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AULA 1 TÓPICOS ESPECIAIS DE HISTÓRIA DA FÍSICA E DA MATEMÁTICA E DE SEU ENSINO Prof. Otto Henrique Martins da Silva 2 CONVERSA INICIAL A matemática como ciência em construção: história e aspectos didáticos Nesta aula faremos algumas discussões sobre a Matemática e sua história, com o intuito de resgatar um pouco da sua construção como área do conhecimento, principalmente no que diz respeito às civilizações babilônica e egípcia, mas também a alguns momentos da Idade Média e Moderna. Também serão abordados outros aspectos da Matemática, relacionados ao seu ensino, como os aspectos didáticos, a resolução de problemas e a Etnomatemática. Finalmente, faremos uma rápida discussão sobre a História da Matemática no Brasil, momento em que se buscará caracterizar a sua evolução enquanto um campo do conhecimento e seu ensino. CONTEXTUALIZANDO A História da Matemática tem sido bastante usada no ensino da matéria propriamente dita. A importância desse recurso tem sido significativamente reconhecida pelos pesquisadores e educadores matemáticos. A partir dessa perspectiva do uso da História da Matemática e da sua significância, quais aspectos didáticos se fazem importantes para o ensino da disciplina? TEMA 1 – A MATEMÁTICA E SUA HISTÓRIA A Matemática pode ser considerada a primeira das ciências a aparecer na história da humanidade, quando o homem passou a utilizar formas mais eficientes e seguras de manutenção da sua existência. Uma jornada que se iniciou, certamente, nos primórdios da história da humanidade, os primeiros instrumentos matemáticos para a realização de contagens foram, provavelmente, as próprias mãos, cuja base numérica era, portanto, cinco. 1.1 Egípcios A partir daí, deu-se início à jornada da criação da matemática, com a contribuição das primeiras civilizações, como a egípcia. Os principais registros da matemática egípcia podem ser consultados nos papiros de Rhind e de Moscou. Esses papiros trazem diversos problemas matemáticos, que demonstram que 3 aquele povo já tinha conhecimento da álgebra e da geometria, por exemplo. Alguns problemas utilizavam cálculos de equações do segundo grau, além de diversas operações envolvendo raiz quadrada, potenciação, divisão e operação com frações. Tudo isso só foi possível a partir da criação do sistema de numeração de base dez, representado por meio de anotações hieroglíficas, como demonstrado na figura a seguir. Figura 1 – Representações numéricas no alfabeto egípcio Fonte: Sousa, 2015. 1.2 Babilônios Outra contribuição muito importante na criação e desenvolvimento da Matemática foi dada pela civilização mesopotâmica, localizada entre os rios Tigre e Eufrates. As fontes que demonstram a grande contribuição dessa civilização estão registradas em tabletes de argila. Eles utilizavam uma forma de escrita denominada de cuneiforme, que possibilitou uma infinidade de registros sobre o conhecimento matemático produzido pelos babilônios, tais como operações matemáticas aplicadas a diversos problemas na economia e no comércio, como câmbio de moedas, aplicações das taxas de juros nas operações financeiras e cálculo de impostos. Também foram utilizadas na agrimensura e agricultura, como unidades de medidas e as suas respectivas conversões, cálculos de áreas e volumes associados às plantações e quantificações nas colheitas. Nas tabuas também foram encontradas tabelas de multiplicadores e de recíprocos (divisões), uma espécie de tabuada, quadrados e cubos de números, além de raízes quadradas e raízes cúbicas, progressões aritméticas e geométricas dentre muitos outros conhecimentos. 4 O sistema que proporcionou todas essas criações matemáticas foi o sistema posicional sexagesimal e decimal de bases, respectivamente, 60 e 10, cujos símbolos da numeração matemática estão representados na figura a seguir. Figura 2 – Representação dos números na escrita cuneiforme Fonte: Sousa, 2015. Observe, nesse sistema, os valores numéricos relacionados aos símbolos e aos seus agrupamentos. O número 1 é representado pelo cravo e o 10 pelas asnas. As repetições desses símbolos correspondem a outros valores, isto é, as repetições dos cravos correspondem aos valores de 1 a 9, e as asnas são os valores de 10 a 90. As repetições combinadas desses símbolos correspondem a valores compreendidos entre as dezenas 10, 20 etc. Os valores de 1 até 59 são obtidos de forma aditiva, conforme mostrado na tabela acima e os valores acima disso são representados com a base de 10 e 60, conforme mostrado na figura a seguir. Figura 3 – Contas usando o sistema babilônico 5 1.3 Gregos Os gregos também tiveram um papel importante na construção do conhecimento matemático. No período denominado helenístico, as contribuições foram tão importantes que até hoje as utilizamos. Como exemplos concretos, temos a geometria euclidiana, formulada por Euclides de Alexandria no século 4º a.C., na obra Os Elementos. Outro matemático, cujas contribuições estão presentes nos dias atuais, foi Arquimedes de Siracusa, que recebe o crédito por várias descobertas na Física, além de contribuições na Hidrostática e Estática, como a criação da lei do empuxo e da alavanca. Não menos importantes foram as contribuições de outros pensadores gregos, como Pitágoras de Samos e Tales de Mileto. 1.4 Idade Média Já na Idade Média, outros importantes matemáticos contribuíram com a criação de novos conceitos que aceleram o desenvolvimento da disciplina, como o conceito de função e a criação do cálculo diferencial e integral, por Isaac Newton e Gottfried Wilhelm Leibniz. Muitos outros grandes nomes da Matemática foram determinantes na criação e desenvolvimento da disciplina, como os italianos Galileu Galilei e Bonaventura Cavalieri, os franceses François Viète, Leonardo Fibonacci, Pierre Fermat, Blaise Pascal e René Descartes. Ao se considerar um período mais próximo dos dias atuais, vale destacar grandes matemáticos como os irmãos Bernoulli, Leonhard Euler, d’Alembert, Carl Friedrich Gauss, Augustin-Louis Cauchy, Jean Baptiste Joseph Fourier e Bernhard Riemann. TEMA 2 – CONTRIBUIÇÕES PARA O PROFESSOR DE MATEMÁTICA: ASPECTOS DIDÁTICOS E IMPLICAÇÕES NA SALA DE AULA O estudo da História da Matemática é uma reconhecida estratégia didática, que pode ser utilizada pedagogicamente para o ensino de diversos conteúdos da disciplina. Essa afirmação se deve, em especial, aos inúmeros trabalhos realizados na área de pesquisa da Educação Matemática. Essa contribuição pode 6 se dar, por exemplo, pela mudança da visão da natureza da ciência ou pela percepção do surgimento e evolução dos conceitos matemáticos. O matemático português Bento de Jesus Caraça, no prefácio de seu livro Conceitos Fundamentais da Matemática, mostra que: A Ciência pode ser encarada sob dois aspectos diferentes. Ou se olha para ela tal como vem exposta nos livros de ensino, como coisa criada, e o aspecto é o de um todo harmonioso, onde os capítulos se encadeiam em ordem, sem contradições. Ou se procura acompanhá-la no seu desenvolvimento progressivo, assistir à maneira como foi sendo elaborada, e o aspecto é totalmente diferente - descobrem-se hesitações, dúvidas, contradições, que só um longo trabalho de reflexão e apuramento consegue eliminar, para que logo surjam outras hesitações, outras dúvidas, outras contradições. (Caraça, 1995, p. xiii) Portanto, ao considerar o segundo aspecto, a ciência tem uma forte influência do contexto social, herdando um pouco da vulnerabilidade humana, no curso da sua criação. Da mesma forma, a Matemática pode ser assim percebida e os aspectos da sua natureza são mais bem compreendidos por meio da análise de sua história. A partir dessa perspectiva, vários pensadores são defensoresdo uso da História da Matemática no processo de ensino e aprendizagem, como Vianna, que afirma que “apenas o estudo da História pode contribuir para uma melhor compreensão do conteúdo matemático, mas também que o estudo da História e dos problemas teóricos e metodológicos a ela associados pode lançar alguma luz sobre o conhecimento deste conteúdo matemático” (1995, p. 4). Além de Vianna, outros autores defendem esse uso, como citados por Pereira, nesta relação (2016, p. 10): - contribui para a compreensão dos conteúdos matemáticos (TZANAKIS e ARCAVI, 2000; VIANNA, 1995; MENDES, FOSSA e VALDÉS, 2006; MIGUEL e MIORIM, 2011; dentre outros); - contribui para a motivação dos estudantes para a aprendizagem da Matemática (FAUVEL, 1991; VIANNA, 1995, FOSSA, 2008; D´AMBRÓSIO, 2009; dentre outros); - contribui para a percepção da Matemática como criação humana (FAUVEL, 1991; TZANAKIS e ARCAVI, 2000; MIGUEL e MIORIM, 2011; dentre outros); - contribui para a percepção da natureza da atividade matemática (FAUVEL, 1991; TZANAKIS e ARCAVI, 2000; MIGUEL e MIORIM, 2011; dentre outros); - contribui para a percepção das conexões da Matemática com outras áreas do saber (TZANAKIS e ARCAVI, 2000; MIGUEL e MIORIM, 2011; dentre outros); - contribui para a percepção de como as ideias matemáticas se desenvolveram, em cada contexto e em diferentes épocas, levando-se em consideração as necessidades humanas (FAUVEL, 1991; MIGUEL e MIORIM, 2011; dentre outros); 7 - possibilita a utilização de investigação histórica no ensino de Matemática (TZANAKIS E ARCAVI, 2000; MENDES, 2003; dentre outros); - possibilita a organização da apresentação dos tópicos do currículo (FAUVEL, 1991; dentre outros); - pode ajudar aos professores entenderem as dificuldades dos alunos (FAUVEL, 1991; VALDÉS, 2006); - oferece oportunidades para o trabalho interdisciplinar (FAUVEL, 1991); - aumenta o repertório didático dos professores (TZANAKIS e ARCAVI, 2000). Os aspectos didáticos relacionados à História da Matemática também constituem argumentos favoráveis ao seu uso no ensino da disciplina e vários autores defendem essa perspectiva. Dentre esses autores, destaca-se Antonio Carlos Brolezzi, que desenvolveu uma pesquisa acerca do uso da História da Matemática e a caracterização dos meios como fontes históricas sobre a disciplina. Em sua pesquisa, Brolezzi (1991) investiga o valor didático da História da Matemática e propõe três componentes para a análise desse valor: História da Matemática e a Lógica da Matemática em Construção; História da Matemática e Significado; e História da Matemática e Visão da Totalidade. Em relação à História da Matemática e a Lógica da Matemática em Construção, Brolezzi considera que a lógica “se encontra ligada de maneira intrínseca ao ensino da Matemática elementar” (1991, p. 44). Assim, baseado no filósofo suíço Innocentius Marie Bochenski (1958), Brolezzi apresenta três significados para o termo lógica: [...] a lógica enquanto conjunto de leis do raciocínio silogístico, muitas vezes chamada de Lógica Formal; a lógica enquanto questionadora da própria validade dessas leis, que se pode chamar de filosofia da lógica; e a lógica enquanto aplicação das leis do raciocínio aos diversos campos do saber, que pode ser chamada, segundo Bochenski, de metodologia. (1991, p. 44, grifo do original) De acordo com Brolezzi, a ciência, num estágio avançado de sistematização, possui a ordenação das proposições formuladas segundo a lógica formal, denominada Ciência formalizada; já “a Ciência em fase de construção admite, portanto, uma certa metodologia, [...] chamada de lógica natural, a qual é distinta da lógica que, posteriormente, tal ciência irá apresentar, quando estiver sistematizada” (Brozelli, 1991, p. 45). O autor aponta ainda a existência de níveis lógicos distintos no livro didático e no caderno do aluno. Enquanto no livro didático a Matemática pode ser apresentada segundo sua estrutura lógica interna, própria de uma Ciência sistematizada, no caderno ela se encontra organizada de acordo com a lógica de sua construção: erros, correções, tentativas de resolução parcial de problemas, esboços de dúvidas, explicações orais anotadas 8 de modo sucinto, exemplos, resumo de teoria aos pedaços etc. (1991, p. 48) O componente do valor didático da História da Matemática, relacionado à representação da Matemática em linguagem simbólica, também tem relação com a aprendizagem e com a motivação para essa aprendizagem. É comum nos depararmos com situações em que o aluno não consegue interpretar as informações estabelecidas por meio dos signos matemáticos e nem os cálculos realizados com esses signos. De acordo com Brolezzi: o ensino elementar em geral tende a enfatizar a técnica de fazer cálculos, deixando para o segundo plano o cuidado na apreensão do significado dos mesmos por parte dos alunos. Acaba-se, assim, operando com símbolos matemáticos com pouco ou nenhum conhecimento do significado das operações realizadas. E muitas vezes a Matemática torna-se objeto de aversão por parte dos alunos do nível elementar, justamente pela dificuldade de compreensão de sua linguagem. (1991, p. 52) Outra questão relacionada ao significado diz respeito às situações em que o aluno indaga o porquê de se estudar determinado conteúdo. Essas lacunas de significados devem ser trabalhadas pelo professor usando aspectos da História da Matemática. Ao se analisar as origens dos conteúdos da disciplina, podemos observar a notação simbólica e o seu significado, mesmo antes de passar pelo processo da sua formalização, que a distancia da semântica inicial (Brolezzi, 1991). O significado de uma noção elementar de Matemática pode ser esclarecido com base numa estrutura interna da Matemática que necessariamente não é acessível ao aluno naquele momento. Mas a história daquela noção, que muitas vezes remota à época em que a Matemática ainda não havia adquirido toda sua estrutura interna, pode revelar seu significado sem exigir maior nível lógico que o de acompanhar uma contextualização histórica, a qual tem sempre ligação com a realidade humana comum. (Brolezzi, 1991, p. 56) Sobre essa questão, segundo Machado, a utilização da “História do desenvolvimento das ideias, dos conceitos, do modo como o conhecimento foi produzido – é quase sempre suficiente para revelar uma continuidade essencial em relação ao significado dos temas tratados” (1990, p. 73 citado por Brolezzi, 1991, p. 55 e 56). Ainda sobre o valor didático da História da Matemática, Brolezzi afirma que esse componente “propicia uma visão de totalidade do conhecimento matemático que é fundamental para uma melhor compreensão de certos aspectos que isoladamente parecem carecer de sentido, em particular no que se refere à 9 questão das aplicações práticas do conteúdo da Matemática elementar” (1991, p. 43). Para o autor, a dificuldade do aluno em relacionar o conhecimento matemático e sua aplicação prática pode se dar por uma falta de visão da totalidade, reforçada pela fragmentação do currículo e, consequentemente, da divisão dos conteúdos (Brolezzi, 1991). O autor reforça, então, que o conhecimento histórico contribui para a visão da totalidade da matemática elementar e para a percepção da utilidade dos conteúdos (Brolezzi, 1991). TEMA 3 – RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS: UMA ALTERNATIVA PARA A INSERÇÃO NAS AULAS DE MATEMÁTICA DA HISTÓRIA DESSA CIÊNCIA O papiro de Rhind, escrito por volta de 1650 a.C., no antigo Egito, é uma cópia de outro texto matemático mais antigo. Nesse documento egípcio, há 84 problemas matemáticos envolvendo a geometria e a aritmética, dentre eles registros e estudos de frações unitárias e equações lineares, cálculo de volumes de sólidos e de áreas de formas circulares e retangulares. Figura 4 – Papiro de Rhind Fonte: The British Museum 10 Dentre os váriosproblemas que aparecem no papiro de Rhind, o de número 41 trata do volume de um sólido cilíndrico (silo) de diâmetro d e altura h, cuja fórmula em notação atual é dada por: 𝑉 = [(1 − 1 9 ) 𝑑] 2 ℎ Nesse caso, em que 𝑑 = 2𝑟 a fórmula fica igual a 𝑉 = 256 81 𝑟2ℎ Em que a razão 256 81 ≅ 3,1605 corresponde aproximadamente, ao número 𝜋. Outro papiro bastante conhecido, é o papiro de Moscou (Figura 4) datado de 1850 a.C. e adquirido pelo egiptólogo russo Vladimir Golenishchev, no fim do século XIX. Nele constam 25 problemas com suas respectivas soluções. Um desses problemas, o de número 14, propõe uma fórmula para o cálculo de uma pirâmide de base quadrada, a e b, e altura h, dada por = 1 3 (𝑎2 + 𝑎𝑏 + 𝑏²)ℎ. Outros problemas apresentados no papiro de Moscou tratam de questões da vida diária dos egípcios. Um deles descreve a área de superfícies curvas e outro trabalha a equação 2𝑥 + 𝑥 = 9 Outro papiro, o de Berlim, envolve equações e sistemas de equações do segundo grau, como as mostradas as seguintes: 𝑥2 + 𝑦2 = 100 4𝑥 − 3𝑦 = 0; 𝑥2 + 𝑦2 = 400 4𝑥 − 3𝑦 = 0 11 Figura 5 – Papiro de Moscou Fonte: The British Museum Um problema proposto pelos egípcios é relatado a seguir: Linda donzela, de olhos brilhantes, diz-me qual o número que, multiplicado por 3, somado a três quartos do produto, dividido por 7, subtraindo de um terço do quociente, multiplicado por si mesmo, subtraindo de 52, tendo sua raiz quadrada extraída, somado a 8 e depois dividido por 10, dá o número 2? (Lovers) Solução: Se dividindo o penúltimo resultado por 10, temos 2, então aquele será vinte; Se o anterior, somado a 8, é 20 então, serão 12; Se o anterior tem raiz quadrada 12, então serão 144; Se o anterior, subtraindo 52, é 144, então serão 196; Se o anterior, multiplicado por si mesmo, é 196, então serão 14; Se, subtraindo um terço do anterior, temos 14, então serão 21; Se o anterior, dividido por sete, é 21, então serão 147; Se o anterior, somado três quartos, é 147, então serão 84. Finalmente, se o número, multiplicado por 3, é 84, então ele será 28. 12 TEMA 4 – A ETNOMATEMÁTICA E A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA A partir do 5° Congresso Internacional de Educação Matemática, realizado no ano de 1984, em Adelaide, na Áustria, as críticas com relação à Educação Matemática tornaram-se mais intensas, especialmente sobre o ensino de Matemática. De acordo com D’Ambrósio, [...] o Quinto Congresso Internacional de Educação Matemática, que se realizou em Adelaide, Austrália, em agosto de 1984, mostra uma tendência definitiva sobre preocupações socioculturais nas discussões sobre educação matemática. Questões sobre “Matemática e sociedade”, “Matemática para todos” e mesmo a crescente ênfase na “História da matemática e de sua pedagogia”, as discussões de metas da educação matemática subordinadas às metas gerais da educação e sobretudo o aparecimento da nova área, a etnomatemática, com forte presença de antropólogos e sociólogos, são evidências da mudança qualitativa que se nota nas tendências da educação matemática. (D’Ambrosio, 1998, p.12, grifos do original) As discussões realizadas nesse congresso tiveram como foco a Educação Matemática voltada para as questões socioculturais. Ubiratan D’Ambrósio se destaca pela teorização da Etnomatemática, sobre a qual afirma: utilizamos como ponto de partida a sua etimologia: etno é hoje aceito como algo muito amplo, referente ao contexto cultural, e portanto inclui considerações como linguagem, jargão, códigos de comportamento, mitos e símbolos; matema é uma raiz difícil , que vai na direção de explicar, de conhecer, de entender; e tica vem sem dúvida de techne, que é a mesma raiz de arte ou técnica. Assim, poderíamos dizer que etnomatemática é a arte ou técnica de explicar, de conhecer, de entender nos diversos contextos culturais [...]. (D’Ambrosio, 1998, p.5-6, grifos do original) Em relação ao termo Etnomatemática, D’Ambrósio adverte que: é um grande equívoco pensar que a etnomatemática pode substituir uma boa matemática acadêmica, que é essencialmente para o indivíduo ser atuante no mundo moderno. Na sociedade moderna, a etnomatemática terá utilidade limitada, mas, igualmente, muito da matemática acadêmica é absolutamente inútil nessa sociedade. (2011, p. 43, grifo do original) TEMA 5 – A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA NO BRASIL A Matemática, no Brasil do período colonial, teve forte influência da Companhia de Jesus, fundada, pelos jesuítas, com a criação das primeiras escolas elementares. A primeira dessas escolas foi fundada em Salvador, no início da quinta década do período colonial e, na sequência: outras escolas elementares foram criadas (em Porto Seguro, Ilhéus, São Vicente, Espirito Santo e São Paulo de Piratininga) e dos colégios, gradualmente estabelecidos na Bahia (1556), no Rio de Janeiro (1567), 13 em Olinda (1568), no Maranhão (1622), em São Paulo (1631) e, posteriormente, também em outras regiões. (Gomes, 2013, p. 14) Pode-se considerar que esse foi o início da educação formal no Brasil. De acordo com Gomes (2013), as escolas elementares abordavam, no seu ensino, o sistema de numeração decimal e as operações de adição, subtração, multiplicação e divisão. Já nos colégios de nível secundário, o ensino tinha como foco as humanidades clássicas, havendo pouco espaço para os conhecimentos matemáticos. Contudo, a partir da segunda metade do século XVIII (1772), foram criadas as aulas régias, em que o ensino de matemática era desenvolvido por meio das disciplinas de Aritmética, Álgebra e Geometria. Havia, no entanto, poucos alunos e escassez de professores (Gomes, 2013). Com a chegada da corte portuguesa ao Brasil, em 1808, foram criadas a Academia Real da Marinha e, dois anos depois, a Academia Real Militar, ambas na cidade do Rio de Janeiro. Elas se destinavam à formação de engenheiros civis e militares, e profissionais paras as áreas de cirurgia, agricultura e química. Outras instituições foram criadas no Rio de Janeiro, como a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, em 1816, e o Museu Nacional (Gomes, 2013). A Academia Real Militar oferecia dois cursos: um Matemático, com duração de quatro anos e outro Militar com duração de três anos. Ao todo, seu curso tinha duração de sete anos. Mas, nem todos os seus alunos eram obrigados a cursar os sete anos da Academia, conforme nos informara J. Motta, in Formação do Oficial do Exército, Rio de Janeiro: Editora Companhia Brasileira de Artes Gráficas, 1976, quando dissera à p. 20: ‘[...] Os alunos destinados à Infantaria e à Cavalaria apenas estudavam as matérias do primeiro ano (Matemática Elementar), e os assuntos militares do quinto. Só para artilheiros e engenheiros eram exigidos os estudos do curso completo [...]. (Silva, 1976, p. 22) No início do século XIX, a Matemática no Brasil, de acordo com o regulamento da academia, constituía-se de três anos de estudos de Aritmética, Geometria e Trigonometria (1º ano), Princípios de Álgebra, Geometria e Mecânica (2º ano) e Trigonometria Esférica – Estudo da Navegação (Silva, 2013). Na Academia Real Militar o currículo de Matemática estava assim organizado: 1° ano: Aritmética – Álgebra (até equações do 3° e 4° graus) – Geometria e Trigonometria (retilínea seguida das primeiras noções da esférica). [...]. 2° ano: Neste ano eram repetidas e ampliadas as noções de Cálculo dadas no primeiro e era feito o estudo da Geometria Geral, do Cálculo Diferencial e Integral e de Geometria Descritiva. [...]. 3° ano: Estudavam a Mecânica e sua aplicação nas máquinas. [...]. 14 4° ano: Era adotado o compêndio de Lacroix para servir de base à exposição da Trigonometria esférica, que deveria ser ministrada em toda a sua extensão. [...]. O ensino dos três últimos anos (5°, 6° e 7° ano), versava sobre as CiênciasMilitares, Físicas e História Natural. Pelo conjunto das matérias que constituíam o curso de Matemática desta antiga Academia Militar e pelos autores indicados pela Carta Régia para serem adotados e consultados percebeu-se que no Brasil de 1810 ensinava-se matemática com boa qualidade. (Costa; Piva, 2013, p. 593-594) Em 1839, após a sua reorganização, a Academia Militar passou a se chamar Escola Militar e oferecia dois cursos designados como Primeiro Curso e Segundo Curso. O estudo da Matemática passou a ser ministrado nos 1°, 3° e 4° anos, com a seguinte formatação: 1° ano – Cadeira de Geometria, compreendendo o curso elementar de Matemática pura e aplicada à Topografia. 3° ano – Cadeira de Análise Matemática, compreendendo o cálculo das funções diretas e o das funções indiretas; Cadeira de Geometria, compreendendo o estudo da Geometria Analítica e o estudo da Geometria Descritiva. 4° ano - Cadeira de Mecânica, compreendendo o estudo da Mecânica racional e o estudo de Cálculo das probabilidades. (Costa; Piva, 2013, p. 593-594) Em 1842, o regulamento da Escola sofreu outra alteração, e o curso de Matemática passou a ser feito com a seguinte grade curricular: 1° ano – 1ª. Cadeira: Aritmética, Álgebra Elementar, Geometria e Trigonometria Plana; 2° ano – 1ª. Cadeira: Álgebra Superior, Geometria Analítica, Cálculo Diferencial e Integral; 3° ano - 1ª. Cadeira: Mecânica Racional e aplicada às máquinas; 4° ano – 1ª. Cadeira: Trigonometria Esférica, Astronomia e Geodésia. As reformas e modificações pelas quais passou inicialmente a Academia Real Militar e posteriormente a Escola Militar até o ano de 1842, em nada alteraram o conjunto útil da ciência que desde 1810 começou a ser ensinada. (Costa; Piva, 2013, p. 594) Na segunda metade do século XIX, por meio do Regulamento de 1860, a Matemática no Brasil sofreu alterações quanto à distribuição das matérias anuais, sendo o Cálculo das Variações suprimido no conjunto da ciência (Costa; Piva, 2013). Outra modificação ocorreu em 1863, com a reorganização na Escola Central e Escola Militar. Nesta última foi criado um curso de Matemática que propunha estudos iniciais de Aritmética, Álgebra e Geometria. Essas disciplinas eram estudadas no curso preparatório ao anexo à Escola Militar e nos três anos posteriores estudava-se a Teoria Geral e resolução numérica das equações, Cálculo Diferencial e Integral, Geometria Analítica e Descritiva e Mecânica. O Curso da Escola Central sofreu ainda modificações quanto à disposição das matérias na distribuição das séries a serem cursadas, porém não se percebeu nenhuma alteração importante em relação ao 15 que era ensinado em 1860. No entanto, desta reforma resultou a criação de mais uma escola oficial, onde era ministrado o ensino da Matemática. Vale ressaltar que com a evolução que se processava no mundo com referência à ciência e à técnica, nas décadas de 1860 e 1870 existiu uma forte pressão, junto ao Imperador, para que houvesse a separação definitiva do ensino militar do ensino civil. Na década de 1870 foram efetivadas grandes reformas no Estatuto da Escola Central, transformando-a em uma escola civil, e houve definitivamente a separação do ensino militar. No ano de 1870 ocorreu certa instabilidade política no Brasil que antecedeu a derrocada do Império. Naquela década e nas décadas seguintes as questões políticas aliadas às questões ideológicas, econômicas e sociais geraram, na elite letrada da sociedade brasileira, sentimento de mudanças e de busca de soluções para os problemas que assolavam o país. Naquela época, as questões que mais causavam incômodos eram: a escravidão, o analfabetismo, a estrutura do sistema escolar, a imigração, o casamento civil, a separação entre o Estado e Igreja Católica. Enfim, o quadro de insatisfação geral que envolvia a sociedade brasileira balizou por muitos anos a vida das instituições de ensino do país, bem como da sociedade como um todo. Alheia aos problemas por que passava o Brasil, a Academia Real Militar era uma instituição de ensino e regime militares e, destinava-se a formar oficiais Topógrafos, oficiais Geógrafos, bem como oficiais para as armas de Engenharia, Infantaria, Cavalaria e Artilharia para o exército de D. João VI. A Academia Real Militar tinha em sua estrutura dois cursos: um Matemático, com duração de quatro anos e outro Militar com duração de três anos. Ao todo, seu curso tinha a duração de sete anos. Todavia, nem todos os seus alunos tinham a obrigação de cursar os sete anos de Academia Real Militar. Em 1871, um novo regulamento foi dado à Escola de Marinha, porém não foi notada nenhuma alteração realmente importante em relação ao desenvolvimento da ciência matemática, que era ali ensinada de forma mais elementar do que nas escolas Central e Militar. Em 1874, a Escola Central passou a ser chamada Escola Polytecnica. Esta reformulação produziu alterações profundas no conjunto das doutrinas que eram ensinadas. Permaneceu-se no curso geral o ensino do que era verdadeiramente útil em Matemática, estabeleceram-se cursos especiais nos quais as teorias abstratas receberam um desenvolvimento extraordinário. A Escola Militar, tornada na época totalmente independente da Escola Polytecnica também não teve nenhuma modificação real quanto ao desenvolvimento das teorias matemáticas. (Costa; Piva, 2013, p. 596 e 597) FINALIZANDO Vimos, nesta aula, algumas discussões sobre a Matemática e sua história. Resgatamos a construção do seu conhecimento, principalmente, no que diz respeito às civilizações babilônica e egípcia e alguns momentos da Matemática nas Idades Média e Moderna. Também discutimos alguns aspectos da Matemática relacionados ao seu ensino, como questões didáticas, a resolução de problemas e a Etnomatemática. Finalmente, fizemos uma rápida discussão sobre a história da matemática no Brasil, buscando caracterizar a sua evolução enquanto um campo de conhecimento e de ensino. 16 LEITURA OBRIGATÓRIA GOMES, M. L. M. História do ensino da matemática: uma introdução. Belo Horizonte: CAED-UFMG, 2013. MIGUEL, A.; MIORIM, M. A. História na educação matemática: propostas e desafios. 2. ed. 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