Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Autora: Profa. Marisa Rezende Bernardes Colaboradores: Profa. Mirtes Vitória Mariano Profa. Valéria de Carvalho Prof. Daniel Scodeler Raimundo História da Matemática Professora conteudista: Marisa Rezende Bernardes Possui graduação em Engenharia Civil pela Universidade Estadual de Maringá (1980), graduação em Licenciatura em Matemática pela Universidade Estadual de Maringá (1988), mestrado e doutorado pelo programa de pós graduação da Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, concluídos respectivamente em 2003 e 2009, e é vinculada ao grupo de pesquisa em História Oral e Educação Matemática (GHOEM). Profissionalmente, é professora titular da Universidade Paulista, campus Bauru, desde 2003. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) B522 Bernardes, Marisa Rezende História da Matemática. / Marisa Rezende Bernardes - São Paulo: Editora Sol. 164 p. il. Notas: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XVII, n. 2-028/11, ISSN 1517-9230. 1.História da Matemática 2.Educação Matemática 3.Memória I.Título CDU 511.2 U500.65 –19 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Simone Oliveira dos Santos Sumário História da Matemática APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................7 Unidade I 1 MATEMÁTICA: DA PRÉ-HISTÓRIA AO MUNDO ANTIGO .................................................................. 13 1.1 A Pré-História: panorama cultural ................................................................................................ 13 2 MATEMÁTICA NO ANTIGO EGITO .............................................................................................................. 18 2.1 Influência egípcia ................................................................................................................................. 24 3 MATEMÁTICA NA MESOPOTÂMIA ............................................................................................................ 26 4 MATEMÁTICA NA GRÉCIA ANTIGA ........................................................................................................... 33 Unidade II 5 MATEMÁTICA NA CHINA, ÍNDIA E MUNDO ÁRABE ........................................................................... 72 5.1 Matemática na China ......................................................................................................................... 72 5.2 Matemática na Índia ........................................................................................................................... 76 5.3 Matemática no mundo árabe .......................................................................................................... 84 6 MATEMÁTICA NA ÉPOCA DO RENASCIMENTO E PANORAMA CULTURAL DOS SÉCULOS XVI A XVIII .......................................................................................................................................... 86 Unidade III 7 A MATEMÁTICA NOS SÉCULOS XVI A XX E A ESCOLA BRASILEIRA ...........................................109 7.1 A matemática nos séculos XVI a XVIII ........................................................................................109 7.2 A matemática nos séculos XIX e XX............................................................................................122 8 ESCOLA BRASILEIRA: OS GRANDES MATEMÁTICOS DO PAÍS .....................................................138 7 APRESENTAÇÃO A introdução a seguir tem a função de apresentar de forma mais elaborada os objetivos da disciplina História da Matemática e sua vinculação com o projeto pedagógico e político do curso. É uma perspectiva que defende não ser concebível estudar a história da matemática como algo estanque, sem vinculação pedagógica com disciplinas específicas e muito menos utilizá-la como mero atrativo inicial para conteúdos específicos. A história da matemática é, sobretudo, uma forma de orientação aos profissionais docentes a respeito da origem de questões ideológicas que perpassam o ensino, notadamente, a força da visão eurocêntrica da matemática. Portanto, o objetivo aqui proposto é sistematizar o conhecimento que a humanidade acumulou nesta área, mas sem perder de vista as análises dos contextos social, histórico e cultural que proporcionam a possibilidade de compreensão da ciência de modo mais abrangente e, em consequência, uma ação política mais efetiva na esfera da educação. INTRODUÇÃO Nascer: já assisti gata parindo. Sai o gato envolto num saco de água e todo encolhido dentro. A mãe lambe tantas vezes o saco de água que este enfim se rompe e eis um gato quase livre, preso apenas pelo cordão umbilical. Então a gata-mãe-criadora rompe com os dentes esse cordão e aparece um fato no mundo. (...) Estou dando a você a liberdade. Antes rompo o saco de água. Depois corto o cordão umbilical. E você está vivo por conta própria (LISPECTOR, 1973, p. 41). A primeira perspectiva que este texto irá abordar é o fato de ele ter sido elaborado para um curso de educação à distância. Esta é uma questão importante, uma vez que estabelece um ambiente de aprendizagem diferente daquele utilizado pelo ensino presencial e, portanto, com exigências diferenciadas. Mais do que em outra modalidade, a educação à distância caracteriza-se por ser uma prática educativa que exige do estudante construir conhecimentos e participar efetivamente de seu próprio crescimento. Esse modelo implica, obviamente, um processo de ensino próprio, uma vez que modifica ou mesmo suprime o aparato físico e estrutural do ensino presencial. Assim, a função docente sofre um deslocamento: o professor tem seu papel descentralizado e a forma de atenção ao aluno está mais próxima do que se entende por pesquisa em meios acadêmicos. É um novo formato de ensino-aprendizagem na graduação, no qual os estudantes, assim como aqueles que se iniciam em pesquisas acadêmicas, devem aprender a estudar sozinhos, buscar informações com base em indicações do docente responsável pelo curso e serem capazes de fazer inferências na produção de seu próprio conhecimento. Como este texto foi produzido para a modalidade EaD, as leituras indicadas estão em sua maioria disponíveis on-line. Essa preocupação está relacionada ao fato de alguns alunos da UNIP Interativa serem de regiões onde o acesso a determinados materiais impressos é difícil. Porém, isso não os descompromete de fazer pesquisas de materiais pertinentes à área de interesse das disciplinas em bibliotecas locais. Este texto foi dividido em três unidades (e seus subtópicos), conforme o leitor poderá aferir no sumário. No entanto, essa foiuma arbitrariedade da autora, já que a história da matemática se desenvolveu de acordo User Realce User Realce 8 com condições e necessidades históricas, ou seja, ela não é linear e nem suas descobertas estiveram sempre relacionadas. Na verdade, a história da matemática é caótica, muitas vezes completamente anônima. Essa ressalva é importante porque há na sociedade uma visão arraigada – e inúmeros trabalhos acadêmicos comprovam isso – de que a abordagem que a maioria dos professores de matemática defende (conscientemente ou não) é a abordagem internalista, que privilegia somente o conhecimento do ponto de vista interno da própria matemática, levando os estudantes a crerem que o desenvolvimento da área sempre esteve pautado pela racionalidade. No entanto, mesmo defendendo à exaustão alguns pontos de vista (inclusive o internalista), os professores têm uma vida que transcende a defesa de seus pontos de vista sobre a matemática. Suas vidas em família, a relação com seus companheiros e filhos, com colegas de profissão e com amigos e parentes acrescentam fatos novos ao que se sabe das relações individuais com a categoria docente e com a sociedade. Todos esses aspectos permitem uma reflexão sobre os condicionantes de práticas pedagógicas estarem, assim como a sociedade e a cultura de uma época histórica, sempre adaptando-se a um mundo em transição – assim como ocorreu com a história da matemática. Em sua obra, Michel Foucault defende a possibilidade de se interrogar o discurso do outro além da ideologia no qual se inscreve: o discurso é muito mais. O discurso é o que se deve apreender a partir de posições assumidas, da fala, das práticas cotidianas, de profissionais que denunciam os efeitos recíprocos do par saber-poder e a sua integração estratégica na conjuntura de correlação de forças nos diversos confrontos produzidos na reprodução da vida (BERNARDES, 2009, p. 53-54). Dentro dessa perspectiva, a matemática é uma forma de discurso do poder e, como o estudante perceberá no decorrer da leitura deste texto, o panorama cultural da humanidade avaliza essa perspectiva. A história da matemática não conseguiu atribuir muitas de suas descobertas aos seus autores. Feita por e para as coletividades, ela não concedeu certificados, apenas alguns nomes são conhecidos e, mesmo assim, em muitos casos apenas porque transmitiram, exploraram e comentaram certos conhecimentos desenvolvidos por outras pessoas. Saiba mais A leitura do artigo indicado a seguir permitirá uma visão panorâmica do que será tratado mais detalhadamente na disciplina: SOUZA, A. C. C. Histórias, sensos matemáticos e constructos reflexivos matemáticos: questões sobre educação. Disponível em: <http://www. diaadiaeducacao.pr.gov.br/diaadia/diadia/arquivos/File/conteudo/artigos_ teses/MATEMATICA/Artigo_Carrera.pdf>. Acesso em: 18 abr. 2011. Outro aspecto que deve ser mencionado com clareza nesta introdução é a identificação da perspectiva a partir da qual foi desenvolvido este texto: ele está atrelado ao projeto pedagógico do curso, formador User Realce User Realce User Realce 9 de professores em matemática. Porém, entrelaçada a essa diretriz fornecida pela Instituição está a perspectiva atual da comunidade de educadores matemáticos. Na introdução do livro de Bicudo & Garnica (2001), há uma observação que nos mostra a complexidade atual do fazer docente, daqueles profissionais que trabalham tanto com pesquisas quanto com o ensino da matemática: O amadurecimento de uma área faz-se sentir pela zona de densidade que a envolve, quando são encontrados concepções, conceitos, questões que se superpõem, entrelaçam-se, criando a impossibilidade de ver-se com clareza do que e de qual perspectiva se fala. É essa a situação que percebemos na educação matemática, no momento (BICUDO & GARNICA, 2001, p. 09). Nessa perspectiva, não é concebível estudar a história da matemática como algo estanque, sem vinculação pedagógica com disciplinas específicas e muito menos utilizá-la como mero atrativo inicial para conteúdos específicos. A história da matemática é, sobretudo, uma forma de orientação aos profissionais docentes a respeito da origem de questões ideológicas que perpassam o ensino, notadamente, a força da visão eurocêntrica da matemática. O objetivo aqui proposto é sistematizar o conhecimento que a humanidade acumulou nesta área, no entanto, tendo sempre em vista que a análise do contexto social, histórico e cultural proporciona a possibilidade de compreensão da ciência de modo mais abrangente do que aquele mantido pelo positivismo, como assim defendem Bicudo & Garnica: Permitem que se aceite como ciência procedimentos que conduzam à construção do conhecimento sustentados em critérios de rigor que digam dos modos de obter dados, de analisá-los, de interpretá-los, de generalizar resultados obtidos, de construir argumentações e de dispor de argumentos contrários, incompletos e insatisfatórios de maneira a articulá-los em torno de uma ideia sustentada pelo autor, explicitando sua lógica e convencendo o leitor quanto à sua plausibilidade (BICUDO & GARNICA, 2001, p. 16). Essa forma de pensar caracteriza-se por ser analítica, crítica, reflexiva e abrangente e, segundo a perspectiva aqui defendida, o caro leitor talvez já possa desenvolver ferramentas para romper o saco gestacional que tem guardado a gestação do futuro professor e, com os próprios dentes, obter a liberdade de propor ações, intervenções e decisões em seu ambiente formativo e, posteriormente, profissional. Assim, ele poderá contribuir efetivamente para o conhecimento do mundo cultural, científico, tecnológico, religioso, artístico, enfim, do mundo humano. Poderá analisar também qual a função do cordão umbilical que normalmente liga os estudantes e professores às crenças fortemente arraigadas ao pensamento matemático de que a matemática é independente do humano, portanto, independente dos âmbitos cultural e social. Essa liberdade é estar “vivo por conta própria”, como definiu Clarice Lispector no recorte que inicia esta Introdução. É analisar e refletir propostas e ações educacionais nos diferentes contextos em que ocorrem. O futuro professor, liberto do saco gestacional e do cordão umbilical que a escola lhe impõe, 10 terá condições de educar o olhar: não só observar a escola, mas buscar a finalidade e a intenção dos procedimentos na área de educação. Souza (2001) observa que só é possível perscrutar a paisagem escolar a fim de identificar a rede de fenômenos que ela abriga quando se educa o olhar usando ferramentas intelectuais adequadas. As paisagens que o olhar captura não são construídas somente a partir do natural, mas, também, segundo uma perspectiva histórico-social: há os atores das paisagens que nela transitam, transitaram ou transitarão e há sempre presença e não presença naquilo que permanece e naquilo que muda. Os sujeitos que percorrem anonimamente a paisagem se movem e agrupam-se sob um substrato comum: a sociedade, que é historicamente determinada, vinculada a uma dada cultura e abrange um conjunto de vidas e suas infinitas relações. Desse modo, embora o olhar sempre tenha algo de pessoal ou individual, ele avalia a paisagem a partir de juízos e de valores estéticos e éticos que a sociedade da qual faz parte lhe insufla: ao construir a paisagem, o sujeito também é construído por ela. Souza ainda considera que o fato de o tempo não ser um continuum é importante na constituição das paisagens pelo sujeito: há um ponto entre o passado e o futuro no qual o ser humano se encontra e no qual o tempo se modifica, onde o ser individual tem de se posicionar, “tensionado” ao mesmo tempo pelo passado e pelo futuro. A educação é a possibilidade de o ser humano arbitrar essa luta, projetando-se para o futuro a partir do ponto em que, apesar da mobilidade, se encontra indefinidamente. Para que esse ponto não se torne uma lacuna entre o passado e o futuro, mas uma terceira força1, é necessário um esforçodo sujeito, que deverá marcar simultaneamente posições frente ao passado e ao futuro. A proposta do autor parece óbvia: o passado balizando o futuro. Essa é a finalidade de se estudar a história da matemática. No entanto, há uma grande dificuldade nesta tarefa delegada à educação: a de não alimentar as possibilidades de perpetuar relações hegemônicas. O grande entrave desse encargo atribuído à educação é a memória coletiva sempre ter sido disputada por classes, grupos ou estamentos. (...) a memória coletiva foi posta em jogo de forma importante na luta das forças sociais pelo poder. Tornarem-se senhores da memória e do esquecimento é uma das grandes preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos que dominaram e dominam as sociedades históricas. Os esquecimentos e os silêncios da história são reveladores desses mecanismos de manipulação da memória coletiva (LE GOFF, 2003, p. 422). Ao manipular a memória, esse mecanismo do poder instala uma luta na constituição da paisagem na mente do sujeito, resultado de movimentos de lembranças e apagamentos. Souza observa que a memória, o olhar, o cenário e a paisagem estão imbricados em uma teia de relações que impede o 1Em Souza (2001), percebe-se claramente que essa terceira força é uma resultante – metáfora apoiada obviamente numa concepção vetorial, no paralelogramo de composição de forças. As forças do passado e do presente chocar-se-iam caso o sujeito (cuja interferência determina a intensidade da resultante) não se interpusesse de modo a provocar um “desvio” no ponto onde ocorreria o “choque”. 11 privilégio de um sobre o outro. Essa teia de relações constitui o sujeito da paisagem como elemento do próprio cenário. Segundo o mesmo autor, por essa razão o olhar do nosso tempo precisa buscar as relações entre o visível e o invisível, pois nelas é que se encontra uma possível interpretação do real. A análise dessa articulação permite perceber a memória e o cotidiano como artífices da paisagem, sendo esta distinta da estática percepção do natural. Assim, Souza considera que educar o olhar é buscar analisar quais práticas educacionais habitam o cotidiano escolar e relacioná-las às normas e regras praticadas no contexto social mais amplo, objetivando a percepção e a análise de um campo múltiplo e móvel de correlação de forças existentes em dada sociedade. Em suma, educar o olhar é se perceber sujeito da paisagem em qualquer cenário, seja ele escolar, urbano, rural, de miséria ou de luxo. E você está vivo por conta própria (LISPECTOR, 1973, p. 41). Saiba mais A leitura do artigo indicado a seguir permitirá um questionamento sobre outras possibilidades além da lógica formal para o pensar e fazer profissional: BERGAMO, G. A.; BERNARDES, M. R.. A produção do conhecimento na teoria marxista, questões metodológicas e implicações na educação. In: Educação & Sociedade. vol. 27, no 94. Campinas, jan./abr., 2006. Disponível em: <http://www.sepq.org.br/IIsipeq/anais/pdf/gt4/07.pdf>. Acesso em: 27 mar. 2011. User Realce 12 13 Re vi sã o: S im on e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 9/ 05 /1 1 // R ed im en sio na m en to : G er al do / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 17 /0 1/ 12 HISTÓRIA DA MATEMÁTICA Unidade I 1 MATEMÁTICA: DA PRÉ‑HISTÓRIA AO MUNDO ANTIGO Observações iniciais: sobre a memória De acordo com Le Goff (2003), no estudo da memória histórica é necessário dar uma importância especial para a lacuna entre as sociedades de memória essencialmente oral e as de memória essencialmente escrita e, também, para as fases de transição da oralidade à escrita. Esse cuidado é necessário uma vez que as novas gerações, acostumadas à extensão da memória à maquina – com o advento dos modernos computadores –, tendem a negligenciar as manipulações conscientes ou inconscientes que o interesse, a afetividade, o desejo, a inibição e a censura exercem sobre a memorial individual e, consequentemente, refletem na memória coletiva. Pareceu preferível, para melhor valorizar as relações entre a memória e a história, (...) evocar separadamente a memória nas sociedades sem escritas antigas ou modernas – distinguindo, na história da memória, nas sociedades que têm simultaneamente memória oral e memória escrita, a fase antiga de predominância da memória oral em que a memória escrita ou figurada tem funções específicas; a fase medieval de equilíbrio entre as duas memórias, com transformações importantes das funções de cada uma delas; a fase moderna de processos decisivos da memória escrita, ligada à imprensa e à alfabetização; e, por fim, reagrupar os desenvolvimentos do último século relativamente ao que Leroi-Gourhan chama “a memória em expansão” (LE GOFF, 2003, p. 423). 1.1 A Pré‑História: panorama cultural Como já foi dito anteriormente, o desenvolvimento do conhecimento em matemática sempre esteve relacionado às necessidades dos grupos ou sociedades. Apenas por pretensão didática, o texto será dividido em épocas e será feita a tentativa de relacionar os efeitos da atividade mnêmica própria de cada grupo ou sociedade com a impossibilidade de uma escrita linear para a história da matemática. O primeiro momento a ser focado é o da Idade da Pedra (c. 5000000 – 3000 a.C). O período designado para essa era é arbitrário, pois não se sabe com certeza quando a Idade da Pedra começou. Nessa época, o ser humano era nômade, vivia em pequenos grupos, caçava pequenos animais selvagens, pescava e colhia frutas, castanhas e raízes. Segundo Eves (2004), esses grupos ocupavam porções habitáveis da África, sul da Europa, sul da Ásia e América Central. User Realce User Realce User Realce 14 Unidade I Re vi sã o: S im on e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 9/ 05 /1 1 // R ed im en sio na m en to : G er al do / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 17 /0 1/ 12 Eves ainda observa que também não se pode precisar com certeza o final da Idade da Pedra: algumas culturas persistiram nesse estágio em algumas partes do mundo até o século XIX ou XX. Os conquistadores europeus se depararam nos séculos XVI e XVII no sul da África, Austrália e Américas com povos que ainda viviam na Idade da Pedra. Figura 01 – Machado de pedra encontrado no sítio Santa Clara (de propriedade de Valério Otávio Rabelo Rezende), no município de Engenheiro Beltrão, Paraná A sociedade era rígida e as comunidades formadas por clãs ou tribos tinham um líder ou chefe. Não havia ascensão social e nem rudimentos de política, valendo a “lei do mais forte”. Os homens caçavam para obter alimento e as mulheres cuidavam dos filhos, da limpeza e preparavam os alimentos. Os grupamentos humanos não eram numerosos, uma vez que a comida era escassa e estragava rapidamente. Por isso, era necessário que frequentemente se deslocassem, o que justifica o caráter nômade das tribos primitivas. Le Goff (2003) afirma que, nessas sociedades sem escrita, a memória coletiva aparentemente ordenava-se segundo três grandes interesses: a idade coletiva do grupo, que se fundava em certos mitos de origem; o prestígio das famílias dominantes, expresso pelas genealogias; e o saber técnico, transmitido por fórmulas práticas fortemente ligadas à magia religiosa. Uma possível esquematização da Idade da Pedra em três períodos é dada por Eves e mostra como as necessidades humanas foram modificando-se e, com elas, as adaptações possíveis ao mundo em transformação foram surgindo. Segundo o autor, os historiadores esquematizam essas transformações dividindo a Idade da Pedra em três períodos: • Paleolítico ou Antiga Idade da Pedra (c. 5000000 – 10000 a.C.). • Mesolítico ou Média Idade da Pedra (c. 10000 – 7000 a.C.). • Neolítico ou Nova Idade da Pedra (c. 7000 – 3000 a.C.). User Realce 15 Re vi sã o: S im on e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 9/ 05 /1 1 // R ed im en sio na m en to : G er al do / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 17 /0 1/ 12 HISTÓRIADA MATEMÁTICA Nos dois primeiros períodos da Idade da Pedra, há poucos registros de avanços científicos e intelectuais em decorrência da atividade de caça e colheita de frutos desses povos. Embora sem tempo para as atividades intelectuais em função da dificuldade para sobreviver, algum progresso científico ocorreu em decorrência da comercialização já existente entre as pessoas. Elas comercializavam entre si e havia necessidade de anotar a parte de cada família na caçada e na colheita – um prelúdio do pensamento científico. Assim, em relação ao desenvolvimento matemático, no período pré-histórico o ser humano iniciou um rudimentar processo de contagem no qual utilizava desenhos em cavernas e em pedras, ranhuras em ossos e marcas em galhos. Mas, de acordo com Le Goff, foi no período Paleolítico Médio que apareceram as primeiras figuras, ligadas à mitologia. O último período caracterizou-se pelo declínio da Idade da Pedra e por dar lugar às Idades do Bronze e do Ferro. Por volta do ano 4000 a.C., com o desenvolvimento dos utensílios de bronze e com o florescimento da agricultura, a vida dos grupamentos humanos foi se modificando. Quando a produção de alimentos passou a ser superior às necessidades locais, começou a surgir o comércio. A partir daí, iniciou-se as descobertas científicas e se desenvolveram as grandes civilizações. Em torno de 3000 a.C., as primeiras civilizações emergiram ao longo das margens de grandes rios tais como o Nilo, na África (Egito); o Tigre e o Eufrates, no Oriente Médio (Mesopotâmia); o Amarelo, na China; e os rios Indo e Ganges, na Índia. Observação A grande valorização do trabalho se dá na cidade. Esta é uma das funções históricas fundamentais da cidade: nela são vistos os resultados criadores produtivos do trabalho (LE GOFF, 1998, p. 49). As civilizações que emergiram nesse período diferiam amplamente das sociedades de caçadores e colhedores da Idade da Pedra. Eves (2004) afirma que a densidade populacional obrigou esses povos a encontrar outros meios de obter alimentos. Iniciou-se, assim, uma agricultura intensiva. O autor pontua que essa espécie de “revolução agrícola” criou novas necessidades, tais como o desenvolvimento da engenharia em construções de sistemas de barragens e irrigações, registros das estações das chuvas e das enchentes e, também, traçados de mapas que especificavam as valas de irrigação. “Os agricultores rezavam aos deuses para que as cheias e as chuvas pudessem vir conforme as tabelas e, no processo, observavam o movimento das estrelas. Todas essas atividades deram origem a novas classes de homens educados: sacerdotes, escribas e astrólogos” (Ibidem, p. 53). No interior desses agrupamentos já fixados em cidades e sem a necessidade de se deslocar atrás de alimento, surgiram pessoas – reis, sacerdotes, mercadores e escribas – que tinham tempo para ponderar sobre os mistérios da natureza e da ciência. Em suma, o período de 3000 a 525 a.C. testemunhou o nascimento de uma nova civilização humana cuja centelha foi uma revolução agrícola. Novas sociedades baseadas na economia agrícola emergiram das névoas da Idade da Pedra nos vales dos rios Nilo, Amarelo, Indo, Tigre e Eufrates. Esses povos criaram escritas; trabalharam metais; construíram cidades; desenvolveram empiricamente a User Realce User Realce User Realce User Realce User Realce User Realce User Realce User Realce 16 Unidade I Re vi sã o: S im on e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 9/ 05 /1 1 // R ed im en sio na m en to : G er al do / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 17 /0 1/ 12 matemática básica da agrimensura, da engenharia e do comércio; e geraram classes superiores que tinham tempo bastante de lazer para se deter e considerar os mistérios da natureza. Depois de milhões de anos, afinal a humanidade tomava a trilha das realizações científicas (EVES, 2004, p. 56). As cidades propiciavam condições para mercados de agricultores e artesãos trocarem bens, surgindo, assim, uma classe de mercadores. Figura 02 – Pintura rupestre esquemática em Peña Escrita, Fuencaliente, província de Ciudad Real (Espanha) Nessa época, há a criação da escrita, evolução das antigas figuras rupestres ainda desordenadas. Figura 03 – Escrita cuneiforme Na Mesopotâmia, por volta de 4000 a.C, os sumérios desenvolveram a escrita cuneiforme, representada em placas de argila. Quase simultaneamente foram desenvolvidas no Egito duas formas de 17 Re vi sã o: S im on e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 9/ 05 /1 1 // R ed im en sio na m en to : G er al do / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 17 /0 1/ 12 HISTÓRIA DA MATEMÁTICA escrita: uma mais simples, denominada demótica, e uma forma mais complexa, a hieroglífica, composta de símbolos e figuras. O aparecimento e difusão da escrita provocaram uma revolução na memória coletiva, propiciando a preservação de registros necessários ao desenvolvimento urbano que emergia nessas regiões: A memória coletiva, no início da escrita, não deve romper o seu movimento tradicional a não ser pelo interesse que tem em se fixar de modo excepcional num sistema social nascente. Não é, pois, pura coincidência o fato de a escrita anotar o que não se fabrica nem se vive cotidianamente, mas sim o que constitui a ossatura duma sociedade urbanizada, para a qual o nó do sistema vegetativo está numa economia de circulação entre produtos, celestes e humanos, e dirigentes. A inovação diz respeito ao vértice do sistema e engloba seletivamente os atos financeiros e religiosos, as dedicatórias, as genealogias, o calendário, tudo o que nas novas estruturas das cidades não é fixável na memória de modo completo, nem em cadeias de gestos, nem em produtos (LEROI-GOURHAN, 1964-1965, p. 67-68, In: LE GOFF, 2003, p. 429). Eves afirma, assim, que a ênfase da matemática primitiva ocorreu na aritmética e na mensuração prática, como uma ciência empírica para assistir atividades ligadas à agricultura e à engenharia. Essas atividades necessitavam de uma forma de cálculo para um calendário utilizável; do desenvolvimento de um sistema de pesos e medidas para ser empregado na colheita; da criação de métodos de agrimensura para o armazenamento e distribuição de alimentos, a construção de canais e reservatórios e para dividir a terra; e da instituição de práticas financeiras e comerciais para o lançamento e arrecadação de taxas para propósitos mercantis. No entanto, foi nesse contexto que se desenvolveram tendências no sentido da abstração e, até certo ponto, passou-se então a estudar a ciência por si mesma. Assim, conclui o autor que a álgebra evolui ao fim da aritmética e a geometria teórica originou-se da mensuração. Há dificuldades em localizar no tempo as descobertas em matemática. As comunidades não se comunicavam com facilidade e os escritos sobre as descobertas na Antiguidade não se preservaram em decorrência da fragilidade dos materiais utilizados para esse registro. Os babilônios usavam tábuas de argila cozida, os egípcios usavam pedra e papiros e os primitivos chineses e indianos usavam casca de árvores e bambu para esses escritos. Além disso, algumas civilizações foram extintas e, com elas, suas descobertas. Em decorrência desse tipo de dificuldade e, também, de a matemática ter seu desenvolvimento relacionado com a história das necessidades e preocupações de grupos sociais, Ifrah (1996) a considera completamente anônima, apesar de sua importância. Feita por e para as coletividades, a matemática não concedeu certificados e somente alguns de seus nomes são conhecidos, nomes estes de pessoas que transmitiram, exploraram e comentaram algarismos e sistemas de numeração. Porém, sobre os próprios autores, o teórico conclui que as informações estão certamente perdidas para sempre, talvez porque algumas invenções remontem a uma Antiguidade muito mais remota do que se supõe ou porque foram feitas por homens relativamente humildes a quem a histórianão deu direito a registro. Mas estas descobertas nunca estão para sempre asseguradas: uma civilização se apaga, a dos babilônios ou a dos maias, e, junto com sua User Realce User Realce User Realce User Realce User Realce 18 Unidade I Re vi sã o: S im on e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 9/ 05 /1 1 // R ed im en sio na m en to : G er al do / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 17 /0 1/ 12 casta de sacerdotes rigorosamente recrutados, é um pouco da técnica dos números que desparece, toda uma invenção a refazer. Trata-se, pois, de uma história caótica e tumultuada, cheia de avanços fulgurantes e de recaídas, em que o passo incerto, errático, feito de tentativas e de erros, de impasses, de esquecimentos e de renúncias da espécie humana, parece (para nós, que conhecemos seu coroamento, pelo menos em relação a esse ponto) com o de um bêbado (IFRAH, 1996, p. 11). Resumidamente, conclui-se então que a invenção dos algarismos é anterior à escrita e estes estiveram relacionados com o pensamento místico e religioso do homem no decorrer da história. Assim, a lógica não foi o fio condutor da história da matemática. Em verdade, uma nova civilização emergiu no período de 3000 a 525 a.C. por conta da necessidade de uma economia agrícola que desse conta das necessidades colocadas pelos agrupamentos ao longo dos rios Nilo, Amarelo, Indo, Tigre e Eufrates. Esses povos construíram cidades, criaram escritas, utilizaram metais e desenvolveram empiricamente a matemática básica da agrimensura, da engenharia e do comércio. No entanto, foram as preocupações de contadores, sacerdotes, astrônomos-astrólogos e, em último lugar, de matemáticos que presidiram à invenção e à revolução dos sistemas de numeração. Muitos nomes de números, notações e símbolos distintos existiram ao longo da história da humanidade, entretanto, apenas alguns acabaram por ter influência na civilização ocidental, daí serem denominados de “berços da civilização” as regiões agrícolas do Oriente Médio, da China e do Egito. 2 MATEMÁTICA NO ANTIGO EGITO Figura 04 – Mapa do Egito User Realce User Realce User Realce User Realce 19 Re vi sã o: S im on e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 9/ 05 /1 1 // R ed im en sio na m en to : G er al do / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 17 /0 1/ 12 HISTÓRIA DA MATEMÁTICA O Egito localiza-se no nordeste da África, na região do deserto do Saara. A vida no Egito sempre dependeu e teve estreita relação com o rio Nilo, que provia a população de água e dos peixes para sua sobrevivência, além de viabilizar em suas margens a agricultura e o cultivo do papiro para a escrita. O Nilo também possibilitava o transporte e a comunicação entre as diversas regiões situadas de Norte a Sul e, por ter águas caudalosas, facilitava a construção de canais de irrigação e diques. A história do Egito Antigo vai de aproximadamente 4000 a.C. até 30 a.C., quando essa civilização entra em declínio com a invasão dos romanos. Sua subdivisão é feita em diversos períodos, porém, os contextos social, político e econômico se assemelham, assim como o matemático e o científico. A sociedade egípcia era composta pelo faraó, a nobreza, os sacerdotes, os militares, os escribas, os artesãos, os mercadores, os camponeses (lavradores e pastores) e os escravos. O faraó era o senhor do Egito, considerado uma divindade – o que lhe dava o poder absoluto – e a nobreza o auxiliava na administração estatal. Os egípcios eram politeístas, ou seja, acreditavam em vários deuses e animais sagrados. Havia também a crença na vida após a morte, motivo pelo qual os egípcios desenvolveram a técnica de mumificação de corpos para sua preservação e construíram pirâmides para abrigar esses corpos e os artefatos da nobreza para a próxima vida. Inicialmente, a economia egípcia foi centrada na agricultura, com os camponeses cultivando a terra e fornecendo os produtos para o faraó e a nobreza e retendo para si somente o suficiente para a sobrevivência. O desenvolvimento do comércio com outros povos para a troca de mercadorias ocorreu somente num momento posterior. O desenvolvimento da ciência e da matemática no Antigo Egito teve estreita relação com suas necessidades práticas. Os estudos de astronomia e agrimensura surgiram pela premência que os egípcios tinham em saber quando ocorreriam enchentes no Nilo e quais seriam suas extensões. No entanto, o fato de o rio ter um comportamento bastante regular e, segundo Boyer, de o país ser geograficamente protegido de invasões estrangeiras permitiram um alto grau de estagnação no desenvolvimento das ciências. No campo da administração territorial, surgiu a necessidade de registros e cálculos para possibilitar a cobrança de impostos e taxas diversas. Quanto à educação no Egito Antigo, ela se destinava apenas ao faraó e sua família, aos sacerdotes e aos nobres e era uma educação elementar. Por decisão do faraó, alguns escribas tinham acesso à educação para exercerem sua função. Figura 05 – Hieróglifos em Memphis, com a estátua de Ramsés II ao fundo User Realce User Realce 20 Unidade I Re vi sã o: S im on e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 9/ 05 /1 1 // R ed im en sio na m en to : G er al do / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 17 /0 1/ 12 Por volta do ano 3000 a.C., os egípcios já tinham desenvolvido seu sistema de escrita: os hieróglifos. Eles não desenvolveram um alfabeto, mas determinaram símbolos correspondentes aos sons de sua língua. Ao combinar os fonogramas, formavam-se as versões esquematizadas de palavras. Com o passar do tempo, foram desenvolvidas mais duas formas para a escrita: a hierática e a demótica. A hierática foi usada pelos sacerdotes em textos sagrados e era uma escrita cursiva, geralmente gravada em papiro, madeira ou couro. A demótica era uma forma simplificada de escrita, usada para as situações de comércio e situações gerais do dia a dia. Em seguida, um exemplo de escrita gravada predominantemente em papiros: Figura 06 – Papiro: documento em escrita cursiva hierática Figura 07 – Documento em escrita hierática, registrado em papiro e obtido no Templo de Amun A partir das figuras anteriores, é possível observar as duas formas de escrita egípcia. No entanto, segundo Boyer, as escritas demótica e hieroglífica só foram desvendadas a partir da descoberta em 1799 pela expedição de Napoleão da pedra de Rosetta (antigo porto de Alexandria). Ela continha uma mensagem em três línguas: demótica, hieroglífica e grego. Champollion, na França, e Thomas Young, na Inglaterra, decifraram as escritas antigas por serem conhecedores da língua grega. User Realce User Realce User Realce User Realce User Realce User Realce User Realce User Realce User Realce 21 Re vi sã o: S im on e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 9/ 05 /1 1 // R ed im en sio na m en to : G er al do / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 17 /0 1/ 12 HISTÓRIA DA MATEMÁTICA Figura 08 – Pedra de Rosetta Figura 09 – Demarcação dos três tipos de escrita Desta forma, Boyer indica que a numeração hieroglífica egípcia foi facilmente decifrada. Pelo menos tão antigo quanto as pirâmides e datando de cerca de 5000 anos atrás, o sistema baseava-se na escala de dez. Para a representação numérica, tinham símbolos em hieróglifos e em hierático: Figura 10 – Hiróglifos User Realce User Realce 22 Unidade I Re vi sã o: S im on e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 9/ 05 /1 1 // R ed im en sio na m en to : G er al do / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 17 /0 1/ 12 Figura 11 – Hierático O sistema de numeração dos Egípcios baseava-se em sete números-chave: 1, 10, 100, 1.000, 10.000, 100.000 e 1.000.000. Todos os outros números eram escritos combinando os números chave. 1 10 100 1.000 10.000 100.000 1.000.000 Figura 12 Esses símbolos eram colocados lado a lado e repetidos aténove vezes. Por exemplo, o número 1.342 seria escrito da seguinte forma: Figura 13 O sistema usado era o decimal, ou seja, cada dez símbolos eram trocados por um símbolo de ordem superior, mas não era posicional: cada símbolo não tinha um valor relativo, ou seja, um valor que dependia da sua posição dentro do número. Não havia um símbolo para o zero. Os sistemas de numeração tinham por objetivo prover símbolos e convenções de agrupamento desses símbolos de forma a registrar a informação quantitativa e poder processá-la. Boyer aponta que as inscrições egípcias revelam familiaridade com grandes números desde tempos remotos. Os egípcios eram precisos no contar e no medir e, em razão disso, as pirâmides foram construídas com alto grau de precisão e orientação. Com base na relação que estabeleceram entre as inundações do rio Nilo e os surgimentos heliacais da estrela de Sirius, os egípcios construíram um bom calendário solar feito de 12 meses de 30 dias e mais cinco dias de festa. Como esse calendário perdia um quarto de dia por ano, as estações avançavam em torno de um dia a cada quatro anos. A data de sua origem é discutível, mas se supõe que esse calendário tenha sido construído em torno de 2773 a.C. User Realce User Realce 23 Re vi sã o: S im on e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 9/ 05 /1 1 // R ed im en sio na m en to : G er al do / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 17 /0 1/ 12 HISTÓRIA DA MATEMÁTICA Para Eves, o Egito sempre se manteve em um semi-isolamento. A natureza tranquila do rio Nilo fez com que o desenvolvimento do conhecimento matemático no Egito não tenha sido tão importante quanto aquele alcançado na Babilônia. Embora tenham desempenhado um papel relevante na obtenção de informações sobre a matemática desenvolvida pelos egípcios, os calendários e pedras tumulares forneceram informações sobre o contar e o medir. Os conhecimentos e registros históricos que temos sobre a civilização egípcia e a matemática por eles desenvolvida provêm principalmente de alguns papiros encontrados a partir do século XIX, que resistiram ao desgaste do tempo por mais de três milênios e meio. Os papiros mais importantes são o de Rhind, o de Moscou e o de Berlim. Papiro de Rhind (ou de Ahmes) O papiro que ficou conhecido como papiro de Rhind (ou papiro de Ahmes), segundo Boyer, foi comprado em 1858 pelo escocês Alexander Henry Rhind em uma loja de Luxor. Ele é um antigo papiro egípcio, com cerca de 0,30 m de altura e 5 m de comprimento, contém 85 problemas matemáticos escritos em hierático e foi feito pelo escriba Ahmes, que o copiou por volta de 1650 a.C. de outro documento mais antigo, de aproximadamente 2000 a.C. Em sua maioria, os problemas envolvem assuntos de natureza prática, são de cunho aritmético ou geométrico e cada um deles está acompanhado de sua resolução. O papiro de Rhind encontra-se no British Museum (exceto alguns fragmentos, que estão no Brooklin Museum). Figura 14–Papiro de Rhind De acordo com Boyer, os numerais e outros assuntos não foram escritos no papiro de Rhind na forma hieroglífica, mas sim em escrita cursiva. A numeração é decimal, mas com a introdução de sinais especiais para representar dígitos e múltiplos de potências de dez, em um processo denominado de ciferização. O autor ainda complementa que, introduzido pelos egípcios há cerca de 4000 anos, esse processo significou uma importante contribuição à numeração e continua sendo um instrumento eficaz até os dias atuais. Eves afirma que, ao descrever os métodos de multiplicação e divisão utilizados por este povo, os papiros também são fontes primárias ricas sobre a matemática egípcia antiga, já que através deles sabe-se que os egípcios faziam uso das frações unitárias e do emprego da regra de falsa posição2, solução para o problema da determinação da área de um círculo e para muitos problemas práticos os quais as aplicações da matemática solucionariam. 2O método de falsa posição será mostrado no tópico “Influência egípcia”. User Realce 24 Unidade I Re vi sã o: S im on e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 9/ 05 /1 1 // R ed im en sio na m en to : G er al do / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 17 /0 1/ 12 Papiro de Moscou O papiro de Moscou data de aproximadamente 1850 a.C. e foi escrito por um escriba desconhecido e com menos cuidado do que o papiro de Rhind. Ele também é chamado de papiro de Golonishev em homenagem a quem o comprou em 1893, no Egito. O papiro de Moscou está também escrito em hierática e nele são apresentados 25 problemas matemáticos, quase todos da vida prática. O curioso em relação a esse papiro é que nele há um trapézio, mas os cálculos associados são referentes ao tronco de uma pirâmide. Papiro de Berlim O papiro de Berlim também foi adquirido por A. H. Rhind, em Luxor, em 1850. Boyer afirma que ele data de aproximadamente 2000 a.C. e está parcialmente danificado. Ele é o mais antigo documento que chegou até nossos dias e apresenta uma equação de 2° grau. Cronologia O quadro abaixo é feito com base em Eves (2004, p. 67-71): Quadro 1 História Civilização egípcia Comentários 3000 a.C. Cetro real egípcio com gravações em hieróglifos egípcios Numeração da ordem de centenas de milhares e milhões 2600 a.C. Construção da grande pirâmide de Gizé Envolveu problemas de matemática e engenharia 1950 a.C Papiro de Kahun Problemas teóricos a respeito de progressões aritméticas e geométricas 1850 a.C. Papiro de Moscou ou de Golonishev 1850 a.C. Data do mais antigo instrumento astronômico existente, misto de fio de prumo e colimador 1650 a.C. Papiro de Rhind (ou papiro de Ahmes) 1500 a.C. Extração do maior obelisco existente, erigido diante do Templo do Sol, em Tebas. Tem 105 pés de altura, base quadrada de lado igual a 10 pés e pesa 430 toneladas 1500 a.C. O mais antigo relógio de sol que existe data dessa época Está no Museu de Berlim 1350 a.C. Papiro de Rollin, contém algumas enumerações elaboradas sobre alimentos Está no Museu do Louvre e mostra a utilização prática de grandes números 1167 a.C. Papiro de Harris. Foi preparado por Ramsés IV, quando ascendeu ao trono Relata grandes obras de seu pai, Ramsés III 2.1 Influência egípcia Aritmética e álgebra Eves expõe que todos os 110 problemas dos papiros de Moscou e de Rhind são numéricos. A maioria deles é de natureza prática, mas há também alguns de natureza teórica. User Realce User Realce 25 Re vi sã o: S im on e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 9/ 05 /1 1 // R ed im en sio na m en to : G er al do / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 17 /0 1/ 12 HISTÓRIA DA MATEMÁTICA O autor sustenta que uma das características do sistema de numeração egípcio é o caráter aditivo da aritmética dependente. A multiplicação e a divisão eram em geral efetuadas por uma sucessão de duplicação, considerando que todo número pode ser representado por uma soma de potências de 2. Esse sistema se adequa muito bem ao ábaco e, por essa razão, perdurou enquanto este esteve em uso. Boyer indica que, para os egípcios, era familiar a comutatividade da multiplicação e muitos dos problemas do papiro de Ahmes mostram manipulações equivalentes à regra de três. Observação Método da Falsa Posição: Considere a equação: x x+ = 7 24 Assumindo um valor conveniente para x, tal qual x = 7: 7 7 7 8+ = Como 8 deverá ser multiplicado por 3 para resultar 24, o valor de x correto é 3.(7) = 21. Ainda, os egípcios eram calculadores e estudaram geometria, contudo, não faziam provas geométricas nem generalizavam suas conclusões. Por meio de exemplos, conheciam o teorema de Pitágoras e contribuíram com os gregos com relação às regras de cálculo. Eves percebe que já havia certo simbolismo na álgebra egípcia, já que no papiro de Rhind aparecem símbolos para mais e menos e símbolos ou ideogramas para igual e incógnita também eram empregados. Frações Unitárias Na Idade da Pedranão havia o conhecimento sobre frações. Boyer considera que foi com o advento de culturas mais avançadas durante a Idade do Bronze que parece ter surgido a necessidade do conceito de fração e de notação de frações. Para os egípcios, as frações de denominador 1, chamadas de frações unitárias, indicavam o recíproco de qualquer número inteiro através de um simbolismo próprio. Algumas passagens encontradas nos papiros indicam que havia alguma percepção das regras gerais e dos métodos no tratamento de frações. Geometria Eves aponta que dos 110 problemas presentes nos papiros de Moscou e de Rhind, 26 são geométricos. Muitos deles estão relacionados à mensuração de terras e a volumes de grãos. Aparecem também User Realce User Realce 26 Unidade I Re vi sã o: S im on e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 9/ 05 /1 1 // R ed im en sio na m en to : G er al do / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 17 /0 1/ 12 problemas relativos à proporção e tentativas de cálculo de volumes de sólidos. Boyer chama atenção para o fato de o conhecimento de proporção ser vital na construção de pirâmides, uma vez que as faces deveriam manter uma inclinação constante. Eves complementa afirmando que, no papiro de Moscou, existe um exemplo correto da fórmula do volume de um tronco de pirâmide e nenhum outro exemplo inquestionavelmente genuíno dessa fórmula foi encontrado na matemática oriental antiga. Boyer revela que não se conhece teorema ou demonstração formal na matemática egípcia. Entretanto, algumas comparações relacionando perímetros e áreas de círculos e quadrado efetuadas no vale do rio Nilo estão entre as primeiras afirmações precisas da história referentes a figuras curvilíneas. 3 MATEMÁTICA NA MESOPOTÂMIA A Mesopotâmia localizava-se no Oriente Médio, na região situada no vale dos rios Eufrates e Tigre, onde hoje se localiza o Iraque e a Síria. A palavra Mesopotâmia, em grego, significa “entre rios”. A região foi habitada inicialmente pelos sumérios que, por volta do ano 4000 a.C., desenvolveram o sistema de escrita provavelmente mais antigo da história humana. Figura 15 – Mapa da Mesopotâmia Ao longo do tempo, essa região foi invadida por diversos grupos humanos, tais como os amoritas, os cassitas, os elamitas, os hititas, os assírios, os medos e os persas, que absorveram a cultura local. Os antigos povos que habitavam a Mesopotâmia são frequentemente chamados de babilônios, embora, segundo Boyer, essa denominação não seja inteiramente correta. Ele afirma que, a princípio, a cidade de Babilônia não foi o centro de cultura associado com os dois rios, mas a expressão “babilônica” foi atribuída à região durante o período de 2000 a.C. a 600 a.C., aproximadamente. Quando a cidade foi tomada por Ciro da Pérsia, em 538 a. C., o império babilônico terminou. A região é ocasionalmente denominada de Caldeia em razão da dominação dos caldeus, provenientes do sul da Mesopotâmia, principalmente durante o último século antes de Cristo. Os povos da Mesopotâmia escreviam em tabletes de argila cozida em fornos ou ao sol e, para gravar os caracteres, usavam estiletes. Como mencionado anteriormente, eles desenvolveram uma escrita que ficou conhecida como cuneiforme, pois as marcas feitas na argila pareciam pequenas cunhas. Esses tabletes se mostraram mais resistentes ao tempo do que os papiros e uma enorme quantidade deles User Realce User Realce 27 Re vi sã o: S im on e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 9/ 05 /1 1 // R ed im en sio na m en to : G er al do / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 17 /0 1/ 12 HISTÓRIA DA MATEMÁTICA resistiu e chegou até os nossos dias, permitindo acesso à cultura dos babilônios. Hoje, eles estão no acervo de diversas universidades inglesas e norte-americanas. Dessas, destaca-se particularmente a coleção G. A. Plimpton, da Universidade de Columbia, com tabletes de 1900 a.C. a 1600 a.C., aproximadamente. Nos tabletes, entre outros assuntos, estão registrados problemas matemáticos, fórmulas e desenhos. Eves relata que os arqueólogos têm trabalhado nessa região sistematicamente desde antes da metade do século XIX, tendo sido desenterrado mais de meio milhão de tábuas de argila. Somente no sítio da antiga Nipur foram encontradas mais de 50.000 tábuas. Das cerca de meio milhão delas, quase 400 foram identificadas como estritamente matemáticas. No entanto, o autor observa que o trabalho para decifrar sua escrita cuneiforme foi árduo e posterior à decifração dos hieróglifos egípcios, ocorrendo, portanto, pouco antes de 1800. Boyer pondera que, apesar da abundância de materiais relativos à Mesopotâmia, eles provêm estranhamente de dois períodos muito distantes no tempo. Há uma quantidade de material dos primeiros séculos do segundo milênio a.C. (Babilônia antiga) e outra dos últimos séculos do primeiro milênio a.C. (período selêucida). A maior parte das contribuições importantes em matemática remonta ao período mais antigo. Por volta de 3000 a.C., a civilização dos sumérios era avançada, com estruturas políticas e religiosas definidas e um sistema sofisticado de irrigação, com canalização e diques para o controle das enchentes dos rios Tigre e Eufrates. Entre 2100 a.C. e 2004 a.C., os sumérios tiveram grande prosperidade e consolidaram seu sistema jurídico, seu sistema meteorológico simplificado, seu calendário e ainda construíram diversos templos. O desenvolvimento da civilização na Mesopotâmia ocorreu em estreita dependência dos rios Tigre e Eufrates. Os povos prosperaram com base na agricultura, que se desenvolvia graças à fertilização da terra decorrente das inundações dos dois rios. Contudo, de forma diversa do que se passava com as águas do rio Nilo, os períodos de cheia dos rios Tigre e Eufrates eram bastante irregulares, obrigando a realização de numerosas obras de irrigação e drenagem. Desse modo, desenvolveu-se a engenharia e a navegação para o transporte de mercadorias. Quanto à matemática, assim como no Antigo Egito ela se desenvolveu em função das necessidades do dia a dia: inicialmente para contabilizar animais, cereais etc., posteriormente para a administração dos bens, organização de obras e cobrança de impostos. Eves observa que as tábuas encontradas mostram que os sumérios antigos estavam familiarizados com todos os tipos de contratos legais e usuais, tais como faturas, recibos, notas promissórias, crédito, juros simples e compostos, hipotecas, escrituras de venda e endossos. O autor afirma que há tábuas que são documentos de empresas comerciais e outras que lidam com sistemas de pesos e medidas. Os sumérios efetuaram também medições do tempo e observações na astronomia para auxiliar suas atividades práticas. Boyer indica que os babilônios usavam um sistema numérico sexagesimal, isto é, com base no número 60. Eles conheciam os resultados das multiplicações e divisões, raízes quadradas e cúbicas, equações e o processo de fatoração. Eles usavam palavras como incógnitas num sentido abstrato. Os assuntos matemáticos que se apresentam nos tabletes vindos da Mesopotâmia são: o sistema de numeração sexagesimal e as tábuas trigonométricas e, na geometria, o estudo do tronco de cone e do tronco de pirâmide quadrangular regular; o perímetro da circunferência; e o teorema de Pitágoras e as ternas pitagóricas. Ainda, o sistema de numeração usado variava entre o posicional, o decimal e o sexagesimal e a base 60 era apropriada principalmente para o cálculo com frações, por conta dos divisores naturais de 60: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 10, 12, 15, 20, 30, 60. User Realce User Realce User Realce User Realce User Realce User Realce User Realce 28 Unidade I Re vi sã o: S im on e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 9/ 05 /1 1 // R ed im en sio na m en to : G er al do / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 17 /0 1/ 12 Figura 16 – Símbolos para os números Segundo Boyer, especula-se que o sistema sexagesimal teve origemprovavelmente na astronomia, especificamente na contagem do tempo, isto é, na divisão do tempo em horas, minutos e segundos. O sistema seria originário da junção de dois sistemas mais antigos: o decimal e outro de base seis. No entanto, o autor considera mais provável que a base de 60 unidades tenha sido adotada e legalizada no interesse da metrologia, uma vez que uma grandeza de 60 unidades pode ser mais facilmente subdividida em metades, terços, quartos, quintos, sextos, décimos, dozeavos, quinzeavos, vigésimos e trigésimos, fornecendo assim dez subdivisões. Eves informa que, mesmo nas tábuas mais antigas, o sistema sexagesimal posicional já estava estabelecido. Muitos dos textos dos primeiros tempos mostram a distribuição de produtos agrícolas e de cálculos aritméticos baseados neste sistema. Apesar da forma fundamentalmente decimal das sociedades atuais, esse sistema ainda permanece nas unidades de tempo e angulares. Saiba mais Baseados na obra de Georges Ifrah, que faz parte de nossa referência bibliográfica, alunos da licenciatura em ensino de matemática da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa apresentaram uma série de seminários que foram reproduzidos no texto 6 formas de pensar os algarismos, disponível em: <http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/seminario/ algarismos/introducao.htm>. Acesso em: 19 maio 2011. Operações fundamentais De acordo com Boyer, os babilônios desenvolveram a melhor notação para frações conhecida até a Renascença. A precisão de seus resultados diferia muito pouco daqueles possibilitados pelo processo atual. Além disso, segundo o autor, os matemáticos babilônios não foram hábeis apenas com sistemas de 29 Re vi sã o: S im on e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 9/ 05 /1 1 // R ed im en sio na m en to : G er al do / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 17 /0 1/ 12 HISTÓRIA DA MATEMÁTICA numeração, mas também no desenvolvimento de processos algoritmos, entre os quais um para extrair a raiz quadrada. As operações aritméticas fundamentais eram tratadas de forma semelhante à atual e com facilidade comparável. Ainda segundo o autor, também existem tabelas babilônicas que contêm potências sucessivas de um dado número, semelhante às atuais tabelas de logaritmos ou, mais propriamente, de antilogaritmos. Apesar de existirem lacunas em suas tabelas exponenciais, os babilônios utilizavam a interpolação por partes proporcionais para a obtenção de valores intermediários aproximados. Geometria Este campo sempre esteve relacionado à mensuração prática. Segundo Eves, no período de 2000 a.C a 1600 a.C., os babilônios já conheciam as regras gerais do triângulo retângulo, do volume de um paralelepípedo reto-retângulo e o volume de um prisma reto com base trapezoidal. No entanto, como observa o autor, a principal marca da geometria babilônica é seu caráter algébrico. Álgebra Eves aponta que, em torno de 2000 a.C., a aritmética babilônia já havia evoluído para uma álgebra retórica bem desenvolvida. Eles não só resolviam equações quadráticas, seja pelo método equivalente ao de substituição numa fórmula geral, seja pelo método de completar quadrados, mas também discutiam algumas equações cúbicas e algumas equações biquadradas. Para Boyer, esses conhecimentos indicam tanto o alto grau de habilidade técnica dos matemáticos babilônios quanto a maturidade e flexibilidade dos conceitos algébricos envolvidos. Plimpton 322 Do ponto de vista matemático, um dos mais importantes documentos que chegaram até nós é o tablete designado por Plimpton 3223. Eves indica que ele foi escrito no período babilônico antigo (aproximadamente entre 1900 e 1600 a.C.). Boyer observa que a tábula encontra-se parcialmente danificada, mas o esquema de construção é claramente discernível. Inicialmente, ela foi tomada como um registro comercial, mas uma análise mais profunda mostrou que aquilo que foi registrado nela constitui em profundo significado matemático na teoria dos números. Sabe-se que, entre outras notações, a tábula traz a relação entre os três lados de um triângulo. Figura 17 – Plimpton 322 3Sua designação se deve ao fato de pertencer à coleção de G. A. Plimpton, da Universidade da Columbia, e à sua catalogação sob o número 322. 30 Unidade I Re vi sã o: S im on e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 9/ 05 /1 1 // R ed im en sio na m en to : G er al do / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 17 /0 1/ 12 Um momento de reflexão para o futuro professor Boyer faz uma observação curiosa que, no contexto de um curso de licenciatura, vale a pena ser comentada: As realizações dos babilônios no domínio da álgebra são admiráveis, mas os motivos que impulsionaram essa obra não são fáceis de entender. Era suposição comum que virtualmente toda a ciência e a matemática pré-helênicas eram puramente utilitárias; mas que espécie de situação da vida real na Babilônia antiga podia levar a problemas envolvendo a soma de um número e seu recíproco, ou a diferença entre uma área e um comprimento? Se o motivo era utilitário, então o culto do imediatismo era menos forte do que hoje, pois conexões diretas entre o objetivo e a prática na matemática babilônia não são nada aparentes. Que pode ter havido tolerância para com a matemática por si mesma, se não encorajamento, é sugerido por uma tableta (No 322) na Plimpton Collection da Columbia University. A tableta do período babilônio antigo (1900 a 1600 a.C. aproximadamente) e as tabelas que contêm podiam facilmente ser tomadas por um registro de negócios. No entanto, a análise mostra que há um profundo significado na teoria dos números, e que talvez se relacionasse com uma espécie de prototrigometria (BOYER, 2003, p. 23). O comentário do autor é interessante porque ele reitera uma perspectiva que não pode passar despercebida ao futuro professor: a matemática é uma criação humana e a forma como ela é apropriada difere conforme o contexto em que ela é utilizada. De fato, nos primórdios da sociedade humana a ênfase da matemática primitiva ocorreu na aritmética e na mensuração, como uma ciência prática para assistir a atividades ligadas à agricultura e à engenharia. Mas foi exatamente esse contexto que criou as condições para que se desenvolvessem tendências no sentido da abstração. Uma forma de se perceber isso é o alerta de Ifrah (1996) em relação à importância de se diferenciar a forma como o número é concebido por diferentes grupos humanos, ou seja, as pessoas nem sempre são capazes de conceber qualquer número abstrato. O autor aponta que inúmeras hordas “primitivas”, como os zulus e os pigmeus da África, os aranda e kamilarai da Austrália, os aborígenes das ilhas Murray e os botocudos do Brasil percebem o número de modo um tanto qualitativo. Para esses grupos, o número se reduz a uma “pluralidade material” e assume o aspecto de uma realidade concreta indissociável da natureza dos seres e objetos em questão. O traço comum de diferentes agrupamentos possuírem a mesma quantidade de itens, tais como cinco carneiros ou cinco árvores, se reduz a uma espécie de capacidade natural chamada de “percepção direta do número” ou “sensação numérica”. Expressões como “muito” e “vários” são utilizadas para caracterizar agrupamentos e avaliá-los. Essa aptidão natural não pode ser confundida com a “faculdade abstrata de contar”, que diz respeito a um fenômeno mental mais complicado e constitui uma aquisição relativamente recente da inteligência humana. User Realce User Realce 31 Re vi sã o: S im on e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 9/ 05 /1 1 // R ed im en sio na m en to : G er al do / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 17 /0 1/ 12 HISTÓRIA DA MATEMÁTICA Figura 18 – Objeto de decoração reproduzindo momento de reflexão de um membro de uma horda primitiva Determinadas espécies animais também são dotadas de um certo tipo de percepção direta dos números. Em alguns casos, são capazesde reconhecer as modificações de conjuntos numericamente reduzidos. No entanto, é curioso notar que as faculdades humanas de percepção direta dos números não ultrapassavam a de certos animais, pois não iam além do número quatro. Ifrah indica que, para que o ser humano pudesse progredir no universo dos números, foi necessário que certos procedimentos mentais fossem agregados à sensação numérica inata. Daí que, diante da existência de um embrião de capacidade de abstração entre os babilônios, a perplexidade de Boyer causa certa estranheza, pois as condições geográficas da Mesopotâmia exigiam o desenvolvimento da matemática e ela de nada serviria se ficasse trancafiada a um grupo de sábios. É importante observar a história segundo essa perspectiva porque, atualmente, ainda há controvérsias a respeito de a quem deve ser dada a capacidade de abstração e de inferência. É a discussão que Vianna (2003) coloca para a educação matemática: A educação matemática só é possível porque, uma vez que existe a matemática, as pessoas podem trocar experiências matemáticas entre si. Quero deixar bem claro aqui uma prioridade que dou à matemática: se ela não existisse, não haveria educação matemática. Mas não basta que exista matemática, ela deve ser instituída como uma prática social relevante, e é essa relevância e esse modo de instituição que vão determinar a necessidade de uma educação matemática. (...) A educação matemática depende, de modo radical, de como a sociedade institui, a cada época, a matemática como prática social relevante. A educação matemática existe porque, existindo a matemática, as sociedades, ao fazerem dela um dos elementos de sua cultura, criaram necessidades específicas de comunicação e, a par dessas necessidades, encontraram dificuldades no exercício dessa comunicação (VIANNA, 2003, p. 48). Os professores de matemática irão se deparar com essas dificuldades de comunicação que os objetos matemáticos colocam para sua prática. Além disso, em um primeiro momento ainda confundirão os 32 Unidade I Re vi sã o: S im on e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 9/ 05 /1 1 // R ed im en sio na m en to : G er al do / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 17 /0 1/ 12 objetos da educação matemática com os da matemática. No entanto, é exatamente na perplexidade de Boyer que talvez resida o caminho para diferenciá-los. O desenvolvimento da matemática está intrinsecamente ligado ao humano, inclusive como faculdade de abstração. Boyer relaciona a capacidade de abstração às possibilidades que uma sociedade proporciona: As culturas pré-helênicas também têm sido estigmatizadas como puramente utilitárias, com pouco ou nenhum interesse pela matemática por ela mesmo. Aqui, também, está envolvido um julgamento, mais do que prova indiscutível. Então, como agora, a vasta maioria da humanidade se preocupava com problemas imediatos de sobrevivência. O lazer era muito mais raro do que hoje, mas mesmo assim havia no Egito e na Babilônia problemas que têm características de matemática de recreação. Se um problema pede a soma de gatos e medidas de trigo, ou de comprimento e uma área, não se pode negar a quem o perpetrou ou um certo humor ou uma procura de abstração (BOYER, 2003, p. 29). Por fim, vale destacar que é da civilização que se desenvolveu na Mesopotâmia o primeiro código de leis escrito da história: o código do imperador Hamurabi. Esse código continha uma legislação sobre o direito de propriedade, escravidão, relações familiares, religião, crimes, comércio, empréstimos a juros etc. e era extremamente rígido. Nele, estavam previstas as punições para roubo, auxílio à fuga ou ocultação de escravos e incesto, por exemplo. Acredita-se que, infelizmente, vários problemas matemáticos da época não foram registrados, contudo, provavelmente a civilização que se desenvolveu na Mesopotâmia produziu conhecimentos além do que podemos imaginar. Quadro 2 – Cronologia História Civilização da Mesopotâmia Ciência 8000 a.C. Objetos em argila 3500-3000 a.C. Cidades sumerianas - Desenvolvimento da escrita cuneiforme Criação da roda 3000-2350 a.C. Primeiros tabletes de Argila com problemas matemáticos 2100-2000 a.C. Desenvolvimento do sistema sexagesimal 2000-1600 a.C. Tabelas com multiplicações, raízes, coeficientes e algoritmos 1700 a.C. Babilônios – Legislação Código de Hamurabi, desenvolvimento da álgebra e da geometria 1500-747 a.C. Babilônios – Palácios Astronomia 650 a.C. Assírios – Biblioteca de Astronomia Astronomia 612 a.C. Caldeus Artes Astronomia 540 a 500 a.C. Persas – Calendários Astronomia 336 a.C. Alexandre 33 Re vi sã o: S im on e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 9/ 05 /1 1 // R ed im en sio na m en to : G er al do / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 17 /0 1/ 12 HISTÓRIA DA MATEMÁTICA 4 MATEMÁTICA NA GRÉCIA ANTIGA Figura 19 – Mapa da Grécia A atividade intelectual das civilizações do Egito e da Mesopotâmia perdeu seu ritmo bem antes da era cristã, cedendo espaço para uma nova civilização assumir a hegemonia cultural. Segundo Struik (1997), os novos povos que se destacavam eram os hebreus, os assírios, os fenícios e os gregos. No entanto, como já mencionado anteriormente, o período anterior à era cristã foi marcado por um longo período de progresso intelectual e científico. Em regiões agrícolas denominadas “berço da civilização” (Oriente Médio, China e Egito), projetos de irrigação foram desenvolvidos e as primeiras cidades, pirâmides, monumentos e os Jardins Suspensos da Babilônia foram construídos. Além disso, a escrita foi inventada e desenvolveu-se a matemática, a astrologia e a metalurgia. O sistema de tribos foi substituído por sistemas complexos de governo, como as cidades-estado e os pequenos impérios. Porém, como observa Eves, as realizações culturais mais impressionantes ocorreram na Grécia, durante o período Helênico (c. 800-336 a.C.), e na China, nos primeiros tempos do Período Clássico (c. 600-221 a.C.). A civilização na Grécia antiga se constituiu por volta de 2000 a.C. pela migração vinda do Egito e do Oriente Médio, pouco depois da fundação do Império Babilônio pelos amoritas. Eves nota que, em 300 anos, despontou na Ilha de Creta uma nova civilização, altamente avançada, que dominava a escrita e a leitura. A localização geográfica dessa civilização foi entre os mares Egeu, Jônico e Mediterrâneo, mas, como observa Boyer, a civilização helênica não estava só localizada ali. Em 600 a.C., colônias gregas podiam ser encontradas ao longo das margens do Mar Negro e Mediterrâneo e foi nessas regiões afastadas que um novo impulso se manifestou na matemática. O autor constata que os colonistas da beira-mar, especialmente na Jônia, contavam com duas vantagens: tinham o espírito ousado e imaginativo típico de pioneiros e estavam mais próximos dos dois principais vales de rio dos quais podiam extrair conhecimentos. Ainda de acordo com o autor, os gregos não hesitavam em absorver elementos de outras culturas, de outra forma, não teriam aprendido como passar tão depressa à frente de seus predecessores imputando a tudo sua marca. 34 Unidade I Re vi sã o: S im on e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 9/ 05 /1 1 // R ed im en sio na m en to : G er al do / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 17 /0 1/ 12 Os gregos atuais se denominam helenos em função de seus antepassados. Considera-se que o povo heleno, denominação dada aos cidadãos da Grécia antiga, foi aquele que construiu a base da civilização ocidental. Struik afirma que a Idade do Bronze foi substituída, então, pela Idade do Ferro, o que transformou a arte da guerra, baixou os custos dos instrumentos de produção, aumentou o excedente social, estimulou o comércio e permitiu maior participação dos cidadãos nas questões econômicas e de interesse público. As cidades que surgiam ao longo da costa da Ásia Menor e no continente grego eram cidades comerciais,onde os antigos proprietários de terras tinham que lutar contra uma classe de mercadores independentes e politicamente conscientes. Ainda segundo as afirmações de Struik, por volta de 800 a.C. começaram a surgir as “pólis”, isto é, as cidades-estado, delineando a vida política grega. Essa nova organização social criou um novo tipo de homem. Os mercadores eram independentes, mas sabiam que tinham de lutar por esse estado de coisas constantemente. Não havia lugar para uma visão estática de vida. Adicionalmente, a religião era politeísta – os deuses possuíam características humanas – e a mitologia era muito importante para os gregos, já que os mitos e as lendas eram usados para transmitir ensinamentos. Embora tivessem existido várias dezenas de cidades-estado gregas, algumas se sobressaíram. Como ilustra Eves, sendo portos marinhos, Corinto e Argos eram cidades comerciais de grande movimento. Situadas nas costas da Jônia (hoje Turquia), Mileto e Esmirna eram cidades-empório importantes. Rodes, Delfos e Samos eram comunidades ilhoas que se dedicavam à pesca e ao comércio. Siracusa era a maior das colônias gregas, na Itália. Tebas era um grande centro agrícola e Olímpia era sede dos famosos Jogos Olímpicos quadrienais. Porém, o autor conclui que as cidades gregas mais importantes eram Atenas (grande centro comercial e cultural) e a militarista Esparta. O período até 336 a.C. foi marcado por conflitos entre as cidades-estado em virtude da escassez de alimentos. Premido pela deficiência de condições de sobrevivência, o povo espartano se militarizou ao máximo e travou sangrentas guerras com outras cidades-estado. Eves afirma que o exército espartano era temido em toda a Grécia, mas a manutenção do poderio bélico teve como consequência uma herança intelectual praticamente nula. Atenas também passou por momentos de turbulência em decorrência da escassez de alimentos e sofreu inclusive com uma guerra interna entre pobres e ricos. Ela só retomou o caminho da prosperidade quando o reformador Sólon foi eleito. O novo líder alterou a forma agrícola da região, incentivando o cultivo de oliveiras e videiras, e deu início a uma constituição bastante democrática para o mundo antigo, apesar de, à época, mulheres e escravos serem impedidos de votar. Depois de Sólon, a prosperidade e democracia estiveram juntas em Atenas. O azeite e o vinho, acondicionados em jarras artísticas produzidas pelos artesãos, eram comercializados em ampla escala não só na Grécia, mas também fora dela. O grande mercado ágora era reduto também da vida intelectual da cidade. O mesmo acontecia em outras cidades-estado, locais onde os filósofos ensinavam seus discípulos e lançavam novas ideias. Contudo, um período turbulento de guerras contra a Pérsia e contra Esparta arruinou parte do mundo grego. Uma vez enfraquecidas, as cidades gregas foram dominadas pelos macedônios e, em 336 35 Re vi sã o: S im on e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 9/ 05 /1 1 // R ed im en sio na m en to : G er al do / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 17 /0 1/ 12 HISTÓRIA DA MATEMÁTICA a.C., Alexandre, o Grande (356-323 a.C.) uniu toda a Grécia sob o Império Macedônio. Alexandre havia sido aluno do grego Aristóteles e, por este motivo, admirava a cultura grega, que seguiu progredindo. Nessa fase, o centro se desloca para Alexandria e a cultura grega se funde com a oriental, o que leva a novo desenvolvimento da matemática e das ciências. Após a morte de Alexandre, o império se divide em três partes e, no século I a.C., todas as cidades-estado foram dominadas pelos romanos, levando a cultura grega ao declínio. Os gregos se destacaram na dramaturgia (como foi o caso de Sófocles (496?-406? a.C.)), na poesia, nas artes plásticas e na arquitetura. Segundo dados de Eves, a descrição das vitórias gregas sobre os invasores persas feita por Heródoto (484?-424? a.C.) e o relato da luta fratricida entre Esparta e Atenas feito por Tucídides (460?-400? a.C.) foram os primeiros relatos reais do mundo antigo. Eles desenvolveram a filosofia principalmente no período clássico, sendo Platão e Sócrates os filósofos mais conhecidos desse tempo. A matemática grega começou a se desenvolver na Jônia, localizada na Ásia Menor, e tomou impulso a partir dos conhecimentos e descobertas dos egípcios e dos babilônios com os quais os gregos tiveram contato por meio de viagens. Entretanto, a grande diferença entre os gregos e esses outros povos era que aqueles tentaram explicar os fenômenos da natureza de forma científica, sem recorrer a mitos e à religião. A utilização do raciocínio dedutivo em matemática – o que, segundo Eves, se deve a Tales de Mileto (640?-564?) e Pitágoras (586?-500 a.C.) – deu origem à criação de uma matemática organizada, diferente daquela de caráter prático desenvolvida no Egito e na Mesopotâmia. A lógica foi sistematizada num tratamento medicinal de Aristóteles e Hipócrates de Quio (a quem se deve o famoso juramento médico hipocrático), que lançou os fundamentos da medicina moderna. Portanto, em torno do século VI a.C. surgiram Tales e Pitágoras, que tiveram para a matemática a mesma importância que Homero na história e Hesíodo na literatura, no entanto, as obras desses últimos foram copiadas e sobreviveram, chegando aos nossos dias atuais, enquanto que as de Tales e Pitágoras se perderam e chegaram até nós apenas pelas narrações de historiadores e matemáticos posteriores, sendo que Tales e Pitágoras viajaram ao Egito e à Babilônia e tiveram informações diretas dos povos dessas civilizações. Um momento de reflexão para o futuro professor É importante para o aluno de licenciatura em matemática compreender as possibilidades de utilização da história da matemática. Ela não deve ser compreendida como um fim em si mesma, mas como uma ferramenta para a compreensão de como fazer da matemática uma prática social relevante. Como nos ensina a história, qualquer prática social está atrelada às múltiplas relações de poder que perpassam, caracterizam e constituem o corpo social. Desde a época dos filósofos gregos e seus discípulos, o ensino é um campo de experimentação para que objetos (matemáticos ou de qualquer outra área) se transformem; novas comunicações apareçam; conceitos sejam elaborados, metamorfoseados ou importados; e estratégias sejam modificadas frente à realidade de que os discursos que regem a educação ou qualquer outro campo do saber são discursos de perspectivas, sejam individuais ou de grupos. User Realce 36 Unidade I Re vi sã o: S im on e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 9/ 05 /1 1 // R ed im en sio na m en to : G er al do / Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 17 /0 1/ 12 E, se esse sujeito que fala do direito (ou melhor, de seus direitos) fala da verdade, essa verdade não é, tampouco, a verdade universal do filósofo. É verdade que esse discurso (...) é sempre um discurso de perspectiva. Ele só visa à totalidade entrevendo-a, atravessando-a de seu ponto de vista próprio. Isso quer dizer que a verdade é uma verdade que só pode se manifestar a partir de sua posição de combate, a partir da vitória buscada, de certo modo no limite da própria sobrevivência do sujeito que está falando (FOUCAULT, 2000b, p. 61). Nesse recorte, o que Foucault destaca é que a mobilidade de um sistema se dá de duas formas: primeiramente, por meio das modificações intrínsecas aos seus elementos (no caso, dos conceitos em matemática), já que, como a história mostra ao seu decorrer, a matemática evoluiu de puramente utilitária para uma forma mais sistematizada e, nesse movimento, ocorreu a evolução humana de uma espécie de capacidade natural chamada de “percepção direta do número” ou “sensação numérica” para a “faculdade abstrata de contar”. Essas modificações internas de um domínio podem determinar novos objetos e, dessa forma, novos edifícios teóricos podem ser construídos, possibilitando ao sujeito novas perspectivas. E,
Compartilhar