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Catarina Fagundes Moreira - UNIT - 5P PROBLEMA 4 Icterícia (jaundice), do francês jaune (amarelo), é a descoloração amarelo-alaranjada da pele, conjuntivas e membranas mucosas que resulta de um nível plasmático elevado e bilirrubina. A hiperbilirrubinemia leve pode ser clinicamente indetectável, mas a icterícia torna-se evidente para níveis plasmáticos de bilirrubina superiores a 3 a 4 mg/dL (OU 2-3mg/100ml; valor normal: 0,3-1,0mg/100ml), dependendo da pigmentação cutânea normal do paciente, das condições de observação e da fração de bilirrubina que está elevada. A hiperbilirrubinemia pode resultar da disfunção hepatocelular (hiperbilirrubinemia pura) ou da produção aumentada de bilirrubina ou de defeitos herdados ou adquiridos em aspectos específicos do manejo hepático da bilirrubina. Os níveis séricos normais de bilirrubina são de cerca de 1 a 1,5 mg/dℓ, e quando esses níveis atingem valores superiores a 3 mg/dℓ, a icterícia é clinicamente detectada. A bilirrubina resulta da degradação final da fração heme do sangue, sendo um composto potencialmente tóxico aos tecidos. A fração heme converte-se em bilirrubina por meio de dois processos: primeiro, ela é convertida em biliverdina pela enzima microssomal heme oxigenase; segundo, a biliverdina sofre a ação de sua enzima citosol redutase e é convertida em bilirrubina. A fração heme origina-se da degradação da hemoglobina eritrocitária existente em todas as células do corpo, primariamente pelos macrófagos, com uma pequena fração originada de formas imaturas de hemoglobina no baço e na medula óssea, enquanto as proteínas heme originam-se no fígado como mioglobinas e citocromos. A bilirrubina é transportada por moléculas de albumina e captada pela membrana sinusoidal dos hepatócitos de forma bastante eficaz, com o auxílio de possíveis produtos de gene, como polipeptídios de transporte de ânion orgânico. Após sua captura sinusoidal, a bilirrubina é conjugada no retículo endoplasmático, pela ação enzimática da uridina difosfato glicuroniltransferase (UGT). Este processo no fígado converte a bilirrubina em conjugado hidrossolúvel, possibilitando sua eliminação da corrente sanguínea e excreção pelas vias biliares e, finalmente, é convertida em urobilinogênio no cólon. O urobilinogênio é excretado preferencialmente pelas fezes, sendo uma pequena fração reabsorvida e excretada pelos rins. Ocorrendo falha em qualquer etapa desse processo, surge o quadro de icterícia. A hiperbilirrubinemia e icterícia podem resultar de disfunções isoladas do metabolismo da bilirrubinemia, doença hepática ou obstrução do trato biliar. A icterícia representa o sinal mais visível de doença hepatobiliar de várias causas. A icterícia é um sinal comum de disfunção hepatobiliar generalizada, quer aguda quer crônica. A doença ictérica hepatobiliar é rapidamente distinguida de disfunções isoladas do metabolismo da bilirrubina visto o aumento na concentração de bilirrubina plasmática ocorrer em associação a outros marcadores de doença hepatobiliar. As doenças hepáticas podem ser categorizadas como aquelas nas quais a primeira lesão resulta de inflamação e necrose hepatocelular, inibição do fluxo biliar (colestase) ou uma combinação das duas. As patologias colestáticas podem ser ainda subdivididas naquelas que resultam de obstrução mecânica do fluxo dos ductos biliares e nas que resultam de colestase intra-hepática, de uma multiplicidade de condições que incluem várias síndromes colestáticas familiares; doenças infiltrativas, particularmente aquelas que envolvem a árvore biliar intra-hepática; certas outras condições inflamatórias ou neoplásicas; e reações a fármacos. A icterícia está associada a diversos distúrbios hematológicos e hepatobiliares. Os níveis plasmáticos de bilirrubina refletem o equilíbrio dinâmico entre sua produção e excreção hepática. A hiperbilirrubinemia resulta do aumento de produção, bem como da diminuição na captação, na conjugação hepática e na excreção biliar ou da combinação desses fatores. O aumento da produção de bilirrubinas frequentemente está ligado a quadros de hemólise. Entretanto, concentrações persistentemente elevadas, acima de 5 mg/dℓ, em geral indicam insuficiência hepática. Os quadros agudos de hemólise resultam em maior produção de bilirrubinas, que excedem de forma transitória a capacidade de sua excreção, mesmo em fígado normal. Transfusões sanguíneas representam causa relevante e pouco valorizada de maior produção de bilirrubinas, bem como a reabsorção de grandes hematomas e distúrbios na eritropoese, por exemplo: anemia megaloblástica por deficiência de ácido fólico ou vitamina B12, anemia por deficiência de ferro, anemia sideroblástica, talassemia menor, policitemia vera, aplasia e intoxicação por chumbo. A hiperbilirrubinemia não conjugada (BNC) pode resultar de diversas causas fisiológicas e patológicas, dentre as quais: fisiológica e da amamentação, hemólise (imunológica e hemácias anormais), doenças metabólicas (Crigler-Najjar tipos I e II, síndrome de Gilbert, galactosemia e frutosemia), hipotireoidismo, sepse e hipoxia. A icterícia neonatal denominada fisiológica pode ser observada logo após o nascimento, com duração de 1 a 2 semanas e resolução espontânea, estando relacionada com as adaptações metabólicas e fisiológicas pós-nascimento. A icterícia relacionada com a amamentação pode resultar de desidratação, no caso de aleitamento insuficiente; retardo na formação da flora bacteriana intestinal, possibilitando a reabsorção ou circulação êntero-hepática das bilirrubinas não conjugadas; ou por metabólitos hormonais e enzimas com ação inibidora da conjugação das bilirrubinas. Entretanto, não há necessidade de interromper o aleitamento materno visto que elas evoluem naturalmente para os níveis normais. A icterícia presente em doenças hereditárias surge por defeito isolado no transporte ou conjugação hepática das bilirrubinas, ou pela combinação do aumento de produção associado à diminuição de excreção biliar. Nesses casos, a hiperbilirrubinemia ocorre isoladamente, sem nenhuma outra evidência clínica ou laboratorial de distúrbio hepático ou biliar. Distúrbios no metabolismo das bilirrubinas As alterações hereditárias caracterizam-se por distúrbios autossômicos recessivos isolados do metabolismo das bilirrubinas, sem insuficiência hepatocelular. Dividem-se em: • Hiperbilirrubinemia indireta ou não conjugada: nas síndromes de Gilbert e de Crigler-Najjar tipos I e II. • Hiperbilirrubinemia direta ou conjugada: nas síndromes de Dubin-Johnson e de Rotor. Síndrome de Gilbert Dentre as hiperbilirrubinemias hereditárias é a mais frequente, presente em cerca de 10% da população caucasiana mundial. Estudos demonstraram ter origem na mutação do gene da enzima uridina difosfato glicuronosiltransferase 1A1 (UGT1A1), causando a redução do processo de conjugação das bilirrubinas, tornando a icterícia evidente em situações intermitentes, como longos períodos de jejum. Pacientes com síndrome de Gilbert geralmente são diagnosticadosdurante ou após a adolescência, em decorrência de raros episódios de icterícia ou por simples achado laboratorial. Síndrome de Crigler-Najjar tipos I e II Distúrbios mais graves no metabolismo da bilirrubina apresentam-se nesta síndrome, também denominada icterícia congênita não hemolítica, causada pela deficiência hereditária da bilirrubina UGT. Na ausência de conjugação e excreção da bilirrubina, as crianças portadoras dessa doença exibem icterícia intensa e persistente desde os primeiros dias de vida. A síndrome de Criegler-Najjar tipo I é uma doença rara e, muitas vezes, associada à consanguinidade. Tem como característica a ausência da UGT, com níveis séricos de bilirrubina podendo atingir valores de 25 a 35 mg/dℓ e elevado risco de desenvolver kernicterus (do alemão, kern: núcleo + icterus: amarelo). Este efeito de neurotoxicidade por impregnação de bilirrubina não conjugada em certas regiões do cérebro está associado a diversos achados clínicos, como reflexo lento de Moro, opistótono, hipotonia, vômito, hipertermia e convulsões, com elevado índice de mortalidade. Na síndrome Criegler-Najjar tipo II, além dos níveis de bilirrubinas serem mais baixos, eles respondem com redução significativa após administração de fenobarbital, que age como fármaco indutor enzimático, aumentando a produção de UGT1. Síndrome de Dubin-Johnson Apresenta quadro de hiperbilirrubinemia de grau moderado não hemolítica, caracterizada por redução na secreção de bilirrubina para o canalículo biliar, assim como de outros ânions orgânicos como a bromossulfoftaleína. Tem como causa um defeito genético por ausência de expressão no gene da proteína associada à resistência a múltiplos fármacos 2 (MRP2, multidrug resistance protein 2). O fígado adquire coloração negra, por falhas na excreção dos metabólitos da epinefrina. A doença é pouco frequente, mas tem elevada prevalência (1:1.300) entre os judeus em Israel, associada à deficiência no fator VII e em certas regiões do Japão, onde é usual o casamento entre indivíduos consanguíneos. Síndrome de Rotor A base molecular da síndrome de Rotor ainda não foi estabelecida, sendo a de mais rara incidência mundial. Existem indícios de que a alteração nessa síndrome ocorra na captação hepática e/ou na ligação intracelular dos ânions orgânicos no fígado. Geralmente, a hiperbilirrubinemia conjugada atinge níveis de 2 a 5 mg/dℓ e sua detecção, na maioria dos casos, é acidental, visto que não se desenvolve nenhuma sintomatologia. Não apresenta indicações terapêuticas específicas e tem excelente prognóstico, com vida normal para o paciente. Doença hepática Hepatopatia aguda ou subaguda Os quadros de hepatite aguda ou subaguda mostram acometimento hepatocitário acentuado, com necrose difusa e em geral associado a infiltrado inflamatório celular, resultando no aparecimento da icterícia, pela grave agressão ao parênquima e destruição dos mecanismos de excreção biliar. Hepatite aguda viral costuma ter forma subclínica ou ligada a sintomas não específicos, desenvolvendo icterícia em cerca de 30 a 50% das ocorrências. O quadro clínico é bastante semelhante, independentemente do fator etiológico. Os sintomas mais frequentes são astenia, anorexia, náuseas, hipertermia, mialgia, artralgia e dor ou desconforto no hipocôndrio direito. Com a progressão do quadro ictérico, surge também o prurido, decorrente da deposição de sais biliares em tecido subcutâneo e da estimulação dos nervos periféricos. Frequentemente, pode-se palpar o fígado ao exame físico, que exibe aumento de volume e se mostra doloroso à palpação profunda. Os níveis de bilirrubinas não excedem 15 a 20 mg/dℓ e geralmente são precedidos de pico de elevação das aminotransferases, podendo expressar a gravidade da doença caso persistam muito elevados por várias semanas, indicando riscos de evolução para insuficiência hepática aguda. As hepatites agudas quase sempre estão associadas às infecções virais agudas, sendo os vírus hepatotrópicos mais comuns os das hepatites A, B, C, Delta e E. Hepatite A resulta de transmissão viral fecal-oral, com quadro clínico bastante dependente da idade do paciente e seguido de curso autolimitado. Pode ter início abrupto, com febre e icterícia de aparecimento precoce e exuberante. O diagnóstico sorológico se dá pela pesquisa do anticorpo anti-HAV (vírus da hepatite A, hepatitis A virus), a imunoglobulina M (IgM) no sangue. A imunização de determinadas populações e subgrupos de pacientes, como os portadores de hepatopatias crônicas, deve ser amplamente recomendada, evitando-se o alto risco de hepatite fulminante e óbito. O vírus da hepatite B (HBV, hepatitis B virus) tem sido classificado em oito genótipos, de A a H, com base nas variações da sequência genômica do vírus. Os genótipos do HBV são de distribuição geográfica diversa, com maior prevalência do tipo C na Ásia. Este genótipo apresenta evolução para doença hepática crônica mais grave, além de oferecer menor resposta aos esquemas terapêuticos. O período de incubação da infecção pelo HBV varia de poucas semanas a 6 meses. Os principais fatores de contágio são a transmissão parenteral, em usuários de drogas injetáveis, a exposição a produtos sanguíneos e a transmissão sexual. A infecção pelo vírus da hepatite delta (HDV, hepatitis delta virus) resulta em doença aguda ou crônica, sempre dependendo da presença do HBV. A hepatite aguda ocorre em coinfecção primária pelo HBV ou pode ser por superinfecção no portador crônico desse vírus. A característica que a distingue de outras infecções é sua gravidade clínica, decorrente do efeito citopático do vírus na lesão imunomediada pelo HBV. O quadro agudo apresenta um perfil bifásico de elevação das aminotransferases, sendo um inicial por lesão hepatocitária pelo HBV, seguida pelo pico causado pelo HDV. O seu diagnóstico sorológico é confirmado pela detecção sérica do anticorpo antidelta. É observada em áreas da Amazônia ocidental, em especial nas comunidades indígenas, com aparecimento de quadro ictérico e evolução grave. A hepatite E, à semelhança do HAV, tem sua transmissão por via fecal-oral, curto período de incubação, sem evolução para quadro crônico, geralmente relacionados com surtos epidêmicos. Sua evolução clínica envolve riscos apenas em determinados grupos populacionais, como mulheres grávidas, especialmente no terceiro trimestre. A lesão hepática por consumo de álcool é, sem dúvida, o fator etiológico, isolado ou combinado, mais frequente em todo o mundo. Pode haver quadro de icterícia por intoxicação aguda ou reagudização de dano hepático crônico. Os quadros de hepatotoxicidade por fármacos são bastante significativos, podendo apresentar mecanismos distintos: dose-dependente, por exemplo com o paracetamol e/ou idiossincrático, por exemplo com a isoniazida, anti-inflamatórios não esteroides e azatioprina. Distúrbios vasculares podem desencadear lesão hepática com o aparecimento deicterícia, como se observa em quadros graves de hipotensão, hipóxia e em doenças venoclusivas, como a trombose de veia hepática, também denominada síndrome de Budd-Chiari. A icterícia também é reconhecida como sinal de doença hepática avançada ou complicada, como acontece na doença de Wilson (erro congênito na excreção de cobre), promovendo excesso de sua deposição no hepatócito, além de acarretar anemia hemolítica, com teste de Coombs negativo. Outras doenças por acometimento mitocondrial também podem apresentar icterícia como sinal de gravidade da lesão hepática, como a síndrome de Reye, doença de quadro agudo e grave, geralmente afetando crianças com quadro de infecção viral. A esteatose aguda da gravidez é uma doença de evolução grave, também com lesão mitocondrial e esteatose microvesicular, semelhantemente ao mecanismo da síndrome de Reye. Ocorre no terceiro trimestre com o aparecimento de letargia e astenia, acompanhadas de náuseas e vômitos seguidos de icterícia, em geral de grau leve. O tratamento primário dessa doença é a indicação mais breve do parto, com biopsia hepática e diagnóstico histopatológico sendo realizados com segurança depois da gestação. A pré-eclâmpsia caracteriza-se por hipertensão, proteinúria e irritabilidade do sistema nervoso central. Cerca de 10% das mulheres com pré-eclâmpsia apresentam comprometimento hepático, sendo a manifestação mais comum a síndrome HELLP (hemolysis, elevated liver enzymes and low platelet), caracterizada pela tríade de achados laboratoriais: hemólise, elevação das aminotransferases e plaquetopenia. A indicação do parto o mais cedo possível deve ser avaliada entre os riscos de prematuridade fetal e grau de gravidade da síndrome. A hepatite autoimune é estudada há mais de 50 anos. É frequente o acometimento de mulheres jovens, com três formas de apresentação: aguda, crônica e assintomática. A doença hepática apresenta-se com letargia, artralgia, oligomenorreia e icterícia flutuante. Tem-se o diagnóstico sorológico com a presença isolada ou combinada dos seguintes autoanticorpos: anticorpo antinúcleo, anticorpo antimúsculo liso, anticorpo LKM-1, anticorpo anticitoplasma de neutrófilos de padrão perinuclear (p-ANCA, perinuclear antineutrophil cytoplasmic antibody). A terapia com fármacos imunossupressivos, como prednisolona e azatioprina, melhora os sintomas clínicos e reduz a progressão da lesão hepatocitária, com melhor prognóstico da doença. Hepatopatia crônica O diagnóstico de hepatite crônica é estabelecido pela persistência de processo necroinflamatório por, pelo menos, 6 meses. As doenças hepáticas crônicas exibem diferentes características em relação a sua etiologia, história natural, resposta terapêutica e prognóstico. A icterícia é um bom indicador de insuficiência hepática, seja por lesão e disfunção hepatocitária, ou comprometimento da excreção biliar. Diferentemente dos quadros agudos, apenas HBV, HCV (vírus da hepatite C, do inglês, hepatitis C virus) e HDV estão implicados em progressão crônica da infecção. HBV e HCV, além da alta prevalência mundial, têm elevados índices de morbidade e mortalidade, sendo a hepatite a principal hepatopatia de indicação ao transplante hepático. Na infecção pelo HBV podem ocorrer surtos de reagudização, denominados flares, com elevação transitória das aminotransferases e das bilirrubinas, além de quadro ictérico por exacerbação do dano hepático. Nessas circunstâncias, os marcadores de replicação do HBV, do ácido desoxirribonucleico (DNA, deoxyribonucleic acid) viral e a alanina aminotransferase (ALT) podem auxiliar na diferenciação entre o quadro por infecção aguda e o quadro por infecção crônica reagudizado, bem como entre pacientes que desenvolvem a mutação YMDD por tratamento com lamivudina. O álcool continua sendo a principal hepatotoxina e a mais frequente causa mundial de hepatopatia crônica. A hepatotoxicidade por exposição prolongada a fármacos é menos frequente que os quadros agudos. Doenças hepáticas com depósito crônico de metais são desencadeadas pela deposição de cobre, na doença de Wilson e de ferro, na hemocromatose. Em portadores da doença de Wilson a icterícia pode decorrer de anemia hemolítica, com teste de Coombs negativo. Entretanto, na hemocromatose, geralmente os quadros ictéricos surgem apenas na fase mais avançada da doença. Colestase intra-hepática Em determinadas circunstâncias, a icterícia reflete a presença de colestase, que pode ser definida como falha na excreção ou no fluxo biliar, resultado de doença hepática parenquimatosa ou obstrução do trato biliar. A doença é diagnosticada por elevação dos níveis séricos de fosfatase alcalina e acúmulo, na corrente sanguínea, de substâncias normalmente excretadas na bile, como bilirrubinas, ácidos biliares e colesterol. Na colestase intra-hepática, os hepatócitos apresentam retardo na excreção da bile. Isso ocorre em hepatites virais agudas e crônicas de qualquer etiologia, hepatite alcoólica, lesão hepática por fármacos e/ou toxinas, cirrose biliar primária, insuficiência cardíaca congestiva, sepse, gravidez, doenças hepáticas infiltrativas e metabólicas. As doenças granulomatosas do fígado podem ser causadas por diversas outras, de origem infecciosa ou não infecciosa. Tuberculose é a causa mais frequente de doença granulomatosa no fígado, podendo provocar icterícia também pelo acometimento de outros locais, como pâncreas e vias biliares extra-hepáticas. No Brasil, a esquistossomose ainda apresenta elevados índices de prevalência em determinadas regiões. São três os tipos de parasitas: Schistosoma mansoni, S. japonicum e S. haematobium. Apesar de ser uma doença intestinal, os ovos dos parasitas podem alcançar o fígado através da veia mesentérica superior, depositando-se nos espaços porta. A progressão e a gravidade da lesão hepática crônica se relacionam com a quantidade e duração de produção e excreção dos ovos dos parasitas, que desencadeiam a formação de granulomas, os quais exercem efeito compressivo sobre o sistema vascular, causando quadro de hipertensão portal e efeito compressivo sobre os canalículos biliares, com aparecimento de obstrução biliar e icterícia. A malária é importante etiologia a ser investigada em casos de febre e icterícia na Amazônia. Entretanto, tuberculose e sarcoidose são as causas de doenças granulomatosas que mais produzem quadro de icterícia. Mais raramente, têm-se relatado casos de icterícia em pacientes evoluindo com quadro de dengue hemorrágica. A icterícia também aparece em processos inflamatórios dos ductos intra-hepáticos e tratos porta, como a cirrose biliar primária. Esta se caracteriza por inflamação crônica não supurativa dos canalículos biliares intra-hepáticos, desencadeando ductopenia, colestase progressiva, hepatite de interface, fibrose septal e, finalmente, cirrose biliar. Portanto, o surgimento da icterícia geralmente se relaciona com o estágio mais avançado da doença. Cerca de 25 a 75% dos pacientes submetidos à cirurgia desenvolvem alterações de enzimashepáticas. É mais habitual o aparecimento de icterícia em portadores de doenças hepáticas, estimando-se que 47% dos cirróticos operados desenvolvam icterícia no pós-operatório. Os casos de colestase que surgem após o transplante hepático podem estar associados a processos de rejeição aguda ou crônica, com aumento da produção de citocinas depois da fase de isquemia e reperfusão, ou agressão autoimune persistente, lesando os ductos biliares e desencadeando a icterícia. A hepatotoxicidade induzida por fármacos se baseia em três etapas consecutivas, inicialmente o insulto celular que promove alteração de permeabilidade mitocondrial e por sua vez desencadeia a morte celular. Clinicamente, a lesão hepática induzida por fármacos pode apresentar manifestações clínicas diversas, agudas e crônicas, incluindo hepatite, colestase, esteatose e fibrose. Certos fármacos podem produzir inflamação porta, promovendo colestase, que em geral regride meses depois da sua interrupção. O halotano tem sido classicamente associado à lesão hepática grave. São fatores de risco para desenvolver hepatite por halotano: idade acima de 30 anos, sexo feminino, obesidade, fatores genéticos, múltiplas exposições, principalmente em intervalos curtos (menos de 3 meses). Porém, podem surgir quadros de febre e icterícia apenas 2 semanas após uma única exposição ao halotano. Foram descritos casos de hepatotoxicidade com outros anestésicos halogenados voláteis, como enflurano e, mais raramente, o isoflurano. O amplo espectro e uso de fármacos pode associar-se a taxas elevadas de morbidade e mortalidade. Mecanismos fisiopatogênicos evidenciam alteração na homeostase de ácidos biliares, por ação direta, como inibição de seu transportador, ou por ação indireta, com ativação de receptores nucleares ou modificação da função/expressão do transportador de ácidos biliares. Também tem sido destacada a lesão hepática presumivelmente induzida por antagonistas do fator de necrose tumoral alfa (TNF, tumor necrosis factor alpha), tendo o fenótipo autoimune presente nos casos associados à lesão hepatocelular marcante. A colestase intra-hepática benigna recorrente é caracterizada por repetidos episódios de prurido intenso e icterícia, que podem persistir de semanas a meses, com resolução espontânea do quadro. Apesar dos repetidos surtos e relativa morbidade, não são observadas progressões da lesão hepática, nem evolução para cirrose. Recentemente foram identificadas, nesses casos e em outras formas de colestase intra-hepática familiar, mutações genéticas, o que proporcionará, no futuro, uma nova abordagem terapêutica para essas doenças hereditárias. Colestase intra-hepática da gravidez ocorre nos segundo e terceiro trimestres da gestação, com resolução espontânea após o parto. Pode haver riscos para o feto durante o quadro de doença, que eleva os riscos de prematuridade ou de natimorto. Para a mãe, o principal sintoma é o prurido, causador de grande desconforto. O aparecimento da icterícia ocorre em cerca de 12% dos casos; quando observada com maior frequência, pode estar associada a quadros concomitantes de infecção urinária. Pode-se encontrar icterícia sem prurido, porém mais raramente. A associação de hiperbilirrubinemia com infecção bacteriana extra-hepática tem sido observada há anos. Obtiveram-se consideráveis avanços no entendimento dos mecanismos fisiopatológicos, elucidando uma complexa e coordenada redução na expressão e função dos transportadores de membrana implicados na formação da bile. A endotoxinemia e a consequente liberação de citocinas em infecções são os principais fatores de colestase por sepse. O mesmo quadro pode estar presente por agressões tóxicas, com ausência de infecções, como em hepatites alcoólicas. A endotoxina também deve estar relacionada com a patogênese da icterícia vinculada à nutrição parenteral total. Portanto, a colestase ligada a quadro de sepse sempre deve ser considerada como diagnóstico diferencial da icterícia em pacientes muito doentes ou hospitalizados. A elevação das bilirrubinas séricas para valores desproporcionais em relação aos da fosfatase alcalina e das aminotransferases séricas devem ser entendidas como sinal precoce de infecção, mesmo não havendo hipertermia, leucocitose ou outro sinal ou sintoma. O diagnóstico precoce e intervenções clínicas ou cirúrgicas adequadas possibilitam reduzir morbidade e mortalidade em tais casos. O quadro de icterícia nos pacientes portadores da síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS, acquired immunodeficiency syndrome) pode estar associado a diversas causas, por exemplo decorrente de infecções oportunistas e mais frequentemente à hepatoxicidade por fármacos. A icterícia em pacientes pós-trauma pode refletir quadro de gravidade, em geral causado pelo aumento das bilirrubinas decorrente de múltiplas transfusões e/ou extravasamento sanguíneo, agravado por disfunção hepática em sepses, infecções e hipotensão por hipovolemia. Obstrução de ductos biliares Colecistite aguda acalculosa A doença inflamatória aguda da vesícula biliar sem cálculos é bem menos frequente que a colecistite litiásica. Diversos mecanismos são implicados nesse quadro, desde infecções entéricas, como febre tifoide, shigelose, por Escherichia coli, gastrenterites virais, até obstruções mecânicas por infestações parasitárias causadas por Ascaris lumbricoides. Na maioria dos casos, a bile apresenta-se estéril, embora as alterações histopatológicas sejam sugestivas de processo inflamatório agudo. Recomenda-se cultura da bile e da vesícula biliar. Clinicamente, a dor pode ser mais intensa em epigástrio ou região periumbilical, especialmente no início da sintomatologia. Palpação do abdome revela sensibilidade dolorosa, com desconforto à percussão no hipocôndrio direito. Náuseas e vômitos podem estar presentes em 75% dos casos, com icterícia em cerca de 20%. Estes achados clínicos podem também refletir outras doenças importantes para o diagnóstico diferencial, como apendicite aguda, pancreatite, obstrução e/ou perfuração intestinal. Achados laboratoriais são pouco específicos, podem evidenciar leucocitose com predomínio de células polimorfonucleares e elevação dos níveis séricos de bilirrubinas e amilase. A ultrassonografia abdominal é o exame de maior valor diagnóstico para a maioria das ocorrências. Coledocolitíase Existem três tipos principais de cálculos: colesterol, pigmento preto e pigmento marrom. A incidência de cálculos biliares é bastante diversa no mundo, refletindo diferentes influências étnicas, alimentares e ambientais, bem como fatores genéticos que estão relacionados com fisiopatogênese de cálculos de colesterol. Estes têm maior prevalência que os de pigmento. Os mecanismos de formação dos cálculos biliares de colesterol são: um distúrbio na concentração de sais biliares em relação aos de colesterol e fosfolipídios, como a lecitina; pela capacidade da bile em promover ou inibir o processo de nucleação dos cristais monoidratos de colesterol e/ou pelas mudançascinéticas vesiculares decorrentes de distúrbios do tônus e contratilidade da parede da vesícula biliar ou da resistência do ducto cístico. Os cálculos de pigmento preto são constituídos de polímeros de bilirrubina associados a fosfato e carbonato de cálcio, têm consistência firme e 60% podem ser radiopacos. Estão associados a anemias hemolíticas, como esferocitose hereditária ou anemia falciforme, com maior prevalência em todas as formas de cirrose hepática, particularmente na alcoólica. Os cálculos de pigmento marrom são formados por bilirrubinato de cálcio e de colesterol, têm consistência mais friável, não são radiopacos e raramente se localizam na vesícula biliar. Formam-se nos ductos biliares devido à estase biliar crônica, frequentemente associados a quadros infecciosos. Sua formação está relacionada com desconjugação da bilirrubina diglicuronida por ação da betaglicuronidase bacteriana, desencadeando sua precipitação. Também se formam em ductos biliares acima de estenoses, como na colangite esclerosante e nos segmentos dilatados, na doença de Caroli. Mais raramente, pode ocorrer na ausência de doença biliar, por exemplo, na compressão extrínseca por divertículo duodenal justapapilar. A concentração de ácidos biliares pode ser alterada por modificações na circulação êntero-hepática, como em doenças ou ressecções ileais, fibrose cística ou insuficiência pancreática; pela redução na síntese hepática de ácidos biliares ou lecitina, resultando, em ambas as situações, em aumento de saturação de colesterol na bile. Embora menos comum, a discinesia da vesícula biliar pode acarretar modificação da circulação êntero-hepática, favorecendo a formação de cristais de colesterol. Bile litogênica é requisito para a gênese dos cálculos biliares, porém, como fator isolado, não explica sua patogênese. Nos países ocidentais, na maioria dos pacientes com cálculos de colesterol, observa-se aumento da concentração de colesterol em relação aos ácidos biliares; estes, que por sua vez, apresentam como defeito primário a redução em sua secreção hepática, desencadeando uma circulação êntero-hepática de ácidos biliares mais frequente, promovendo, por fim, a supressão de sua síntese. Lama biliar corresponde ao conteúdo viscoso de precipitados de cristais monoidratos de colesterol, grânulos de bilirrubinato de cálcio e outros sais de cálcio. Em geral, desaparece espontaneamente em 70% dos pacientes e apenas 20% desenvolvem complicações como formação de cálculos ou colecistite aguda. Cólicas intermitentes, leves a intensas, em hipocôndrio direito e epigástrio, ocorrem em mais de 95% dos pacientes com quadro obstrutivo por litíase biliar. É importante investigar histórico de náuseas, vômitos e/ou intolerância a alimentos gordurosos. Icterícia leve a moderada e com sensibilidade dolorosa de abdome são achados do exame físico. Uso de ácido acetilsalicílico e de outros anti-inflamatórios não esteroides pode inibir a formação de cálculos, por diminuição na biossíntese de muco pela mucosa da vesícula biliar. O ácido ursodesoxicólico e a redução na saturação de colesterol podem prevenir a recorrência de cálculos biliares. A ultrassonografia abdominal consegue detectar 90 a 95% dos casos de litíase biliar, sendo técnica diagnóstica de fácil acesso e escolha nesses casos. A remoção dos cálculos pode ser feita pela colangiografia endoscópica retrógrada associada à papilotomia. Para litíase intra-hepática, deve-se utilizar técnicas de litotripsia, punção percutânea ou cirurgia. As doenças de ductos biliares, inflamatórias ou neoplásicas, e obstruções por compressão extrínseca das vias biliares frequentemente se acompanham de icterícia. O aparecimento de icterícia progressiva sem quadro doloroso associado é o sinal clássico da neoplasia de cabeça de pâncreas. É mais rara a ocorrência por compressão biliar extrínseca causada por edema ou formação de pseudocisto da pancreatite. A icterícia pode resultar de uma ampla variedade de doenças, desde quadros avançados de insuficiência hepática até falhas inócuas no transporte hepático da bilirrubina. O diagnóstico diferencial das icterícias é, portanto, um dos mais interessantes desafios clínicos. A bilirrubina pode ser filtrada pelos rins apenas em sua forma conjugada, ou seja, a hiperbilirrubinemia direta está associada à bilirrubinúria. O aumento de sua produção e excreção promove níveis elevados de urobilinogênio. Hiperbilirrubinemia predominantemente não -conjugada (indireta). A i cteríci a p ré –hepátic a res ul ta d a presença exce ssi va d e bi li rrubi na nã o - conj uga da no sang ue ci rcula nte , pro voca ndo maior ofer ta ao hepa tó ci to q ue não conse g ue ca ptá - la em veloci da de compat ível co m sua p rod ução, ocasi onando i cte r ícia . A b i li rr ub i na não -co nj uga da não é hi d rossol úve l e está li ga da à albumina não co nsegui ndo ult rapassar a ba rreira renal e, porta nto, não é excretada na urina . E ntreta nto , d i ssol ve -se rapi d amente em ambi entes ri cos em li pídi os e atra vessa a ba rreira hemato -e nce fá li ca . Q ua ndo em nívei s ele vado s te nde a depo si ta r no tecid o ner voso le va nd o a o risco de lesão ne urológi ca pro voca nd o a s índrome d e kernicterus (do a le mão: a marelo nuclea r). A b i li rr ub i na co nj uga da não se ndo li possol ú vel, não ca usa ker ni cte rus. Icter ícia fi si o l ógi ca do recém -nasci do. Como exi ste pouca ou ne nhuma ati vi da de d a UD P G T no f íg ado do fe to , há uma hab i li da de m ui to l i mitada pa ra a co nj ug ação da b i li rr ub i na. Por i sso, a bi lirr ub i na i sola da é tra ns feri da atra vésda place nta à ci rc ulaçã o mate r na, o nd e é p rocessad a pe lo f ígado da mãe. Em cri anças nasci d as a ter mo as conce ntrações de b i li rr ub i na no soro estão ao redor de 4 -6 mg/dL d ura nte as p rimei ras 4 8 h de vi da extra - uteri na, vol ta ndo, es ponta neame nte , a o normal em 7 -10 di a s. A i nci dê nci a da hi pe rbi li rr ubi nemi a é mui to mai or ent re prema t uros e neo natos de ba i xo pe so corporal. C ria nças nasci d as premat urame nte ati ng em uma co ncen tração méd i a de b i li rrubi na no soro entre 10 -12 mg/dL , entre 5 e 6 d ias de vi d a. A s causas da hi pe rbi li rr ubi nemi a neo nata l sã o: (a) produçã o e xcessi va d e b i li rrubi na, (b) tra nsporte i ns ufici en te de bi lir r ubi na, (c) fo rmaçã o defici en te de bi lir rubi na , (d) acoplame nto i nap ropria do d e bi li rr ubi na , (e) ci rc ulação êntero - hep áti ca. ( f) eritrop oi ese não -efe ti va (e x.: ane mia pe rni ci o sa). A hi perbi li rrub i nemi a é comume nte e nc o ntrad a e m neo na tos podendo ser co nsi derada na mai oria dos casos, fi si ológi ca . C o nt udo , a bi li rr ubi na p ode se r tó xica ao si stema ne r vo so cent ral, merece ndo cui dado s, po i s e xi ste possi b i li dad e de sua ori gem ser patológi ca. Icter ícia hem olíti ca (destrui ção e xcessi va de he máci as ci rculantes). P ode ser devi d a à exp osi ção a produtos quími co s, reações hemol íti cas ant íge no - antico rpo, e nfermi dade s como o câ ncer e drogas . Em ad ul tos o teor d e bi li rrub i na não -co nj uga da d i fi ci lmente ultrapassa 5mg/dL . Em neo natos, o exce sso de he mó li se é p ro voca do p ri nci pa lme nte p o r e xcesso de hemó li se (como a doe nça he molíti ca ca usad a po r si ste ma AB O o u R h i nco mpat íve l, esferoci to se he redi tária , de fi ci ê nci a de glicose 6 -fos fato desi d rogenase e out ras enzi mopati as e ri trocitári a s) e que p odem ati ng i r co nce ntra ções a ci ma d e 20 mg/dL de bilir r ubi na não -co nj uga da. H iperbilirrub in emia p redo mina ntemente co njug ad a (direta) . Indi ca um comprome timento na ca ptação, no arma ze name nto o u na e xcreção da bi lirrubi na . A ssi m, ta nto a bi li rr ubi na con j ugada co mo a não -conj uga da são retida s, aparece ndo em varia das conce ntrações no so ro. C ol estase in trahep áti ca. Qua ndo qua lq uer porção da ár vo re bi liar está blo que ada o u a norma lme nte pe r meáve l, à passa gem d a bi li rrubi na e d e todos os o utro s compo ne ntes da b i le é reduzi da; assi m, estas s ubstâ nci as são retida s. D e ste modo, as co nce nt raçõe s plasmá ti cas d a bi li rrubi na co nj ugad a, cole ste ro l, g -glu ta mi l- tra nsfe rase (g-G T) , fosfa tase alcali na (FA ) e áci dos bi li a res estão aumentadas. Alé m d i sso, a ob st r ução da ár vor e bi li a r tamb ém promo ve um a ume nto na s ínte se da s enzi mas g -GT e FA eleva ndo seus teore s no sa ng ue . C ole sta se i nduzi da por drogas e hormôni os e ste roi des e, ocasionalme nte , a hep ati te a lco óli ca e hepatite vi ral ag uda sã o ca usa s d e co l estase in tra-hepática . Nestes caso s , o s ca na l íc ulo s bi li ares e d uc tos de p eq ue no cali bre sã o afetados, enq ua n to os canai s de mai or di âmetro perma nece m no rmai s. N íveis persistente men te a ltos de bi lir r ubi nemi a i ndi ca m evo l ução d esfa vorá ve l. A evi dê nci a d e le são e disf unção hepa to bi li a r é ge ra lme nte proemi ne nte e inc l ui ele vação das tra nsami nases, te mpo de protrombi na prolo ng ado e hi po alb umine mia . As ca usas mais com uns são: D oença hepa to cel ular agud a ( hep ati te vi ral) , ci rrose bi li a r primária (princi pa lm ne te em m ul heres com 40 -60 a nos e a ssoci ada com estea to rréia , xa ntoma tose e hi perte nsão porta l) e cola ng i te esclerosa nte (d esordem rara caracteri zada por i nf la mação do trato bi liar q ue le va à fi brose). Não associ ad a com lesão hepá ti ca : co lestase pós -o pera tóri a, nutri ção parente ral , gra vi d ez, es teróid es e infecções si stêmica s. Obstrução bi l i a r extra hepá ti ca , comp leta o u parci al dos duc to s bi li ares, pro d uz conce ntraçõ es séri cas a ume nta das de bi li rr ubi na co nj ug ada e s ão obse rvad as no carci no ma da cabeça de pâ ncreas, t umore s dos d uctos b i li a res o u ampola de Va te r; coled ocoli t íase ; fi brose de cabeça de pâncreas, coág ulos sang ü íneo s, a noma li a s congê ni tas, pa ncrea ti tes crô ni ca s e processos i nfla matóri o s na vi zi nha nça, rete nção d e cálc ulos bi liares e este nose d o ducto comum sec undári o à lesão d uctal após ci r urgi a. C ol estase i nd uzi da por dro gas, pode ser indu zi da pe los fenotia zíni cos, antico ncep ci ona i s orais e a meti ltestostero na. A eo si nofilia p ode a compan har este ti po d e icter ícia. Desde a antiguidade, a coloração amarela de pele, mucosas e escleróticas é reconhecida como manifestação de doença hepática. A icterícia é condição clínica inicial e, não raro, a única manifestação da doença. Entretanto, devido à vasta diversidade de causas, o histórico clínico e o exame físico detalhado de um paciente ictérico podem oferecer informações essenciais para a definição etiológica da doença, assim como orientar sobre a melhor seleção de exames diagnósticos. As enzimas e provas de função hepática são importantes indicadores do diagnóstico laboratorial da doença hepática, distinguindo-se os diferentes mecanismos de lesão de origem hepatocelular, obstrutiva, isquêmica ou infiltrativa. Pode-se suspeitar da causa da icterícia ou diagnosticá-la com base em cuidadosos histórico clínico e exame físico, em conjunto com exames laboratoriais de rotina. Prurido deve alertar para colestase. Quadro ictérico no recém-nascido pode apresentar caráter transitório, como na icterícia funcional por prematuridade no sistema de conjugação das bilirrubinas, ou forma progressiva, como nos casos de atresia das vias biliares. Com o intuito de avaliar o risco de hiperbilirrubinemia grave em recém-nascidos de forma não invasiva, foi desenvolvido um método de leitura transcutânea da bilirrubina, denominado BiliCheck. Vários estudos comprovam a acurácia e a reprodutibilidade de seus resultados, em populações de diferentes raças e etnias, sem interferência relacionada com as diferentes fases gestacionais, peso ao nascimento ou exposição à fototerapia. A colúria, urina de coloração escura ou mais amarelada, sugere níveis séricos elevados de bilirrubina conjugada ou direta, elemento essencial para o diagnóstico de colestase, síndrome de Rotor ou de Dubin-Johnson. A presença de fezes claras ou embranquecidas, denominada acolia, implica colestase grave. Embora inicialmente se acreditasse que a acolia fosse resultado da redução de bilirrubina fecal e excreção de urobilinogênio, sabe-se hoje que pacientes com síndrome de Crigler-Najjar tipo I excretam quantidades mínimas de bilirrubina na bile, entretanto apresentam fezes de coloração normal. A incidência de atresia biliar nos casos de icterícia neonatal promoveu a criação de testes de escala colorimétrica das fezes dos recém-nascidos, facilitando a identificação precoce de acolia fecal, diagnóstico clínico essencial ao prognóstico dessa patologia. A sensibilidade dos testes com cartões de escala colorimétrica das fezes, quando utilizados nos primeiros 60 dias após o nascimento, tem demonstrado acentuada melhora de 72,5 para 97,1%, em 2005. Sua utilização universal possibilita o diagnóstico e a referência para realização da cirurgia de Kasai mais precocemente, possibilitando melhor prognóstico nos casos de atresia biliar. Na maioria dos casos, os valores de bilirrubinas são suficientes para auxílio diagnóstico das icterícias, especialmente quando analisados em conjunto com fosfatase alcalina e aminotransferases séricas. Em pacientes portadores de doença hepática ou biliar, geralmente são observados outros sinais e sintomas clínicos, além de exames laboratoriais que elucidam o diagnóstico etiológico: sorologias virais (hepatites A, B e C), níveis séricos de ferro, ferritina e saturação do ferro (hemocromatose), cobre e ceruloplasmina (doença de Wilson), autoanticorpos (hepatite autoimune) e alfa-1-antitripsina (deficiência da alfa-1-antitripsina). Em contraste, estão os casos de hemólise ou distúrbios isolados do metabolismo das bilirrubinas, nos quais a hiperbilirrubinemia é o único achado laboratorial. Em hepatites agudas, o quadro clínico das formas ictéricas pode ser dividido em três etapas: uma fase prodrômica, anictérica, seguida por estágio de icterícia colúrica e, por fim, a fase de convalescença. As hepatites agudas costumam estar relacionadas com hepatites virais. O período de incubação, nesses casos, antecede a fase prodrômica e varia conforme o vírus responsável pela infecção. Por sua vez, o período prodrômico apresenta sintomas inespecíficos, como febre, astenia, dores musculares, cefaleia, náuseas e vômitos. Artralgia e rash cutâneo sugerem processo de hepatite autoimune. Nas hepatopatias crônicas, o aparecimentode icterícia frequentemente está ligado ao estágio mais avançado da doença, assim como situações de descompensação da insuficiência hepática crônica. É comum o diagnóstico de outras complicações, como veias abdominais proeminentes, aranhas vasculares, ginecomastia, flapping e encefalopatia hepática. Alguns sinais clínicos são patognomônicos de determinadas doenças: anéis de Keyser-Fleischer e xantelasmas, respectivamente, em doença de Wilson e cirrose biliar primária. Muitas vezes ocorrem comorbidades, como nas múltiplas doenças de mecanismo autoimune, com acometimento hepático e de outros órgãos. Além do detalhado diagnóstico bioquímico e marcadores sorológicos, deve-se estar sempre atento à exposição a hepatotoxinas, como uso de medicamentos, ervas medicinais, drogas ilícitas e/ou abuso de bebidas alcoólicas, além de pesquisar doenças hereditárias e dados epidemiológicos do paciente. O contato com áreas endêmicas de certas doenças pode esclarecer situações especiais de comorbidades. Exemplo é o relato de pacientes com doença de Wilson diagnosticados em Minas Gerais, dos quais 56% se mostravam simultaneamente portadores de esquistossomose mansônica, o que podia acarretar equívocos diagnósticos e condutas terapêuticas inadequadas. Vale ressaltar que a coloração amarelada da pele pode ocorrer com níveis elevados de caroteno, o que não implica pigmentação da esclerótica. Distúrbios nos mecanismos de excreção biliar quase sempre estão associados a prurido, devido ao aumento da deposição de sais biliares na pele e às demais causas de hiperbilirrubinemia conjugada. Nas síndromes de Dubin-Johnson e de Rotor e na colestase familiar benigna apenas há interrupção da excreção da bilirrubina. Crianças com quadro de icterícia neonatal podem apresentar maior risco de desenvolverem sintomas e complicações de rinite alérgica, conforme descrito em estudo retrospectivo realizado em mais de onze mil crianças de Taiwan. A dor abdominal é uma chave diagnóstica valiosa para a suspeita de doença biliar ou pancreatite. Febre súbita acompanhada de icterícia e dor em hipocôndrio direito são indicativas de colangite, conhecidas como tríade de Charcot. Sangue oculto nas fezes pode sugerir o diagnóstico de doença neoplásica periampular ou hemobilia. Na obstrução aguda total, as aminotransferases podem se elevar rapidamente, porém retornam para níveis próximos aos normais após 1 a 3 dias, mesmo na persistência do quadro obstrutivo. Em obstrução biliar extra-hepática, geralmente se encontram os seguintes achados laboratoriais: elevação desproporcional de bilirrubinas e fosfatase alcalina, elevação da amilase sérica, valores normais de tempo e atividade de protrombina após administração de vitamina K e marcadores sorológicos negativos para hepatite viral e demais hepatopatias crônicas. O tempo de protrombina pode se prolongar e a albumina sérica diminuir no quadro obstrutivo crônico e na cirrose biliar secundária. *Colelitíase: Doença calculosa biliar. *Colecistite: Processo inflamatório da vesícula. *Coledocolitíase: Migração de cálculo para o colédoco (cálculo das vias biliares). *Colangite: Infecção bacteriana do trato biliar + Obstrução biliar parcial ou completa. Epidemiologia A litíase biliar é uma das doenças digestivas mais comuns e mais dispendiosas, com um custo anual estimado de 15 bilhões de dólares nos Estados Unidos. A doença litiásica diagnosticada de novo ocorre em mais de um milhão de pessoas anualmente nos Estados Unidos, e mais de 750.000 colecistectomias são realizadas por ano. A prevalência dos cálculos biliares é de cerca de 10% a 15% em adultos, americanos e europeus, sendo o gênero feminino afetado cerca de duas vezes mais do que o masculino. Os cálculos biliares de colesterol são pouco comuns em indivíduos com menos de 20 anos, mas um aumento acentuado é notado a cada década, até aproximadamente os 70 anos, em particular nas mulheres. Cerca de 20% das mulheres e 10% dos homens têm cálculos biliares por volta dos 60 anos de idade. Em conjunto, cerca de 12% dos americanos ou 36 milhões de homens e mulheres têm cálculos biliares. Os fatores ambientais e predisposição genética têm, provavelmente, um papel na formação dos cálculos biliares. A gravidez pode contribuir para o predomínio dos cálculos biliares em mulheres jovens e está associada à alteração do esvaziamento vesicular induzida pela progesterona e ao aumento da saturação da bile com colesterol, mediada pelos estrogênios. A prevalência dos cálculos biliares em mulheres nulíparas é aproximadamente um décimo da observada em mulheres multíparas (1,3% versus 13%). A administração exógena de estrogênios na forma de terapia hormonal de substituição e contraceptivos orais está também associada à formação de cálculos. Outras medicações, incluindo análogos de somatostatina, ceftriaxona e clofibrato, foram associadas ao aumento da incidência de cálculos biliares. A obesidade é um fator de risco importante para o desenvolvimento de cálculos biliares. Indivíduos obesos têm um aumento na secreção do colesterol biliar em relação à secreção de ácidos biliares e lecitina, resultando assim em supersaturação da bile. No entanto, a perda ponderal rápida está também associada ao aumento do risco dos cálculos biliares. A diminuição da absorção ileal de ácidos biliares, devido à ressecção cirúrgica, bypass ou a inflamação ativa (p. ex., doença de Crohn), pode também levar a um aumento da probabilidade de formação de cálculos biliares. Fisiopatologia Formação de Cálculos Biliares Os cálculos biliares representam uma falha em manter certos solutos biliares, primariamente o colesterol e os sais de cálcio, em um estado solubilizado. Os cálculos biliares são classificados pelo seu conteúdo de colesterol em cálculos de colesterol ou de pigmento. Os cálculos de pigmento são, ainda, classificados em pretos ou marrons. A maior parte dos cálculos de colesterol contém sais de cálcio no seu núcleo e os cálculos de colesterol puros são pouco comuns (10%). Na bile normal, o colesterol é solúvel na forma de micelas mistas com concentração ótima de sais biliares e fosfolipídios. Com concentrações desproporcionais, a bile torna-se supersaturada, e o excesso de colesterol precipita como cristais mono-hidratados. Esses cristais tornam-se incorporados no gel de mucina da vesícula biliar com o bilirrubinato para formar lama biliar, que pode eventualmente agregar-se em cálculos biliares. Os cálculos biliares de pigmento preto constituem uma pequena proporção dos cálculos biliares. Esses cálculos consistem em bilirrubinato de cálcio polimerizado precipitado como resultado da excesso da solubilidade do cálcio e da bilirrubina não conjugada. Além do aumento da idade, a formação de cálculos de pigmento preto é mais comum em indivíduos que criam uma quantidade excessiva de bilirrubina não conjugada (p. ex., hemólise crônica nas hemoglobinopatias, cirrose, eritropoiese ineficaz), que estão se alimentando por nutrição parenteral total ou que têm doenças ileais. Os cálculosde pigmento preto são usualmente muito antigos, normalmente não estão associados a bile infectada e estão localizados quase exclusivamente na vesícula biliar. Por outro lado, os cálculos de pigmento marrom são de textura irregular e são primariamente formados no ducto biliar como resultado de infecção bacteriana que libera β-glicuronidase para hidrolisar o ácido glicurônico da bilirrubina. A hidrólise de fosfolipídios também aumenta, levando assim à precipitação de cálcio, bilirrubina e ácidos graxos livres, resultando na formação de cálculos biliares de pigmento marrom. Os cálculos de pigmento marrom, que são responsáveis por 30% a 90% dos cálculos biliares em populações asiáticas, podem também ocorrer ao longo de toda a árvore biliar e estão muitas vezes associados a colângio-hepatite piogênica. A contratilidade da vesícula biliar está alterada em alguns pacientes com cálculos biliares. Embora a disfunção da vesícula biliar possa ser a consequência de doença litiásica biliar ou de uma infiltração excessiva de colesterol no músculo liso vesicular, a evidência sugere que a estase vesicular por si só pode levar à formação de cálculos biliares. Uma vesícula biliar normal ejeta 10% a 20% do seu conteúdo para o interior do duodeno, em resposta a estimulação nervosa entérica. A presença de lipídios intestinais pós-prandiais também aumenta a contratilidade vesicular, que é mediada pelo sistema nervoso entérico e colecistocinina. A estase da vesícula biliar é frequentemente evidente em pacientes com fatores de risco para formação de cálculos biliares, incluindo obesidade, gravidez, perda ponderal rápida e jejum prolongado. Além disso, a dismotilidade da vesícula biliar é um fator de risco independente para litíase biliar, recorrente em pacientes que foram tratados com litotripsia de onda de choque extracorpórea. Colecistite Aguda Calculosa A complicação mais comum de doença litiásica biliar é a colecistite aguda, que ocorre em 15% a 20% dos pacientes sintomáticos. A colecistite aguda surge quando um cálculo se aloja na junção vesícula-ducto cístico, onde impede o esvaziamento e drenagem vesicular. A extensão da inflamação e a progressão da colecistite aguda estão relacionadas com a duração e o grau de obstrução. Nos casos mais graves, este processo pode levar a isquemia e necrose da parede da vesícula. Mais frequentemente, o cálculo desaloja-se de forma espontânea e a inflamação se resolve gradualmente. A colecistite aguda é, primariamente, uma inflamação em vez de um processo infeccioso, mas cerca de 50% dos pacientes com colecistite aguda têm bacteriobilia secundária, mais frequentemente a Escherichia coli. Manifestações clínicas O espectro clínico da colelitíase vai do estado assintomático a complicações fatais. Entre pacientes com cálculos biliares assintomáticos, os riscos anuais aproximados são de 1% para dor biliar, 0,3% para colecistite aguda, 0,2% para coledocolitíase sintomática e 0,04% a 1,5% para pancreatite biliar. No entanto, estas baixas porcentagens representam um número grande em uma enorme população de pacientes sintomáticos, dada a frequência dos cálculos biliares. De modo global, cerca de 1% a 2% dos indivíduos assintomáticos com cálculos biliares desenvolvem graves sintomas ou complicações a cada ano relacionados aos cálculos biliares. A maior parte dos cálculos biliares são assintomáticos e são descobertos nos estudos de imagem realizados por outras indicações. Nesses indivíduos, a vesícula biliar enche e esvazia normalmente, e os cálculos biliares permanecem na vesícula biliar e não obstruem o ducto cístico. Ao longo do tempo, no entanto, os cálculos biliares assintomáticos podem se tornar sintomáticos e manifestar-se como cólica biliar devido a impactação de um cálculo no colo da vesícula ou do ducto cístico. Embora a dor seja muitas vezes chamada cólica biliar, a maior parte dos pacientes na verdade notam dor constante devido à obstrução do ducto cístico e a um aumento progressivo na tensão da parede da vesícula biliar, em vez da dor paroxística da cólica típica. A dor é normalmente localizada no quadrante superior direito ou epigástrico e, com frequência, irradia para o dorso ou a escápula direita. Embora a cólica biliar ocorra classicamente após refeições hiperlipídicas, esta associação com as refeições está presente em apenas 50% dos pacientes, e a dor frequentemente se desenvolve mais de uma hora depois da ingesta. A duração da dor é normalmente de uma a cinco horas, mas pode persistir por até 24 horas. A dor que persiste além das 24 horas sugere que uma inflamação aguda ou colecistite está presente. Os episódios de cólica biliar são, normalmente, menos frequentes do que um episódio por semana. Outros sintomas, com náusea e vômitos, acompanham cada episódio em 60% a 70% dos casos. A distensão abdominal está também presente em 50% dos pacientes. Febre e icterícia podem ocorrer com menos frequência na cólica biliar simples. Causas alternativas devem ser consideradas em pacientes com cálculos biliares e que tenham dor contínua, predominantemente no dorso ou quadrante superior esquerdo, em vez da dor episódica. Colecistite Aguda Calculosa Os pacientes com colecistite aguda apresentam, de forma comum, dor no quadrante superior direito semelhante à cólica biliar. Na colecistite aguda, no entanto, a dor é normalmente persistente, pode durar vários dias e está muitas vezes associada a náuseas, vômitos, anorexia e febre. No exame físico, os pacientes normalmente têm uma febre baixa, com dor localizada no quadrante superior direito e defesa abdominal. A presença do sinal de Murphy, uma parada inspiratória devido a dor durante a palpação profunda do quadrante inferior direito, é o achado clássico da colecistite aguda. Um tumor palpável no quadrante superior direito é encontrado em um terço dos pacientes e normalmente representa omento que migrou para a área em torno da vesícula biliar em resposta à inflamação. Icterícia leve (nível de bilirrubina <6 mg/dL) pode estar presente. A icterícia significativa é rara na colecistite aguda, mas, quando existente, sugere a presença de cálculos biliares na via biliar principal, colangite ou obstrução da via biliar principal por inflamação pericolecística grave devido à impactação de um cálculo grande na bolsa de Hartmann, que obstrui mecanicamente o ducto biliar. Febre elevada sugere colangite ascendente, frequentemente com infecção bacteriana. A colecistite aguda pode coexistir com coledocolitíase ou as suas complicações: colangite aguda e pancreatite biliar. Diagnóstico A ultrassonografia transabdominal é o procedimento radiológico de escolha para identificar cálculos biliares (Fig. 155-2).1 As ondas da ultrassom não penetram nos cálculos, por isso a sombra acústica é observada posteriormente aos cálculos, facilitando assim o diagnóstico. Os cálculos biliares com flutuação livre também se movem para uma posição dependente quando o paciente é reposicionado durantea avaliação. Se ambas es características estiverem presentes, o valor preditivo positivo da ecografia aproxima-se de 100%. Os ecos sem sobra isoladamente, no entanto, podem ser causados por pólipos vesiculares. Os cálculos biliares podem não ser visualizados devido a uma bile com falta de contraste em torno dos cálculos, como pode ocorrer com um cálculo biliar impactado ou quando a vesícula está totalmente preenchida por cálculos. Os cálculos pequenos podem não causar uma sombra acústica. Aperistalse intestinal, devido ao processo inflamatório intra-abdominal, causando aumento do gás abdominal, como pode ocorrer com a colecistite ou pancreatite agudas (Cap. 144), pode limitar a visualização da vesícula biliar. Globalmente, a taxa de falsos-negativos da ultrassonografia para a detecção de cálculos biliares é menor que 5% mas pode aumentar para 15% com a colecistite aguda. https://www.evolution.com.br/contentresolver/epub/15186652/OEBPS/xhtml/B9788535284904001554.xhtml#f0210 https://www.evolution.com.br/contentresolver/epub/15186652/OEBPS/xhtml/B9788535284904001554.xhtml#bib90690 https://www.evolution.com.br/contentresolver/epub/15186652/OEBPS/xhtml/B978853528490400144X.xhtml#c0720 A ultrassonografia pode também demonstrar dilatação dos ductos biliares intra-hepáticos e extra-hepáticos. Os ductos dilatados podem significar obstrução devido a cálculos na via biliar principal, estenoses distais ou obstrução maligna (Caps. 194 e 196). A ultrassonografia tem uma sensibilidade e especificidade de 85% e 95%, respectivamente, para o diagnóstico de colecistite aguda. Além da presença de cálculos biliares, os achados sugestivos de colecistite aguda incluem espessamento da parede da vesícula biliar (>4 mm) e a presença de líquido pericolecístico. A dor focal diretamente sobre a vesícula biliar (sinal de Murphy ecográfico) é também sugestiva de colecistite aguda. A colescintilografia fornece uma avaliação anatômica, funcional, não invasiva do fígado, vesícula biliar, ducto biliar e duodeno, embora tenha sido ultrapassada pela ultrassonografia para este propósito, exceto em certas situações, como a identificação de uma suspeita de fístula biliar após colecistectomia ou uma doença funcional da vesícula biliar (mais adiante). Neste procedimento, os derivados do ácido iminodiacético marcado com tecnécio-99m são infundidos por via venosa. O composto deve ser captado pelo fígado e secretado na via biliar principal e duodeno em uma hora. A não visualização da vesícula biliar uma hora após a injeção do radioisótopo com o enchimento do ducto biliar e o duodeno indica que o ducto cístico está obstruído, e no contexto clínico agudo isso é altamente sensível (95%) e específico (95%) para colecistite aguda. Entretanto, resultados falso-positivos são frequentemente observados no contexto de estase biliar (p. ex., pacientes críticos, nutrição parenteral total). A captação lenta do composto pelo fígado sugere doença hepática parenquimatosa. O enchimento da vesícula biliar e do ducto biliar com atraso ou ausência de enchimento do intestino podem sugerir uma obstrução em nível da grande papila. A tomografia computadorizada (TC) abdominal é menos sensível do que a ultrassonografia para o diagnóstico de cálculos biliares e está primariamente indicada para o diagnóstico de complicações da doença litiásica biliar, tal como colecistite aguda, coledocolitíase, pancreatite e câncer da vesícula biliar. Por outro lado, as radiografias simples do abdome têm pouco valor na avaliação da doença biliar porque apenas 15% dos cálculos biliares contêm cálcio suficiente para aparecer rádio-opacos. Porém, radiografias simples podem ser úteis para o diagnóstico de outras causas de dor abdominal aguda (p. ex., perfuração de víscera, oclusão intestinal). Raramente, as radiografias abdominais podem mostrar uma parede vesicular calcificada (Fig. 155-3) na colecistite crônica ou achados como pneumobilia ou íleo associado a litíase vesicular na colecistite aguda. A TC pode ser realizada para avaliar o paciente com doença aguda com dor abdominal. A TC pode detectar cálculos biliares, espessamento da parede vesicular, fluido pericolecístico e edema, e ar na vesícula biliar ou na parede da vesícula biliar (colecistite enfisematosa), mas é geralmente menos sensível do que a ultrassonografia para encontrar estas situações. A ressonância magnética é altamente sensível para o diagnóstico de cálculos da vesícula biliar e da via biliar principal, mas cálculos com menos de 3 mm podem não ser encontrados. A ultrassonografia endoscópica fornece uma excelente imagem da vesícula biliar e da árvore biliar, mas raramente é a modalidade de imagem primária para detecção de cálculo biliar. A coleta endoscópica de bile para análise de cristais pode servir como substituto para diagnóstico de microlitíase não visualizada na ecografia transabdominal. https://www.evolution.com.br/contentresolver/epub/15186652/OEBPS/xhtml/B9788535284904001943.xhtml#c0970 https://www.evolution.com.br/contentresolver/epub/15186652/OEBPS/xhtml/B9788535284904001967.xhtml#c0980 https://www.evolution.com.br/contentresolver/epub/15186652/OEBPS/xhtml/B9788535284904001554.xhtml#f0215 Na colecistite, a avaliação laboratorial pode mostrar leucocitose leve, com contagem de leucócitos entre 12.000 a 15.000 células/μL. No entanto, muitos pacientes têm uma contagem de leucócitos normal. Leucocitose superior a 20.000 células/μL deve sugerir complicações da colecistite, como a gangrena, perfuração ou colangite. Elevações discretas nos níveis séricos de bilirrubina, fosfatase alcalina, aminotransferases e amilase também podem ser observadas com a colecistite aguda. Tratamento Cálculos Biliares Silenciosos Quanto mais tempo os cálculos permanecerem silenciosos, menos provavelmente irão causar sintomas. Além disso, quase todos os pacientes irão ter doença sintomática antes de desenvolver uma das complicações graves dos cálculos biliares. Assim, a colecistectomia profilática não está, em geral, indicada em pacientes com litíase biliar assintomática. No entanto, em grupos selecionados de pacientes, a colecistectomia profilática deve ser considerada, mesmo quando não existem cálculos biliares. Uma vesícula em porcelana com a parede vesicular calcificada está associada a um risco de 5% ou superior de transformação maligna, o que é suficientemente elevado para justificar colecistectomia. Pacientes com um ducto biliar longo entre os ductos biliar e pancreático (i. e., junção anômala do ducto pancreaticobiliar; mais adiante) também estão em risco significativo de câncer da vesícula biliar e devem ser submetidos a colecistectomia profilática. A colecistite aguda é uma condição potencialmente fatal em pacientes imunossuprimidos, e como tal a colecistectomia profilática é geralmente recomendada antes ou no momento do transplante de órgãos importante. Dados também suportam a colecistectomia em pacientes que são submetidos a cirurgia bariátrica mesmo na ausência de cálculos biliares porque têm um risco de quase 30% de desenvolver cálculos biliares e necessitar de colecistectomia durante a perda ponderal rápida noprimeiro ano após a cirurgia. A colecistectomia profilática adiciona riscos mínimos de morbidade e mortalidade na maior parte das cirurgias bariátricas e está claramente indicada em pacientes com litíase biliar. Alguns pacientes com cálculos biliares silenciosos também podem se beneficiar da colecistectomia profilática. Em pacientes com doença das células falciformes (Cap. 163), por exemplo, a colecistite pode precipitar uma crise com riscos operatórios substanciais. Cálculos biliares grandes (>3 cm) são mais frequentemente associados a colecistite aguda e carcinoma da vesícula biliar, de modo que a colecistectomia profilática pode também estar indicada nestes pacientes. Cálculos Biliares Sintomáticos O manejo operatório dos cálculos biliares tem sido o padrão dos cuidados por mais de um século. A cirurgia precoce nas primeiras 24 horas é em geral preferível para pacientes com cólica biliar,A1 e cirurgia durante o dia é tão segura e eficaz como uma estada noturna em observação.A2 Mais de 90% destas colecistectomias são realizadas por via laparoscópica, com cerca de 3% dos procedimentos eletivos convertidos a procedimento aberto no bloco operatório. Contraindicações à cirurgia laparoscópica incluem hemorragia significativa e cirrose classe C de Child (Cap. 153). Alguns pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica grave ou insuficiência cardíaca podem não tolerar o https://www.evolution.com.br/contentresolver/epub/15186652/OEBPS/xhtml/B9788535284904001633.xhtml#c0815 https://www.evolution.com.br/contentresolver/epub/15186652/OEBPS/xhtml/B9788535284904001554.xhtml#bib0395 https://www.evolution.com.br/contentresolver/epub/15186652/OEBPS/xhtml/B9788535284904001554.xhtml#bib0400 https://www.evolution.com.br/contentresolver/epub/15186652/OEBPS/xhtml/B9788535284904001530.xhtml#c0765 pneumoperitônio necessário para cirurgia laparoscópica. Uma operação abdominal superior prévia pode aumentar a dificuldade de realizar a colecistectomia laparoscópica. Complicações graves da colecistectomia laparoscópica são raras, com uma incidência reportada de 0,6% a 1,5% para quaisquer fístulas biliares e 0,3% a 0,6% para uma lesão biliar maior. Embora estes riscos sejam superiores em relação à cirurgia aberta, a taxa de mortalidade global (<0,3%) é mais baixa para a cirurgia laparoscópica, e a recuperação pós-operatória é muito mais fácil. As opções não cirúrgicas para o tratamento da doença biliar litiásica são raramente usadas hoje em dia devido à sua eficácia limitada e à ampla aplicação da colecistectomia laparoscópica. A terapia de dissolução oral (p. ex., ácido ursodesoxicólico, 15 mg/kg/dia) pode ser considerada em pacientes sintomáticos mas não em assintomáticos que têm cálculos biliares de colesterol numa vesícula biliar funcionante, e dissolve totalmente os cálculos em apenas 40% dos pacientes. Além disso, os cálculos recorrem em cerca de 50% dos pacientes cinco anos após a terapia ser suspensa. Por esta razão, a terapia vitalícia pode ser necessária. A infusão direta de solventes orgânicos (éter metil-tert-butil, em infusão contínua e aspirado manualmente, quatro a seis vezes por minuto, por uma média de cinco horas/dia, por um a três dias) para o interior da vesícula biliar também é eficaz apenas para cálculos biliares de colesterol, e a taxa de recidiva é semelhante à da terapia de dissolução oral. A litotripsia por choque extracorpóreo pode ser considerada para um único cálculo de qualquer tipo (i. e., colesterol ou bilirrubinato de cálcio) com 0,5 a 2 cm de diâmetro, mas apenas uma pequena porcentagem de pacientes sintomáticos cumpre estes critérios. Como resultado, esta terapia está limitada a um grupo muito seleto de pacientes. Colecistite Aguda Litiásica Após a estabilização médica do paciente com fluidos intravenosos conforme necessário, antibióticos de largo espectro (p. ex., piperacilina e tazobactam, 3,375 mg a cada seis horas; ou ceftriaxona 1 a 2 g uma vez por dia, mais metronidazol, 500 mg a cada seis horas, ou levofloxacina 500 mg uma vez ao dia, mais metronidazol) e analgésicos intravenosos se necessário (Tabela 30-5), o tratamento de escolha para colecistite aguda é a colecistectomia. A duração da terapia antibiótica deverá estar de acordo com a melhora clínica. A colecistectomia laparoscópica reduz de modo significativo a morbidade, a duração do tempo de internação e o tempo de retorno ao trabalho, favorecendo os pacientes quando comparada com a cirurgia aberta. No entanto, a taxa de conversão a um procedimento aberto é de até 25% em comparação com cerca de 3% para cirurgia laparoscópica eletiva. Ensaios randomizados prospectivos mostraram que a colecistectomia laparoscópica precoce (dentro de três dias após o início de sintomas) pode ser conseguida com uma taxa de morbidade e mortalidade semelhantes às da colecistectomia tardia,A3 sem diferenças na taxa de conversão em face da colecistectomia aberta. A duração do período de internação e, portanto, os custos são significativamente reduzidos em pacientes que são submetidos a cirurgia precoce. Cerca de 20% dos pacientes em observação para a colecistectomia não estabilizam com terapia médica inicial e necessitam de operação durante a primeira admissão ou antes do final do período de resfriamento planejado. Por isso, a recomendação atual é para prosseguir com colecistectomia laparoscópica para colecistite https://www.evolution.com.br/contentresolver/epub/15186652/OEBPS/xhtml/B9788535284904000305.xhtml#t0050 https://www.evolution.com.br/contentresolver/epub/15186652/OEBPS/xhtml/B9788535284904001554.xhtml#bib0405 aguda, a menos que existam contraindicações a esta. Se o nível de bilirrubina for <4 mg/dL e o paciente não tiver evidência de colangite, a exploração da via biliar, provavelmente, não é necessária.A4 Em pacientes de alto risco, cujas condições médicas impeçam a colecistectomia, uma colecistostomia percutânea pode permitir a drenagem imediata da vesícula biliar. Se essa drenagem e terapia antibiótica adequada não levarem a uma melhora clara em 24 horas, a laparotomia está indicada, já que a falha na melhora após a drenagem percutânea é, normalmente, causada por gangrena ou perfuração da vesícula biliar. Se a colecistectomia for bem-sucedida e o episódio agudo se resolver, o paciente pode ser submetido a colecistectomia eletiva ou extração de cálculo e remoção do tubo de colecistostomia. Alternativamente, uma colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) com colocação de stent pode ser realizada para drenar a vesícula biliar se o ducto cístico estiver patente. Colecistite Aguda Alitiásica A colecistite aguda alitiásica é responsável por 5% a 10% de todos os casos de colecistite aguda, sendo mais frequente em pacientes críticos após trauma, queimaduras, nutrição parenteral prolongada e operações não biliares maiores (p. ex., reparação de aneurisma abdominal, bypasscardiopulmonar). A causa da colecistite aguda alitiásica permanece pouco clara, embora a estase da vesícula biliar com o aumento da colonização bacteriana e isquemia tenha sido implicada. Os sintomas e sinais
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