais rapidamente da ventilação, voltavam para ela em maior frequência, o que anulava o efeito benéfico inicial. Outro ponto a ser destacado é que dois comportamentos distintos foram encontrados conforme o momento do início do tratamento: entre os pacientes incluídos entre 7 e 14 dias de SDRA, o corticóide reduziu a mortalidade em 25% em relação ao placebo (sem alcançar significância estatística); mas entre os que iniciaram o tratamento após 14 dias, houve aumento da mortalidade com a medicação. Assim, o papel do corticóide no tratamento ainda é controverso. Parece que ele é deletério quando usado nos primeiros 7 dias ou após o décimo quarto da instalação da síndrome, podendo haver uma janela entre o oitavo e o décimo terceiro, com potenciais benefícios do tratamento. Até que novos estudos esclareçam melhor esta questão, os corticóides não devem ser recomendados rotineiramente no tratamento da SDRA, mas podem ser considerados em pacientes selecionados, entre o oitavo e o décimo terceiro dia de evolução. 35 - A reposição de surfactante é útil no tratamento da síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA)? O surfactante é uma lipoproteína produzida e reciclada pelos pneumócitos tipo II que tem como principal função reduzir a tensão superficial no interior dos alvéolos, prevenindo seus colapsos durante a expiração. Na SDRA, há não só redução na produção do surfactante, mas também sua maior remoção dos alvéolos pela própria ventilação mecânica e inativação de sua ação por proteínas, proteases e espécies reativas tóxicas do oxigênio que se acumulam nos alvéolos. A partir dos excelentes resultados com a administração de surfactante na síndrome de desconforto respiratório do recém-nascido, passou-se a estudar os efeitos dessa conduta na SDRA. Entretanto, enquanto no recém-nascido a única causa do desconforto respiratório é a falta de surfactante, em função da prematuridade, a SDRA é multifatorial e, portanto, os resultados com a administração de surfactante são piores. Os estudos prospectivos e controlados que avaliaram o surfactante no tratamento da SDRA em adultos não mostraram benefícios. A falta de padronização da dose, do momento de início do tratamento, da via de administração (instilação pela traquéia ou por broncoscopia, ou administração por aerossol), a influência de comorbidades são outros fatores que podem contribuir para os resultados não animadores com o uso de surfactante na SDRA. 36 - Qual o papel dos antiinflamatórios no tratamento da síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA)? Não há dúvidas sobre a natureza inflamatória da SDRA, o que leva ao raciocínio lógico de que o bloqueio dos mediadoresimplicados na doença seria benéfico. O problema é que o número de mediadores envolvidos é muito grande e o bloqueio de alguns deles pode não ser suficiente para trazer benefícios clínicos significativos. Dentre os medicamentos de ação antiinflamatória já estudados na SDRA destacam-se os corticosteróides, já discutidos anteriormente, o cetoconazol e a pentoxifilina. O cetoconazol, além de sua ação antifúngica, inibe a síntese de tromboxano e leucotrienos, mediadores inflamatórios que participam de alguns efeitos deletérios na SDRA, como, por exemplo, a vasoconstrição pulmonar. Apesar desses efeitos biológicos, estudos clínicos que avaliaram o cetoconazol na SDRA não mostraram resultados satisfatórios, talvez porque ele promova o bloqueio apenas de alguns dentre muitos mediadores inflamatórios envolvidos. A pentoxifilina inibe a liberação de ácidos fosfatídicos, que também atuam como mediadores da inflamação. De forma semelhante ao que ocorre com o cetoconazol, apesar de ser biologicamente ativa, os estudos clínicos com a pentoxifilina não têm resultados animadores. 37 - Qual o papel dos antioxidantes no tratamento da síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA)? Dentre os diferentes mediadores implicados na patogenia da SDRA estão as espécies reativas tóxicas do oxigênio (ERTO), que além de estarem presentes em concentrações aumentadas, contam com a redução da atividade de substâncias antioxidantes. As ERTO podem causar lesão direta dos tecidos e estimular uma série de mediadores inflamatórios, agravando a lesão pulmonar. O uso de substâncias antioxidantes, portanto, poderia ser benéfico na SDRA. Dentre os antioxidantes, o que é mais estudado na SDRA é a N-acetilcisteína. Apesar de alguns resultados iniciais promissores, a N-acetilcisteína acabou não se mostrando útil no www.pneumoatual.com.br tratamento da SDRA, não tendo impacto clínico significativo que justifique seu uso. Em relação aos demais antioxidantes, como o ácido ascórbico, o tocoferol ou os flavonóides, os estudos são menos freqüentes e ainda não mostraram benefícios clínicos importantes. 38 - Qual o papel dos beta-2 agonistas no tratamento da síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA)? Os beta-2 agonistas são capazes de aumentar o transporte do sódio através da membrana alvéolo-capilar, reduzindo assim o edema na SDRA. Adicionalmente alguns autores lhes atribuem ação antiinflamatória, o que poderia também contribuir no tratamento. Embora não seja parte central da fisiopatologia da SDRA, alguns pacientes podem ter algum grau de broncoconstrição, que melhora com os beta-2 agonistas. Apesar de toda esta fundamentação teórica, existem poucos estudos clínicos sobre o uso de beta-2 agonista na SDRA. Em um deles, 40 pacientes com SDRA foram randomizados a receber salbutamol por via venosa (15 mcg/kg/hora) ou placebo. Ao final de 7 dias, os pacientes que receberam o beta-2 agonista apresentavam menos edema alveolar (estimado pela medida da água livre pulmonar por termodiluição) e melhor mecânica do sistema respiratório, mostrando benefícios da medicação. Estudos com desfechos clínicos mais relevantes, como mortalidade, duração da ventilação mecânica e da internação, são aguardados, bem como aqueles para avaliar a possibilidade de administrar o beta-2 agonista por via inalatória. Enquanto isso, não há recomendação de uso desses medicamentos na SDRA. 39 - Leitura recomendada Amato MBP, Barbas CSV, Mdeiros DM, Magaldi RB, Schettino GPP, Lorenzi-Filho G, Kairalla RA, Deheinzelin D, Munoz C, Oliveira R, Takagaki TY, Carvalho CRR. Effect of a protective- ventilation strategy on mortality in the acute respiratory distress syndrome. N Engl J Med 1998;338: 347-54. Amato MBP, Carvalho CRR, Ísola AM et al. Ventilação mecânica na lesão pulmonar aguda/síndrome do desconforto respiratório agudo. 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