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1 Dryele Cruz – Odontologia UFPE CONDUTAS NO CONSULTÓRIO ODONTOLÓGICO A anamnese, importante requisito na consulta inicial, permite ao cirurgião-dentista estabelecer o perfil de saúde dos pacientes, onde é possível identificar não somente doenças sistêmicas, mas também medicamentos usados de forma contínua pelo paciente, que podem provocar reações indesejáveis quando associados a outros fármacos empregados durante alguns procedimentos. Faz parte da anamnese, ainda, não somente a avaliação dos sinais vitais do paciente, mas também sua classificação de acordo com seu estado físico, chamada ASA-PS, em que os pacientes são distribuídos em 6 categorias, delineando, de forma facilitada, a conduta do cirurgião- dentista de acordo com a saúde do paciente. Dessa forma, é possível prevenir emergências indesejáveis no consultório odontológico, uma vez que o CD conhece as possíveis morbidades e doenças sistêmicas do seu paciente [2,5]. No entanto, caso venha a surgir uma emergência no consultório odontológico, o CD precisa estar preparado para não só reconhecê-la, mas também intervir de forma efetiva com medidas de pronto atendimento, colocando em prática as manobras de Suporte Básico de Vida (SBV) e de Ressuscitação Cardiopulmonar (RCP) quando necessárias, bem como manusear determinados equipamentos, medicamentos e acessórios [2]. São inúmeras as situações de emergência que podem acontecer na clínica odontológica, sejam na sala de espera, durante ou após o procedimento odontológico, ou até mesmo fora do consultório. Dentre as principais situações que são mais suscetíveis de acontecer, podemos citar: alteração ou perda da consciência, dificuldade respiratória, dor no peito, arritmias cardíacas, crise hipertensiva arterial, reações alérgicas, reações a superdosagem de soluções anestésicas, convulsões e intoxicação acidental [2]. 1. Alteração ou perda da consciência Esta é a situação emergencial mais comumente relatada, sendo a síncope vasodepressora, também chamada de desmaio, relatada em cerca 50% de todas as emergências odontológicas. É caracterizada pela perda transitória da consciência acarretada por distúrbios reversíveis na função cerebral. As principais causas para este acontecimento incluem causas neurogênicas, vasculares, cardiogênicas, endócrinas, exposição à toxinas e medicamentos, distúrbios de oxigênio e até mesmo níveis incomumente altos de estresse devido ao medo do ambiente odontológico [1]. 1.1 Prevenção A perda de consciência pode ser prevenida, na maioria dos casos, através da anamnese detalhada do paciente, onde é possível determinar a capacidade do paciente em tolerar estresse, seja ele físico ou psicológico, associado ao tratamento odontológico. Essa detecção precoce permite ao cirurgião-dentista modificar o tratamento, uma vez que existem inúmeras técnicas utilizadas para minimizar o medo e ansiedade do paciente, seja pela sedação mínima ou moderada, hipnose, sedação inalatória com óxido nitroso e oxigênio. Além disso, colocar o paciente em posição supina, na cadeira odontológica, impede a queda da pressão sanguínea cerebral, mecanismo mais comum da causa da síncope, o que diminui significativamente os episódios de síncope [1]. 1.2 Manifestações clínicas 2 Dryele Cruz – Odontologia UFPE A perda da consciência pode vir precedida da pré-síncope, também chamada lipotimia. Nesse caso, o paciente apresenta-se com mal-estar, caracterizado por uma sensação angustiante e iminente de desfalecimento, acompanhado de sudorese, palidez, visão turva, zumbido no ouvido, sem necessariamente sofrer uma perda total da consciência. Considera-se síncope quando uma pessoa está inconsciente e não responde a um estímulo sensorial, e que tenha perdido os reflexos protetores de deglutição e tosse, ficando incapacitada de manter a via aérea pérvia [1, 2]. 1.3 Tratamento Deve-se primeiramente interromper o atendimento e fazer a remoção de todo material que estiver na cavidade oral do paciente e, em seguida, verificar o estado de consciência por meio de estímulo físico e verbal, caso o paciente não responda aos estímulos, deve- se chamar assistência rapidamente. O paciente inconsciente deve ser colocado em posição supina na cadeira odontológica, com as pernas elevadas cerca de 10 a 15 graus e o cérebro no mesmo nível do coração, uma vez que essa posição tem o mesmo efeito que infundir 2 litros de fluido por via intravenosa. Em casos de pacientes gestantes próximas ao parto, elas devem ser posicionadas do lado direito com o apoio de um travesseiro nas costas do lado esquerdo, com a cadeira odontológica em posição supina. Esta posição irá facilitar o retorno venoso das pernas para o coração [1]. Após esse procedimento, o CD deve verificar a circulação por meio do pulso, preferencialmente pela artéria carótida, e, se o pulso estiver ausente deve-se iniciar de imediato as compressões torácicas. Entretanto, se o pulso estiver presente, embora fraco, deve-se verificar a via aérea, e, em caso de ausência ou dificuldade na respiração, deve-se realizar a técnica de inclinação da cabeça para trás e elevação do mento ou a técnica de tracionamento da mandíbula. Caso o paciente esteja fazendo a troca gasosa adequada, mantem-se a posição, caso não, deve-se repetir a manobra de inclinação da cabeça. Caso a via aérea ainda esteja obstruída, deve-se iniciar a ventilação artificial, e, se não houver recuperação deve-se chamar o serviço médico [1]. 2. Dificuldade respiratória Uma das mais comuns causas de dificuldade respiratória na clínica odontológica é a síndrome da hiperventilação em adolescentes e adultos, decorrente do medo e ansiedade, e crises de asma brônquica ou obstrução por corpo estranho em crianças. 2.1 Prevenção A melhor forma de prevenir a síndrome da hiperventilação é reconhecer, pela anamnese, o grau de ansiedade do paciente, podendo também ser utilizada uma Escala de Ansiedade. Tais pacientes são candidatos à técnica de sedação mínima quando algum procedimento for realizado [2]. Para pacientes portadores de asma brônquica, aconselha-se que o paciente leve sua “bombinha” (broncodilatador em aerossol) em toda consulta. Além disso, o CD deve evitar prescrever ácido acetilsalicílico ou anti-inflamatórios não esteroidais, uma vez que existem relatos de casos agudos de asma relacionada ao uso de tais medicamentos [2]. 2.2 Manifestações clínicas As principais manifestações relacionadas à síndrome da hiperventilação são palpitação, taquicardia, aumento da frequência respiratória, aumento da profundidade dos movimentos respiratórios, sensação de sufocamento, distúrbios visuais, secura da boca, 3 Dryele Cruz – Odontologia UFPE formigamento e parestesia ao redor dos lábios, podendo ocorrer alteração ou perda consciência [2]. Já as relacionadas à asma, baseiam-se, nos episódios severos, por intensa dispneia, cianose da mucosa labial e leitos das unhas, transpiração, vermelhidão da face e pescoço, uso da musculatura acessória para respirar, fadiga e confusão menta [2]. 2.3 Tratamento Para a hiperventilação, deve-se interromper o tratamento de imediato - só isso pode fazer com que o paciente melhore significativamente. Deve-se acomodar o paciente de forma confortável e tranquilizá-lo. Para a correção da alcalose respiratória, ele deve respirar um ar enriquecido com CO2, como auxílio de um saco plástico ou com as mãos em concha. Se os sintomas não melhorarem, pode-se administrar diazepam 10 mg, via oral ou intravenosa [2]. Para a dificuldade respiratória decorrente de uma crise de asma aguda, deve-se interromper o tratamento e retirar qualquer material que esteja cavidade oral, tranquilizá- lo, colocar o paciente sentado com os braços lançados para frente. Deve-se pedir que ele faça a autoadministração do broncodilatador, caso não seja possível, deve-se insuflar cinco aplicações do medicamento num sacode papel e pedir que o paciente inspire. Pode-se administrar oxigênio num fluxo de 5 a 7 litros/minuto. Se o episódio não regredir, deve-se administrar 0,5 mL de epinefrina 1:1.000, via intramuscular [2]. 3. Dor no peito Dentre outras condições patológicas, a angina de peito e o infarto agudo do miocárdio podem vir a ocorrer no consultório odontológico. A angina de peito caracteriza-se por uma dor torácica abaixo do osso esterno, resultante de uma diminuição temporária do fluxo sanguíneo nas artérias coronárias. O infarto agudo do miocárdio (IAM) causa dor subesternal ou ao redor do coração, similar à angina de peito, porém mais severa e com maior duração, acontece devido à deficiência de suprimento sanguíneo das artérias coronárias para uma região do miocárdio. 3.1 Prevenção Para a angina de peito, o CD deve sempre ter à disposição um vasodilatador coronariano (Monocordil e Isocordil), para casos de emergência, que deve ser empregado por via sublingual. Dentre a principais formas de prevenção, deve-se evitar sessões de atendimento muito longas e os anestésicos locais com epinefrina só devem ser empregados em pacientes com doenças coronárias caso esta esteja controlada [2]. Para o IAM, deve-se evitar realizar procedimentos em pacientes com história de IAM em até 6 meses, ter sempre comprimidos vasodilatador coronariano e aspirina 100 mg, avaliar os sinais vitais antes e depois de cada sessão [2]. 3.2 Tratamento Caso o paciente esteja com angina de peito, deve-se interromper o atendimento e colocar o paciente numa posição confortável e, em seguida, administrar um comprimido vasodilatador coronariano por via sublingual e oxigênio 3L/min. Se após 5 minutos a dor persistir, pode-se repetir a dose do vasodilatador (por duas vezes no máximo). Após isso, deve-se encaminhar o paciente para avaliação médica imediata. Caso os sintomas persistam, o CD deve solicitar um serviço médico de emergência [2]. 4 Dryele Cruz – Odontologia UFPE Em caso de suspeita de IAM, o CD deve interromper o atendimento e chamar o socorro médico. O paciente deve ser colocado em uma posição confortável e ser acalmado. 2 a 3 comprimidos de aspirina de 100 mg deve ser dado ao paciente e pedir que ele mastigue. Oxigênio a 3L/min deve ser administrado, para limitar a lesão isquêmica. Caso o paciente tenha uma PCR, as manobras de RCP devem ser iniciadas de imediato, até que o desfibrilador ou o socorro chegue [2]. 4. Arritmias cardíacas As arritmias se classificam como a alterações na frequência cardíaca – quando está abaixo de 60 bpm considera-se bradicardia e acima de 100 bpm é denominada taquicardia. As arritmias podem ser encontradas em pacientes que são classificados em ASA-1, considerados saudáveis, como também em portadores de doenças sistêmicas [2]. Os sintomas provenientes de uma arritmia cardíaca são fadiga, tontura e síncope, além disso, o paciente pode relatar palpitações cardíacas. Os pacientes que possuem e são assintomáticos não precisam de tratamento, apenas os que têm sintomas [2]. 4.1 Prevenção O uso de grandes quantidades de tubetes ou a injeção intravenosa acidental de soluções anestésicas contendo norepinefrina, corbadrina ou fenilefrina, podem desencadear bradicardia ou taquicardia, sendo a nicotina e a cafeína também responsável pela elevação da FR. Para tais pacientes, é recomendado que o CD realize o atendimento pela manhã ou início da tarde e considere um protocolo de sedação mínima, além disso, para pacientes que usam marca-passo deve-se evitar aparelhos de eletrocirurgia e de ultrassom [2]. 4.2 Tratamento Em pacientes com bradicardia sinusal em que a FC é menor que 40 bpm, deve-se providenciar um serviço móvel de urgência e manter o paciente deitado, com os pés levemente elevados em relação a cabeça, deve-se administrar 2 a 3L/min de oxigênio e monitorar o pulso, a PA e a respiração enquanto aguarda o socorro, em caso de PCR, o CD deve iniciar a RCP [2]. Em pacientes que relatem palpitação ou outro sintoma que sugira taquicardia o tratamento deve ser interrompido, o CD deve avaliar o pulso, se o ritmo estiver irregular não se deve fazer nada, apenas encaminhar o paciente para avaliação médica imediata. Se a FC estiver alta mas com ritmo regular, provavelmente é benigna, e o paciente deve ser colocado em repouso e ser observado. Caso a taquicardia perdure por mais de 2 a 3 minutos, deve-se orientar o paciente a expirar de forma foçada, sem expelir o ar, com o nariz e boca tampados (manobra de Valsava); oferecer água gelada e pedir que o paciente tome de forma rápida; caso a taquicardia persista, deve-se provocar o vômito a fim de que haja estimulação vagal. Caso o paciente não se recupere, deve-se chamar o socorro e instituir o SBV caso seja necessário [2]. 5 Dryele Cruz – Odontologia UFPE CONCLUSÃO As emergências que acontecem na clínica odontológica, antes, durantes ou após um procedimento, requerem do cirurgião-dentista instrução teórica e prática acerca dos primeiros socorros, desde as emergências mais simples, como uma pré-síncope, até situações que requerem manobras que auxiliem na manutenção dos sinais vitais do paciente, como a ressuscitação cardiopulmonar. Dessa maneira, o cirurgião-dentista deve estar preparado não só para prevenir tais intercorrências, como também agir prontamente quando uma situação de emergência surgir. A melhor maneira de prevenir incidentes de caráter emergente é através da anamnese detalhada do paciente, que é feita na primeira consulta, onde o cirurgião-dentista pode e deve identificar possíveis doenças sistêmicas que acometem o paciente, sendo possível, durantes os tratamentos subsequentes, tomar medidas e utilizar técnicas que não só beneficiem o paciente, como também sejam condizentes com o seu estado de saúde. Existem inúmeras situações que podem agravar o estado de saúde do paciente, ou até mesmo ocorrer em pacientes considerados saudáveis. Cerca de metade das ocorrências que acontecem no consultório odontológico está relacionada à síncope vasodepressora, em que o paciente tem perda da consciência, e sua principal causa é o estresse ao tratamento odontológico. Dessa forma, através da anamnese, o CD é capaz de identificar a tolerância dos pacientes ao estresse odontológico, sendo possível contornar essa situação com a sedação mínima, dentre outras técnicas, prevenindo cerca de metade das emergências. Os pacientes que possuem doenças sistêmicas ou alergias necessitam que o tratamento odontológico seja cauteloso, principalmente em relação às substâncias que serão administradas, seja medicamento, materiais dentários, anestésicos, etc., uma vez que o contato com tais substâncias pode ter efeitos deletérios ou induzir complicações que representam risco à vida do paciente. Portanto, além de saber conduzir as situações de emergência, o cirurgião-dentista deve, sobretudo, prevenir estas ocorrências. 6 Dryele Cruz – Odontologia UFPE REFERÊNCIAS [1]. MALAMED SF. Emergências Médicas em Odontologia. 7.ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2016. [2]. Livro de emergências odontológicas [5]. NISHIDA JK, VIEIRA M, NASSAR V. Processo interativo para aferição de sinais vitais de pacientes: proposta de uma pulseira multiparamétrica. Blucher Design Proceedings 2016; 2: 3991-4001.