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5.1 COLECISTITE AGUDA Representa a terceira causa de internação na Emergência e está associada a cálculos em mais de 95% dos casos. Resulta da obstrução do ducto cístico por cálculo impactado no infundíbulo, o que torna a vesícula inflamada e distendida. Do ponto de vista epidemiológico, a população mais frequentemente acometida pela colecistite aguda é a do sexo feminino, acima de 40 anos e com sobrepeso ou obesidade. A colecistite aguda alitiásica pode ocorrer em 3 a 5% dos casos, principalmente em pacientes críticos em terapia intensiva, diabéticos e naqueles com nutrição parenteral recente. #memorize Há um método mnemônico para a epidemiologia dos principais fatores associados à colelitíase chamado 4 “Fs”: Female (sexo feminino), Fat (obesidade), Forty (idade acima de 40 anos) e Fertility (multípara). O quadro clínico caracteriza-se por dor persistente no hipocôndrio direito, associada a náuseas e vômitos. Febre não é comum na fase inicial da doença. A existência de outros episódios, no histórico do paciente, com resolução espontânea ou a partir do uso de antiespasmódicos, são comuns (cólica biliar). Ao exame físico, nota-se defesa à palpação no hipocôndrio direito. A colecistite aguda ocorre no quadro de obstrução do ducto cístico. O processo inflamatório, inicialmente, é de natureza química. Há indícios de que concentrações elevadas de sais biliares, colesterol e lisolecitina iniciem esse processo. A estase aumenta a pressão vesicular e impede o fluxo sanguíneo e linfático, propiciando o aparecimento de isquemia. Nos primeiros dias da crise biliar, a parede da vesícula está hiperemiada e edemaciada e pode apresentar pontos de necrose. A vesícula está distendida pelo conteúdo biliar, e, com a reabsorção dos sais biliares, aparece exsudato inflamatório ou, raramente, pus ou sangue. Após o término da crise, a mucosa cicatriza, e a parede torna-se fibrosada. A infecção é provavelmente um evento secundário, mas nem todos os pacientes têm a bile infectada. A inflamação, a estase e a isquemia favorecem a proliferação bacteriana. A cultura da bile é positiva em 22 a 46% dos casos sem perfuração da vesícula e em 80% nas gangrenas vesiculares. A incidência de cultura positiva aumenta em função da idade, especialmente após os 60 anos. Qual a etiologia e a fisiopatologia da colecistite aguda litiásica? Os germes mais comumente encontrados na colecistite aguda são entéricos aeróbios e anaeróbios. Os aeróbios mais observados são: Escherichia coli, Klebsiella, Proteus e Enterococcus faecalis, enquanto os anaeróbios frequentes são Peptostreptococcus, Clostridium perfringens e Bacteroides fragilis. #importante O chamado sinal de Murphy consiste em comprimir o hipocôndrio direito e solicitar ao paciente que realize uma inspiração profunda. Na vigência de colecistite, a irritação peritoneal fará o paciente cessar a respiração. Durante a crise, o número de leucócitos é de, em média, 12.000/mm3, com desvio à esquerda. Aumentos discretos de aminotransferases e amilase, com hiperbilirrubinemia e icterícia, podem surgir em decorrência da passagem de cálculos pequenos, lama ou pus. Elevações maiores dos níveis séricos de bilirrubinas, fosfatase alcalina e aminotransferases não são comuns na colecistite aguda não complicada e devem levantar a suspeita de colangite, coledocolitíase ou síndrome de Mirizzi (cálculo impactado no ducto cístico distal que leva à compressão do colédoco). A ultrassonografia abdominal é o método de eleição para diagnóstico, revelando espessamento da parede da vesícula, líquido e/ou ar perivesicular, além de indicar a presença e a localização de cálculos (Figura 5.1 - A). Figura 5.1 - Colecistite aguda Legenda: (A) aspecto ultrassonográfico, evidenciando líquido perivesicular e espessamento da parede da vesícula; (B) colecistectomia videolaparoscópica. De maneira geral, preconiza-se a cirurgia precocemente, e a operação só não é realizada de imediato quando a doença se apresenta na forma não complicada em indivíduos de alto risco operatório. A colecistectomia videolaparoscópica é considerada padrão-ouro (Figura 5.1 - B), e a antibioticoterapia é de curta duração, exceto em caso de infecção associada ou em pacientes de alto risco de repercussões sistêmicas. Em casos muito graves, com sepse e instabilidade hemodinâmica, pode-se realizar a colecistostomia (drenagem da vesícula) associada a antibiótico venoso e operar o paciente assim que ele se estabilizar, mas esta é uma conduta de exceção. As diretrizes de Tóquio, mundialmente aceitas, foram alteradas em 2018 e definem os critérios diagnósticos da colecistite aguda conforme o Quadro 5.1. Quadro 5.1 - Critérios diagnósticos de Tóquio para colecistite aguda (2013-2018) Legenda: diagnóstico suspeito: 1 item em A + 1 item em B; diagnóstico definitivo: 1 item em A + 1 item em B + C. Além de critérios diagnósticos, a colecistite aguda é classificada pelas diretrizes de Tóquio em: grave, quando há repercussão sistêmica importante; moderada, se há inflamação bem definida; leve, nos demais casos. • Grau III – Colecistite aguda grave: • Associada à disfunção de qualquer um dos seguintes órgãos/sistemas: ■ Disfunção cardiovascular: hipotensão que requer tratamento com dopamina acima de 5 µg/kg/min ou qualquer dose de norepinefrina; ■ Disfunção neurológica: diminuição do nível de consciência; ■ Disfunção respiratória: relação PaO2/FiO2 abaixo de 300; ■ Disfunção renal: oligúria, creatinina sérica maior que 2 mg/dL; ■ Disfunção hepática: PT-INR menor que 1,5; ■ Disfunção hematológica: contagem de plaquetas abaixo de 100.000/mm3. • Grau II – Colecistite aguda moderada: • Associada a qualquer uma das seguintes condições: ■ Contagem elevada de leucócitos – acima de 18.000/mm3; ■ Massa cística palpável no quadrante superior direito; ■ Duração das queixas acima de 72 horas; ■ Inflamação local bem definida – colecistite gangrenosa, abscesso pericolecístico, abscesso hepático, peritonite biliar, colecistite enfisematosa. • Grau I – Colecistite aguda leve: • Não atende aos critérios de colecistite aguda de grau III ou grau II. 5.2 COLECISTITE ACALCULOSA A colecistite aguda acalculosa, que representa 10% de todos os casos de colecistite aguda, é mais frequente em pacientes gravemente enfermos, com traumatismos, queimaduras, sepse, neoplasias e diabetes. O emprego da nutrição parenteral total em hipotensos que necessitam de múltiplas transfusões de sangue e suporte ventilatório e que estão sépticos reúne condições favoráveis ao desenvolvimento da colecistite aguda acalculosa. O tratamento inclui antibióticos de largo espectro e colecistectomia ou colecistostomia com colocação de dreno, sendo esta preferida por ser menos invasiva e efetiva. Colecistectomia, de preferência por via laparoscópica, deve ser realizada em caso de achados sugestivos de necrose, colecistite enfisematosa ou perfuração. Também é indicada se não há melhora com 24 horas de drenagem da vesícula. 5.3 COLECISTITE ENFISEMATOSA A colecistite enfisematosa é causada por uma infecção secundária da parede da vesícula biliar com organismos formadores de gás (como Clostridium perfringens, Escherichia coli – 15% –, Staphylococcus, Streptococcus, Pseudomonas, Klebsiella). Os pacientes afetados são muitas vezes homens, na 5ª à 7ª década de vida, com até metade dos pacientes com diabetes e cálculos biliares. Assim como outros com colecistite aguda, pacientes com colecistite enfisematosa geralmente têm dor no quadrante superior direito, náuseas, vômitos e febre baixa. Sinais peritoneais estão normalmente ausentes, mas a crepitação (pista importante para o diagnóstico) na parede abdominal adjacente à vesícula biliar pode raramente ser detectada. 5.4 SÍNDROME DE MIRIZZI A síndrome de Mirizzi consiste na obstrução da via biliar por um cálculo impactado no infundíbulo da vesícula biliar (bolsa de Hartmann) ou no ducto cístico. A presença do ducto cístico longo, com implantação baixa e paralelo ao ducto hepáticocomum, predispõe à síndrome. 5.4.1 Quadro clínico e diagnóstico Os cálculos impactados causam compressão mecânica do ducto hepático comum, levando a um quadro de icterícia contínua ou intermitente e episódios de colangite. Noventa por cento dos casos apresentam aumento de fosfatase alcalina e bilirrubinas. Existem algumas classificações na literatura, sendo mais utilizada a proposta por Csendes, dividida em quatro estágios, que vão desde a simples compressão extrínseca até a fístula colecistobiliar (Quadro 5.2). Quadro 5.2 - Classificação da síndrome de Mirizzi Fonte: Mirizzi syndrome and cholecystobiliary fistula: A unifying classification, 1989. O diagnóstico se inicia pela ultrassonografia (podem-se ver dilatação biliar acima do nível do infundíbulo da vesícula, cálculo no infundíbulo, alteração abrupta para calibre normal do colédoco abaixo do cálculo) seguida pela colangiografia: por via direta, colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) – a mais usada –, colangiografia trans-hepática percutânea ou colangiorressonância podem ser opções. Na CPRE, podem-se visualizar obstrução do ducto hepático comum, cálculo impactado no infundíbulo ou ducto cístico e a fístula biliobiliar. Além disso, nos casos de colangite ou aumento de bilirrubinas, pode ser passada prótese na via biliar. 5.5 ÍLEO BILIAR O íleo biliar consiste na obstrução intestinal (abdome agudo obstrutivo) por cálculo biliar grande (em 90% dos casos, maior que 2 cm, a maioria maior que 2,5 cm). Na maioria das vezes, o cálculo situa-se no íleo (50 a 70% dos casos), seguido por jejuno e estômago. A passagem desse cálculo é consequência de uma fístula entre a vesícula biliar e o intestino, sendo a colecistoduodenal a mais comum (60%). As fístulas colecistoduodenais, colecistogástricas ou colecistocolônicas normalmente decorrem de uma colecistite aguda, e a síndrome de Mirizzi pode estar associada à presença da fístula colecistoentérica. Ocorre em menos de 0,5% dos casos de colelitíase, responsável por 1 a 4% das obstruções mecânicas, número que aumenta para 25% em pacientes acima de 65 anos. A idade média do diagnóstico é de 70 anos, e as mulheres são três a 16 vezes mais afetadas. O diagnóstico radiológico clássico é descrito como tríade de Rigler, que compreende a distensão do delgado, a aerobilia (30 a 60% dos casos) e a presença de imagem com calcificação no quadrante inferior direito do abdome (menor que 15% dos casos). A tomografia computadorizada de abdome fornece melhor visualização do cálculo impactado. Figura 5.2 - Radiografia simples de abdome com distensão de delgado e aerobilia 5.6 COLANGITE AGUDA A colangite é um quadro infeccioso que tem como foco a via biliar e que necessita de duas condições para se instalar: presença de bactérias no trato biliar e obstrução parcial ou completa que cause aumento da pressão das vias biliares. Figura 5.3 - Processo fisiopatológico da colangite aguda Fonte: elaborado pelo autor. A bile é inicialmente estéril, mas pode ser colonizada por via hematogênica ou ascendente, a partir do trato gastrintestinal, principalmente se houver algum grau de disfunção hepática, o que compromete a depuração bacteriana pelas células de Kupffer. Então, quando há alguma obstrução das vias biliares, há um acúmulo de bile, que pode servir como meio de cultura para o crescimento bacteriano. A pressão aumentada nas vias biliares faz que as bactérias ganhem a circulação sistêmica, comprometendo o estado geral. Os micro-organismos Gram negativos mais comumente encontrados nas culturas de pacientes com colangite são: E. coli (25 a 50%), Klebsiella (15 a 20%) e Enterobacter (5 a 10%). Os Gram positivos mais comuns são enterococos (10 a 20%). #importante O quadro clínico da colangite baseia-se na tríade de Charcot, presente em 50 a 70% dos portadores dessa afecção, e na pêntade de Reynolds, a qual indica quadro de sepse grave. Figura 5.4 - Tríade de Charcot e pêntade de Reynolds Fonte: elaborado pelo autor. Assim como na colecistite aguda, são importantes enzimas canaliculares e bilirrubinas. Nos pacientes com a tríade de Charcot e alteração na bioquímica hepática, pode-se realizar direto a CPRE com drenagem da via biliar. Se há sinais e sintomas sugestivos de colangite aguda, mas sem a tríade de Charcot, a ultrassonografia abdominal é o exame de eleição. CPRE deve ser feita em até 24 horas se há dilatação ou cálculos. Se a suspeita de colangite aguda se mantém, mas a ultrassonografia é negativa, deve ser realizada colangiorressonância para provável visualização de cálculos pequenos perdidos à ultrassonografia. Entre aqueles com coledocolitíase complicada com colangite, devem-se introduzir antibióticos de largo espectro (intravenoso dirigido às bactérias entéricas) e realizar CPRE com esfincterotomia e retirada dos cálculos. De 70 a 80% dos pacientes respondem à terapia conservadora, deixando-se a drenagem, nesse caso, de maneira eletiva em 24 a 48 horas, para que a CPRE seja feita por um médico experiente. Caso não haja melhora em 24 horas, é requerida descompressão de urgência. Também se deve realizar CPRE de urgência se houver suspeita de colangite supurativa, com sintomas como dor abdominal persistente, febre acima de 39 °C, hipotensão mesmo com ressuscitação adequada e confusão mental. Figura 5.5 - Conduta na colangite aguda 1 A hemocultura deve ser levada em consideração antes do início dos antibióticos. As amostras de bile devem ser colhidas durante a drenagem biliar e serem cultivadas. 2 Os princípios de tratamento da colangite aguda consistem na administração de antimicrobianos, drenagem biliar e tratamento da etiologia. Para pacientes com coledocolitíase leve ou moderada, se possível, a etiologia deve ser tratada ao mesmo tempo em que a drenagem biliar é realizada. Fonte: adaptado de Tokyo Guidelines 2018: initial management of acute biliary infection and flowchart for acute cholangitis, 2017. Qual a etiologia e a fisiopatologia da colecistite aguda litiásica? A etiologia da colecistite aguda litiásica é a obstrução do ducto cístico. O processo inflamatório, inicialmente, é de natureza química. Há indícios de que concentrações elevadas de sais biliares, colesterol e lisolecitina iniciem esse processo. A estase aumenta a pressão vesicular e impede o fluxo sanguíneo e linfático, propiciando o aparecimento de isquemia. Nos primeiros dias da crise biliar, a parede da vesícula está hiperemiada e edemaciada e pode apresentar pontos de necrose. A vesícula está distendida pelo conteúdo biliar, e, com a reabsorção dos sais biliares, aparece exsudato inflamatório ou, raramente, pus ou sangue. Após o término da crise, a mucosa cicatriza, e a parede torna-se fibrosada. A infecção é provavelmente um evento secundário, mas nem todos os pacientes têm a bile infectada. A inflamação, a estase e a isquemia favorecem a proliferação bacteriana. A cultura da bile é positiva em 22 a 46% dos casos sem perfuração da vesícula e em 80% nas gangrenas vesiculares. A incidência de cultura positiva aumenta em função da idade, especialmente após os 60 anos. Os germes mais comumente encontrados na colecistite aguda são entéricos aeróbios e anaeróbios; os aeróbios mais observados são Escherichia coli, Klebsiella, proteus e Enterococcus faecalis, enquanto os anaeróbios frequentes são Peptostreptococcus, Clostridium perfringens e Bacteroides fragilis. Os sinais clínicos sistêmicos se caracterizam por febre, taquicardia e, dependendo da extensão do processo infeccioso, podem cursar com septicemia e choque séptico. Do ponto de vista abdominal é comum a resistência à palpação no hipocôndrio direito e sinal de Murphy positivo. O padrão-ouro de diagnóstico é a ultrassonografia, e no hemograma é comum a leucocitose, razão pela qual é clássico a colecistite aguda ser caracterizada por febre, dor e leucocitose. Eventualmente ocorrem pequenas elevações de bilirrubinas e transaminases. Como terapêutica, se impõe o suporte clínico com hidratação, analgésicos e antibióticos.A colecistectomia, que pode ser videoassistida, deve ser indicada o mais precocemente possível. Qual a etiologia e a fisiopatologia da colecistite aguda litiásica? 5.1 COLECISTITE AGUDA #memorize #importante Figura 5.1 - Colecistite aguda Legenda: (A) aspecto ultrassonográfico, evidenciando líquido perivesicular e espessamento da parede da vesícula; (B) colecistectomia videolaparoscópica. Quadro 5.1 - Critérios diagnósticos de Tóquio para colecistite aguda (2013-2018) Legenda: diagnóstico suspeito: 1 item em A + 1 item em B; diagnóstico definitivo: 1 item em A + 1 item em B + C. 5.2 COLECISTITE ACALCULOSA 5.3 COLECISTITE ENFISEMATOSA 5.4 SÍNDROME DE MIRIZZI 5.4.1 Quadro clínico e diagnóstico Quadro 5.2 - Classificação da síndrome de Mirizzi Fonte: Mirizzi syndrome and cholecystobiliary fistula: A unifying classification, 1989. 5.5 ÍLEO BILIAR Figura 5.2 - Radiografia simples de abdome com distensão de delgado e aerobilia 5.6 COLANGITE AGUDA Figura 5.3 - Processo fisiopatológico da colangite aguda Fonte: elaborado pelo autor. #importante Figura 5.4 - Tríade de Charcot e pêntade de Reynolds Fonte: elaborado pelo autor. Figura 5.5 - Conduta na colangite aguda 1 A hemocultura deve ser levada em consideração antes do início dos antibióticos. As amostras de bile devem ser colhidas durante a drenagem biliar e serem cultivadas. 2 Os princípios de tratamento da colangite aguda consistem na administração de antimicrobianos, drenagem biliar e tratamento da etiologia. Para pacientes com coledocolitíase leve ou moderada, se possível, a etiologia deve ser tratada ao mesmo tempo em que a drenagem biliar é realizada. Fonte: adaptado de Tokyo Guidelines 2018: initial management of acute biliary infection and flowchart for acute cholangitis, 2017. Qual a etiologia e a fisiopatologia da colecistite aguda litiásica?
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