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36 Unidade II Unidade II 5 TRANSPORTE ENTRE MEMBRANAS BIOLÓGICAS: DIFUSÃO, OSMOSE, TRANSPORTE ATIVO 5.1 Membrana celular: a grande barreira A membrana celular reveste e delimita a célula, formando uma grande barreira. Tudo que entra ou sai da célula obrigatoriamente passa pelo controle da membrana celular. Para entendermos melhor como esse controle é feito, precisamos entender primeiro do que a membrana celular é feita e a sua estrutura. Vamos fazer a seguinte comparação: imagine as paredes de uma casa comum, feita de tijolos. Os tijolos são as unidades que, juntas, constituem a parede. Agora vamos imaginar que a membrana celular seja a parede e a célula seja a casa. Os “tijolos” que constituem a membrana celular são os chamados fosfolipídios. Os fosfolipídios têm uma parte formada por uma calda de gordura (lipídios) e uma cabeça de fosfato, como pode ser visto na figura a seguir. Como sabemos, gordura não combina ou não “gosta” de água, e por isso dizemos que a gordura é hidrofóbica, ou seja, tem fobia de água. Já a cabeça de fosfato dos fosfolipídios “gosta” de água, e por isso é hidrofílica. Quando colocamos os fosfolipídios na água, a parte hidrofóbica “foge” da água, ficando voltada para o lado interno da membrana, enquanto a cabeça de fosfato hidrofílica, que “gosta” da água, fica voltada para a parte externa na membrana, em contato com a água, tanto do lado interno quanto externo da membrana. Agora você já sabe: a membrana celular forma uma dupla camada, sendo o interior dessa dupla camada hidrofóbico. Isso significa que, para atravessar a membrana celular, uma determinada substância precisa se dissolver nessa parte hidrofóbica da membrana, que não gosta de água. Assim, substâncias hidrofóbicas atravessam a membrana com facilidade, enquanto substâncias hidrofílicas têm grande dificuldade para atravessá-la ou simplesmente não atravessam. Caso a membrana celular fosse constituída somente por essa camada dupla de fosfolipídios, tudo que tivesse afinidade com a água seria barrado, mas felizmente a membrana celular não é só feita disso. 37 BIOFÍSICA APLICADA ÀS CIÊNCIAS BIOMÉDICAS Citoplasma Carboidrato Proteína integral Proteína integral Fluido intracelular Fluido extracelular Proteína periférica Bicamada lipídica Figura 20 – Estrutura da membrana celular mostrando a bicamada lipídica (fosfolipídios), as proteínas inseridas na membrana e os carboidratos Vamos voltar à comparação que tínhamos feito da célula com uma casa feita de tijolos. Caso as paredes da casa fossem feitas totalmente de tijolos, ninguém poderia entrar ou sair da casa. Para que se tenha o controle de acesso ao interior da casa, são instaladas portas e janelas. No caso da célula, existem proteínas inseridas na membrana celular que fazem o papel das portas de uma casa, controlando o acesso de substâncias de fora para dentro e de dentro para fora, formando verdadeiros canais. Graças a essas proteínas, substâncias que não conseguem atravessar diretamente a dupla camada de fosfolipídios conseguem atravessar a membrana celular passando através desses canais. A própria água entra e sai livremente da célula, atravessando canais formados por proteínas. Assim, a membrana celular delimita a célula formando uma grande barreira, controlando seletivamente tudo que entra e sai da célula, através da dupla camada de fosfolipídios e dos canais formados pelas proteínas inseridas nessa camada. Agora que você já sabe do que a membrana celular é feita e conhece a sua estrutura, vamos aprender como é feito o transporte de substâncias através dela. 5.2 Difusão Você já deve ter ouvido a palavra difusão no seu dia a dia, em expressões como: radiodifusão, difusão do conhecimento ou difusão de ideias. Difundir, de maneira geral, significa espalhar. Quando alguma coisa se difunde, ela se espalha! Para que possamos imaginar algo se espalhando, temos que partir do princípio de que em algum momento temos algo concentrado em um determinado ponto, ou seja, temos que ter uma diferença de concentração. 38 Unidade II Para entender melhor, vamos imaginar o seguinte: um balde de água contendo água pura em cuja superfície da água, em um determinado momento, é adicionada uma gota de tinta. Imediatamente após adicionarmos a gota de tinta, toda a tinta estará contida na gota e dela começará a se difundir, ou seja, se espalhar gradualmente na água contida no balde, criando um gradiente de concentração, conforme figura a seguir. Enquanto houver diferença na concentração de tinta nos diversos pontos na água do balde, a tinta irá se difundir, até que a concentração de tinta seja uniforme em todos os pontos da água do balde. A difusão para de acontecer no momento em que não há mais gradiente de concentração. O processo de difusão acontece de onde tem mais para onde tem menos, sempre a favor do gradiente de concentração. A difusão segue uma lei, conhecida como Segunda Lei da Termodinâmica, que diz que tudo no universo tende à desorganização. Situação final Figura 21 – Comportamento de uma gota de tinta aplicada em um balde com água, ilustrando o processo de difusão: a tinta se espalha de onde tem mais tinta para onde tem menos tinta, de acordo com a Segunda Lei da Termodinâmica Lembrete A Segunda Lei da Termodinâmica postula que alguma coisa flui de um ponto onde há excesso para um ponto onde há escassez. O que faz a gota de tinta colocada na água do balde começar a se espalhar é o movimento browniano das partículas. Mas o que isso significa? A difusão é decorrente da agitação térmica das partículas. • Primeiro você precisa se lembrar que as coisas são feitas basicamente de matéria e energia. • A matéria contida nas substâncias é feita de átomos que estão em constante movimento. • Esse movimento dos átomos é decorrente da energia térmica, calor é movimento. 39 BIOFÍSICA APLICADA ÀS CIÊNCIAS BIOMÉDICAS • Quanto maior o calor, maior a energia térmica presente e essa energia faz os átomos contidos na matéria vibrarem. • Dessa maneira, as partículas da tinta contida na gota estão em movimento (chamado de movimento browniano) e se chocam umas com as outras, provocando o afastamento entre elas. • Quanto mais próximas essas partículas estiverem perto umas das outras, mais intensos serão esses choques e maior será a difusão ou o espalhamento. Figura 22 – Visão de um campo de microscópio, em fundo escuro, mostrando o movimento browniano de partículas de fumaça Veja como esse processo acontece através de uma membrana. Imagine que um recipiente contenha água (solvente) e seja dividido por uma membrana que permita a passagem de uma substância qualquer (soluto) que possa ser dissolvida na água. Quando adicionarmos a ela, por exemplo, uma colher de açúcar a um dos lados da membrana o açúcar irá se dissolver na água, criando um gradiente de concentração. Dessa forma, haverá mais açúcar de um lado da membrana do que do outro. As moléculas de açúcar em movimento (movimento browniano) começarão a se chocar umas com as outras provocando o “espalhamento”, ou seja, a difusão das moléculas de açúcar do lado da membrana que tem mais açúcar para o lado que tem menos açúcar, até que o número de moléculas de açúcar atinja o equilíbrio e seja igual dos dois lados da membrana. Tudo isso ocorre sem gasto de energia e sempre a favor do gradiente de concentração, ou seja, de onde tem mais para onde tem menos. Esse tipo de transporte é chamado de transporte passivo. A 1 2 1 12 2 B C Solução de açúcar H2O Equilíbrio Figura 23 – Difusão de moléculas de açúcar e da água pura saindo do ponto inicial (A), passando por um estado intermediário (B) até finalmente entrar em equilíbrio (C) 40 Unidade II 5.2.1 Fatores que interferem na difusão Alguns fatores interferem na velocidade com que a difusão ocorre. Os principais são: • Número: quanto maior o número de partículas, maior a concentração; e quanto maior o gradiente de concentração, mais rápida a difusão. • Volume:partículas menores se difundem mais rapidamente. Equilíbrio Equilíbrio Ureia Tempo Sacarose Durante Durante Início Início U r e i a S a c a r o s e Figura 24 – Efeito do tamanho da partícula na velocidade de difusão. Soluções iniciais de mesma concentração de ureia e sacarose. A ureia de massa molecular 60 se difunde mais rapidamente do que a sacarose de massa molecular 342 • Forma: partículas cilíndricas se difundem mais rapidamente que as esféricas. • Temperatura: quanto maior a temperatura, maior a difusão, porque as moléculas possuem maior energia cinética (movimento). 5.3 Difusão através da membrana celular Como vimos anteriormente a membrana celular forma uma barreira que controla transporte de substâncias entre o lado interno e externo da célula. O processo de difusão também ocorre através de membrana celular de duas maneiras distintas: a difusão simples e a difusão facilitada. 5.3.1 Difusão simples Nesse processo, as substâncias se difundem por meio da membrana através de aberturas na membrana ou simplesmente através dos espaços intramoleculares, sem que haja a ligação com proteínas carregadoras. A intensidade desse tipo de difusão é determinada pelos fatores já discutidos. Esse tipo de difusão pode ocorrer por duas vias: diretamente pela dupla camada de fosfolipídios e através dos canais formados por proteínas ao longo da superfície da membrana. 41 BIOFÍSICA APLICADA ÀS CIÊNCIAS BIOMÉDICAS Canal proteico Difusão simples Figura 25 – Difusão simples através da dupla camada de fosfolipídios e de canais formados por proteínas que atravessam a membrana celular 5.3.2 Difusão através da dupla camada de fosfolipídios A dupla camada de fosfolipídios é hidrofóbica. Assim, quanto mais lipossolúvel (solúvel em gordura) for a substância, maior será a facilidade para atravessar a membrana através dessa camada. A velocidade de difusão nesse caso será diretamente proporcional à sua facilidade em se dissolver em gordura (lipossolubilidade). 5.3.3 Difusão da água e de outras moléculas pelos canais A água e outras substâncias pequenas insolúveis em gordura podem entrar e sair da célula com facilidade graças à presença dos canais proteicos. Esses canais formam vias tubulares que permitem o deslocamento dessas substâncias por difusão e são geralmente seletivamente permeáveis a certas substâncias, ou seja, não deixam passar qualquer substância, e outros canais que se abrem ou fecham atuando como comportas. 5.3.4 Difusão facilitada Na difusão facilitada, há a necessidade da interação da substância com proteínas na membrana celular que facilitam (ajudam) a passagem da substância, através de uma ligação química, mas sem gasto de energia e a favor do gradiente de concentração, que são características do processo de difusão. 42 Unidade II Molécula transportada Liberação da ligação Proteína transportadora e alteração estrutural Local de ligação Figura 26 – Mecanismo postulado para difusão facilitada. Substância se liga a uma proteína transportadora que facilita o acesso da substância de um lado a outro da membrana celular, sem gasto de energia Enquanto na difusão simples a velocidade de difusão é diretamente proporcional à concentração da substância, na difusão facilitada a velocidade de difusão é limitada pela capacidade de transporte da proteína carregadora. Concentração da substância Ve lo ci da de d a di fu sã o Vmax Difusão simples Difusão facilitada Figura 27 – Na difusão simples, a velocidade da difusão é diretamente proporcional à diferença de concentração da substância entre os lados da membrana. Na difusão facilitada, a velocidade de difusão depende da capacidade da proteína carregadora 43 BIOFÍSICA APLICADA ÀS CIÊNCIAS BIOMÉDICAS 5.3.5 Osmose Osmose nada mais é do que a difusão de água. Você já deve ter ouvido alguém desavisado usar uma expressão popular dizendo que aprendeu determinado assunto por osmose. Seria possível alguém aprender, mesmo que figuradamente, alguma coisa por osmose? A resposta é: claro que não! Se osmose nada mais é do que a difusão da própria água, a única coisa que algum indivíduo poderia absorver através desse processo seria água. Osmose é a água indo de onde tem mais água para onde tem menos água, a favor do gradiente de concentração e sem gasto de energia. Para que você possa entender melhor esse processo, imagine um recipiente dividido por uma membrana que deixa passar o solvente (água) mas não deixa passar o soluto. Imagine que em um dos lados da membrana temos uma solução de 1L de água e sal e no outro lado da membrana temos 1L de água pura. Como a membrana não deixa o sal atravessá-la, a água começará a atravessar a membrana do lado da água pura em direção ao lado da água com sal, pois as moléculas de sal estão compartilhando o espaço com as moléculas de água, ou seja, desse lado da membrana temos menos água do que o lado da membrana que tem água pura. Assim, a água irá se difundir de onde tem mais água para onde tem menos água, processo de difusão de água chamado de osmose. Água Osmose Solução NaCl Figura 28 – Processo de osmose, no qual ocorre a difusão de água em direção ao lado da membrana (impermeável ao NaCl) que tem menos moléculas de água 5.3.6 Pressão osmótica Quando a água passa de um lado para o outro da membrana, ela acaba gerando uma pressão em sentido contrário. Quando chega o momento que essa pressão é forte o suficiente para interromper, de forma total, a osmose, essa pressão é chamada de pressão osmótica, ou seja, a pressão em oposição à osmose. 44 Unidade II Membrana semipermeàvel Água A B Soluto não difusivel Figura 29 – Pressão osmótica nos dois lados de uma membrana semipermeável 5.3.7 Isotonicidade, hipertonicidade e hipotonicidade das soluções Quando uma solução é colocada no lado externo de uma célula e apresenta a mesma pressão osmótica do líquido intracelular, ela tem a mesma tonicidade, ou seja, é isotônica em relação ao meio intracelular e, nesse caso, a osmose não ocorre. Agora, quando uma solução é colocada no meio extracelular e produz osmose para fora da célula, dizemos que essa solução é hipertônica em relação ao meio intracelular. E, finalmente, quando uma solução é colocada no meio extracelular e produz osmose para dentro da célula, dizemos que a solução é hipotônica em relação ao meio intracelular. Assim, podemos concluir que a osmose ocorrerá sempre da solução hipotônica (menor tonicidade) em direção a solução hipertônica (maior tonicidade). Células, quando colocadas em solução isotônica, não perdem nem ganham volume, pois a osmose não ocorre. Já células colocadas em solução hipertônica irão murchar, enquanto células colocadas em solução hipotônica irão inchar. A C B D Figura 30 – (A) Célula logo após ser colocada em uma solução hipotônica; (B) A mesma célula depois que o equilíbrio osmótico foi estabelecido, mostrando o inchaço da célula devido à entrada de água por osmose e o equilíbrio na concentração de íons entre o meio extra e intracelular; (C) Célula logo após ser colocada em uma solução hipertônica; (D) A mesma célula depois do equilíbrio osmótico ser estabelecido, mostrando o seu encolhimento devido à saída de água por osmose e o equilíbrio na concentração dos íons dentro e fora da célula 45 BIOFÍSICA APLICADA ÀS CIÊNCIAS BIOMÉDICAS 5.4 Transporte ativo através das membranas Para que você possa entender o conceito de transporte ativo, imagine duas salas separadas por uma parede com uma porta. Imagine agora que uma dessas salas esteja quase cheia de água e que a outra esteja com água até pouco menos da metade. Para a água passar da sala cheia para a sala quase vazia, basta abrirmos a porta e a água irá fluir naturalmente de onde tem mais para onde tem menos. Agora, para se transferir a água da sala que tem menos água para a sala que tem mais água, se faz necessário o uso de uma bomba, ou seja, a substância precisará ser bombeada e nesse processo há necessariamenteo uso de energia. Quando uma substância é transportada através da membrana celular de onde tem menos para onde tem mais, ou seja, contra o gradiente de concentração, ela precisa ser bombeada através de uma proteína de membrana, que gastará energia para realizar esse processo. Esse tipo de transporte, contra o gradiente de concentração e com gasto de energia é o chamado transporte ativo. Proteína canal Difusão simples Difusão Difusão facilitada Energia Proteínas transportadoras Transportade ativo Figura 31 – Vias de transporte através da membrana celular e seus mecanismos básicos de transporte 5.4.1 Bomba de sódio-potássio O exemplo de transporte ativo mais notório e estudado em maiores detalhes é o mecanismo da bomba de sódio-potássio (Na+ - K+), onde os íons sódio são bombeados para fora da célula e, simultaneamente, os íons potássio são bombeados para dentro. Como veremos mais adiante, essa bomba é a responsável por manter as diferenças de concentrações desses íons, através da membrana celular, estabelecendo uma voltagem elétrica negativa dentro das células, o que é a base para a transmissão dos impulsos nervosos por todo o sistema nervoso. A figura a seguir mostra o mecanismo de funcionamento da bomba de sódio-potássio, que pode ser comparada a uma porta giratória, onde o transporte desses íons ocorre de forma simultânea e assimétrica. A cada volta dessa “porta giratória”, três íons de sódio são transportados para fora das células, dois íons potássio são transportados para dentro (transporte acoplado). Para cada ciclo, uma 46 Unidade II molécula de Trifosfato de Adenosina (ATP), nossa “moeda energética” é quebrada, fornecendo energia para o funcionamento dessa bomba, que nada mais é do que uma proteína transportadora. Exterior 3Na+ 3Na+ 2K+ 2K+ Interior ATPase ADP + Pi Figura 32 – Mecanismo postulado para a bomba de sódio-potássio através da membrana celular, mostrando o acoplamento do transporte desses dois íons e o consumo de energia. ADP, difosfato de adenosina; ATP, trifosfato de adenosina; Pi, íon fosfato 5.5 Fenômenos elétricos nas células 5.5.1 Bioeletrogênese As células são capazes de gerar eletricidade espontaneamente, fenômeno que é conhecido por bioeletrogênese. Para entender como esse fenômeno acontece, precisamos entender primeiro que os íons são substâncias químicas que ganharam ou perderam elétrons e se tornaram eletricamente carregados. Os íons podem ter carga negativa (aníon) ou positiva (cátion). Nas células, os íons responsáveis pela geração da eletricidade são os íons sódio (Na+) e potássio (K+). 5.5.1.1 Extravasamento do potássio e do sódio através da membrana nervosa O lado direito da figura a seguir mostra uma proteína na membrana de uma célula nervosa que forma um canal proteico, pelo qual íons potássio e sódio podem extravasar, ou seja, difundir de um lado para o outro da membrana, chamado de canal de “extravasamento” de potássio-sódio (Na+ - K+). O mais importante é o extravasamento de íons potássio porque, em média, os canais são, normalmente, cerca de 100 vezes mais permeáveis ao potássio do que aos íons sódio. Como veremos mais adiante, esse diferencial na permeabilidade é muito importante para a determinação do nível do potencial de repouso normal da membrana. 47 BIOFÍSICA APLICADA ÀS CIÊNCIAS BIOMÉDICAS Exterior Bomba de Na+ -K+ Canais de “extravasamento“ K+ -Na+ 3Na+ Na+ ATP ADP Na+ Na+ 2K+ K+ K+ K+ Figura 33 – Características funcionais da bomba de Na+ -K+ (transporte ativo) e os canais de “extravasamento” de K+ -Na+ (transporte passivo). ADP, difosfato de adenosina; ATP, trifosfato de adenosina Saiba mais A McGraw-Hill disponibiliza um site com recursos de animação em inglês sobre a bomba de sódio-potássio. MCGRAW-HILL. Sodium-potassium exchange. [s.d.]. Disponível em: <http:// highered.mcgraw-hill.com/olcweb/cgi/pluginpop.cgi?it=swf::535::535::/sites/dl/ free/0072437316/120068/bio03.swf>. Acesso em: 21 jan. 2019. Além desses dois íons, temos no interior das células proteínas com cargas negativas, mas que não são capazes de atravessar a membrana celular. Lembrete Cargas opostas se atraem, cargas iguais se repelem. A bomba de sódio-potássio transporta íons sódio para fora da célula, mantendo baixa concentração desses íons no lado interno e alta concentração no lado externo e que ao mesmo tempo transporta íons potássio para dentro, mantendo uma alta concentração desse íon no lado interno e uma baixa concentração no lado externo, conforme figura a seguir. Mas como a diferença de concentração desses íons entre os lados interno e externo da membrana pode ser responsável pela geração da eletricidade na célula? 48 Unidade II Potencial de difusão Fibra nervosa (Anions)- (-94 mV)- A K+ Na+K+ Na+ B (+61mV)- (Anions)- (Anions)-(Anions)- Fibra nervosa + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - Figura 34 – Em A, o estabelecimento do potencial de “difusão” através da membrana da fibra nervosa, causado pela difusão dos íons potássio de dentro da célula para fora, através da membrana que é seletivamente permeável somente ao potássio. Em B, o estabelecimento de “potencial de difusão” quando a membrana da fibra nervosa só é permeável aos íons sódio. Note que o potencial de membrana interno é negativo quando os íons potássio se difundem e positivo quando os íons sódio se difundem, em razão dos gradientes de concentração opostos desses dois íons Vamos comparar uma célula a uma sala de aula, onde as carteiras são as proteínas com cargas negativas e os alunos são os íons potássio que têm carga positiva. Quando cada carteira está ocupada por um aluno, temos uma carga negativa (carteira) sendo anulada por uma carga positiva (aluno). Dessa maneira, a carga no interior da sala seria zero. Agora imagine que os alunos comecem a deixar a sala. Para cada aluno que sai, irá sobrar uma carteira vazia (carga negativa) e dessa maneira o interior da célula irá começar a ficar negativo e o exterior de célula começará a ficar positivo, gerando uma diferença de potencial elétrico entre a face interna e externa da membrana. Aí está a eletricidade! Em resumo, a eletricidade se dá com a diferença de potencial elétrico. Como a concentração dos íons potássio é maior dentro do que fora da célula, esse íon tende a se difundir para fora da célula pelos canais de extravasamento, deixando o interior da célula mais negativo. Mas por que todo o potássio não se difunde para fora da célula? Porque quando o potássio começa a sair, a célula já fica muito negativa e essa negatividade começa a atrair o potássio, até que esses íons não consigam mais sair, pois cargas opostas se atraem. Como a membrana é muito menos permeável aos íons sódio, esses íons têm um papel muito menor na eletricidade negativa gerada no interior das células pela difusão dos íons potássio. 5.5.2 Impulso nervoso: a linguagem do cérebro Quando você grava um vídeo com o seu celular, é possível revê-lo inúmeras vezes. As lentes da câmera do celular captam a imagem e os microfones embutidos no aparelho captam o som, mas onde é que a imagem e o som são armazenados dentro do celular? Será que se desmontarmos o celular encontraremos o som e a imagem gravados em seu interior? O que isso tem a ver com o nosso cérebro? 49 BIOFÍSICA APLICADA ÀS CIÊNCIAS BIOMÉDICAS O sensor da câmera do celular capta as imagens focalizadas pelas lentes da câmera e as traduzem na linguagem digital que os computadores conseguem processar e armazenar. Um processo parecido ocorre com os sons captados pelos microfones. A imagem e o som são armazenados na forma de arquivos, que quando lidos pelo processador do celular são exibidos em suas respectivas formas. Se o celular for desmontado, não será encontrado em seu interior nada muito além de circuitos eletrônicos. Algo muito semelhante acontececom o nosso cérebro: quando uma imagem é captada pelos nossos olhos, ela é traduzida em uma linguagem que o nosso cérebro consegue processar; essa linguagem é o impulso nervoso. Absolutamente tudo que sentimos, proveniente tanto do nosso corpo quanto do mundo exterior, são sensações produzidas pelo nosso cérebro. Quando algo toca na nossa pele, receptores de tato situados na pele traduzem o estímulo do toque em impulsos nervosos, que vão até o nosso cérebro, o qual processará esse sinal e nos fará notar a sensação do tato provocada pelo estímulo na pele. Todos os sentidos que temos e as sensações que vivenciamos, visão, audição, olfato, paladar, tato, calor e frio, entre outras, são frutos de estímulos que foram captados e traduzidos em impulsos nervosos para que o cérebro pudesse processá-los e gerar as sensações da forma que as sentimos. O impulso nervoso nada mais é do que um sinal elétrico gerado pelas células (bioeletrogênese) que é transmitido por fibras nervosas, no cérebro, na medula espinhal ou em nervos periféricos. 5.5.2.1 A célula nervosa A figura a seguir mostra um típico neurônio. Seus principais componentes são: • Corpo celular: é a região principal que dá origem a todas as outras partes do neurônio. Essa região também é responsável pela maior parte do metabolismo dessa célula e é necessária para que todas as partes do neurônio sobrevivam. • Dendritos: são ramificações do corpo celular. Constituem as partes receptoras principais do neurônio. Assim, os sinais que chegam ao neurônio chegam pelos dos dendritos. Os dendritos de cada neurônio, em geral, se “comunicam” com outros neurônios através de milhares de pontos de contato chamados de sinapses. • Axônio: essa é a parte do neurônio que é chamada de fibra nervosa. Seu comprimento pode variar de alguns milímetros, como acontece com os pequenos neurônios do cérebro, podendo atingir até um metro, como no caso dos axônios (fibras nervosas) que partem da medula espinhal e chagam até os pés. As fibras nervosas transmitem os sinais neurais para o neurônio seguinte no cérebro ou na medula espinhal, ou para os músculos e glândulas nas regiões periféricas do corpo através das sinapses. 50 Unidade II Dendritos Encéfalo Axônio Sinapses Neurônios de segunda ordem Medula espinhal Corpo celular Figura 35 – Estrutura de um neurônio, onde estão apontadas suas partes mais importantes dessa célula • Terminais axônicos e sinapses: próximo ao seu final, todos os axônios podem gerar milhares de ramificações. Na ponta de cada uma dessas ramificações existe uma terminação neural especializada que, no sistema nervoso central, é chamada de botão sináptico, situado sobre a superfície da membrana de um dendrito ou corpo celular de outro neurônio. Esse ponto de contato entre o botão sináptico e a membrana neural é a sinapse. É através das sinapses que os impulsos nervosos são transmitidos de um neurônio a outro. Quando um impulso nervoso chega ao final do axônio, o botão sináptico libera uma substância transmissora (neurotransmissor), no espaço entre o botão e a membrana do neurônio, podendo gerar um novo impulso nervoso nesse neurônio. 51 BIOFÍSICA APLICADA ÀS CIÊNCIAS BIOMÉDICAS Vesículas transmissoras Mitocôndria Proteínas receptoras Fenda sináptica (200-300 angstroms) Terminal pré-sináptico Corpo celular do neurônio Figura 36 – Anatomia funcional da sinapse, mostrando as vesículas com substâncias neurotransmissoras que são liberadas na fenda sináptica com a chegada do impulso nervoso nessa região da fibra nervosa A contração muscular acontece com a chegada dos impulsos nervosos aos músculos através das fibras nervosas. Assim, todos os impulsos nervosos são transmitidos por fibras nervosas, no cérebro, na medula espinhal ou em nervos periféricos. A fibra nervosa motora é formada de duas partes: uma camada externa isolante chamada de bainha de Schwann ou bainha de mielina, que se estende por todo o axônio, como uma capa isolante que vem desde a medula espinhal até as terminações nervosas finais. Esse axônio é uma longa estrutura tubular, limitada por uma membrana que possui exatamente as mesmas funções de qualquer outra membrana celular, exceto por ser especializada na transmissão de impulsos nervosos. Axônio Nodo de Ranvier A B Axônios amielinizados Núcleo da célula de Schann Citoplasma da célula de Schwann Núcleos de células de Schwann Citoplasma da célula de Schwann Bainha de mielina Figura 37 – Função da célula de Schwann no isolamento das fibras nervosas. Em A, revestimento da membrana da célula de Schwann, em torno de um axônio calibroso para formar a bainha de mielina da fibra nervosa mielinizada. Em B, revestimento parcial da membrana e do citoplasma da célula de Schwann em torno de várias fibras nervosas amielinizadas (corte transversal) 52 Unidade II 5.5.3 Potenciais de membrana As células são capazes de produzir eletricidade gerando um potencial elétrico através de sua membrana celular, chamado de potencial de membrana. Quando uma célula nervosa não está sofrendo nenhum tipo de estímulo externo, dizemos que a célula está em repouso. Também vimos em bioeletrogênese que esse potencial é negativo no interior da membrana nas condições de repouso. Esse potencial gerado pela célula em repouso é decorrente das diferenças das concentrações iônicas entre o lado interno e externo da célula. A concentração dos íons potássio é muito maior dentro da célula do que fora, enquanto a concentração dos íons sódio é muito maior fora da célula do que dentro. Já vimos como funciona a bomba de sódio-potássio, aquela “porta giratória” que fica bombeando íons potássio para dentro da célula e ao mesmo tempo bombeia íons sódio de dentro para fora. A figura a seguir mostra a concentração desses íons através da membrana de uma célula nervosa em repouso. Na+ 142 mEq K+ 4 mEq 14 mEq - (90) mv. 140 mEq Figura 38 – Diferenças nos gradientes de concentração dos íons sódio e potássio na membrana da célula nervosa. No estado de repouso, a membrana é permeável somente aos íons potássio 5.5.3.1 Desenvolvimento do potencial de membrana Como surge o potencial de membrana? A membrana das células nervosas é quase impermeável aos íons sódio, mas é muito permeável aos íons potássio. Como vimos anteriormente em bioeletrogênese, os íons potássio tendem a sair da célula por difusão (de onde tem mais para onde tem menos) através dos canais de extravasamento, mas quando um íon potássio sai da célula, ele leva uma carga elétrica positiva para o lado de fora. No interior das células existem grandes quantidades de proteínas com cargas negativas. Assim, a cada saída de íons potássio, o interior da célula vai ficando muito negativo, devido à falta de cargas positivas e ao excesso de proteínas com cargas negativas. Dessa maneira, o potencial de membrana gerado em uma fibra nervosa comum, nas condições de repouso, é de -90mV. Mas e os íons sódio? Os íons sódio tendem a entrar na célula por difusão através de canais de extravasamento, levando cargas positivas para dentro da célula, anulando o efeito da saída dos íons potássio, mas a membrana celular é quase impermeável aos íons sódio e, desse modo, o “peso” desses íons no potencial de membrana das células nervosas em repouso é muito pequeno, cerca de +4mV. A voltagem gerada entre as duas faces da membrana pode ser calculada pela equação a seguir, chamada de equação de Nernst: Potencial de membrana em mV = -61 x log concentração interna/concentração externa Para os íons potássio: Potencial de membrana em mV = -61 x log 140/4 = -94mV 53 BIOFÍSICA APLICADA ÀS CIÊNCIAS BIOMÉDICAS 5.5.4 Potencial de ação e impulso nervoso Quando uma fibra nervosa transmite um impulso nervoso, o potencial de membrana sofre uma série de variações, que em seu conjunto, são chamadas de potencial de ação. Como acontece o potencial de ação? No início, a célula está em repouso e, como vimos, o potencial da membrana nesse estado é cerca de-90mV. Quando a célula sofre um estímulo suficientemente grande, o potencial de ação começa com a despolarização da célula, com o potencial de membrana tornando-se positivo por milésimos de segundo, retornando ao valor inicial em seguida. Essa variação abrupta do potencial de membrana e o seu retorno à normalidade é chamado de potencial de ação ou de impulso nervoso. É através da propagação dessa onda de despolarização e repolarização que as fibras nervosas transmitem as informações pelo organismo. Existem proteínas inseridas na membrana das células que formam canais que se abrem e fecham controlando a entrada e a saída de determinadas substâncias nas células, funcionando como se fossem comportas. Como já dito, em geral, a membrana da célula nervosa em repouso é quase impermeável aos íons sódio, que estão em grande concentração no lado externo da célula. Quando a célula sofre um estímulo, a membrana começa a ficar levemente mais permeável aos íons sódio, que começam a se difundir para o interior da célula, trazendo dessa forma cargas positivas para dentro da célula, o que vai deixando-a menos negativa no lado de dentro. Em certo ponto, canais de sódio que são sensíveis a essa alteração na voltagem no interior da célula se abrem repentinamente, permitindo a entrada de íons sódio no interior da célula, fazendo com que o potencial de membrana inverta a sua polaridade, se tornando positivo. Assim, a entrada de sódio através dos canais dependentes de voltagem causa uma onda de despolarização (impulso nervoso) que se propaga ao longo da fibra nervosa. A B C D Figura 39 – Propagação da onda de despolarização após o início do potencial de ação 54 Unidade II 5.5.4.1 Repolarização da fibra nervosa Quando o interior da fibra nervosa fica positivamente carregado, os canais de sódio dependentes de voltagem se fecham e a membrana fica novamente impermeável aos íons sódio, que então param de entrar na célula. Entretanto, a membrana continua ainda muito permeável aos íons potássio, que agora começam a sair da célula, levando com eles cargas positivas, o que irá deixar o interior da célula nervosa eletricamente negativo novamente, causando a repolarização da célula. Normalmente, a repolarização começa alguns milésimos de segundo após a despolarização, no mesmo ponto da fibra nervosa onde a despolarização começou e se propaga ao longo da fibra (ver figura a seguir). Após ficar repolarizada, a fibra nervosa está novamente apta a conduzir um novo impulso nervoso. - + 0 KC I Eletrodo de prata – cloreto de prata +35 M ili vo lts Ultrapassagem Repouso 0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 De sp ol ar iz aç ão Repolarização 0 -90 Figura 40 – Registro gráfico de um potencial de ação, mostrando as três etapas: repouso, despolarização e repolarização 5.5.4.2 O período refratário Uma fibra nervosa não é capaz de conduzir um segundo impulso nervoso até que a membrana fique repolarizada, ou seja, enquanto um impulso está trafegando pela fibra, ela não pode conduzir um novo impulso. Esse período em que a fibra não pode conduzir um novo impulso por ainda não estar repolarizada é chamado de período refratário, que normalmente tem a duração de uma fração de segundo. 5.5.4.3 O restabelecimento das concentrações iônicas A cada impulso nervoso conduzido por uma fibra nervosa, uma pequena quantidade de íons sódio entra na célula e uma pequena quantidade de íons potássio sai da célula. Assim, a célula teria gradualmente suas concentrações de sódio-potássio alteradas até um ponto em que não seria possível a geração de mais impulsos nervosos se não fosse pela ação da bomba de sódio-potássio. Essa bomba, como já visto, é a responsável pelo restabelecimento das concentrações iônicas nos meios intracelular e extracelular, na medida em que os impulsos nervosos são conduzidos através das fibras nervosas. Além de manter as concentrações dos íons sódio e potássio em condições ideais, ela ainda ajuda a gerar parte do potencial de membrana no repouso, colocando para fora da célula uma carga elétrica positiva a mais por ciclo, pois enquanto dois íons potássio são transportados para dentro da célula, trazendo duas cargas positivas, três íons sódio são transportados para fora da célula, levando três cargas positivas para o lado de fora da célula, deixando o interior da célula mais negativo a cada ciclo de trabalho da bomba de sódio-potássio. 55 BIOFÍSICA APLICADA ÀS CIÊNCIAS BIOMÉDICAS Saiba mais Como complemento aos conteúdos apresentados, assista ao filme: O ÓLEO de Lorenzo. Dir. George Miller. EUA: Universal Pictures, 1992. 129 min. 5.6 O impulso nervoso e a contração muscular 5.6.1 A junção neuromuscular – a placa motora Nesse ponto, você já sabe que a linguagem que o cérebro usa para processar e armazenar as informações que captamos do mundo à nossa volta é o impulso nervoso. Agora vamos ver como o nosso cérebro comanda os nossos músculos. Fibras nervosas que partem do cérebro se conectam a outras fibras através das sinapses e percorrem a nossa medula espinhal até, finalmente, terminar nas fibras musculares esqueléticas comandando a contração dos nossos músculos. Essa junção entre a fibra nervosa e a fibra muscular é chamada de junção neuromuscular e forma uma estrutura conhecida como placa motora. Quando o impulso nervoso chega à junção neuromuscular, acontece a liberação do neurotransmissor acetilcolina pela fibra nervosa no espaço entre a fibra nervosa e a fibra muscular, chamado de fendas subneurais. Axônio Núcleos da célula muscular Terminal axonal na goteira sináptica Bainha de mielinaRamos do terminal nervosoCélula teloglial Vesículas sinápticas Fendas subneurais Miofibrilas A B C Figura 41 – Em A, corte no plano longitudinal da placa motora. Em B, placa motora vista de cima. Em C, representação de microscopia eletrônica dos pontos de contato entre uma das terminações de um axônio e uma fibra muscular, representando a área retangular mostrada em A 56 Unidade II 5.6.2 O efeito da acetilcolina A membrana das células musculares nas fendas subneurais contém canais proteicos que funcionam como comportas, controlando a entrada dos íons sódio através da ação da acetilcolina. Eles são chamados de canais iônicos controlados pela acetilcolina e permanecem fechados até que a acetilcolina que é liberada nas fendas subneurais se ligue a eles. A ligação da acetilcolina causa uma mudança na forma do canal, provocando a sua abertura, permitindo assim a passagem dos íons sódio para o interior da célula. Observação A musculatura lisa apresenta potenciais de ação com despolarização e repolarização mais lentas do que a musculatura esquelética. A Na+ Ach B Figura 42 – (A) canal colinérgico fechado. (B) ligação da acetilcolina (Ach) ao canal desencadeando uma alteração conformacional, que provoca a abertura do canal, permitindo a entrada de íons sódio na célula muscular. As cargas negativas mostradas em A impedem a passagem de íons negativos como os íons cloreto A entrada de muitos íons sódio através desses canais leva para dentro da célula uma grande quantidade de cargas positivas, provocando o chamado potencial da placa motora, que, por sua vez, inicia um potencial de ação que se propaga pela membrana muscular, causando a contração muscular. 57 BIOFÍSICA APLICADA ÀS CIÊNCIAS BIOMÉDICAS Caso a acetilcolina secretada pelos terminais neurais permaneça indefinidamente em contato com a membrana da fibra muscular, essa fibra iria transmitir uma sucessão ininterrupta de impulsos. Entretanto, a colinesterase na superfície das pregas da membrana, quebra enzimaticamente a acetilcolina em ácido acético e colina. Assim, quase imediatamente após a acetilcolina ter estimulado a fibra muscular, essa acetilcolina é destruída. Isso permite que a membrana se repolarize e fique pronta para um novo estímulo. O mecanismo da acetilcolina, na placa motora, representa um sistema de amplificação que permite que um impulso nervosofraco estimule uma grande fibra muscular. Isto é, a quantidade de corrente elétrica gerada pela fibra nervosa não é suficientemente grande, por si só, para produzir um impulso na fibra muscular, visto que a fibra nervosa tem uma área de contato de apenas um décimo ou menos da fibra muscular. Assim, a acetilcolina secretada faz com que a fibra muscular gere o seu próprio potencial de ação. Cada impulso nervoso, na verdade, para na placa motora e, em seu lugar, começa um novo impulso inteiramente novo no músculo. 5.6.3 A paralisia causada por miastenia grave Algumas vezes, uma pessoa tem uma transmissão muito deficiente de impulsos na placa motora, o que leva a uma paralisia. Uma das causas dessa paralisia é uma condição chamada de miastenia grave. A doença neuromuscular é causada por uma resposta autoimune, na qual o sistema imunológico produz anticorpos contra a membrana da célula muscular. A reação dos anticorpos com a membrana na goteira sináptica aumenta o espaço da fenda sináptica e também destrói muitas das pregas da membrana. Esses efeitos diminuem muito a responsividade da membrana da fibra muscular à acetilcolina. O tratamento com neostigmina, que impede a destruição da acetilcolina pela colinesterase, é, muitas vezes a saída para a reversão da paralisia. Essa substância permite o acúmulo da acetilcolina na placa motora, no período compreendido entre dois impulsos repetidos e que, por conseguinte, exerça um efeito muito intenso sobre a membrana da fibra muscular. Como resultado, as pessoas quase que completamente paralisadas pela miastenia grave podem, muitas vezes, ser trazidas a uma quase normalidade, menos de um minuto após a uma única injeção venosa de neostigmina. 5.6.4 Potencial de ação muscular Praticamente tudo que já foi discutido anteriormente, com relação à iniciação e à condução dos potenciais de ação nas fibras nervosas, aplica-se igualmente às fibras musculares esqueléticas, exceto por diferenças quantitativas. Alguns dos aspectos quantitativos dos potenciais musculares são os seguintes: • Potencial de repouso da membrana: cerca de -80 a -90 mV nas fibras musculares esqueléticas (o mesmo das grandes fibras nervosas mielinizadas). • Duração do potencial de ação: 1 a 5 milissegundos no músculo esquelético (cerca de cinco vezes mais prolongado do que nos grandes nervos mielinizados). • Velocidade de condução: 3 a 5 m/s (cerca de 1/13 da velocidade de condução nas grandes fibras nervosas mielinizadas que excitam o músculo esquelético). 58 Unidade II 5.7 Eletrocardiograma O nosso coração funciona como uma bomba, bombeando o sangue para todas as partes do corpo. Ele é formado principalmente por fibras musculares, ou seja, é um músculo com características especiais chamado de músculo cardíaco ou, simplesmente, de miocárdio. Para que um músculo se contraia, é necessário um estímulo através de impulsos nervosos, que irão se propagar por meio das fibras musculares, causando sua contração. Quando o impulso nervoso se propaga pelas fibras do músculo cardíaco, ocorre também a propagação de uma corrente elétrica e uma pequena parte dessa corrente elétrica chega até a superfície do corpo, podendo ser registrada. O registro dessa corrente elétrica através de eletrodos colocados sobre a pele, em lados opostos do coração, é chamado de eletrocardiograma. A figura a seguir mostra o registro de um eletrocardiograma normal de dois batimentos cardíacos. Átrios M ili vo lts +2 +1 0 P R T Q S -1 0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0 1,2 1,4 1,6 Ventrículos Tempo (s) Intervalo Q-TIntervalo P-R = 0,16s Segmento S-T Intervalo RR Figura 43 – Eletrocardiograma normal, mostrando o registro da passagem do impulso nervoso através do músculo cardíaco (miocárdio) 5.7.1 Interpretação do eletrocardiograma normal • Onda P: é causada pela voltagem produzida pela passagem do impulso pelos átrios. • Ondas Q, R e S: são causadas pela passagem do impulso pelos ventrículos. • Onda T: é produzida pelo retorno do potencial de membrana das fibras musculares ventriculares ao seu valor normal de repouso, ao término da contração. Durante a contração de uma fibra muscular cardíaca, o processo de despolarização e repolarização ocorre em quatro fases diferente, como mostrado na figura a seguir: 59 BIOFÍSICA APLICADA ÀS CIÊNCIAS BIOMÉDICAS - + 0 A B C D Onda de despolarização Onda de repolarização 0,30 segundo Figura 44 – Modelo do registro da onda de despolarização (em A e B) e da onda de repolarização (em C e D) durante a passagem do potencial de ação através de uma fibra muscular do coração O coração está banhado por líquidos que são meios condutores de eletricidade. Assim, quando o impulso nervoso é gerado, parte dos ventrículos se despolariza e fica eletronegativa em relação ao restante, e a corrente elétrica flui da área despolarizada para a área polarizada, formando grandes curvas que podem ser observadas na figura a seguir. Nos ventrículos normais, a corrente elétrica gerada flui das áreas negativas para as áreas positivas, da base do coração em direção ao ápice, durante quase todo o processo de despolarização. Se conectarmos eletrodos na superfície da pele, o eletrodo mais próximo da base ficará negativo, enquanto o que estiver mais próximo do ápice ficará positivo, e essa variação será registrada pelo aparelho medidor do eletrocardiograma (eletrocardiógrafo). Esse tipo de exame é muito importante para a avaliação da capacidade de transmissão do impulso nervoso pelo coração. 60 Unidade II A B 0 Figura 45 – Fluxo da corrente elétrica que flui pelo tórax ao redor dos ventrículos durante sua despolarização e o seu registro através de eletrodos posicionados sobre a pele (A e B) 5.7.2 Derivações eletrocardiográficas Conectando-se eletricamente os membros do paciente ao eletrocardiógrafo, é possível obter as chamadas derivações bipolares padrão dos membros. Esse termo “bipolar” significa que o eletrocardiograma é registrado por dois eletrodos colocados em lados diferentes do coração. Dessa forma, é possível fazer combinações de dois fios e seus eletrodos, formando um circuito completo entre o corpo e o eletrocardiógrafo. +0,5mV Derivação I 0 - + - + +1,2mV Derivação II 0 - + - + +0,7mV Derivação III 0 - + - + +1,0 mV +0,3 mV - - + - -0,2 mV + + Figura 46 – Posicionamento dos eletrodos para o registro das derivações no eletrocardiograma padrão 61 BIOFÍSICA APLICADA ÀS CIÊNCIAS BIOMÉDICAS • Derivação I – Nessa derivação, o terminal negativo do eletrocardiógrafo é conectado ao braço direito e o terminal positivo, ao braço esquerdo. • Derivação II – No registro da derivação II, o terminal negativo do eletrocardiógrafo é conectado ao braço direito e o terminal positivo, à perna esquerda. • Derivação III – Na derivação III, o terminal negativo do eletrocardiógrafo é conectado ao braço esquerdo e o terminal positivo, à perna esquerda. Cada uma dessas derivações serve para analisar a atividade elétrica do coração de três “pontos de vista” diferentes, como se estivéssemos fotografando um mesmo objeto em uma rua a partir de janelas de prédios diferentes. A figura anterior também mostra um triângulo, denominado triângulo de Einthoven, que está desenhado ao redor do coração. Ele mostra que os braços e a perna esquerda formam os vértices de um triângulo que circunda o coração. Quando se conhece o potencial elétrico de duas das três derivações, é possível calcular o potencial elétrico da terceira derivação pela simples soma dos dois primeiros. Essa característica é conhecida como Lei de Einthoven. 5.7.3 Interpretações eletrocardiográficas de anormalidades Algumas doenças do coração podem causar anomalias que são detectadas por meio de alterações no padrão normal do eletrocardiograma. Analise cada uma delas na figura seguinte. Em B, vê-se um eletrocardiograma de um coração com a parte do músculo ventricular lesionado. Nesse registro, fica evidente uma depressão entre as ondas S e T, resultandode um fluxo de corrente elétrica anormal, no intervalo entre os batimentos cardíacos. Isso indica uma lesão das fibras musculares, o que normalmente ocorre quando a pessoa sofre um ataque cardíaco agudo. Em C, é visto um aumento fora do normal da onda S e uma diminuição da onda R, indicando um fluxo maior de corrente no lado esquerdo do coração, que normalmente acontece quando um dos lados do coração fica mais aumentado do que o outro. Esse aumento do ventrículo esquerdo normalmente ocorre devido a uma carga excessiva sobre o coração decorrente de uma pressão arterial elevada. Quando o impulso nervoso é transmitido diretamente pelas fibras musculares do coração e não pelas fibras de Purkinje, que são fibras de grande velocidade, o eletrocardiograma apresenta o complexo da ondas QRS por um tempo muito maior que o normal, indicando uma anormalidade cardíaca conhecida como bloqueio parcial das fibras de Purkinje (conforme D). Em E, vê-se uma anormalidade na transmissão do impulso no nível do feixe AV, ocasionando um descompasso entre a contração dos átrios e dos ventrículos. 62 Unidade II Já em F, é mostrado o registro de uma contração prematura do coração (extra-sístole), onde um impulso ocorre logo após o batimento cardíaco anterior, normalmente em decorrência de uma irritação no coração, que pode ser causada por tabagismo excessivo, pela ingestão de muito café ou pela falta de sono. A B C D E P P P P P P F P P P P QRS QRS QRS P P P PT T T R R P Q T S S Eletrocardiograma normal Segmento S-T deprimido devido a lesão do músculo cardíaco Relação anormal de onda S para onda R devido ao aumento de um lado do coração QRS prolongado devido a falha de condução de impulso no sistema de Purkinje Batimento prematuro devido a um foco irritável no coração Dissociação dos batimentos atrial e ventricular devido a bloqueio cardíaco Figura 47 – Comparação entre um eletrocardiograma normal (A) com outros que expressam vários tipos de anomalias, mostrando que várias anormalidades na função cardíaca podem ser detectadas por meio do eletrocardiograma 63 BIOFÍSICA APLICADA ÀS CIÊNCIAS BIOMÉDICAS 5.7.4 Fibrilação ventricular Em algumas situações anormais, o impulso cardíaco não chega ao fim e permanece se propagando de maneira circular, repetitivamente, ou começam a se propagar em todas as direções, causando a fibrilação ventricular, como pode ser visto na figura a seguir. Esse tipo de ocorrência faz com que os ventrículos fiquem contraídos, com movimentos fibrilatórios desordenados, impedindo os ventrículos de se contraírem adequadamente e de bombear qualquer quantidade de sangue. Nessa situação, a pessoa fica inconsciente dentro de alguns segundos e morre depois de poucos minutos caso não seja socorrida. Ponto de estimulação Impulsos se dividindo Impulso bloqueado A B Figura 48 – Em A, bloqueio do impulso por focos de musculatura refratária, causando fibrilação. Em B, propagação contínua de impulsos fibrilatórios no ventrículo em fibrilação O eletrocardiograma durante a fibrilação ventricular é totalmente fora do normal e, geralmente, não mostra qualquer tipo de ritmo. O padrão de ondas do eletrocardiograma nessa situação não fica repetitivo, e os potenciais eletrocardiográficos mudam constantemente devido à corrente elétrica fluir em várias direções. Figura 49 – Registro eletrocardiográfico durante uma fibrilação ventricular (Derivação II) 5.7.5 Desfibrilação dos ventrículos por eletrochoque Quando uma corrente elétrica de alta voltagem é aplicada através do tórax por meio de dois eletrodos colocados em dois lados do coração por uma fração de segundos, pode fazer a fibrilação parar, por jogar todo o músculo cardíaco no período refratário ao mesmo tempo. Com isso, param todos os potenciais 64 Unidade II de ação por 3 a 5 segundos, parando o coração, que volta a se contrair em seguida, geralmente com o seu marca-passo (nó sinusal) controlando o seu ritmo. Cabo para aplicação da pressão Vários milhares de volts por alguns milissegundos Eletrodo Figura 50 – Desfibrilação dos ventrículos com aplicação de corrente elétrica ao tórax (desfibrilador) 5.8 Receptores sensoriais A linguagem que o nosso cérebro entende é o impulso nervoso (potencial de ação), ou seja, todas as informações que podem ser captadas pelo nosso corpo precisam ser traduzidas em impulso nervoso para que possam ser processadas pelo nosso cérebro. Para isso, o nosso corpo é repleto de receptores, que captam estímulos como tato, som, luz, dor, frio e calor, os chamados receptores sensoriais. Esses receptores transformam os estímulos sensoriais em impulsos nervosos que são levados para o sistema nervoso central para serem processados. Os receptores sensoriais são classificados de acordo com o tipo de sensação que eles são capazes de detectar e estão divididos em cinco tipos básicos: • Mecanorreceptores: detectam compressão mecânica ou estiramento (estirar = esticar) nos tecidos próximos ao receptor. • Termorreceptores: detectam variações de temperatura; alguns detectam frio, outros detectam calor. • Nociceptores: são os receptores de dor; detectam danos aos tecidos, sejam eles danos físicos ou químicos. • Receptores eletromagnéticos: detectam radiações eletromagnéticas (luz) que incidem na retina dos olhos. 65 BIOFÍSICA APLICADA ÀS CIÊNCIAS BIOMÉDICAS • Quimiorreceptores: responsáveis pela detecção do gosto na boca, do cheiro no nariz, do nível do gás oxigênio no sangue, da osmolaridade dos líquidos do corpo e outras tantas alterações químicas no corpo. Alguns tipos de mecanorreceptores encontrados na pele e em tecidos mais profundos são mostrados na figura a seguir: Terminações nervosas livres Receptor tátil do folículo piloso Corpúsculo de Pacini Órgão terminal de Ruffini Corpúsculo de Meissner Aparelho tendinoso de Golgi Corpúsculo de Krause Fuso muscular Receptor com terminação expandida Figura 51 – Esquematização dos vários tipos de receptores sensoriais, que transformam os estímulos sensoriais em sinais neurais, para que eles possam ser percebidos pelo cérebro 5.8.1 Excitação dos receptores sensoriais Cada receptor sensorial funciona como uma espécie de sensor conectado ao cérebro e capta um tipo de estímulo específico. Os receptores de tato, por exemplo, são geralmente estimulados por algum tipo de deformação da fibra nervosa que fica dentro do receptor. A figura a seguir mostra o funcionamento de um receptor tátil chamado de corpúsculo de Pacini. 66 Unidade II Quando ocorre uma compressão nas proximidades desse receptor, a ponta da fibra nervosa em seu interior muda de curvatura ou é estirada (estica), o que faz aumentar momentaneamente a permeabilidade da membrana dessa fibra, permitindo a entrada de íons sódio, causando um fluxo de cargas positivas que irá gerar o potencial gerador, o qual irá causar uma série de potenciais de ação que serão transmitidos ao cérebro. O tipo de sensação percebida, que chamamos de modalidade de sensação, define a qualidade específica da sensação que é percebida, ou seja, se será percebido dor, tato, pressão, posição, visão, audição, equilíbrio, olfato ou paladar. A modalidade da sensação percebida irá depender do ponto do cérebro para onde esse sinal será transmitido. Cada parte do cérebro processa e gera uma determinada modalidade de sensação. + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + - - - - - - - - + + + + + + + + + + + + + + + Potencial de ação Nó de Ranvier Potencial receptor Área deformada Figura 52 – Esquema de funcionamento de um receptor sensorial tátil, o corpúsculo de Pacini, mostrando a geração do potencial de ação Observação O sistema sensorial pode informar ao sistema nervoso central a posição e o movimento das diversas partes do corpo, através de mecanoceptores das articulações, músculos e tendões, por exemplo. 5.8.2 Adaptação dos receptores Chamamos de adaptação dos receptores sensoriais a perdada sensação durante períodos de exposição prolongada dos receptores sensoriais. Quando um estímulo é aplicado a um receptor, ele normalmente responde de modo muito intenso no início, mas depois de algum tempo a intensidade de resposta diminui gradualmente (veja figura a seguir). Um exemplo comum é a sensação ao mergulharmos em uma piscina, o que geralmente causa uma sensação súbita de frio, para pouco depois produzir uma sensação agradável. O nível dessa adaptação pode variar muito de um tipo de sensação para outra. Alguns tipos de receptores se adaptam muito rapidamente, enquanto outros se adaptam muito lentamente ou praticamente não se adaptam. A sensação de dor, por exemplo, é produzida quando está ocorrendo alguma lesão tecidual. Assim, enquanto essa lesão tecidual estiver acontecendo, é importante que a pessoa seja avisada, para que sejam tomadas as providências para a remoção da causa da dor. 67 BIOFÍSICA APLICADA ÀS CIÊNCIAS BIOMÉDICAS 250 200 150 100 50 0 Im pu lso s p or se gu nd o Segundos Receptores da cápsula articular Fuso muscular Receptor do folículo piloso Corpúsculo de Pacini 0 1 2 3 4 5 6 7 8 Figura 53 – Grau de adaptação de diferentes tipos de receptores sensoriais, mostrando que alguns se adaptam rapidamente, enquanto outros se adaptam muito lentamente 6 BIOFÍSICA DA VISÃO E DA AUDIÇÃO 6.1 O olho como uma câmera fotográfica Agora que você já sabe como o nosso cérebro funciona, fica mais fácil de entender como captamos as informações do mundo à nossa volta. No caso dos nossos olhos, vamos compará-los a uma câmera fotográfica moderna. O sistema de lentes de uma câmera fotográfica trabalha para focalizar a imagem que estamos fotografando bem em cima de um sensor. A imagem que essas lentes captam é decorrente da luz refletida pelos objetos, ou seja, a luz proveniente de uma fonte como o Sol ou uma lâmpada comum bate nos objetos e é então refletida para os nossos olhos ou, no caso da câmera, para o sistema de lentes. Mas o que é luz? Luz que conseguimos enxergar nada mais é do que um tipo de radiação eletromagnética. O sensor da máquina fotográfica é capaz de transformar a energia dessa radiação em sinais elétricos que são convertidos na linguagem digital que os processadores de dados são capazes de processar e armazenar em forma de arquivos, que posteriormente são lidos e traduzidos na imagem que vemos nas telas dos computadores ou de nossos celulares. Veja bem, a imagem não é salva na câmera digital, o que é salvo é um arquivo, que, quando processado, nos mostra a imagem. Se você desmontar a câmera ou o seu celular, não vai achar nenhuma imagem que você fotografou dentro dele, não é mesmo? Os nossos olhos funcionam de uma maneira parecida. Existe um sistema de lentes formado pela córnea e pelo cristalino e um sensor, que é a retina. 68 Unidade II Raios gama Raios X Ultravioleta Energia do fóton Infravermelho Frequência Comprimento de onda Micro-ondas Ondas de rádio 0,001 nm 0,01 nm 0,1 nm 1018Hz 10-9m 10-6m 10-3m 1012Hz 109Hz 106Hz1015 1 nm 10 nm 100 nm 1 µm 10 µm 100 µm 1 mm 1 cm 10 cm 1 m 10 m 100 m 1 km Figura 54 – Representação do espectro eletromagnético. A parte colorida é a faixa do espectro conhecida como luz visível 6.1.1 Estrutura geral do olho A anatomia funcional do olho é formada pelas seguintes camadas: • Esclera: envoltório externo. • Córnea: é a parte transparente que permite a passagem da luz para o interior do olho. • Cristalino: lente. • Humor aquoso: líquido que fica antes do cristalino. • Humor vítreo: estrutura gelatinosa que fica depois do cristalino. • Retina: camada nervosa que contém as células responsáveis pela conversão da energia luminosa em impulsos nervosos. Íris Luz Cristalino Córnea Humor aquoso Humor vítreo Músculo ciliar Esclera Nervo óptico Fóvea Retina Figura 55 – Corte no plano sagital do olho, mostrando as principais estruturas anatômicas 69 BIOFÍSICA APLICADA ÀS CIÊNCIAS BIOMÉDICAS 6.2 O sistema de lentes do olho Assim como na câmera fotográfica, os nossos olhos são dotados de um sistema de lentes que servem para focar a imagem bem em cima da retina. Quanto melhor o foco, melhor será a nitidez da imagem formada. A primeira lente desse sistema, a mais externa, é a córnea. Quando os raios luminosos atingem os nossos olhos, eles são primeiramente refratados (desviados) por essa primeira lente, da mesma maneira como a lente de uma câmera ou de um par de óculos. Em seguida os raios luminosos, já no interior do olho, atingem uma segunda lente, chamada de cristalino. O cristalino é formado por uma cápsula elástica preenchida por um líquido proteico transparente. Ele está suspenso por ligamentos que fazem a ligação da cápsula com músculos que podem se contrair ou relaxar. A ação desses músculos faz a tensão dos ligamentos presos ao cristalino aumentar ou diminuir, alterando a espessura da lente. A B Objeto distante Objeto próximoMúsculo descontraído Músculo contraído Cristalino descontraído Cristalino engrossado Figura 56 – Mecanismo de acomodação do cristalino. Em A, cristalino tensionado pelos ligamentos suspensores focando um objeto distante. Em B, músculo ciliar contraído aliviando a tensão sobre o cristalino, que fica mais ovalizado, aumentado a força da lente para a focalização de um objeto próximo Os raios de luz sofrem a primeira curvatura, na córnea, depois na face externa do cristalino e, finalmente, na face interna do cristalino, focando a imagem na retina. Poder refrativo total = 59 dioptrias ObjetoImagem Humor vítreo 1,34 Humor aquoso 1,33 Cristalino 1,40 Córnea 1,38 AR 1,00 Figura 57 – Esquema do sistema de lentes do olho humano com seus respectivos índices de refração, focalizando a imagem de um objeto em cima da retina 6.2.1 Distância focal de uma lente Os raios de luz entram paralelos no olho e começam a ser curvados pelo sistema de lentes que os fazem ser desviados para o centro, em um ponto chamado de ponto focal ou foco. 70 Unidade II 6.2.2 Dioptria Quanto mais uma lente curvar os raios de luz, maior será seu “poder refrativo”. Esse poder é medido em uma unidade chamada de dioptria. Em lentes convexas, que curvam os raios luminosos em direção ao centro, como as lentes dos nossos olhos, a dioptria é igual a um metro dividido pela distância focal. 1 metro 1 dioptria 2 dioptrias 10 dioptrias Figura 58 – Capacidade das lentes côncavas em desviar os raios luminosos em direção ao centro da lente, fazendo eles convergirem para o ponto focal. A força da lente é medida em dioptrias 6.2.3 Mecanismo de acomodação Conforme visto, o cristalino é uma lente de dioptria variável, composto por uma cápsula elástica cheia de um líquido proteico transparente. Quando essa cápsula está relaxada, sem qualquer tensão, ele assume uma forma mais esférica, ficando mais “forte”, com mais dioptrias. Quando a cápsula está sendo tensionada, ocorre o inverso, o cristalino fica mais “fino” e menos esférico, com menos dioptrias. Vamos ver como esse mecanismo funciona? Os chamados ligamento suspensores estão presos em torno do cristalino, puxando as bordas para fora. Esses ligamentos estão presos na outra extremidade, no músculo ciliar. A contração das fibras desse músculo relaxa os ligamentos suspensores, diminuindo assim a tensão sobre o cristalino. Ou seja, quando o músculo ciliar contrai, o cristalino relaxa e ganha “força” (dioptrias); quando o músculo relaxa, aumenta a tensão sobre os ligamentos tensores, que puxam o cristalino, deixando-o mais fino, com menos dioptrias. Quando focalizamos objetos mais próximos, o músculo ciliar relaxa e o olho ganha dioptrias, aumentando o seu poder refrativo. O inverso acontece quando olhamos para objetos distantes. 71 BIOFÍSICA APLICADA ÀS CIÊNCIAS BIOMÉDICAS Córnea Esclera Fibras meridionais Ligamentos suspensores Fibras circulares Junção esclerocorneana Coroide Músculo ciliar Ligamentos suspensoresCristalino Figura 59 – Mecanismo tensordo cristalino, que faz essa lente mudar de espessura, variando dessa forma a sua dioptria para que o olho seja capaz de ajustar o foco de acordo com a distância do objeto que está sendo focalizado 6.2.4 Presbiopia: “vista cansada” Você provavelmente já reparou que pessoas após os 50 anos têm dificuldade de focalizar objetos próximos e geralmente passam a usar óculos para leitura ou para enxergar de perto. Esse problema é conhecido popularmente como vista cansada, a presbiopia. Ele ocorre porque à medida que envelhecemos, o cristalino vai perdendo a sua elasticidade e, com isso, a sua capacidade de mudar de forma e aumentar o seu poder refrativo, ganhando dioptrias. Para que você possa ter uma ideia, o cristalino de uma criança consegue alcançar 14 dioptrias, o de um adulto com idade entre 45 e 50 anos, 2 dioptrias e o de um idoso de 70 anos, nenhuma dioptria. É por isso que as pessoas mais idosas sentem a necessidade de usar óculos para leitura. 6.2.5 Diâmetro pupilar A íris é a parte colorida do olho e funciona como um diafragma de uma câmera fotográfica, controlando a quantidade de luz que entra no olho. O orifício no centro da íris é a pupila. Em ambientes com muita luz, a íris se fecha, diminuindo o diâmetro da pupila (fenômeno conhecido como miose), diminuindo a entrada de luz, enquanto em ambientes com pouca luz a íris se abre, aumentando o diâmetro da pupila (midríase), permitindo maior entrada de luz no olho. Essa variação na abertura pupilar pode alterar a entrada de luz no olho em até 30 vezes. 72 Unidade II Uma curiosidade sobre a formação de uma imagem na retina: do mesmo modo que uma lente de vidro pode focalizar uma imagem numa folha de papel, o sistema de lentes do olho pode focalizar uma imagem na retina. Essa imagem focalizada é invertida e reversa, como mostrado na figura a seguir. Mas então como é que enxergamos a imagem na posição correta? Quando o sinal neural decorrente da imagem é processado, o próprio cérebro nos faz enxergar a imagem na posição correta; caso contrário, veríamos tudo de forma invertida e reversa. Fontes em ponto Pontos focais A B Figura 60 – Em A, representação da focalização da imagem pelo sistema de lentes do olho em cima da retina. Em B, a imagem focada na retina de forma invertida e reversa 6.2.6 Erros de refração Quando a imagem projetada sobre a retina não é focada corretamente (está fora de foco) por um problema no sistema de lentes dos olhos, chamamos esse problema de erro de refração. Quando isso acontece, a pessoa normalmente enxerga uma imagem distorcida e desfocada. Esse tipo de problema geralmente pode ser corrigido com o uso de lentes corretivas, seja através de óculos ou de lentes de contato e, mais recentemente, com cirurgias corretivas. Os erros de refração mais comuns são: hipermetropia, miopia, astigmatismo e catarata. • Hipermetropia: pode ser causada por um globo ocular curto demais ou por um sistema de lentes fraco demais, resultando em uma dificuldade para focar a visão em objetos próximos, ou seja, para enxergar de perto. Com o sistema de lentes relaxado, os raios de luz paralelos não são curvados o suficiente para que o foco aconteça em cima da retina. Normalmente, o mecanismo de acomodação é usado para compensar essa deficiência. 73 BIOFÍSICA APLICADA ÀS CIÊNCIAS BIOMÉDICAS Hipermetropia Figura 61 – Globo ocular curto demais, fazendo com que a imagem seja focada depois da retina, causando a hipermetropia • Miopia: é um erro de refração normalmente causado por um globo ocular longo demais ou por um sistema de lentes forte demais, resultando em uma dificuldade para focar objetos distantes, ou seja, para enxergar de longe. Isso acontece porque os raios de luz provenientes de objetos distantes são focalizados antes da retina. Nesse caso, não existe um mecanismo pelo qual o olho possa diminuir a força do seu sistema de lentes, sendo necessária a utilização de lentes corretivas ou a correção do problema por meio de cirurgia. Miopia Figura 62 – Globo ocular excessivamente alongado, fazendo com que a imagem seja focada antes da retina, causando a miopia Figura 63 – Na parte superior da figura, lente esférica convexa, a qual diverge os raios luminosos, deslocando o foco da imagem para cima da retina para a correção da miopia. Logo abaixo, uma lente esférica côncava, a qual converge os raios luminosos para que sejam focalizados em cima da retina, corrigindo a hipermetropia 74 Unidade II • Astigmatismo: é um erro de refração que acontece por uma imperfeição na curvatura da córnea, que resulta em um sistema de lentes ovoide (em forma de ovo) em vez de esférico. A curvatura da lente do olho astigmático é diferente em um plano em relação ao outro. Córnea irregular Figura 64 – Irregularidade na curvatura da córnea, desfocando a imagem em um dos planos focais, causando o astigmatismo A curvatura da lente astigmática ao longo de um plano é menor do que a curvatura ao longo de outro plano. Assim, o poder de acomodação do olho não pode compensar jamais o astigmatismo, porque cada um dos planos exige um grau diferente de acomodação. Enquanto para a correção da hipermetropia e da miopia são utilizadas lentes esféricas – côncavas para a hipermetropia e convexas para a miopia –, para correção do astigmatismo são utilizadas lentes cilíndricas que são capazes de corrigir o foco em um plano isoladamente. A B D C Linha focal para plano BD Linha focal para plano AC Fonte de luz em ponto Plano AC (menor poder refrativo) Plano BD (mais poder refrativo) Figura 65 – Esquema ótico da alteração do foco da imagem de planos distintos provocado pelo astigmatismo • Catarata: é um tipo de anormalidade na visão causada pelo aparecimento de áreas opacas ou nubladas no cristalino. Isso acontece quando as fibras proteicas que formam o 75 BIOFÍSICA APLICADA ÀS CIÊNCIAS BIOMÉDICAS cristalino se degradam (desnaturam e coagulam), formando áreas opacas. Para corrigir essa anormalidade, normalmente é feita uma cirurgia, em que ocorre a substituição do cristalino opaco por uma lente artificial. 6.2.7 A função da retina A retina é a camada com terminações nervosas do olho que é encarregada de traduzir a energia luminosa focada pelo sistema de lentes sobre ela em impulsos nervosos que são transmitidos ao cérebro, que processa essa informação gerando a sensação visual. Os receptores sensoriais da retina são os cones e os bastonetes. Além dessa camada nervosa, também existe a camada pigmentar, que é constituída pelo pigmento melanina e serve para absorver os raios luminosos que atravessam a retina, impedindo que eles se reflitam de volta para o olho e ofusquem a visão. Bastonete Cone Cone Distal Proximal Célula bipolar Célula bipolarCélula amácrima Célula amácrima Célula horizontal Célula ganglionar Via lateral Via vertical Para o nervo óptico Camada pigmentada Camada nuclear externa Camada nuclear interna Camada plexiforme externa Membrana limitante interna Camada plexiforme interna Camada de células ganglionares Estrato óptico Direção da luz Figura 66 – Diagrama da estrutura microscópica da retina mostrando suas diversas camadas 76 Unidade II Figura 67 – Estrutura das membranas externas dos bastonetes (à esquerda) e dos cones (à direita), os receptores sensoriais da retina • Bastonetes: são os receptores que estão em maior número na retina e são estimulados por todas as cores do espectro da luz visível. Eles são os responsáveis pela visão em tons de cinza (preto e branco). No interior dos bastonetes é produzida continuamente uma substância chamada de rodopsina, que é degradada pela luz. Segmento externo Núcleo Terminal sináptico Mitocôndrias Membrana limitante externa Segmento interno Membranas revestidas com rodopsina ou pigmento colorido Figura 68 – Esquema das partes funcionais dos receptores sensoriais da retina 77 BIOFÍSICA APLICADA ÀS CIÊNCIAS BIOMÉDICAS Quando a luz atinge a rodopsina no interiorde um bastonete, ela se degrada e muda a permeabilidade aos íons sódio na membrana do bastonete, dando início a um impulso nervoso. Os impulsos nervosos gerados nos bastonetes são então transmitidos pelo nervo óptico até o cérebro, onde serão processados. Corrente de vazamento diminuída por decomposição da rodopsina Bomba de sódio Na+ Corrente de sódio Figura 69 – Geração do potencial de ação no bastonete, causada pela degradação da rodopsina pela luz, ocasionando uma alteração na permeabilidade da membrana do bastonete e permitindo a entrada de íons sódio • Cones: células que, embora mais curtas que os bastonetes, apresentam uma estrutura muito semelhante. No interior dos cones também existem substâncias fotossensíveis chamadas de fotopsinas, que apesar de terem uma função idêntica à da rodopsina dos bastonetes, são estruturalmente diferentes. Existem três tipos de cones diferentes, cada um deles estimulados especificamente por uma determinada cor do espectro de luz visível: cones sensíveis ao vermelho, cones sensíveis ao verde e cones sensíveis ao azul. Mas se os cones são sensíveis a apenas essas três cores, como é que conseguimos enxergar também todas as outras cores? A resposta é simples: a mistura dessas três cores dá origem a todas as outras cores que conseguimos enxergar, ou seja, as cores que enxergamos são resultantes das misturas dos sinais gerados pelos três diferentes tipos de cones mais os sinais gerados pelos bastonetes, como pode ser visto na figura seguinte. 78 Unidade II 100 75 50 25 0 400 500 600 700 Ab so rç ão d e lu z (p or ce nt ag em re la tiv a à ab so rç ão m áx im a) Comprimento de onda (nanômetros) Cone azul Cone verde Cone vermelhoBastonetes Violeta Azul Verde Amarelo Laranja Vermelho Figura 70 – Absorção de luz pelos bastonetes e pelos cones da retina, cuja combinação possibilita a percepção das cores na faixa da luz visível do espetro de radiação eletromagnética 6.3 Biofísica da audição Usamos o som como meio de comunicação e para percebermos o mundo ao nosso redor. Possuímos órgãos especiais para produzir e detectar os sons. Como funciona o ouvido humano? Para respondermos essa pergunta, primeiro temos que entender melhor o que é o som. O som é produzido através da geração de ondas sonoras, que são ondas mecânicas e, por isso, precisam de um meio para se propagar. O som que se propaga pelo ar é gerado pela compressão e relaxamento alternados do ar, razão pela qual são chamadas frequentemente de ondas de compressão, de ondas de pressão ou, simplesmente, de som. Quando essas ondas atingem o ouvido, ocorre a tradução da energia contida nessas ondas em impulsos nervosos, que chegam ao nosso cérebro e produzem a sensação sonora. A velocidade de propagação das ondas sonoras no ar é de cerca de 340 m/s ou 1.220 km/h. O ouvido humano é capaz de ouvir sons em uma faixa de frequência que vai de 20 Hz a 20.000 Hz (vibrações por segundo). Frequências abaixo de 20 Hz são chamadas de infrassom; e acima de 20.000 Hz, de ultrassom. Isso quer dizer que os sons fora dessa faixa não são percebidos pelos nossos ouvidos. Os cães, por exemplo, podem ouvir sons de frequências acima dos 20.000 Hz, que são impossíveis de serem percebidos pelos nossos ouvidos. 6.3.1 O ouvido humano O nosso cérebro não é capaz de perceber diretamente as ondas sonoras. Como já visto, o cérebro só entende os impulsos nervosos. Assim, o som precisa ser traduzido em impulso nervoso para que o nosso cérebro seja capaz de percebê-lo. Esse é o papel do ouvido humano, anatomicamente dividido em três partes: • Ouvido externo: formado pelo pavilhão e pelo conduto auditivo externo. 79 BIOFÍSICA APLICADA ÀS CIÊNCIAS BIOMÉDICAS • Ouvido médio: formado pela base externa (membrana do tímpano) e pela base interna. Essas duas bases são unidas por uma cadeia de ossículos (ossos bem pequenos): martelo, bigorna e o estribo. • Ouvido interno: constituído por uma série de cavidades ósseas chamadas de labirinto, compreendendo o vestíbulo, o utrículo e o sáculo. É no labirinto que se encontra uma estrutura em caracol chamada de cóclea. O som, ao entrar pelo pavilhão, faz a membrana do tímpano vibrar. Essa energia das ondas sonoras precisa ser amplificada e transmitida para o ouvido interno. A parte central da membrana timpânica está ligada a um sistema de alavancas formado pelos três ossículos de audição: o martelo, que faz a ligação com o tímpano; a bigorna, que se articula com o martelo e com o estribo; e finalmente o estribo, que transmite a energia sonora (vibração) já amplificada para o ouvido interno (ver figura a seguir). É até difícil de acreditar que temos esses ossos minúsculos dentro dos nossos ouvidos, mas esse papel de amplificação que eles desempenham é muito importante. Para você ter uma ideia, esse sistema amplifica a energia das ondas sonoras cerca de 22 vezes! Sem o trabalho desses ossículos, a energia sonora captada pelo tímpano não seria suficiente para ser utilizada para a audição. A pressão sonora amplificada pelos ossículos é transmitida pelo estribo, que está ligado à entrada da cóclea através de uma passagem chamada de janela oval. Dentro da cóclea (ouvido interno), a vibração é transmitida para um líquido que preenche o ouvido interno, chamado de líquido coclear, que vai ser deslocado para frente e para trás. Canal auditivo Janela oval Janela redonda Cóclea Gânglio espiral Nervo coclear Membrana timpânica Martelo Estribo Bigorna Rampa timpânica Rampa vestibular Figura 71 – Esquema da organização anatômica do ouvido, mostrando o ouvido externo, médio e interno Como o ouvido converte as vibrações das ondas sonoras em impulso nervoso? Através do órgão de Corti, o responsável por fazer essa conversão. Dentro desse órgão, no nosso ouvido interno, existem as células ciliadas, que são os receptores sensoriais do nosso ouvido. Elas formam uma espécie de carpete dentro da cóclea (ver figura a seguir). Quando o líquido coclear se move com a vibração transmitida pelo estribo, ele movimenta as células ciliadas. 80 Unidade II Estribo Janela oval Janela redonda HelicotremaMembrana basilar Escala timpânica Escala vestibular e escala média Figura 72 – Diagrama funcional da cóclea, mostrando o movimento do líquido em seu interior, quando a vibração é transferida pelo estribo Esse movimento altera a permeabilidade da membrana dessas células aos íons sódio, que entram nas células e alteram o potencial da membrana disparando um potencial de ação (ver figura a seguir). Os potencias de ação (impulsos nervosos) são então transmitidos para o cérebro através de nervo coclear, e o cérebro processará esses sinais, gerando a sensação auditiva. Membrana tectorial Células ciliadas externas Fibra basiliar Gânglio espiral Nervo coclear Células ciliadas internas Figura 73 – Corte transversal do órgão de Corti, mostrando as células ciliadas e a membrana tectorial fazendo pressão sobre essas células 81 BIOFÍSICA APLICADA ÀS CIÊNCIAS BIOMÉDICAS Saiba mais A revista científica internacional Cell publicou uma série de pôsteres inéditos: um deles sobre a transdução auditiva (auditory transduction). Veja em: HUDSPETH, A. J. SnapShot: Auditory transduction. Neuron, 16 out. 2013. Disponível em: <https://ac.els-cdn.com/S0896627313009057/1-s2.0-S089662 7313009057-main.pdf?_tid=968231b3-2893-474f-bd27-cfcd 55b193ef&acdnat=1549624444_cd51ec14f7d046f6eb7fa06584827c93>. Acesso em: 8 fev. 2019. Resumo A membrana celular é uma grande barreira que controla de forma seletiva tudo que entra e sai das células. Através dela, substâncias são transportadas por transporte passivo – que acontece sem gasto de energia e a favor do gradiente de concentração – ou por transporte ativo – onde há gasto de energia e ocorre contra o gradiente de concentração. O transporte passivo pode ser ainda dividido em difusão simples, difusão facilitada e osmose, que é a difusão de água. O exemplo
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