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Vinícius Bandeira | @viniciusbdentista Pode-se empregar soluções anestésicas com vasoconstritor em pacientes portadores de doença cardiovascular? Como a epinefrina está contida em muitas das soluções anestésicas de uso odontológico, seus efeitos devem ser considerados na frequência cardíaca (FC), no volume sistólico, no débito cardíaco, na demanda de oxigênio pelo miocárdio e na resistência vascular periférica. Os efeitos da epinefrina na pressão arterial (PA) dependem da dose e da via de administração. Pequenas doses administradas pela via subcutânea podem resultar em pequena ou nenhuma alteração na PA. No entanto, doses elevadas, no interior dos vasos sanguíneos, podem acarretar uma brusca elevação da PA, devida primariamente à vasoconstrição periférica. A epinefrina também aumenta a frequência cardíaca e a força de contração ventricular, que em última análise aumentam o débito cardíaco e o consumo de oxigênio pelo miocárdio. Sendo assim, o efeito vasodilatador da epinefrina nas artérias coronárias é diminuído ou ausente na presença de aterosclerose nesses vasos. Por outro lado, durante uma situação de estresse, a secreção endógena de catecolaminas (epinefrina e norepinefrina) pelas adrenais aumenta em até ~ 40 vezes, se comparada aos níveis basais (com o indivíduo em repouso), e atinge níveis sanguíneos muito maiores se comparados aos obtidos após a aplicação de um tubete de solução anestésica contendo epinefrina 1:50.000. Catecolaminas Epinefrina Norepinefrina Secreção das adrenais Paciente em repouso 7 1,5 Secreção das adrenais Paciente sob estresse 280 56 Anestesia local com 1 tubete contendo epinefrina 1:50.000 <1 - A secreção endógena de epinefrina e norepinefrina para o sangue aumenta o trabalho cardiovascular e, consequentemente, a demanda de oxigênio pelo miocárdio. Em pacientes com comprometimento das artérias coronárias, essa maior demanda de oxigênio pode não ser atendida. O aumento do trabalho cardíaco também pode exacerbar a insuficiência cardíaca congestiva, e os níveis aumentados de epinefrina e norepinefrina podem levar ao aumento dramático da pressão arterial sanguínea, predispondo ao acidente vascular encefálico. O maior objetivo no atendimento odontológico de pacientes com doença cardiovascular é reduzir a liberação endógena de catecolaminas. Isso pode ser conseguido por meio da sedação mínima farmacológica que complementa as técnicas de condicionamento psicológico. Tal cuidado é muito mais importante do que simplesmente empregar soluções anestésicas sem vasoconstritor. “Quanto maior for o risco clínico de um paciente, mais importante se torna o controle eficaz da ansiedade e da dor” Além de se considerar um protocolo de sedação mínima para o controle da ansiedade, a anestesia local em pacientes com problemas cardiovasculares deve garantir a completa ausência de dor durante o procedimento, o que é mais facilmente obtido com soluções anestésicas com vasoconstritor. Também se deve lembrar que a incorporação de epinefrina às soluções anestésicas locais proporciona um controle mais adequado da hemostasia. O menor sangramento contribui para reduzir o tempo de duração da intervenção e, por consequência, o “estresse cirúrgico”. Portanto, ao contrário do que muitos pensam, o emprego de soluções anestésicas com epinefrina (nas menores concentrações) pode ser benéfico aos pacientes hipertensos ou portadores da maioria das cardiopatias, com a doença controlada. Terapêutica | UFPE (2021.1) Vinícius Bandeira | @viniciusbdentista Qual a dose máxima de epinefrina, contida na solução anestésica local, que pode ser administrada com segurança durante um procedimento dentário em pacientes com doença cardiovascular controlada? 0,04 mg por sessão de atendimento. No Brasil, as soluções anestésicas locais para uso odontológico podem conter epinefrina nas concentrações de 1:50.000, 1:100.000 ou 1:200.000, o que equivale, respectivamente, à quantidade de 0,036 mg, 0,018 mg e 0,009 mg de epinefrina para cada tubete anestésico contendo 1,8 mL da solução. Concentração e quantidade de epinefrina por tubete (mg) Número de tubetes por sessão de atendimento 1:50.000 (0,036 mg) 1 1:50.000 (0,036 mg) 2 1:200.000 (0,009 mg) 4 Assim, quando se emprega uma solução anestésica contendo epinefrina 1:100.000, o volume máximo recomendado é de 4 mL, praticamente equivalente ao contido em 2 tubetes anestésicos (3,6 mL), ou 8 mL (quase 4 tubetes), quando a epinefrina estiver na concentração de 1:200.000, independentemente do sal anestésico a que esse vasoconstritor estiver associado. O uso de soluções que contêm epinefrina 1:50.000 não é recomendado para pacientes com doença cardiovascular. E quando a epinefrina estiver contraindicada? Quando a epinefrina estiver contraindicada (p. ex., pacientes portadores de certos tipos de arritmia cardíaca), o cirurgião-dentista tem a alternativa de empregar uma solução de prilocaína 3% com felipressina. Por não pertencer ao grupo das aminas simpatomiméticas, a felipressina não age sobre os receptores α e β adrenérgicos. Isso faz o cirurgião-dentista deduzir, erroneamente, que a felipressina não produz efeitos no sistema cardiovascular. Outra opção de que o dentista dispõe é aplicar uma solução que não contenha um agente vasoconstritor (mepivacaína 3%), para procedimentos nos quais não haja necessidade de anestesia pulpar prolongada e controle do sangramento. Pacientes com Hipertensão Arterial A hipertensão arterial sistêmica é a elevação persistente dos níveis da pressão arterial sanguínea (PA), com valores ≥ 140/90 mmHg. Estima-se que a doença atinja ~ 22% da população brasileira > 20 anos, sendo responsável pela maioria dos casos de acidente vascular encefálico e infarto agudo do miocárdio. A hipertensão arterial é dividida em duas categorias clínicas principais: a hipertensão sistólica de forma isolada e a hipertensão sistólica e diastólica combinadas, sendo a primeira a mais comum e relacionada ao aumento da idade. A hipertensão arterial é primária ou essencial (sem causa aparente) na grande maioria dos casos, ~ 90-95%. Seu tratamento se baseia na mudança de hábitos alimentares e na prática de exercícios físicos, tendo como objetivo a perda de peso, além da restrição do tabagismo e da ingestão de álcool. Quando isso não é suficiente para o controle da doença, são empregados medicamentos anti-hipertensivos: betabloqueadores, diuréticos, bloqueadores dos canais de cálcio, bloqueadores alfa-adrenérgicos, agentes poupadores de potássio e inibidores da enzima conversora de angiotensina, geralmente empregados de forma associada. A hipertensão secundária representa apenas 5-10% dos casos, e é decorrente de outras patologias, como o hipertireoidismo, e feocromocitoma e enfermidades renais. O tratamento é direcionado para a doença de base, causadora da hipertensão arterial. Terapêutica | UFPE (2021.1) Vinícius Bandeira | @viniciusbdentista Paciente ASA II Hipertensão no Estágio 1 — pressão arterial controlada ou situada nos limites de até 160/100 mmHg, assim aferida no dia da consulta: ● Pode ser submetido a procedimentos odontológicos de caráter eletivo ou de urgência. ● Avalie a existência de outras alterações sistêmicas associadas (cardiovasculares, diabetes, insuficiência renal). ● Planeje sessões curtas de atendimento, preferencialmente na segunda parte do período da manhã (entre as 10-12 h). No caso de procedimentos mais prolongados, monitore a PA durante a intervenção. ● Prescreva um benzodiazepínico (p. ex., midazolam 7,5 mg) como medicação pré-anestésica, para evitar o aumento da pressão arterial por condições emocionais. Como alternativa, pode ser empregada a sedação mínima pela inalação da mistura de óxido nitroso e oxigênio. ● Empregue soluções contendo felipressina 0,03 UI/mL (associada à prilocaína 3%) ou epinefrina nas concentrações 1:200.000 ou 1:100.000 (em associação à lidocaína 2% ou articaína 4%). Dê preferência para as soluções com menor concentração de vasoconstritor. ● Tenha cuidado redobrado para evitar injeçãointravascular e para não ultrapassar o limite máximo de 2 tubetes anestésicos contendo epinefrina 1:100.000, ou 4 tubetes com epinefrina 1:200.000, por sessão de atendimento. O limite máximo para a felipressina é de 3 tubetes. ● Para o controle da dor pós-operatória, dê preferência à dipirona ou paracetamol. Evite o uso de anti-inflamatórios não esteroides. Pacientes ASA II Hipertensão no Estágio 2 — pressão arterial atingindo níveis > 160/100 mmHg, mas ainda sem ultrapassar 180/110 mmHg: ● Procedimentos odontológicos eletivos são contraindicados. Encaminhe o paciente para avaliação médica e controle da pressão sanguínea arterial. ● Nas urgências odontológicas (p. ex., pulpites, pericementites e abscessos), cuja intervenção não pode ser postergada, a conduta mais importante é o pronto alívio da dor, que é conseguido por meio da anestesia local e da remoção da causa. Para isso, empregue uma solução de prilocaína 3% com felipressina (máximo de 2-3 tubetes). É importante que o procedimento seja realizado de forma rápida (máximo de 30 min) e sob sedação (pela via oral com midazolam ou pela inalação da mistura de óxido nitroso e oxigênio), para evitar a elevação ainda maior da PA pelo estresse operatório. Pacientes ASA III Hipertensão Severa, “assintomática” — pressão arterial em níveis > 180/110 mmHg, mas ainda sem apresentar sintomas: ● Todo e qualquer procedimento odontológico está contraindicado. No caso das urgências odontológicas, o atendimento deverá ser feito em ambiente hospitalar, após avaliação médica e redução da pressão arterial para níveis mais seguros. e em caso de apresentar sintomas, um serviço móvel de urgência deve ser solicitado imediatamente. Pacientes Diabéticos O diabetes melito (DM) pode ser considerado como uma doença metabólica sistêmica crônica, consequente à deficiência parcial ou total de insulina, que acarreta uma inadequada utilização dos carboidratos e alterações no metabolismo lipídico e proteico. Terapêutica | UFPE (2021.1) Vinícius Bandeira | @viniciusbdentista Normas gerais de conduta no atendimento odontológico Anamnese dirigida Se na anamnese de rotina o dentista constatar que o paciente é diabético, os seguintes cuidados pré e pós-operatórios devem ser tomados, com relação à sedação, devido ao fato de a ansiedade e o medo poderem induzir uma maior secreção de catecolaminas (epinefrina e norepinefrina), que desenvolvem um processo de glicogenólise hepática, aumentando os níveis de glicemia do paciente diabético, Sendo assim, o uso de um benzodiazepínico deve ser considerado como medicação pré-operatória, para se evitar o aumento da glicemia por condições emocionais. Para isso, deve-se optar por algum dos seguintes medicamentos: ● midazolam ● alprazolam, ● diazepam ou lorazepam (nos idosos), nas mesmas dosagens empregadas para pacientes normais (ASA I). Anestesia Local A epinefrina tem uma ação farmacológica oposta à da insulina. Seu efeito na glicemia ocorre pela estimulação da gliconeogênese e da glicogenólise hepática. Em virtude dessa propriedade, é considerado um hormônio hiperglicêmico. Então, a via de administração, a dose e o tipo de diabetes (dependente ou não de insulina) são fatores que influenciam na resposta do diabético à administração de epinefrina. Em geral, as possíveis complicações após a administração de soluções anestésicas contendo epinefrina, nas concentrações e volumes normalmente usados em odontologia, são muito menores do que costumam ocorrer na clínica médica. Contudo, o risco de complicações pode variar significativamente na população diabética, que inclui um grupo bastante heterogêneo de pacientes. Dessa forma, as chances de alterações podem ser maiores nos pacientes medicados com insulina do que naqueles tratados somente com dieta ou hipoglicemiantes orais, pois há uma relação entre os níveis elevados de catecolaminas circulantes e o aumento da glicemia em pacientes diabéticos insulinodependentes. Além do tipo particular de diabetes, a qualidade do controle médico é outro importante fator predisponente às complicações. Parece ser consensual que os pacientes diabéticos controlados apresentam uma melhor tolerância aos agentes vasoconstritores. Até mesmo os pacientes diabéticos insulinodependentes podem ser beneficiados com pequenas quantidades do vasoconstritor contido nas soluções anestésicas. Portanto, pode-se sugerir que as soluções anestésicas locais que contêm epinefrina podem ser empregadas em diabéticos dependentes ou não de insulina, em qualquer procedimento odontológico eletivo (cirúrgico ou não), obedecendo-se às doses máximas recomendadas para cada anestésico, além do cuidado de se fazer injeção lenta após aspiração negativa. Pacientes Asmáticos A asma brônquica é uma doença pulmonar obstrutiva, autolimitada, cujo principal sintoma é a falta de ar, causada pelo estreitamento das vias aéreas, pela inflamação de suas paredes e pela hiperprodução de muco aderente, em resposta a vários estímulos. Protocolo de atendimento A inalação da mistura de óxido nitroso e oxigênio (feita por profissional habilitado) é o método mais indicado para a sedação mínima de pacientes com asma leve ou moderada, uma vez que a mistura gasosa não é irritante ao epitélio pulmonar e proporciona uma sensação de bem-estar ao paciente. Ao contrário, deve ser evitada em pacientes com quadros severos de asma brônquica, pois o risco de hipoxia é maior em pacientes com insuficiência respiratória. O uso de soluções anestésicas com epinefrina não é contraindicado. Na realidade, a epinefrina até poderia ter uma ação benéfica por sua ação sobre os receptores β2, por promover o relaxamento da musculatura bronquiolar e pela melhoria das condições respiratórias. Deve-se, entretanto, ter cuidado com os asmáticos com história de alergia aos sulfitos, o que não é incomum, especialmente nos que dependem do uso de corticosteroides. Nesses Terapêutica | UFPE (2021.1) Vinícius Bandeira | @viniciusbdentista casos, dá-se preferência à solução de prilocaína 3% com felipressina 0,03 UI/m. Portadores de disfunções da tireoide A função da glândula tireoide é produzir, armazenar e liberar hormônios tireoidianos na corrente sanguínea. Ela secreta três tipos de hormônios: tiroxina (T4), triiodotironina (T3) e calcitonina. A calcitonina está envolvida na regulação dos níveis séricos de cálcio e fósforo e na remodelação do esqueleto ósseo, em conjunto com o hormônio da paratireoide e a vitamina D. O T3 e o T4 atuam sobre o metabolismo geral do organismo, estimulando o consumo de glicose e de oxigênio, a produção de calor, o crescimento corpóreo e o amadurecimento sexual, entre outras funções.Quando a produção de T3 e T4 é excessiva, ocorre o quadro de hipertireoidismo. Ao contrário, a deficiência desses hormônios leva ao hipotireoidismo, sendo ambas as condições mais comuns em mulheres Hipertireoidismo A deficiência de iodo na dieta compromete a produção de T3 e T4, podendo levar ao desenvolvimento do bócio, que clinicamente se manifesta pela hipertrofia da glândula, causada por um estímulo da hipófise, que entende que a falta de produção de hormônios é um problema da tireoide e não da falta da ingestão de iodo. Portanto o hipertireoidismo se deve ao excesso de T3 e T4 provenientes da hiperfunção da tireóide. Além disso, é chamado também de tireotoxicose, que se refere a qualquer estado caracterizado pelo excesso de hormônio tireoidiano, seja de origem exógena ou endógena. Cuidados no atendimento odontológico O cirurgião-dentista deve estar atento às manifestações clínicas da tireotoxicose, para que a doença não diagnosticada ou mal controlada possa ser detectada e o paciente referido para avaliação e tratamento médico. “Em caso da doença mal controlada/não tratada, deve-se evitar procedimentos cirúrgicos e o uso de soluções com epinefrina, norepinefrina, corbadrina ou fenilefrina, e optar pelo uso de prilocaína 3% associada a felipressina 0,03 Ul/mL (injeção lenta de até 2 tubetes)”. (Moisés Santos) Referência Eduardo Dias de Andrade. TerapêuticaMedicamentosa em Odontologia. 3ª Edição. São Paulo: Artes Médicas, 2014. Terapêutica | UFPE (2021.1)
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