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Fo r m a ç ã o d e p r o F e s s o r e s : t e n d ê n c ia s e d e s a F io s Formação de proFessores: tendências e desaFios antónio mouzinho Francesca caena Javier m. Valle outros títulos da colecção “Questões-chave da educação” em 2010 • O valor de educar, o valor de instruir • Fazer contas ajuda a pensar? • Como se aprende a ler? em 2012 • A avaliação dos alunos • As novas escolas • As novas tecnologias em 2014 • A inclusão nas escolas • Acesso ao ensino superior em 2011 • Em causa: aprender a aprender • Aprender uma segunda língua • O valor do ensino experimental em 2013 • Ensino profissional • Indisciplina na escola em 2015 • A escola e o desempenho dos alunos Uma edição: Com o apoio: “O êxito da implementação de políticas e reformas para as competências dos professores, implica a superação de numerosos obstáculos e requer mudanças culturais e comportamentais significativas por parte dos principais intervenientes e instituições” Francesca caena, Universidade de Veneza “Não parece sensato basear-se [o acesso a cursos de formação de professores] na nota média de final do Ensino Secundário, nem numa prova de conteúdos” Javier m. Valle, Universidade Autónoma de Madrid Quando é que a carreira de um professor que fez este percurso de candidatura, formação, e vínculo, precisa de ser reavaliada? Quando algo corre mal. E somente neste caso. antónio mouzinho, Escola Secundária de Sintra ISBN 978-989-8819-20-8 9 789898 819208 Título: Formação de professores: tendências e desafios Autores: António Mouzinho, Francesca Caena, Javier M. Valle Revisão: Isabel Branco Tradução: Sara Nogueira e Sílvia Marques Lopes Design e paginação: Guidesign Colecção: Questões-Chave da Educação Edição: Fundação Francisco Manuel dos Santos 1.ª edição: Outubro de 2015 © Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2015 Impressão: Guide Artes Gráficas, Lda. ISBN: 978-989-8819-20-8 Os textos deste livro estão escritos respeitando ou não as normas do Acordo Ortográfico, consoante a opção dos autores. fundação francisco manuel dos santos Largo Monterroio Mascarenhas, n.º 1 1099-081 Lisboa Telf: 21 00 15 800 ffms@ffms.pt FORMAÇÃO DE PROFESSORES: TENDÊNCIAS E DESAFIOS António Mouzinho Francesca Caena Javier M. Valle 7 PREFÁCIO Mónica Vieira 11 QUADROS DE COMPETÊNCIAS DE PROFESSORES NO CONTEXTO EUROPEU: POLÍTICA ENQUANTO DISCURSO E POLÍTICA ENQUANTO PRÁTICA Francesca Caena 57 A FORMAÇÃO PARA A DOCÊNCIA: UMA CONSTANTE INTERNA (E EXTERNA) DO DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DOCENTE Javier M. Valle e Jesús Manso 65 FORMAÇÃO PARA A DOCÊNCIA E O PRESTÍGIO SOCIAL DA PROFISSÃO DE DOCENTE: ALGUNS DESAJUSTES DO SISTEMA EDUCATIVO ESPANHOL Javier M. Valle 81 SOBRE TUDO O QUE NÃO TEM IMPORTÂNCIA – E O QUE A TEM – PARA SE OBTER UMA AMOSTRA DE PROFESSOR: UM TEXTO NÃO-ERUDITO SOBRE QUESTÕES NÃO-CIENTÍFICAS, RELACIONADO COM O PAPEL DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL NA DOCÊNCIA António Mouzinho 7 Prefácio PREFÁCIO Mónica Vieira A formação de professores, seja inicial ou contínua, merece a aten- ção de todos os que se interessam por educação. Muitas vezes apontada como um problema subjacente aos resultados dos alunos, é importante perceber como está actualmente organizada e que desafios se avizinham. Em Portugal, estamos perante um enquadramento legislativo que, mesmo sumário, traduz a importância atribuída à formação inicial de professores, instituída como condição de entrada na profissão docente, de qualidade de desempenho docente e de formação ao longo da vida. Esta circunstância traduz certamente, à escala nacional, a preocupação de melhorar a aprendizagem proporcionada pela escola, escrutinada regu- larmente por provas internas e externas. Mas, traduz igualmente a euro- peização de políticas educativas, entre as quais se destaca uma exímia preparação dos professores, entendidos como cruciais para o sucesso dos alunos e dos sistemas de ensino, com proveito para as sociedades. Efectivamente, a afirmação de que “os professores e os formado- res são os intervenientes mais fundamentais na estratégia global com vista à sociedade do conhecimento e a uma economia fundamentada no conhecimento” (Comissão Europeia, 2002) tem sido recorrente e persistente nos discursos políticos. O consenso sobre a importância da 8 Mónica Vieira formação de professores encontra, no entanto, múltiplas dificuldades de acerto no modo de concretizar essa formação, situação que nada tem de novo ou de surpreendente. A Fundação Francisco Manuel dos Santos procura contribuir para o debate, trazendo, no âmbito do Mês da Educação, um conjunto de reflexões sobre as tendências europeias na formação de professores e as questões que se colocam. Francesca Caena, professora da Universidade de Veneza, fala-nos no seu texto “Quadros de competências de professores no contexto Europeu: política enquanto discursos e política enquanto prática” reflectindo sobre quais as competências, nas quais se incluem conhecimentos, aptidões e atitudes, que todos os professores deveriam dominar, em contexto europeu. A importância das normas profissionais (ou standards) para todos os professores é salientada bem como a importância da formação estar intimamente ligada às escolas – ao terreno educativo – e não só às instituições de ensino superior. Esta mesma preocupação é revelada por Javier M. Valle, professor na Universidade Autónoma de Madrid, ao identificar os dez factores essenciais na formação de professores. À definição clara das competên- cias docentes essenciais e ligação à realidade escolar, o autor adiciona como condições essenciais ao exercício da profissão, a selecção dos alu- nos que pretendem entrar num curso de formação de professores e o acesso à profissão docente após essa formação. A formação contínua, a liderança pedagógica das escolas e o prestígio social da profissão são também elementos de relevo. Por fim, António Mouzinho, professor do Ensino Secundário, escreve com base na sua reflexão pessoal sobre o processo de selecção, formação, exercício e contratação. Para o autor, todo o processo deverá 9 Prefácio conduzir à permanência na actividade docente com felicidade e realiza- ção pessoal, o que constituirá um benefício para o aluno, para a escola e, em última instancia, para o sistema de ensino. Com esta publicação e conferência sobre formação de professo- res, a Fundação Francisco Manuel dos Santos deseja lançar um debate informado e plural sobre a importância desta formação e sobre os diversos modelos possíveis. QUADROS DE COMPETÊNCIAS DE PROFESSORES NO CONTEXTO EUROPEU: POLÍTICA ENQUANTO DISCURSO E POLÍTICA ENQUANTO PRÁTICA Francesca Caena 13 Quadros de competências de professores no contexto europeu QUADROS DE COMPETÊNCIAS DE PROFESSORES NO CONTEXTO EUROPEU: POLÍTICA ENQUANTO DISCURSO E POLÍTICA ENQUANTO PRÁTICA European Journal of Education. Research, Development and Policy, Vol. 49, No. 3, 2014, publicado por Wiley.1 © 2014 John Wiley & Sons Ltd Francesca Caena Introdução Qual a definição actual do papel do quadro de competências de professores nas políticas e debates educativos na Europa e a nível glo- bal? Porque merece este tema um papel de destaque no discurso polí- tico internacional? Qual a sua relação com outras áreas da política edu- cativa? Quais as questões e os aspectos centrais das competências dos 1 Publicação original: Teacher Competence Frameworks in Europe: policy-as-discourse and policy-as-practice, European Journal of Education. Research, Development and Policy, Vol. 49, No. 3, 2014, published by Wiley. 14 Francesca Caena professores e das normas profissionais de acordo com a investigação? Existe um consenso quanto à definição das principais competências dos professores? Poderão estas competências ser transversais às diferentes culturas de educação e de ensino? Que denominadorescomuns podem identificar-se na diversidade de práticas políticas ao nível internacio- nal? Como se pode traduzir tudo isso num sistema educativo capaz de fazer a diferença – que vá para além das palavras ocas proferidas pelos discursos políticos oficiais? Quais os principais aspectos e avanços a destacar neste domínio político com base em contextos nacionais euro- peus? É possível identificar padrões e retirar ensinamentos que possam ser de interesse para os peritos em definição de políticas, para os diver- sos intervenientes e para os responsáveis pela tomada de decisões? Este artigo começa por descrever o cenário político europeu e glo- bal, apresentando vários motivos para a necessidade de uma visão con- vergente das políticas de ensino – a nível mundial – no que diz respeito às competências e ao seu papel central na profissão docente. Assim, a investigação procura encontrar denominadores comuns às diferentes tradições culturais para o conceito de “competências de professores”, bem como definir quais os principais conhecimentos abrangidos pelo conceito, identificar as aptidões e as atitudes que deverão fazer parte das competências dos professores, definir o papel das normas pro- fissionais e identificar as principais características do conhecimento especializado do professor. Em seguida, o artigo analisa as implicações políticas da etapa crucial de implementação dos quadros de competên- cias de professores a nível nacional – a transição do discurso político à prática política. Apresenta-se ainda um quadro de análise comparativo complementado por resumos de políticas e práticas adoptadas em dife- rentes países. Por fim, o artigo identifica as várias implicações políticas que importa observar. 15 Quadros de competências de professores no contexto europeu Panorama europeu: a política enquanto discurso As políticas de ensino e de formação são cada vez mais encaradas como um “bem global”, que fomenta a colaboração entre os países e a adopção de medidas políticas com base em elementos concretos. Isto tanto pode tornar a análise das políticas de ensino numa tarefa incri- velmente simples como, pelo contrário, incrivelmente complexa. Se, por um lado, a abundância de dados internacionais comparáveis per- mite uma reflexão mais abrangente e aprofundada, por outro, a inter- nacionalização da análise e desenvolvimento de políticas originou um discurso internacional que é como um “verdete” que cobre os textos políticos nacionais, e que, não raras vezes, pode encobrir a disparidade com que estas políticas são implementadas. Assim, compreender as políticas neste contexto pressupõe, frequentemente, uma capacidade de descodificar a retórica internacional, assim como de analisar as ten- dências empíricas e a dinâmica da mudança de políticas – tanto de “políticas enquanto discurso” como de “políticas enquanto prática” (Green, 2002). No entanto, as práticas políticas nos diferentes países revelam um potencial inovador na tradução «glocal» das políticas euro- peias e mundiais, exercendo um papel mediação entre as necessidades e as limitações em diferentes níveis (Caena, 2014). A ênfase colocada nas competências dos estudantes e dos profes- sores tornou-se um tópico central no discurso das políticas educativas. Os sistemas educativos estão sujeitos e suportam cada vez mais pres- sões que os forçam a implementar reformas de ensino politicamente convergentes, estabelecidas para uma melhor adaptação às mudanças socioeconómicas, para se tornarem cada vez mais eficazes e eficien- tes, para darem resposta a questões como a equidade, para correspon- derem às necessidades do mercado de trabalho e para atenderem aos 16 Francesca Caena impulsos de competitividade internacional. O discurso sobre a melho- ria das reformas do ensino, cada vez mais suportado por provas con- cretas, confere um papel de destaque à actuação dos professores para se inverterem as tendências dos resultados dos estudantes e das esco- las (Hattie, 2003; OCDE, 2013a; 2013b; 2013c). Isto geralmente não se dissocia da questão da qualidade do ensino, da aprendizagem e das escolas, o que coloca em evidência uma outra questão: a necessidade de definir o que é preciso para ser e agir como um “bom” professor, capaz de formar “bons” cidadãos do mundo. As políticas da Comissão Europeia no âmbito da Estratégia de Educação e Formação para 2020, e as visões comparativas da OCDE quanto ao grau de instrução a alcançar a nível mundial focam-se cada vez mais na transparência dos resultados para aumentar a mobilidade profissional. Esta tendência política internacional coexiste, em contex- tos nacionais, com práticas políticas e com um discurso geral sobre currículos baseados em competências para as escolas, locais de traba- lho e universidades, o que indica uma mudança radical de perspectivas. O paradigma da “Aprendizagem ao Longo da Vida” destaca a importância das oito principais competências necessárias para os cidadãos europeus, colocando em primeiro plano a literacia digital e as competências cívicas a par com as meta-competências: aprender a aprender, adaptação às mudanças e gestão/ análise de grandes fluxos de informação (Comissão Europeia, 2011). As aptidões e atitudes de nível superior como a consciência crítica, a autonomia e a auto-orientação, necessárias para prosperar na era do “ponto.com”, estão entre as características mais procuradas pelos empre- gadores, assim como o espírito de iniciativa, a capacidade de comunica- ção e de trabalho em equipa, a resiliência, uma atitude de permanente aprendizagem, a capacidade de resolução de problemas e o empenho. 17 Quadros de competências de professores no contexto europeu A criatividade e a inovação também são consideradas aptidões funda- mentais para a resolução de crises pessoais, sociais e laborais (OCDE, 2011). São necessários profissionais versáteis, com abertura de espírito, com capacidade para gerar valor através da combinação de diferentes conhecimentos, de aplicar conhecimentos de várias áreas a uma diver- sidade de propósitos e de situações, de adquirir novas competências, de construir relações e de assumir novos papéis (Schleicher, 2011). As crescentes exigências quanto ao papel e às competências dos professores são confirmadas pela investigação e pelas políticas e incluem: capacidade de responder às necessidades de estudantes cada vez mais díspares, valorização da educação, literacia e numeracia, capa- cidade de utilizar dados de avaliação, capacidade de investigação e de reflexão, cooperação com a equipa pedagógica e integração de tecnolo- gias no exercício diário da profissão (Conway et al., 2009). As capacidades especializadas para resolver problemas em matéria de investigação e inovação, assim como competências adequadas para gerir e alterar situações complexas e imprevisíveis figuram entre os requisitos das qualificações de professores no Quadro Europeu de Qua- lificações para o Ensino Superior (Descritores Dublin), que fixa as quali- ficações dos professores no nível 7 (Comissão Europeia, 2011). No Espaço Europeu do Ensino Superior (EEES), a abordagem do projecto TUNING para implementar os programas de estudo do EEES define 15 compe- tências, enquanto resultados de aprendizagem para a formação de pro- fessores. Estão divididas em aptidões, consciência, conhecimentos e interesse e incluem competências genéricas e transversais, como por exemplo, competências de investigação e capacidades cognitivas para a geração de conhecimento (González & Wagenaar, 2005). Contudo, a publicação da Comissão intitulada «Education and Trai- ning Monitor» (Monitor da Educação e da Formação), de Outubro de 2013, 18 Francesca Caena (http://ec.europa.eu/education/library/publications/monitor13_en.pdf) refere o envelhecimento da profissão docente, que revela um atraso na utilização de recursos digitais de ensino/aprendizagem.Isto sublinha a necessidade da criação de políticas eficazes para atrair, recrutar e formar candidatos de qualidade e assegurar o seu desenvolvimento profissio- nal contínuo. Também é necessário um desenvolvimento mais rápido e difundido de Recursos Educativos Abertos e de Cursos em Linha Abertos a Todos (MOOC) para acompanhar a disseminação ubíqua das tecnolo- gias digitais nas interacções sociais, laborais e comerciais quotidianas. Embora a maioria dos professores na Europa reconheça a importância do uso das TIC na prática docente, apenas 20% dos estudantes parecem ser ensinados por professores tecnologicamente confiantes e capazes de acompanhar as dificuldades técnicas dos alunos. “Uma vez que os professores são os agentes mais importantes, ao nível das escolas, no respeita os resultados dos estudantes, é pro- vável que o foco nesta classe profissional se traduza numa maior efi- ciência dos sistemas de ensino”. (Comissão Europeia, 2012b, pp.60). O Documento de Trabalho «Apoio à profissão docente para a obten- ção de melhores resultados de aprendizagem» (Supporting the Teaching Professions for Better Learning Outcomes), que acompanha a comunica- ção da Comissão «Repensar a educação», sublinha a importância de se definirem e implementarem quadros que garantam práticas de ensino eficazes e que dêem resposta às necessidades actuais dos alunos e da sociedade. Isto é confirmado pela investigação na área do ensino e da aprendizagem2 que identifica os vários processos, contextos e recursos 2 A opinião dominante sobre a natureza “situada” dos conhecimentos do professor, considera que a aprendizagem e o ensino são mediados por lin- guagens e contextos sociais específicos (Cochran-Smith, 2006; Lakoff, 2004). 19 Quadros de competências de professores no contexto europeu que poderão estar envolvidos no processo3 e recomenda que se repen- sem meticulosamente os sistemas, as instituições e os programas de ensino, para que o sistema educativo seja capaz de integrar um ensino personalizado e abordar questões como a diversidade e a inclusão, ao mesmo tempo que se adapta às mudanças sociais constantes (Comis- são Europeia, 2012a; 2012b). As diversas perspectivas, tanto a nível intracultural como a nível intercultural, sobre as expectativas em relação aos professores podem constituir um obstáculo à equidade e à qualidade do ensino nos diferen- tes contextos escolares, assim como ao recrutamento, selecção e gastos eficazes com professores. É necessária uma estratégia política consis- tente e abrangente que concilie a escola com a formação dos professo- res, que abranja todas as fases da carreira docente, que tenha em conta os papéis de todos os intervenientes e que supere a disparidade de ini- ciativas, tal como recomendam repetidamente várias instituições euro- peias e grupos de interesse (Conselho Europeu e Comissão, Ministros, grupos de trabalho de peritos). A Estratégia de Educação e Formação para 2020 salienta a importância de uma prática reflexiva, da aprendi- zagem contínua, da colaboração, da investigação e procura pela inovação e da aposta no desenvolvimento das escolas enquanto requisitos míni- mos do professor, além dos conhecimentos especializados e aptidões pedagógicas (ensino de competências transversais, utilização das TIC e ensino em turmas heterogéneas) (União Europeia, 2008; 2009). 3 O acto do ensino é cada vez mais concebido como um resultado de negociações: as competências dos professores desenvolvem-se e são organizadas através da interacção com os vários intervenientes e contextos educativos, o que implica um intercâmbio entre as estruturas institucionais, processos, relacionamentos e ferramentas de ensino em situações especí- ficas (Engeström, 1999). 20 Francesca Caena O Documento de Trabalho «Supporting the Teaching Profession» (Apoio à profissão docente) dá conta do discurso político prévio da Europa sobre os princípios para as competências e para a melhoria da formação de professores (Comissão Europeia, 2005; União Europeia, 2007) e disponibiliza um guia com as principais medidas políticas nacionais neste domínio, nomeadamente, a definição das competências dos professores, a reformulação dos sistemas de recrutamento, a garan- tia sistemática de apoio ao início de carreira, a análise da prestação dos professores e um feedback regular sobre o desempenho dos professores no curso do seu desenvolvimento profissional. O documento também apresenta directrizes para o desenvolvimento de quadros de competên- cias de professores, apresentando as principais competências de ensino comuns a todas as escolas, grupos etários, contextos e disciplinas, desta- cando a relevância das qualidades e dos valores individuais necessários para um ensino eficiente (Comissão Europeia 2012a; 2012b). No âmbito do Método Aberto de Coordenação4, a aprendizagem entre pares5 do Grupo de Trabalho Temático de Especialistas «Professional 4 Uma governação de carácter intergovernamental na UE, baseada na cooperação voluntária entre os Estados-Membros. Este sistema baseia- -se em instrumentos jurídicos não vinculativos e na pressão de grupo (directrizes, indicadores, avaliação comparativa, partilha das melhores práticas), com a Comissão Europeia a definir a agenda política e a apoiar os processos de implementação dos Estados-Membros, sobretudo no que diz respeito às políticas de educação e formação que continuam a ser da responsabilidade dos governos nacionais. www.eurofound.europa.eu/areas/ industrialrelations/dictionary/definitions/openmethodofcoordination.htm 5 As actividades de aprendizagem entre pares envolvem grupos de repre- sentantes dos Estados-Membros (grupos de trabalho de especialistas) que debatem temas específicos sobre os quais existe vontade de aprender mais e partilham as experiências dos diferentes países (Lange & Alexiadou, 2007). 21 Quadros de competências de professores no contexto europeu Development of Teachers»6 (Desenvolvimento Profissional dos Professo- res), entre 2010 e 2013 (baseado no trabalho do antigo Grupo «Teachers and Trainers» (Professores e Formadores)) focou-se nas competências dos professores: na sua definição e implementação ao longo da carreira docente, no desenvolvimento profissional contínuo dos professores e na importância dos formadores, da qualidade e da preparação e selec- ção de professores. Este Grupo de Trabalho debateu ainda questões que afectam directamente as competências dos professores (Comissão Europeia, 2012c; 2013a; 2013b): • o impacto dos mercados de trabalho multidimensionais na selec- ção eficaz e nas políticas de recrutamento de professores (devido à falta de professores e a desequilíbrios entre a procura e a oferta consoante o contexto, género, disciplina e escola), e • as estratégias políticas que sustentam a qualidade dos formadores e a formação de professores, caracterizadas por regulamentações heterogéneas e fragmentadas dentro e entre os Estados-Membros. 6 A Comissão Europeia cria grupos de especialistas que têm a função de prestar aconselhamento em matéria de propostas legislativas, iniciati- vas políticas, implementação de legislação da UE, programas e políticas, incluindo a coordenação e a cooperação entre os diferentes países e in- tervenientes. Os grupos de especialistas são importantes fóruns de debate que prestam um contributo valioso, a partir de várias fontes e intervenien- tes, sob a forma de opiniões, recomendações e relatórios. O seu contributo não é de carácter vinculativo para a Comissão, que mantém uma posição independente quanto à forma como os especialistas levam os resulta- dos em consideração. http://ec.europa.eu/transparency/regexpert/index. cfm?do=faq.faq&aide=2 22 Francesca Caena Quadros de competências de professores: a perspectiva da investigação Pode argumentar-se que a ênfase colocada nas competências (do professor) nas políticasde ensino europeias resulta de um crescente meta-discurso sobre uma “sociedade do conhecimento” e a “aprendi- zagem ao longo da vida e em todos os seus domínios” (uma expres- são genérica que indica mudança e convergência política, esbatendo as fronteiras entre a aprendizagem formal e informal). Os factores demográficos, económicos e culturais como o envelhe- cimento da população, a reestruturação económica, que tem influência na procura de aptidões, o pluralismo cultural e a diversidade de estilos de vida tornaram esta mudança inevitável para os países desenvolvidos. A ênfase recai sobre a eficiência e a redução de custos orçamentais para a educação, com exigências cada vez maiores quanto às qualificações dos profissionais do conhecimento, e às boas aptidões de base, de adaptação e de colaboração dos trabalhadores menos qualificados de estabelecimentos que assumem, cada vez mais, o papel de organismos de aprendizagem. A transição para uma sociedade mais individualizada, com menos coesão social, encoraja as pessoas a assumirem responsabilidade pelos seus percursos de aprendizagem e a preservarem os seus postos de tra- balho. Isto requer uma capacidade de respostas às necessidades indivi- duais e ofertas formativas adequadas por parte das instituições. É por isso que o objectivo de alcançar uma maior transparência e mobilidade de competências, com o reconhecimento de estudos e experiências pré- vias, tem tido um lugar de destaque na agenda europeia para a apren- dizagem ao longo da vida. O conhecimento adquirido a partir de fontes variadas, interactivas e contínuas tornou-se no principal elemento de ligação dos sistemas de governação contemporâneos, dando origem a um duplo desafio: 23 Quadros de competências de professores no contexto europeu definir as bases dos conhecimentos profissionais específicos (alicerça- das na investigação) e torná-las disponíveis e proveitosas em diferentes contextos (Fazekas & Burns, 2011). O objectivo dos quadros de compe- tências profissionais é responder a estes desafios. Um quadro pode ser entendido como uma “estrutura” que contém descritores dos conheci- mentos formais adquiridos (por exemplo, quadros de qualificações), ou dos conhecimentos e aptidões aperfeiçoados ao longo da carreira (por exemplo, quadros de competências de professores). Ambos os aspec- tos podem ser complementares e integrados nas políticas e na prática. A capacidade da profissão docente para definir, avaliar e certificar um ensino de alta qualidade é fundamental não só para a aprendizagem dos estudantes, mas também para a valorização da profissão – por exemplo, através da estipulação de salários competitivos ou da criação de percur- sos profissionais atractivos (Ingvarson & Rowe, 2007). Encontrar uma definição comum das aptidões e conhecimentos profissionais, enquanto quadro de orientação para a formação e desenvolvimento profissional dos professores ao longo da carreira, tem sido uma das principais prioridades internacionais no discurso da OCDE, ao longo de uma década, a par com a definição de objectivos de aprendizagem claros para os estudantes e de um consenso quanto ao conceito de ensino eficiente (OCDE, 2005). Embora se identifiquem algumas tendências gerais, existe uma grande diversidade nos programas escolares, modos de avaliação e sis- temas de qualificações nos países europeus, que se deve às regulamen- tações e culturas administrativas locais (Green, 2002). A governação no sector da educação e da formação é um indicador-chave para per- ceber o funcionamento dos diferentes sistemas educativos, uma vez que tem um impacto relevante nos respectivos processos e resultados. A formação de professores, em particular, é um sistema definido pelo seu contexto e está sujeito ao controlo institucional. 24 Francesca Caena Tudo o que diz respeito à preparação e à prática docente será certa- mente um tópico controverso, já que envolve ideologias subjacentes e entra no terreno sensível das crenças e dos valores, no que diz respeito às metas e objectivos escolares (Cochran-Smith, 2006). Conceptualizar o que deverão os professores saber ou ser capazes de fazer pode variar consoante a cultura política e educativa de cada país, gerando debates e tensões entre as diferentes abordagens – por exemplo, entre os conceitos de Bildung e de Ausbildung nas tradições teóricas continentais e anglo-saxónicas. Embora a literatura reconheça que não existe uma definição ope- racional do termo “competência” (Kouwenhoven, 2009), parece haver uma convergência para uma visão holística, dinâmica e orientada para os processos daquilo que são as competências dos professores, baseada na investigação, nas políticas em destaque e na aprendizagem entre pares. No âmbito deste artigo, o conceito de competências (do professor) deve ser entendido como uma combinação complexa de conhecimentos, apti- dões, visão, valores, atitudes e vontade, que se traduzam em acções ade- quadas e eficazes em contextos específicos (Deakin Crick, 2008). “Hoje em dia, os professores precisam de competências que lhes permitam adaptarem-se e inovarem constantemente. Isso inclui uma atitude crítica e fundamentada para dar resposta aos objectivos de resultados dos estudantes, a procura de novas evidências dentro e fora da sala de aula e um diálogo profissional que lhes permita aper- feiçoarem as suas próprias práticas (Comissão Europeia, 2013c, pp.22- 23). Isto prende-se com um conceito de ensino em que “…a teoria, a prática e a capacidade de reflexão crítica se iluminam reciprocamente” (CSEE, 2008, pp.26). Os professores têm de ter “conhecimentos pro- fundos e aptidões para avaliar a aprendizagem dos alunos… e um vasto repertório de práticas… que lhes permita aplicar diferentes estratégias 25 Quadros de competências de professores no contexto europeu para alcançar diferentes propósitos” (Darling-Hammond, 2006, pp.5). As suas escolhas devem ser “pragmaticamente sensatas” e adequadas às metas de ensino e a necessidades específicas: os professores têm de fazer escolhas e encontrar soluções de compromisso para situações e estudantes específicos (Biesta, 2012). A complexidade da docência forma a definição básica das competências dos professores, indissociá- veis dos seus contextos e integradas num sistema com múltiplos inter- venientes e níveis de actividade. Os seguintes requisitos-base das competências de professores são transversais a diferentes culturas e tradições de ensino (Comissão Europeia, 2013a; Feiman-Nemser, 2008; Williamson McDiarmid & Clevenger-Bright, 2008): • quadros de conhecimentos bem estruturados e organizados (para pro- gramas escolares, teorias da educação, métodos de avaliação), suportados por estratégias eficazes de gestão de conhecimentos; • conhecimentos sólidos sobre o ensino de disciplinas específicas aliados a competências digitais e a uma boa compreensão dos processos de aprendizagem dos estudantes; • técnicas e estratégias de ensino/gestão em contexto de sala de aula; • boas capacidades de relacionamento interpessoal, colaboração, investigação e reflexão no trabalho em comunidades escola- res profissionais; • uma atitude crítica em relação à prática profissional e à inovação, baseada em diversos elementos: resultados dos estudantes, teo- rias e diálogo profissional; • atitudes positivas e empenho em matéria de desenvolvimento profis- sional contínuo, colaboração, diversidade e inclusão; e • conhecimento especializado adaptável – capacidade de adaptar planos e práticas às necessidades dos diferentes estudantes e contextos. 26 Francesca Caena Estes requisitos-base reflectem seis paradigmas gerais da docência, que são aspectos integrados e complementares da profissão (Paquay & Wagner, 2001; Schratz et al., 2007): • o professor enquanto agente reflexivo – desenvolve um pensa- mento e um discurso profissional sobre as questõesde contexto e as experiências; • o professor enquanto especialista informado – quer sobre as suas matérias, quer transversalmente, ao nível individual e institucional; • o professor enquanto especialista competente – com conheci- mentos e uma actuação consciente, informada e profissional- mente eficaz; • o professor enquanto líder da sala de aula – com competências adequadas para gerir a diversidade e garantir a inclusão; • o professor enquanto agente social – orientado para o diálogo e para a cooperação nos diversos contextos sociais e comunidades profissionais; e • o professor enquanto aprendente ao longo da vida – com a res- ponsabilidade de formar e desenvolver conhecimentos através de acções específicas em contextos específicos. São necessários muitos anos, processos cognitivos elaborados, práticas sólidas e um feedback de qualidade para que os professores desenvolvam plenamente os seus conhecimentos especializados ao longo da carreira. Esse processo implica os seguintes aspectos-chave: • criação de rotinas – desenvolvimento de padrões de actuação e de repertórios didácticos; • conhecimento especializado no seu domínio e disciplina(s), que permita o reconhecimento de padrões (situações recorrentes) no contexto complexo de uma sala de aula; 27 Quadros de competências de professores no contexto europeu • consciência das exigências sociais e das dinâmicas da sala de aula; • compreensão dos problemas; • flexibilidade e capacidade de improvisação; e • análise crítica da sua própria profissão – quer no contexto escolar, quer no contexto nacional, assim como no diálogo profissional (Hagger & McIntyre, 2006; Comissão Europeia, 2011). Um tópico de debate nos palcos políticos internacionais e nacionais é a relação entre as competências dos professores e as normas profissio- nais. Isto está frequentemente relacionado com a ênfase colocada nos propósitos formativos e de responsabilização dos quadros de competên- cias de professores, a nível de políticas e de práticas. A falta de consenso relativamente às normas profissionais reflecte a ambivalência inerente à profissão docente – o desfasamento entre os leigos, que encaram o desempenho profissional em termos de resultados e os profissionais, que analisam aquilo que se conseguiu alcançar numa situação, dentro das limitações específicas de um dado contexto (Millman & Sykes, 1992). Uma norma profissional descreve aquilo que se espera que os professores saibam, compreendam e sejam capazes de fazer enquanto profissionais especializados nas suas áreas (Comissão Europeia, 2011; Ingvarson, 1998). Enquanto medidas de competência profissional, as normas devem esclarecer o que medir, como reunir os elementos e o que é considerado “desempenho”, e centrar-se na aprendizagem dos alunos enquanto produto do ensino (Comissão Europeia, 2011). Geral- mente, as normas profissionais estão ligadas a órgãos institucionais e a medidas de garantia de qualidade, podendo focar-se num ou mais dos seguintes aspectos (Kleinhenz & Ingvarson, 2007): • facultar informações sobre a actuação e o comportamento do pro- fessor aos interessados e aos grupos sociais; 28 Francesca Caena • orientar a actuação dos intervenientes institucionais e profissionais; • apresentar exemplos de qualidade profissional e de boas práticas docentes em diferentes etapas da carreira do professor; • facultar medidas de gestão de relacionamentos no âmbito do ensino, formação de professores e desenvolvimento profissional; e • instituir regras de monitorização que serão verificadas por órgãos institucionais e profissionais. As normas profissionais podem legitimar a qualidade e os conhe- cimentos profissionais, com a participação activa dos professores no desenvolvimento e revisão das suas carreiras (Biesta, 2009; Darling- -Hammond, 2000). Podem ser ferramentas poderosas para melho- rar o conhecimento profissional, sobretudo se os professores tiverem um papel activo e de auto-gestão da sua avaliação (Darling-Hammond, 2000). Por outro lado, uma avaliação baseada em normas e realizada por agentes institucionais poderá correr o risco de se focar em compe- tências individuais e em técnicas de ensino e nos resultados mensurá- veis dos alunos, desvalorizando a natureza distribuída e partilhada das competências dos professores (Conway et al., 2010). Segundo os críticos da “cultura das normas”, uma vez que estas podem levar à criação de relações lineares e casuais entre o comporta- mento do professor e os resultados dos estudantes, o uso técnico das normas profissionais, enquanto garantia de qualidade e de incentivo de carreira, corre o risco de simplificar as complexidades inerentes ao ensino e à aprendizagem, podendo constituir um entrave à postura crí- tica dos professores quando procuram atender às necessidades especí- ficas de um contexto ou criar e partilhar conhecimento nas comunida- des profissionais (Ball, 2003; Olssen et al., 2004). 29 Quadros de competências de professores no contexto europeu Podem identificar-se dois tipos de abordagens para a implementa- ção das normas profissionais nos diferentes contextos nacionais. Uma das abordagens centra-se na responsabilização, no controlo e na aferi- ção do comportamento individual (por exemplo, as abordagens com base em aptidões no Reino Unido e nos Estados Unidos da América) e a outra centra-se no desenvolvimento, dando mais relevo aos códi- gos de conduta e aos princípios do ensino orientadores da profissão (por exemplo, as normas profissionais para professores na Escócia). Os estudos transnacionais sobre a função e o impacto das normas para a profissão docente revelam uma grande variação no seu uso, con- soante os contextos e as responsabilidades em causa. As normas não são uma garantia de qualidade, na medida em que “o problema” reside na sua interpretação (Conway et al., 2010). Implicações políticas: processos e resultados A nível nacional, as iniciativas políticas para definir e imple- mentar os quadros de competências de professores podem basear-se em diversas fontes, tendo como denominadores comuns as tendên- cias internacionais: • compromissos internacionais inerentes ao Processo de Bolonha relativamente às qualificações fixadas no Quadro Europeu de Qualificações para o Ensino Superior; • pressões competitivas internacionais resultantes de inquéritos comparativos como o PISA e o TALIS; • compromissos de reformas do ensino noutros domínios políti- cos, como por exemplo, programas escolares e formação inicial de professores; e 30 Francesca Caena • pressão por parte de outros intervenientes (organizações profis- sionais, instituições, grupos de interesse social) para se desenvol- verem mecanismos de responsabilização e reformas eficazes no sistema de ensino (Comissão Europeia, 2013a). Os quadros de competências dos professores são reconhecidos como uma importante influência para a promoção de um sistema de ensino e formação eficaz: • capaz de atender às necessidades de contextos específicos, • com uma visão contínua para o processo de formação de professores, • flexível, • capaz de tirar partido da aprendizagem colectiva através de ini- ciativas de mentoria e de avaliação entre pares, • capaz de articular recursos de aprendizagem, e • capaz de integrar percursos flexíveis (Musset, 2010). A mais-valia do processo de criação dos quadros de competências de professores reside na compreensão, consciência e diálogo partilha- dos entre todos os intervenientes, o que poderá contribuir para a criação de um discurso comum e de um poderoso instrumento de reforço do profissionalismo – identidade dos professores, compromisso, aprendi- zagem, (auto-) avaliação e reflexão. No entanto, o propósito e a finali- dade dos quadros de competências têm de ser acordados com clareza e identificados previamente por todas as partes envolvidas, abordando aquestão da participação activa dos professores no processo, o que pode variar consoante as culturas. Do ponto de vista político, as principais implicações do desenvol- vimento e definição dos quadros de competências de professores são 31 Quadros de competências de professores no contexto europeu o envolvimento dos intervenientes e a coordenação de todo o sistema, tanto na fase de desenvolvimento como na fase de implementação. O desenvolvimento dos quadros de competências de professores requer um compromisso político de longo prazo e clareza quanto aos papéis dos vários intervenientes, calendários e processos, assim como ciclos itera- tivos de preparação, discussão, monitorização e um feedback regular das partes interessadas. Além da pilotagem e implementação de políticas, são necessários processos de avaliação e balanços periódicos (Comissão Europeia, 2012a). A clareza, a consistência e a simplicidade da redacção e da linguagem utilizada são de extrema importância. Também é necessá- ria uma abordagem orientada para a acção (por exemplo, grelhas de ava- liação com declarações do tipo «é capaz de», exemplificando processos de ensino concretos para alcançar os resultados pretendidos) de forma a flexibilizar a satisfação das necessidades específicas de cada contexto e as complexidades inerentes ao ensino (Conway et al., 2009). O cenário demográfico de professores na Europa preconiza o carácter prioritário da adopção dos quadros de competências para esti- mular, avaliar e apoiar o desenvolvimento profissional dos professores ao longo da carreira. As seguintes oportunidades, incentivos e requisi- tos têm sido consideradas medidas potencialmente proveitosas: • colmatar as necessidades em diferentes níveis do sistema; • coordenar o percurso de aprendizagem dos professores; • manter o diálogo entre os vários intervenientes; • assegurar o tempo e os recursos necessários; • proporcionar incentivos de carreira e incentivos financeiros; • aplicar procedimentos de avaliação formativa ou sumativa ade- quados às culturas locais; e • garantir programas sistemáticos e contínuos para o desenvol- vimento das competências dos professores após a formação 32 Francesca Caena inicial, que podem incluir uma variedade de actividades formais ou informais de desenvolvimento profissional contínuo (DPC) (Comissão Europeia, 2013a). Ainda assim, continua a verificar-se uma grande diversidade nas características e no uso dos quadros de competências e das normas para a profissão docente entre os Estados-Membros da UE, sobretudo no que diz respeito à forma e à finalidade com que os quadros são usados para a selecção e avaliação de professores ao longo da carreira profis- sional, com os intervenientes e processos associados. Existem opiniões diversificadas sobre o conceito de “profissionalismo dos professores”. As normas profissionais são objecto de debate, no que respeita à sua função predominante enquanto meio aprendizagem profissional ou instrumento de garantia de qualidade, o que por sua vez está relacio- nado com os níveis de controlo e com o grau de confiança na relação entre os governos e a profissão docente. Por fim, o nível de integração e de interconectividade dos quadros de competências de professores com outras áreas políticas relevantes pode ser uma importante variável na implementação de políticas, como por exemplo, a sua ligação com os sistemas nacionais de qualificações, com o Quadro Europeu de Qua- lificações ou com o Quadro de Qualificações para o Ensino Superior. Resumos comparativos: do discurso político à prática Na maioria dos países europeus, os quadros de competências de professores existem no domínio da “política enquanto discurso”. No domínio da “política enquanto prática” o seu formato, nível de desenvolvimento, valor, uso e reconhecimento – no que diz respeito à formação de professores, desenvolvimento profissional e de carreira 33 Quadros de competências de professores no contexto europeu e outras áreas políticas – diferem consideravelmente, tal como o papel dos vários intervenientes (Eurydice, 2013). Os quadros de competências de professores actuam sobretudo como linhas de orientação (nacionais) para a formação inicial de profes- sores, descrevendo as metas e os resultados pretendidos. Geralmente encontram-se referências às oito principais competências europeias nos quadros, que incluem conhecimentos das matérias e pedagógi- cos, aptidões de avaliação, capacidade de trabalho em equipa, aptidões sociais e interpessoais, consciência da questão da diversidade, aptidões de investigação e aptidões organizacionais e de liderança. O nível de precisão dos quadros também é variável: podem ser mais genéricos, com enunciados de carácter mais geral ou áreas de competência básicas (por exemplo, competências de avaliação), como é o caso na Flandres, em França ou na Lituânia, ou podem ser listas detalhadas de conhecimentos, aptidões e atitudes, com indicadores e grelhas de avaliação com declarações do tipo «é capaz de», como na Irlanda, nos Países Baixos ou na Escócia. Em alguns países, os qua- dros são regulamentados pelas normas profissionais (por exemplo, na Estónia, na Letónia, nos Países Baixos e na Escócia) podendo integrar o desenvolvimento de carreira ou a avaliação de professores e distinguir diferentes níveis de conhecimento especializado. Os seguintes resumos comparativos procuram explorar as com- plexidades da transição da “política enquanto discurso” para a “política enquanto prática” no contexto europeu. Serão identificados pontos de convergência e de afastamento entre países da Europa e analisadas as implicações das diferentes abordagens políticas, tendo em conta algu- mas variáveis como a gestão e o controlo de qualidade, os papéis e res- ponsabilidades dos vários intervenientes, a implementação de políticas e o estatuto da profissão docente. 34 Francesca Caena As variações regionais nos sistemas de educação e de formação podem atribuir-se a factores como a história, os diferentes conceitos de ensino e de cidadania, teorias de aprendizagem, tecnologias utili- zadas nas escolas, culturas administrativas, custos e recursos disponí- veis e sistemas de controlo de qualidade (Cummings, 2003). Porém, os actuais processos de globalização, que fazem convergir ideologias, política e economia, foram comparados a uma “tripla revolução” com potencial para uma implementação de reformas no sistema de ensino sem precedentes (Tatto, 2006). Num cenário de convergência global, embora com variações regionais, os governos nacionais actuam como mediadores com três funções essenciais de coordenação, nomeada- mente, em matéria de legislação, representação e liderança. Os temas e as instituições de ensino dependem do Estado, por razões curricula- res, financeiras e jurídicas. Isso tanto pode gerar vulnerabilidade como resistência às influências globais, resultando ou em conformidade ou em divergência (Tatto, 2007). Este resumo comparativo das tendências políticas dos Estados- -Membros quanto às competências dos professores tem em conside- ração as suas relações com a formação, qualificação, selecção, recruta- mento e estatuto dos professores e com as características do mercado de trabalho nos diferentes contextos nacionais. São também considera- dos aspectos como a governação, as culturas de responsabilização e as estratégias de implementação de cada país (Gordon et al., 2009; Michel & Halász, 2011). As diferenças regionais de governação do ensino podem incluir: • tendência para uma administração centralizada ou descentra- lizada; e • consequentemente, um equilíbrio variável entre a autonomia/ confiança (em instituições de ensino/prestadores de serviços 35 Quadros de competências de professores no contexto europeu educativos) e o controlo/carácter prescritivo (por parte das auto- ridades educativas ou outrosórgãos), por exemplo, dos processos de avaliação, selecção e elaboração do currículo de formação ini- cial de professores. As culturas de responsabilização podem variar muito de país para país no que diz respeito a: • estruturas de controlo de qualidade internas/externas, papéis dos intervenientes, ferramentas e procedimentos para a formação de professores, modo de ensino e organização das escolas; e • presença/ausência de órgãos e de norma profissionais e utiliza- ção/revisão, ou não, dos quadros de competências de professores. Os padrões de implementação de políticas também podem variar entre os Estados-Membros, no que diz respeito a: • fortes/fracas capacidades de implementação de políticas (utili- zação de instrumentos políticos, compreensão de estratégias de mudança e investimento no reforço de capacidades); • diferentes estratégias de implementação (preferência por abor- dagens políticas ascendentes/descendentes, sistemas agrupados, colaboração/cooperação lateral, etc.); • fortes/fracas sinergias políticas entre os diferentes subsistemas de ensino: – uma visão contínua para a formação e carreira dos professo- res, contemplação da formação inicial de professores, uso dos quadros de competências para orientar o apoio ao início de carreira e o aperfeiçoamento profissional contínuo dos pro- fessores e apreciação/avaliação dos mecanismos de controlo de qualidade; 36 Francesca Caena – diferentes níveis de consecução na articulação de metas, objec- tivos, avaliação e apreciação do ensino e da formação; – um forte/fraco apoio à inovação em matéria de políticas, exis- tência de parcerias e redes, criação de pontes de ligação entre as várias instituições; e – um forte/fraco papel de liderança nas instituições de ensino. Em essência, as forças centrípetas globais para a mudança alte- raram o curso dos sistemas de ensino europeus em direcção a uma autonomia institucional/local em termos de escolhas (por exemplo, no que diz respeito a programas escolares e à selecção de professores), à diversificação (de programas escolares e modos de ensino) e à flexibi- lidade (na organização, no modo de ensino e nos currículos escolares, na adaptação às necessidades regionais). Assim, a mudança geral na regulamentação e na governação do ensino nos Estados-Membros da UE reside na transferência da gestão central e directa de processos por parte dos governos para uma maior delegação de controlo operacional a outros níveis do sistema. Consequentemente, a actuação dos minis- térios centrais em vários países é “orientado por metas e objectivos”. A complexidade dos sistemas de ensino e de formação modernos dá origem a processos de decisão mais próximos e atentos às necessidades locais e, como tal, provavelmente mais eficientes (Green, 2002). A ten- dência de descentralização dos sistemas educativos, no entanto, varia muito de país para país, nomeadamente no que diz respeito a: • delegação parcial de alguns poderes adicionais às instituições de ensino/escolas, ainda que sujeitos ao controlo geral do Estado em matéria de orçamento e recrutamento de professores (em alguns países continentais ou mediterrânicos como a França, a Alemanha e a Itália); 37 Quadros de competências de professores no contexto europeu • delegação de poderes a regiões geográficas ou comunidades lin- guísticas (por exemplo, Áustria, Bélgica, Espanha); • delegação de responsabilidades a municípios e regiões (por exemplo, países nórdicos); e • delegação de poderes administrativos e orçamentais a instituições de ensino/escolas (por exemplo, Reino Unido, Países Baixos). Verifica-se a mesma heterogeneidade entre os países quanto à res- ponsabilização, ao controlo da qualidade do ensino e à formação de professores. Devido às pressões internacionais da Estratégia de Educa- ção e Formação para 2020 e do Processo de Bolonha, a formação ini- cial de professores foi fixada no nível “universitário”, o que implicou alguns desafios de execução devido às discrepâncias entre as qualifica- ções nacionais dos professores e os requisitos gerais do ensino supe- rior (culturas de ensino, de formação e escolares em contextos especí- ficos) (Zgaga, 2013). As qualificações dos professores podem, portanto, variar muito consoante o país e o ciclo escolar em causa, sendo o requi- sito mais comum para professores do ensino secundário o grau de mestre (Eurydice, 2013). A selecção e recrutamento de professores são outras variáveis rele- vantes nos quadros de competências, pela sua relação com o estatuto do professor e com o mercado de trabalho. Com as tendências de des- centralização na Europa, o estatuto do professor depende cada vez mais da posição geográfica, sendo o recrutamento aberto da competência das autoridades educativas ou escolas locais, o que frequentemente acarreta problemas relacionados com oferta/permanência na carreira dos professores. Apenas em alguns Estados-Membros (como a França ou a Itália) o estatuto do professor continua a depender da sua car- reira, o que geralmente envolve concursos muito competitivos sendo 38 Francesca Caena a selecção feita a partir de um excedente de candidatos. Alguns paí- ses dão conta de dificuldades no recrutamento de professores e criam iniciativas políticas para atrair candidatos (por exemplo, a Flandres, a Dinamarca, a Estónia, os Países Baixos, o Reino Unido); a docência é vista como uma careira de prestígio em poucos países (Chipre, Espa- nha, Finlândia, Irlanda). Desta forma, a selecção de professores nos vários países parece ser um processo fragmentado, adaptado à especificidade de cada con- texto e à relação entre a procura e a oferta de emprego. Apenas em alguns países (Estónia, Irlanda, Países Baixos, Inglaterra e Escócia) existem relações explícitas entre a selecção de professores e os quadros de competências ou as normas – por exemplo, com respeito à conclu- são da formação inicial de professores, ao apoio no início de carreira ou à prática escolar. Os resultados de aprendizagem dos programas iniciais de forma- ção de professores são estabelecidos em termos de competências, na maioria dos países, de acordo com a legislação nacional e com os regu- lamentos para a garantia de qualidade. A avaliação da formação inicial de professores (processos e resultados) é obrigatória ou recomendada na maior parte dos países; no entanto, a frequência, os procedimentos e o propósito da avaliação podem variar muito entre os Estados-Mem- bros. Os diferentes graus de autonomia das instituições universitárias, garantidos pelos governos nacionais, podem variar entre uma grande autonomia em alguns países (por exemplo, Áustria, Finlândia, França, Letónia, Luxemburgo, Malta) e procedimentos de controlo mais rigoro- sos noutros países (por exemplo, Chipre, Hungria, Lituânia, Noruega, Polónia, Reino Unido) (Eurydice, 2006; 2013). Assim, a garantia da qualidade na formação de professores pode envolver processos que articulam a avaliação externa e a avaliação 39 Quadros de competências de professores no contexto europeu interna (por exemplo, na Bélgica, na Flandres, na Finlândia, na Irlanda, no Reino Unido) e o uso das normas de qualificações de professores num conjunto de países (como a Bélgica, a Alemanha, a Lituânia, os Países Baixos, Suécia e o Reino Unido). Pode basear-se em procedi- mentos gerais de avaliação para o ensino superior, relacionados com a acreditação ou renovação de programas. Em alguns países ainda, órgãos profissionais como a Inspecção do Ensino Escolar ou os Con- selhos de Educação participam no controlo de qualidade (por exemplo, na Irlanda e na Escócia). Quanto às estratégias de implementação, a literatura reconhece que as capacidades dos Estados-Membros são assimétricas (Michel & Halász, 2011). Os diferentes graus de compromisso político e de capa- cidade de implementação podem ser determinantes para o sucessoe para a celeridade da promulgação de políticas (ver figura 1). Isto é mais provável em países com sistemas de responsabilização e de ino- vação para o ensino nacional bem desenvolvidos – em que os objec- tivos gerais para o desenvolvimento de competências e para a defini- ção de normas, enquanto resultados de aprendizagem, são sustentados por sinergias entre todos os subsistemas de ensino, com um misto de acções descendentes e ascendentes e que envolvem intervenientes a vários níveis (o Ministério, dirigentes e comunidades escolares, gru- pos/associações profissionais ou de interesse). Uma visão contínua para as competências dos professores, que conjuga a formação inicial de professores, o apoio ao início de carreira e o desenvolvimento pro- fissional contínuo, está cada vez mais presente nas reformas políticas europeias, por exemplo, em países como a Áustria, a Irlanda, a Letónia e a Suécia (Comissão Europeia, 2013a). 40 Francesca Caena Figura 1. Modelo de implementação de políticas: o papel decisivo dos quadros de competências de professores para um ensino baseado em competências Contributo político Resultados das políticas Ensino eficaz baseado em competências Compromisso político Definir metas e padrões adequados para os programas escolares Desenvolver as competências dos professores através da formação e do DPC Facultar um feedback adequado através de mecanismos de apreciação e avaliação Delinear práticas escolares através da inovação, apoio e desenvolvimento das escolas e respectivos dirigentes Capacidades de implementação Im p le m en ta çã o d e p ol ít ic as 41 Quadros de competências de professores no contexto europeu Exemplos de políticas Os exemplos paradigmáticos da Suécia, da Irlanda, dos Países Bai- xos e da Escócia visam ilustrar diferentes etapas da elaboração de políti- cas para os quadros de competências de professores, começando pelas políticas desenvolvidas mais recentemente e terminando com as mais antigas tradições neste domínio. Os papéis e as responsabilidades atri- buídos aos principais intervenientes, a intervenção e o envolvimento dos órgãos profissionais e aspectos relacionados com o recrutamento, estatuto e permanência na carreira dos professores variam entre os quatros países. Contudo, estes países possuem semelhanças notáveis nas suas estratégias integradas e abrangentes de implementação, que geralmente envolvem um misto de abordagens descendentes e ascen- dentes e consultas estruturadas e regulares a outros intervenientes – com o conceito subjacente de um continuum para a formação e apren- dizagem dos professores. Outro aspecto interessante prende-se com as pontuações destes países no mais recente inquérito PISA (2012). Os Países Baixos e a Irlanda mantêm-se acima da média, embora com resultados inferiores aos de 2009, a qualificação da Escócia situa-se dentro da média e a posição da Suécia desceu significativamente, tanto em termos de equidade como de desempenho (OCDE, 2013a). Na Suécia, onde se prevê um aumento da escassez de professo- res, a prioridade para a implementação de políticas para professores é aumentar a qualidade destes profissionais no continuum da forma- ção de professores, proporcionando-lhes oportunidades para aprofun- darem o seu profissionalismo ao longo da carreira e reconhecendo o seu papel central para a obtenção de bons resultados de aprendizagem. Isto é facilitado pela oferta de quatro diplomas profissionais na fase de formação inicial de professores, de acordo com os respectivos níveis 42 Francesca Caena de ensino e especializações, com especificações precisas e relacionadas com o quadro de competências enquanto resultados de aprendizagem. A Lei da Educação de 2010 «Top of the Class» (O melhor da turma), seguindo os requisitos de Bolonha, introduziu uma reforma nacional nos programas de formação inicial de professores em que se definem três áreas curriculares – estudos da disciplina, estudos educacionais (60 ECTS), e prática docente (30 ECTS). Com uma governação des- centralizada, a formação inicial de professores, sob a alçada das insti- tuições de ensino superior, é orientada por objectivos determinados a nível central e por resultados de aprendizagem. (https://webgate.ec.europa.eu/fpfis/mwikis/eurydice/index.php/ Sweden:Teachers_and_Education_Staff). Aos professores que adquirem qualificações académicas adicio- nais e que provam a excelência do seu ensino durante quatro anos são oferecidas ainda outras possibilidades de progressão e de diferenciação do percurso profissional, através de incentivos salariais ou de bolsas. Esses perfis profissionais podem envolver responsabilidades adicio- nais, como por exemplo, mentoria ou projectos de desenvolvimento escolar. Além disso, os requisitos para o emprego permanente de pro- fessores tornaram-se mais rigorosos desde Julho de 2012. Existe tam- bém um sistema de registo para o emprego permanente de novos pro- fessores, após a formação inicial e o apoio ao início de carreira, que certifica que os professores têm competências de avaliação e de orien- tação pedagógica adequadas. Este certificado pode ser anulado no caso de o desempenho profissional ser insuficiente. A legislação recente também articula o sistema nacional de controlo de qualidade das ins- tituições de ensino superior com incentivos para promover melhores resultados de aprendizagem, aumentando a frequência das avaliações de qualidade regulares, que são efectuadas pela agência nacional do 43 Quadros de competências de professores no contexto europeu ensino superior (Comissão Europeia, 2013a). No que diz respeito ao perfil e requisitos de competências dos formadores de professores, todos os formadores universitários de professores têm de ser doutora- dos, havendo programas intensivos de apoio para professores que pre- cisem de obter este grau de qualificação (Comissão Europeia, 2013b). Na Irlanda, os professores têm estatutos e salários muito elevados, a selecção durante a formação inicial de professores é altamente com- petitiva e a maioria dos candidatos insere-se no quartil superior. Foi desenvolvido um quadro de competências de professores com a inter- venção, apoio e responsabilidade do Conselho Educativo. Esta orga- nização profissional, criada em 2006, fomentou o debate e o planea- mento estratégico para harmonizar a formação inicial de professores, o apoio no início de carreira e o desenvolvimento profissional do ser- viço docente. Encomendou também um estudo, em 2009, que suge- riu uma reforma e recomendou uma maior coerência e integração da formação de professores para promover uma aprendizagem eficaz ao longo de toda a carreira (Conway et al., 2009). O continuum da formação de professores na Irlanda centra-se em cinco dimensões interligadas: o papel do professor, a qualidade do ensino, o ciclo de vida profissional, a aprendizagem do professor e os relacionamentos, salientando o aprofundamento, o profissionalismo colaborativo e o trabalho interactivo dos professores, a necessidade de existirem múltiplos percursos profissionais e o papel dos mecanismos de apoio ao início de carreira. A implementação e revisão do quadro de competências de professores foram geridas pelo Conselho Educativo, com a participação activa e o envolvimento dos profissionais através de fases iterativas de consulta (Comissão Europeia, 2013a). O desenvolvimento das normas de competências para a fase de entrada na carreira (requisitos para a obtenção de um registo pleno) 44 Francesca Caena foi articulado com um código deontológico e com uma estratégia para a revisão e acreditação de programas de ensino e de formação (ITE) (recursos, processos e resultados). As directrizes de acreditação (revis- tas em 2010, com o feedback de intervenientes relevantes) visaram esta- belecer um número limitado de resultados (competências) para opro- grama de carácter geral, flexível e acessível, distintos dos resultados de aprendizagem realizáveis, mensuráveis e avaliáveis dos estudantes (ali- nhados com os requisitos de acreditação académica). Após a revisão, os resultados de aprendizagem foram fixados no Nível 8 do Quadro Nacional de Qualificações (QNQ); foram descritos em termos de conhe- cimentos, aptidões e competências, e agrupados em categorias gerais (por exemplo “comunicação e construção de relacionamentos”). (www. gtcni.org.uk/userfiles/file/The_Reflective_Profession_3rd-edition.pdf). Além disso, após uma revisão, os critérios para os formadores de professores requerem agora que estes profissionais possuam uma experiência de ensino específica e uma actividade de investigação rele- vante. Estão a ser introduzidos requisitos semelhantes para mentores escolares, que incluem competências interpessoais, empenho profis- sional e elevados padrões de conduta e prática profissional (Comissão Europeia, 2013b). No sistema de governação descentralizado do ensino, nos Países Baixos, há uma longa tradição do uso de quadros nacionais de com- petências de professores, enquanto normas profissionais (o primeiro quadro foi desenvolvido em 2004 e incluído na Lei de 2006), tendo-se integrado uma base de conhecimentos complementar nos currículos para a formação inicial de professores (que inclui requisitos específicos e gerais) (www.kennisbasis.nl). As normas profissionais actuam como um quadro de referência para os conselhos escolares, que estão a cargo das políticas de recursos humanos e do desenvolvimento profissional 45 Quadros de competências de professores no contexto europeu de professores, e também para as instituições de ensino superior, que são responsáveis pela formação de professores, embora os sindicatos e organismos profissionais também desempenhem um papel funda- mental. Os quadros de competências estão sujeitos a processos de ava- liação a cada seis anos: são criadas propostas de revisão, que envolvem a profissão docente, com uma definição clara dos papéis e responsabi- lidades dos vários intervenientes (Comissão Europeia, 2013a). Os quadros identificam os requisitos básicos das competências dos professores (qualidades interpessoais, organizacionais, pedagógicas, ensino de matérias específicas) dividindo-as em três grandes aplicações: na colaboração com os outros, no local de trabalho e a nível individual (www.european-agency.org/country-information/netherlands/national- overview/teacher-training-basic-e-specialist-teacher-training). Para cada uma das sete competências principais, existe uma descrição dividida em três níveis: • os aspectos visíveis das competências (o que tem de ser alcan- çado e de que forma); • os requisitos das competências (atitudes profissionais, aptidões e conhecimentos específicos); e • indicadores que descrevam os processos de ensino concretos que revelam as competências – isto é, o que o professor tem de ser capaz de fazer – enquanto exemplos e linhas de orientação para interpretar os requisitos das competências. O recrutamento e o desenvolvimento profissional dos profes- sores são geridos ao nível das escolas, enquanto os conteúdos curri- culares da formação de professores são da responsabilidade das ins- tituições de formação inicial de professores, em linha com os dois quadros de referência (normas profissionais e base de conhecimentos). 46 Francesca Caena O desenvolvimento e preservação da qualidade dos docentes são enca- rados como uma responsabilidade conjunta do governo, dos conselhos escolares e dos professores, procurando alcançar-se um equilíbrio entre os papéis e o envolvimento de cada uma das partes. O governo define, através da legislação, quadros para as competências dos professores e para o desenvolvimento profissional e o organismo de Inspecção ava- lia a qualidade dos professores nas escolas. Os conselhos escolares são responsáveis por apoiar, financiar, possibilitar e monitorizar o desen- volvimento profissional dos professores, de quem se espera que actua- lizem as suas competências através de um número acordado de activi- dades de aprendizagem profissionais (Comissão Europeia, 2013a). No que diz respeito aos formadores de professores, as normas pro- fissionais (em vigor há mais de dez anos), a base de conhecimentos profissionais (em vigor desde 2011) e o registo profissional são con- siderados pelos governos e pelos empregadores como instrumentos essenciais para garantir e promover a qualidade do ensino. A organi- zação profissional VELON, que é um reconhecido e importante inter- veniente nos diálogos nacionais das políticas para professores, é res- ponsável pelo desenvolvimento e pela revisão cíclica destas normas. No processo neerlandês de registo de formadores de professores (até agora de carácter facultativo), as normas profissionais são encaradas como referências para analisar os pontos fortes e os pontos fracos des- tes profissionais, para elaborar um plano de aprendizagem/desenvolvi- mento e para a criação de um portefólio, através do diálogo entre pares (Comissão Europeia, 2013b). As políticas de ensino actuais nos Países Baixos (Plano de Acção de 2020 para Professores) têm como objectivo elevar o nível de qua- lidade do ensino de “bom” a “excelente”, abordando as questões do recrutamento e da permanência dos professores na carreira (através de 47 Quadros de competências de professores no contexto europeu iniciativas políticas que visam atrair um leque mais alargado de candida- tos), as condições de trabalho dos professores e a governação do ensino (www.government.nl/documents-e-publications/reports/2013/02/27/ teaching-2020.html). As iniciativas incluem bolsas para o desenvolvi- mento profissional dos professores (para qualificações universitárias adicionais ou necessidades educativas especiais), uma maior diversifi- cação laboral (em termos de postos de trabalho e de tabelas de venci- mentos) e um registo do desenvolvimento profissional dos professores (obrigatório a partir de 2017, que requer um DPC anual mínimo de 40 horas). Outras estratégias para garantir a qualidade dos professores incluem planos de acção para melhorar as escolas, estudos secundá- rios, formação profissional e o aumento do nível de exigência dos exa- mes e da qualidade dos dirigentes escolares. A Escócia tem uma longa tradição na aplicação de normas profis- sionais para professores (introduzidas em 2000 e revistas em 2013), integradas num sistema caracterizado pela actuação do Conselho Geral de Educação (desde 1996) (www.gtcs.org.uk/standards/standards. aspx). As etapas da carreira docente são descritas por quatro conjun- tos de normas profissionais, com uma perspectiva formativa que se centra mais na investigação, nas atitudes e nos valores (como a justiça social) do que nas aptidões técnicas. As três primeiras dimensões do quadro (valores profissionais e empenho pessoal; conhecimentos pro- fissionais; aptidões e habilidades profissionais) são parte integrante da quarta (processos profissionais). As dimensões dividem-se em listas com pontos específicos, que incluem exemplos de declarações do tipo «é capaz de» para cada ponto listado nas quatro áreas do quadro. O acordo de 2001 «A Teaching Profession for the 21st century» (Uma profissão docente para o século XXI) introduziu o direito de todos os professores a 35 horas anuais de DPC, um esquema de aprendizagem 48 Francesca Caena profissional, um esquema de apoio ao início de carreira e uma revi- são bietápica da formação de professores (www.scotland.gov.uk/ Resource/Doc/158413/0042924.pdf). O acordo envolveu a participação do governo, de empregadores e de sindicatos, reflectindo um elevado nível de confiança e de respeito entre todas as partes envolvidas. Tanto as autoridades nacionais (incluindo organismos de inspecção) como as autoridades educativaslocais (Conselhos escoceses, que possuem um certo nível de autonomia para a gestão de serviços educativos) apoia- ram as comunidades de aprendizagem de professores na promoção de uma mudança dos métodos de ensino e de avaliação, assim como em projectos colaborativos entre escolas e universidades; a avaliação da formação inicial de professores baseia-se mais na revisão pelos pares. A docência é encarada como uma profissão atractiva, havendo exce- dente de candidatos, oportunidades de progressão na carreira e salários razoavelmente elevados (Comissão Europeia/IBF, 2012d). O sistema de apoio ao início de carreira, estabelecido em 2002, contempla uma orientação estruturada e apoio contínuo aos professo- res, que se estende além do período de apoio inicial. Foram introduzidas opções de progressão de carreira com os programas para professores diplomados (com grau de Mestre ou com qualificações profissionais) e para posições de liderança. A implementação da medida escolar «Curri- culum for Excellence» (Currículo para a Excelência), em 2010, aumentou as responsabilidades dos professores, colocando ênfase na inter-rela- ção entre a formação de professores, programas escolares e resultados educacionais e permitindo uma maior liberdade na adaptação dos pro- gramas escolares às necessidades dos estudantes, embora alinhados com as directrizes gerais das políticas nacionais. Na Escócia, as políti- cas para professores têm sido elogiadas pela sua abordagem orientada para o desenvolvimento, centrada na aprendizagem dos professores e 49 Quadros de competências de professores no contexto europeu não na utilização regulamentar das normas profissionais (Conway et al., 2009; Menter et al., 2010). Quanto à qualidade e ao desenvolvimento profissional da forma- ção de professores, a criação de competências de investigação é uma prioridade e um desafio contínuo para as universidades escocesas. As abordagens colaborativas no AERS (Applied Educational Research Scheme) e na SERA (Scottish Educational Research Association) são valiosos exemplos dos avanços feitos nesta área (Menter et al., 2010). Conclusão: matéria para reflexão O papel predominante das políticas europeias numa área como a educação, que é regulada pelo princípio da subsidiariedade, pode ser considerado como um catalisador da mudança nacional e do empo- deramento, criando oportunidades para que os governos dos Estados- -Membros implementem reformas internas, que tenderão a desafiar as instituições, os intervenientes e as práticas locais, estimulando o desen- volvimento de políticas e a aprendizagem social nos diferentes países (Michel & Halász, 2011). A Estratégia de Educação e Formação para 2020 considera o desenvolvimento e o uso eficaz de quadros de com- petências de professores, fundamental para a reforma das políticas de ensino, devido à sua ligação com praticamente todas as principais áreas: competências-chave para o ensino em contexto escolar, formação e desenvolvimento profissional de professores, quadros de qualificações, garantia de qualidade, eficácia e transparência no ensino e na formação. No entanto, em matéria de políticas para professores, as dinâmicas de adaptação e a resistência às pressões europeias produzem resultados heterogéneos e diversificados nos vários países, onde os papéis, o equilí- brio e a intervenção das principais instituições (ao nível macro e médio), 50 Francesca Caena inseridas em estratégias políticas e culturas concretas, podem determi- nar o ritmo e o sucesso da tradução do discurso para a prática política. A ênfase nas competências dos professores pode ser vista como o resultado de uma mudança de paradigma na Europa, que tem vindo a focar-se nas competências que deverão fazer parte dos programas de ensino. Contudo, o êxito da implementação de políticas e reformas para as competências dos professores, implica a superação de numero- sos obstáculos e requer mudanças culturais e comportamentais signi- ficativas por parte dos principais intervenientes e instituições, nomea- damente, universidades e outros prestadores de serviços de formação de professores/desenvolvimento profissional, escolas enquanto locais de ensino e aprendizagem dos professores, formadores de professores e dirigentes escolares. Para que se encontre um rumo político no terreno caótico, irregu- lar e acidentado das competências e da formação de professores, poderá ser útil identificar alguns pontos de referência. O primeiro tem que ver com a aprendizagem para o desenvolvimento das competências dos professores, na fase de formação inicial e posteriormente – que pode ter lugar sobretudo no contexto escolar, embora requeira uma prepa- ração criteriosa, reflexão, feedback adequado e um diálogo profissional permanente com mentores experientes e formadores de professores. Isto implica decisões políticas que definam a estrutura e o currículo da formação inicial de professores e requer parcerias eficazes e estrutura- das entre escolas e universidades, o intercâmbio e desenvolvimento de conhecimentos e os conhecimentos especializados dos formadores de professores, mentores e investigadores. O segundo ponto de referência diz respeito à consistência da ava- liação das competências dos professores em diferentes contextos, fun- ções e etapas da carreira. Se a competência do professor é um conceito 51 Quadros de competências de professores no contexto europeu dinâmico, que implica a mobilização de conhecimentos e de aptidões em contextos específicos, então deverá ser avaliada na prática – na sala de aula e no exercício da profissão. Isso deverá estar reflectido nos pro- gramas de formação inicial de professores, nos trabalhos académicos e na avaliação dos professores ao longo da carreira, ressaltando o papel fundamental dos portefólios profissionais. O terceiro ponto diz respeito ao reconhecimento da necessidade de um continuum no processo de formação de professores, que requer coesão e articulação entre as várias etapas do seu processo de apren- dizagem e desenvolvimento. Numa conferência internacional recente sobre a formação de professores, que teve lugar em Essen (Projecto Nexus/Conferência de Reitores Alemães, Janeiro de 2014) (www.hrk- -nexus.de/aktuelles/termine/education-e-training-for-european-pro- fessores), expressou-se a opinião de que poderia ser mais fácil e eficaz elaborar políticas mais focadas no desenvolvimento profissional con- tínuo dos professores e não tanto na formação inicial de professores, tendo em conta os vários desafios institucionais e cognitivos inerentes ao processo de formação inicial de professores. Admitindo que esse seria o caso, isso poderia significar uma oportunidade perdida para que as universidades evoluíssem de torres de marfim para centros de aprendizagem e catalisadores do conhecimento, criando sinergias ino- vadoras com as escolas, enquanto comunidades profissionais. 52 Francesca Caena Bibliografia BALL, D. L. 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