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1 SANNDY EMANNUELLY – 7º PERÍODO 2021.2 marc 3 - pediatria OBJETIVO 1: COMPREENDER AS PRINCIPAIS SÍNDROMES EDEMATOSAS NA INFÂNCIA (FISIOPATOLOGIA DO EDEMA). - Edema é uma condição clínica caracterizada por um aumento no volume do líquido intersticial e edema do tecido que pode ser localizado ou generalizado. O edema generalizado grave é conhecido como anasarca. Coleções de líquido intersticial mais localizadas incluem ascite e derrames pleurais. - Fisiologia normal- O edema não ocorre em indivíduos normais devido ao forte equilíbrio das forças hemodinâmicas ao longo da parede capilar e à função intacta do sistema linfático. Enquanto a pressão hidrostática capilar favorece o movimento do fluido transcapilar para o interstício, a pressão oncótica colóide através do capilar favorece a retenção de fluido dentro do vaso. Em circunstâncias normais, essas forças concorrentes resultam em um pequeno movimento líquido de fluido para o interstício. Os vasos linfáticos devolvem esse fluido intersticial ao sistema venoso. - Fisiopatologia do edema- Os seguintes processos fisiológicos resultam na formação de edema: Uma alteração na hemodinâmica capilar que favorece o aumento do movimento de fluido do espaço vascular para o interstício Falha do fluido intersticial em retornar ao sistema venoso central através dos vasos linfáticos A retenção de sódio e água administrados por via intravenosa ou na dieta pelos rins, resultando em hipervolemia e aumento da pressão hidrostática vascular -Hemodinâmica capilar alterada- O movimento de fluido do espaço vascular para o interstício requer uma mudança em um ou mais componentes da lei de Starling: Aumento da pressão hidrostática capilar Diminuição da pressão oncótica capilar Permeabilidade capilar aumentada -Transporte linfático prejudicado- A falha no retorno do líquido intersticial ao sistema vascular central através do sistema linfático é devido ao desenvolvimento anormal, disfunção ou obstrução do sistema linfático. - Retenção renal de sal e água- A retenção renal de sódio e água pode ser um evento primário (como na insuficiência renal) ou um evento secundário resultante de uma redução primária do débito cardíaco (como na insuficiência cardíaca) ou resistência vascular sistêmica (como na cirrose). Nas últimas configurações, a retenção de fluidos é uma resposta apropriada para retornar o volume circulante efetivo ao normal. Nesses pacientes, a terapia diurética pode ter um efeito deletério na hemodinâmica sistêmica, embora reduza o edema. O aumento da retenção de sal e água leva à hipervolemia e ao aumento da pressão hidrostática capilar (como na glomerulonefrite). ETIOLOGIA - As causas de edema em crianças produzem edema localizado ou generalizado. Como exemplos, uma causa comum de edema localizado é a obstrução venosa por compressão venosa e, para edema generalizado, nefrose. A etiologia do edema também pode ser classificada pela patogênese. Aumento da pressão hidrostática de retenção de sódio e água Insuficiência cardíaca- A insuficiência cardíaca pode se manifestar com edema devido ao aumento da pressão venosa devido à retenção de sódio e água. Isso produz um aumento paralelo na pressão hidráulica capilar com aumento do movimento transcapilar de fluido para o espaço intersticial. O local de acúmulo de edema é variável e depende da natureza da doença cardíaca: Pacientes com função ventricular esquerda prejudicada podem apresentar edema pulmonar, mas não periférico. A insuficiência ventricular direita pura pode resultar em edema proeminente nas extremidades inferiores. As cardiomiopatias, que estão associadas ao comprometimento da função dos ventrículos direito e esquerdo, muitas vezes podem levar ao aparecimento simultâneo de edema pulmonar e periférico. - Os sinais clínicos de insuficiência cardíaca em crianças mais velhas incluem taquicardia, taquipnéia, estertores ou sibilos, ritmo de galope, hepatomegalia e edema. Embora o edema facial possa ser observado na insuficiência ventricular direita, o edema periférico é geralmente menos observado em crianças com insuficiência cardíaca do que em adultos. O edema periférico é incomum em bebês com insuficiência cardíaca. Glomerulonefrite aguda- O edema resultante de glomerulonefrite aguda (AGN) pode ser generalizado ou localizado. O edema é principalmente devido à retenção renal de sódio. Além do edema, os achados clínicos incluem hipertensão, hematúria e proteinúria, urina cor de cola e / ou azotemia. Nem todos esses recursos estão presentes em cada paciente. Como exemplo, a urina cor de cola, que é considerada uma característica clássica do AGN, está presente em apenas 30 a 50 por cento das crianças. O achado de cilindros eritrocitários, mesmo que apenas um seja visto, é virtualmente diagnóstico de glomerulonefrite. AGN pode surgir de uma série de causas: A causa mais comum de AGN é a glomerulonefrite pós- infecciosa, geralmente causada por uma infecção estreptocócica recente. Outras causas de AGN primário incluem nefropatia por IgA, nefrite hereditária (também conhecida como síndrome de Alport) e glomerulonefrite membranoproliferativa. Doenças sistêmicas associadas à glomerulonefrite incluem lúpus eritematoso sistêmico (LES), púrpura de Henoch Schönlein (HSP), autoanticorpo citoplasmático antineutrófilo (ANCA), doenças associadas, como granulomatose com poliangiite (anteriormente chamada de glangiomerite granulomatosa de Wegener) e polulomatose microscópica da membrana doença anti-GBM). Insuficiência renal- Crianças com insuficiência renal aguda ou crônica podem apresentar edema devido à retenção renal de sódio e água. Drogas- Os agentes anti-hipertensivos que são vasodilatadores potentes causam retenção renal de sódio e água, levando ao aumento da pressão hidrostática. Esses medicamentos incluem minoxidil e os bloqueadores dos canais de cálcio dihidropiridina. Aumento da pressão hidrostática capilar devido à obstrução 2 SANNDY EMANNUELLY – 7º PERÍODO 2021.2 - Obstrução venosa- Edema localizado de obstrução venosa surge de compressão venosa extrínseca, trombose ou congestão. Independentemente da causa da obstrução venosa, o edema que se desenvolve ocorre distalmente ao local da obstrução. Como exemplo, a trombose sintomática na veia cava inferior (VCI) geralmente se apresenta como inchaço dos membros inferiores e parte inferior do corpo. Em comparação, a trombose da veia cava superior (SVC) geralmente se apresenta como inchaço do braço, pescoço e cabeça. A gravidade do edema depende do tamanho do trombo e do grau de vias venosas colaterais alternativas. FreqUentemente, a tromboflebite está presente com sensibilidade, edema e, ocasionalmente, um cordão palpável. - Cirrose- A cirrose é definida como lesão irreversível do parênquima hepático com fibrose do fígado. Crianças com cirrose podem desenvolver hipertensão portal com aumento da pressão venosa abaixo do fígado doente, resultando em ascite e edema dos membros inferiores. Embora a cirrose seja relativamente incomum em crianças, o distúrbio pode ser causado por distúrbios genéticos (deficiência de alfa-1 antitripsina, fibrose cística, doença de Wilson), etiologias infecciosas (hepatite viral) e problemas estruturais da árvore biliar (atresia biliar, síndrome de Alagille ). Diminuição da pressão oncótica capilar- A hipoalbuminemia resulta em uma diminuição da pressão oncótica capilar que favorece o movimento do fluido do compartimento vascular para o intersticial. A hipoalbuminemia é observada na insuficiência hepática, desnutrição protéica, enteropatia perdedora de proteínas e síndrome nefrótica, e contribui para a formação de edema em todas essas doenças. Desnutrição proteica- A desnutrição protéica grave ou kwashiorkor pode causar síntese insuficientede albumina, resultando em hipoalbuminemia. Isso raramente ocorre em países desenvolvidos. Deve ser considerado em uma criança com edema generalizado, erupção cutânea no couro cabeludo e extremidades e hipopigmentação do cabelo. Permeabilidade capilar aumentada- As alterações na permeabilidade da parede capilar são mediadas por fatores intrínsecos, incluindo citocinas (como fator de necrose tumoral e interleucinas) e outros vasodilatadores, incluindo histamina, bradicinina, prostaglandinas e fatores do complemento (por exemplo, C2a) e fatores extrínsecos (por exemplo, víbora veneno). O edema generalizado de aumento da permeabilidade capilar ocorre mais frequentemente em pacientes com queimaduras ou sepse. Uma causa rara é a síndrome idiopática de vazamento capilar sistêmico. Além do edema generalizado, uma variedade de configurações clínicas (por exemplo, reações alérgicas e infecções) resultam na liberação local desses fatores inflamatórios levando a um aumento localizado da permeabilidade capilar e movimento de fluido do espaço vascular para o interstício. Essa condição é conhecida como angioedema. Angioedema- O angioedema está associado ao inchaço das camadas profundas dos tecidos cutâneos ou submucosos devido ao aumento da permeabilidade capilar. As regiões afetadas geralmente são face, lábios, língua ou laringe. O angioedema pode ser distinguido clinicamente do edema generalizado pelas seguintes características: Início de apresentação relativamente rápido (minutos a horas) Distribuição assimétrica Distribuição fora das áreas dependentes Envolvimento dos lábios, laringe e intestino Associação de algumas formas de angioedema com anafilaxia - O angioedema pode ser devido a reações alérgicas (incluindo reações a medicamentos [por exemplo, inibidores da enzima de conversão da angiotensina], picadas de insetos ou alimentos) e deficiência herdada ou adquirida do inibidor de C1 esterase. Síndrome nefrótica- A síndrome nefrótica (SN) é uma das causas mais comuns de edema generalizado na infância. Os achados clássicos desse distúrbio incluem proteinúria acentuada, hipoalbuminemia e hiperlipidemia, juntamente com edema generalizado. A formação de edema na SN é uma combinação do aumento da pressão hidrostática devido à retenção renal primária de sódio e da diminuição da pressão oncótica devido à hipoalbuminemia. O papel relativo para cada processo varia entre os pacientes individuais. Também parece haver um papel para o aumento da permeabilidade capilar mediada por um fator ou processo ainda não identificado. As causas secundárias incluem doenças sistêmicas, como lúpus eritematoso sistêmico, púrpura de Henoch Schönlein e diabetes, e infecções como o vírus da imunodeficiência humana (HIV), vírus da hepatite B e vírus da hepatite C. OBJETIVO 2: ESTUDAR AS CAUSAS, MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DA SÍNDROME NEFRÍTICA/NEFRÓTICA NA INFÂNCIA. SÍNDROME NEFRÓTICA IDIOPÁTICA - A síndrome nefrótica (SN) caracteriza-se essencialmente pela presença de proteinúria maciça de caráter nefrótico e hipoalbuminemia (≤ 2,5 g/dL), enquanto o quadro completo inclui edema, hiperlipidemia e lipidúria. - Alteração da membrana de filtração renal que faz com que os podócitos se fundam, dificultando a filtração, passando albumina, apolipoproteína B, antitrombina III e Imunoglobulina G, perde-se a capacidade de filtração do rim. - Proteinúria nefrótica, hipoalbumminemia < 2,5, causando diminuição da pressão oncótica dentro dos vasos, fazendo com que o líquido dos vasos sanguíneos saia para o tecido, causando edema (gravitacional- que se inicia da face, e quando vai melhorando, migra para outras partes do corpo). Edema flácido, apresentando sinal de cacifo. Presença de hiperlipidemia. - A proteinúria nefrótica classicamente se caracteriza por valores ≥ 50 mg/kg/dia ou ≥ 40 mg/ m2/hora em exame de urina 24h. Pela dificuldade de coleta de urina na faixa pediátrica, a tendência atual é a de utilizar a relação proteína/creatinina em amostra isolada, sendo definida como proteinúria nefrótica quando essa relação é > 2 em mg/mg (U P/Cr > 2), urina de amostra isolada. - Na infância, 80 a 90% dos casos correspondem a SN primária ou idiopática (SNI), e o restante, a causas secundárias, como associação com doenças sistêmicas, metabólicas, infecciosas, doenças autoimunes, drogas, entre outras. - A maioria dos casos ocorre entre 2 e 7 anos de idade, sendo 2 vezes mais frequente no sexo masculi-no nos primeiros anos de vida. - As principais variantes histopatológicas de SNI na criança são a lesão histológica mínima (LHM) e a glomeruloesclerose segmentar e focal (GESF), observando-se o aumento desta variante nos últimos anos. 3 SANNDY EMANNUELLY – 7º PERÍODO 2021.2 - A maioria dos pacientes com SNI (80 a 90%) responde à corticoterapia inicial, obtendo-se remissão completa. Nesses pacientes, portadores de síndrome nefrótica corticossensível (SNCS), o prognóstico é bastante favorável quando comparado com aqueles que não respondem, ou seja, corticorresistentes (SNCR). Entretanto, 80 a 90% das crianças com SNCS apresentam uma ou mais recidivas durante o curso do tratamento preconizado. Conforme a resposta terapêutica e evolutiva, esses pacientes apresentam diferentes perfis de definições, recentemente atualizadas. - A SN de causa secundária pode ser decorrente das mais diversas causas etiológicas. Durante o 1o ano de vida, mutações genéticas, infecções bacterianas, virais, parasitárias, entre outras causas, constituem etiologia importante de SN. Atualmente, nos casos congênitos, sindrômicos e familiares e nos casos corticorresistentes, cada vez mais se associa a pre-sença de mutações genéticas. - Mais comum em menores de 6 anos, com pico de incidência aos 3 anos, predominando no sexo masculino. ETIOFISIOPATOGENIA - A grande maioria dos casos de SN apresenta mecanismos etiofisiopatogênicos relacionados com fatores genéticos, disfunção podocitária (podocidopatia), disfunção imunológica ou a presença de fatores circulantes. - A filtração glomerular proporciona, seletivamente, a eliminação de água e escórias e a retenção de proteínas, células sanguíneas e outros elementos da circulação. A excreção de grandes quantidades de proteína através da barreira de ultrafiltração glomerular (BUFG) seria decorrente de agravos diversos sobre seus componentes, determinando aumento da permeabilidade às proteínas plasmáticas. Contribuem para esse fato a perda de cargas elétricas negativas da membrana basal glomerular (MBG), mutações e alterações de proteínas do podócito, disfunção podocitária (podocidopatia), desorganização ou disfunção dos componentes da fenda diafragmática, a presença de autoanticorpos, fatores circulantes e diversas anormalidades imunológicas. - Mutações nos genes que codificam as proteínas ou os canais iônicos e vias enzimáticas do podócito, da fenda diafragmática e da MBG resultam em desorganização dessas estruturas e consequente proteinúria. - Cada vez mais, uma crescente variedade de mutações genéticas vem sendo descrita na SN, principalmente nos casos de GESF e nas formas congênitas, familiares, sindrômicas e corticorresistentes. - vários autores defendem a existência de um fator circulante secretado pelos linfócitos T dos pacientes com LHM, o qual desencadearia proteinúria maciça e fusão dos processos podais. - As evidências sugerem que os pacientes com SNI, particularmente por LHM, apresentem uma disfunção imunológica com a presença de fatores circulantes durante a recidiva da doença com alteração da permeabilidade da BUFG. Evidências sugerem que tanto os linfócitos como os podócitos estão envolvidos na patogênese da LHM e que ela provavelmente resulte da interação entre fatores humorais e uma disfunção podocitária. - Trabalhosrecentes realçam o papel dos linfócitos T ativados na fisiopato-gênese da LHM com estímulo direto sobre os podócitos por meio de gatilhos, como infecções virais, bacterianas, alérgenos e citoquinas, promovendo aumento da expressão de CD80 (coestimulador de células T) e desorganização do ci-toesqueleto do podócito e proteinúria. - Os podócitos expressam em sua membrana os receptores de angiotensina II e essa expressão está aumentada nos quadros de proteinúria. A angiotensina II parece interferir na reorganização do citoesqueleto podocitário e sua inibição por meio do uso de drogas que atuam no sistema renina-angio-tensina-aldosterona (SRAA) (captopril, enalapril, losartan), o que constitui uma estratégia terapêutica atual no manejo da SN. QUADRO CLÍNICO - início dos sintomas de forma insidiosa, apresenta uma hipoalbuminemia com sintomas inespecíficos como inapetência, cansaço, astenia. Edema gravitacional que passa do rosto para a parte inferior do corpo. Ganho de peso, tanto devido ao edema quanto a ascite. - Como perde imunoglobulina na urina, a imunidade diminui e a criança fica mais suscetível a infecções graves, como pneumonia, peritonite, infecção urinária. - A principal manifestação clínica da SN, embora sua presença não seja essencial para o diagnóstico, é o edema, que, em LHM, geralmente é intenso, mole, frio, depressível, sujeito à ação da gravidade, em geral insidioso, podendo evoluir para anasarca e apresentando diversos mecanismos em sua patogênese. Existem duas grandes teorias implicadas no mecanismo de formação do edema na SN. - A primeira, conhecida como teoria do “hipofluxo”, considera que a proteinúria maciça e subsequente hipoalbuminemia promovam uma diminuição da pressão oncótica plasmática. Esse fato, por sua vez, acarreta aumento da ultrafiltração capilar e passagem de fluido do espaço intravascular para o interstício (edema), desencadeando hipovolemia, hipoperfusão renal, ativação do SRAA e retenção renal secundária de sódio. - A segunda teoria, do “hiperfluxo”, propõe como fator inicial na formação do edema a retenção primária intrarrenal de sódio e água. A resistência ao peptídio natriurético atrial (ANP) associada à ativação dos canais epiteliais de sódio (ENaC) por proteases (como 4 SANNDY EMANNUELLY – 7º PERÍODO 2021.2 a plasmina) nos ductos coletores promove retenção hídrica e salina que contribui na formação do edema. - A criança não tratada ou que não responde bem à terapia apresenta-se adinâmica, evoluindo com ascite e hepatomega-lia. Pode decorrer taquipneia pela compressão torácica. Há derrame pleural e aumento de volume dos genitais, principalmente no sexo masculino. - Os cabelos são escassos, finos e quebradiços por causa da desnutrição. A pele é seca e friável com tendência de formação de estrias. A pressão arterial na LHM geralmente é normal, mas, em alguns casos, ocorre hipertensão transitória. No caso de outras glomerulopatias, como a GESF, a hipertensão arterial pode estar presente, sendo necessário o uso de anti-hipertensivos. - A presença de distúrbios eletrolíticos (hipocalcemia, hipopotassemia, hiponatremia, etc.) pode se manifestar por alterações clínicas como cãibras, parestesias, síndrome convulsiva, etc. Na GESF e nas outras glomerulopatias que não a LHM, manifestações clínicas, como náuseas, vômitos, cefaleia, alteração do sensório, etc., podem estar relacionadas com uremia. - A dor abdominal também se manifesta nas grandes descompensações e em situações de hipovolemia ou associadas à peritonite primária ou celulites de parede abdominal, algumas vezes podendo confundir-se com apendicite aguda. - É possível observar sinais de descalcificação óssea relacionada às alterações do metabolismo de vitamina D, cálcio e fósforo, particularmente naqueles casos de longa duração e/ou resistência à terapia imunossupressora. Os pacientes nefróticos apresentam risco elevado de deficiência de vitamina D. A atopia é frequente, com prevalência de processos alérgicos das vias aéreas ou de pele. - Essas crianças são propensas à aquisição de processos infecciosos, geralmente infecções de vias aéreas superiores (rinofaringites, sinusites e broncopneumonias), infecções de pele (celulite), peritonites, gastroenterites, infecção do trato urinário e sepse. Os agentes virais frequentemente estão associados às descompensações, podendo favorecer infecções bacterianas secundárias. - Os principais agentes bacterianos são o Streptococcus pneumoniae e as bactérias Gram-negativas (Escherichia coli, Klebsiella sp, Proteus sp e Haemophilus influenzae). Os Staphylococcus aureus e coagulase negativos, assim como os fungos, também devem ser lembrados, em virtude da imunossupressão. - Principal complicação da síndrome nefrótica é a ascite DIAGNÓSTICO - É clínico e laboratorial. - Tríade: edema + proteinúria nefrótica + hipoalbuminemia. - Podem haver outros sinais: hiperlipidemia, hipogamaglobulina. - Sedimento urinário: Além de proteinúria, em 25% dos pacientes com LHM, há hematúria, geralmente microscópica. Observa-se cilindrúria relacionada às perdas proteicas e lipidúria. - Proteinúria: Considera-se a proteinúria nefrótica acima de 50 mg/kg/dia ou 40 mg/m2/hora. Em amostra isolada de urina, valores > 2 são compatíveis com proteinúria nefrótica.O teste com ácido sulfossalicílico a 10% é um método alternativo e útil, principalmente no acompanhamento ambulatorial. - Eletroforese de proteínas plasmáticas: São observados hipoalbuminemia e aumento da fração alfa-2. A IgG, especialmente IgG-1 e IgG-2, apresenta-se muito baixa, e a IgA e a IgM, elevadas. A IgE também pode estar aumentada e observa-se hipogamaglobulinemia na SNI. A presença de hipergamaglobulinemia pode ser indicativa de patologia secundária subjacente. - Colesterol: Os níveis séricos do colesterol total, triglicérides e lipoproteínas acham-se elevados. A hiperlipidemia é consequência do aumento da síntese hepática de colesterol, triglicérides e lipoproteínas; da redução no catabolismo das lipoproteínas decorrente do aumento da atividade das lipases lipoproteicas; da perda urinária de HDL; e da redução da atividade do receptor de LDL. - Complemento: Apresenta-se normal na LHM e na GESF; a constatação de hipocomplementemia é indicação formal para biópsia renal, podendo estar presente, por exemplo, no lúpus eritematoso, na glomerulonefrite membranoproliferativa, na glomerulonefrite crescêntica e na nefrite do shunt. - Ureia e creatinina: Podem estar elevadas na instalação do edema ou em situações de hipovolemia. Em outras glomerulopatias (p.ex., GESF ou nefrotoxicidade), pode-se encontrar aumento persistente. Devem ser pesquisadas causas secundárias com solicitação de reações sorológicas para HIV, hepatite A, B e C, toxoplasmose, citomegalovírus, sífilis e mononucleose. Conforme a história e a epidemiologia, avaliações específicas devem ser realizadas (p.ex., esquistossomose, malária, etc.) - Indicações de biópsia renal (BR): Atualmente, as crianças entre 1 e 10 anos com sintomatologia exuberante e complemento sérico normal devem ser consideradas e tratadas como portadoras de LHM (lesão histológica mínima). Nesse grupo, classicamente, aquelas que não obtiverem remissão clínica e laboratorial após 8 semanas de corticoterapia seguidas ou não de 3 doses de pulsoterapia com metilprednisolona, desde que não estejam infectadas, devem ser biopsiadas, pois provavelmente apresentam outros padrões histológicos. TRATAMENTO Tratamento inespecífico - Durante as fases de edema ou quando houver hipertensão, deve ser recomendada uma dieta hipossódica ou assódica. Na ausência de hipervolemia, a ingestão hídrica é livre. O repouso não deve ser imposto e não há evidência de que traga benefícios para o paciente. As atividades escolares e esportivas podem serretomadas após os períodos de descompensação. - Na presença de edema, a primeira medida a ser tomada é a restrição sódica. É importante avaliar a presença de evidências de hipovolemia como taquicardia, pulsos fracos, extremidades frias, hipotensão e outros fatores adicionais, como hemoconcentração, elevação desproporcional da ureia e baixa fração de excreção de 5 SANNDY EMANNUELLY – 7º PERÍODO 2021.2 sódio (< 0,5%). Nessa situação, realizar infusão de solução salina 15 a 20 mL/kg por 20 a 30 minutos e repetir conforme necessário. A infusão de albumina 20% (0,5 a 1 g/kg) é útil para aqueles pacientes que não respondem à expansão inicial. - Os diuréticos devem ser evitados, de forma geral, pelo risco de precipitação de piora da função renal, pois muitos nefróticos apresentam redução do volume sanguíneo efetivo de base. Quando necessário, nos quadros de anasarca e sem evidências de hipovolemia, introduzir diuréticos tiazídicos como a hidroclorotiazida (2 a 5 mg/kg/dia em 2 tomadas). - Evita-se a depleção de potássio usando reposição com cloreto de potássio (2 a 4 mEq/kg/dia) ou espironolactona (1 a 5 mg/kg/dia). Naqueles casos resistentes a essa terapia ou com anasarca e hipervolêmicos, podem ser associados diuréticos de alça, como a furosemida (1 a 5 mg/kg/dia). - Nos edemas volumosos e persistentes, utiliza-se infusão endovenosa de albumina a 20% (0,5 a 1 g/kg/dia) associada à furosemida (infusão lenta parenteral para redução do potencial de ototoxicidade), que, proporcionando aumento transitório da pressão oncótica plasmática e do ritmo de filtração glomerular, facilita a liberação do diurético nos locais onde ocorre a reabsorção de sódio, melhorando a resposta natriurética. - Em edemas refratários, associa-se albumina e furosemida pa- renteral em infusão contínua (0,1 a 0,2 mg/kg/hora ou 1 a 5 mg/ kg/dia). A coadministração de amilorida (associada a hidrocloro- tiazida ou clortalidona) pode ser estabelecida. Devem ser monitorados os efeitos colaterais potenciais e graves dos diuréticos. - Por causa das disfunções imunológicas citadas, da desnutrição, do edema e do uso de medicações imunossupressoras, o nefrótico apresenta grande suscetibilidade às infecções: celulites, peritonites, infecções de vias aéreas superiores, sinusites e pneumonias, que podem evoluir para sepse. O tratamento antimicrobiano deve ser instituído rapidamente, levando em consideração o foco infeccioso, o estado clínico do paciente e o agente bacteriano. Deve-se atentar à possibilidade de nefrotoxicidade das medicações utilizadas. Tratamento específico - A resposta à corticoterapia é um marco importante na resposta terapêutica, estratificando-se didaticamente a SN em corticossensível e corticorresistente. - Classicamente, para induzir remissão, utiliza-se prednisona diária (60 mg/m2 ou 2 mg/kg/dia; máximo de 60 mg/dia, 3 vezes/dia ou dose única) durante 4 a 6 semanas (o KDIGO sugere dose única). Caso tenha ocorrido remissão, introduz-se 40 mg/m2 ou 1,5 mg/kg em dias alternados em dose única pela manhã (máximo de 40 mg/dia) por 4 a 6 semanas. - Esse esquema é mantido por 6 meses, com diminuição lenta e progressiva da dose, caso a remissão se mantenha. Em casos com recidivas dentro dos 6 meses iniciais, volta-se para o esquema diário, mantido até 3 dias consecutivos após a remissão e, a seguir, reintroduz-se o corticosteroide em dias alternados. Se houver resistência ao tratamento inicial, pode-se utilizar pulsoterapia adicional com metilprednisolona (MP) 30 mg/kg/dose (máximo de 1 g) em dias alternados, 3 a 6 doses. Caso ocorra remissão completa, prosseguir a corticoterapia em esquema alternado por 1 ano, diminuindo a dose progressiva e lentamente. - É importante a vigilância no controle da pressão arterial e o tratamento precoce das infecções. As infecções funcionam como gatilho para a descompensação da SN, dessa forma, durante os processos infecciosos, deve ser utilizado corticosteroide diário na mesma dose de manutenção por 5 a 7 dias para reduzir o risco de recaídas em crianças com recidivas frequentes ou corticodependentes. - A terapia prolongada com corticosteroides pode ocasionar efeitos adversos significativos. O uso de outros imunossupressores, como ciclofosfamida, ciclosporina e levamizol, pode permitir a redução ou a retirada do corticosteroide na condução terapêutica, conforme a resposta do paciente. Em caso de pacientes corticossensíveis, recidivantes frequentes, uma opção válida é a ciclofosfamida (CYC) na dose de 2 mg/kg/dia (máximo de 100 mg/dose e 168 mg/kg de dose cumulativa) em tomada única pela manhã por 60 a 90 dias, associada à corticoterapia em esquema alternado, com doses decrescentes de prednisona. Os principais efeitos adversos são depressão de medula óssea, risco de infecções e neoplasia, cistite hemorrágica, alopecia e disfunção gonadal. - O tratamento da SNCR e da GESF é um dos principais desafios clínicos ao nefrologista pediátrico. Por causa da tradicional baixa resposta à corticoterapia e grande risco de evolução para doença renal crônica terminal, é de se esperar uma grande heterogeneidade terapêutica. A maioria dos regimes terapêuticos nos casos de SNCR utiliza uma combinação de imunossupressor + corticoterapia (p.ex., baixas doses e em dias alternados) + estratégia antiproteinúrica com inibidores da enzima de conversão da angiotensina (IECA) e/ou bloqueadores do receptor da angiotensina (BRA). - Os IECA e/ou os BRA têm sido usados com relativo suces-so, reduzindo inespecificamente a proteinúria, além de posuírem ação imunomoduladora com potencial redução de fibrose tubulointersticial. Pode-se associar captopril (0,1 a 1 mg/kg/dia em 2 tomadas), enalapril (0,08 a 0,5 mg/kg/dia em 1 ou 2 tomadas) ou losartana (0,4 a 0,8 mg/kg/dia em tomada única). Após 15 dias da introdução ou aumento da dose dos IECA ou BRA, deve-se monitorar a função renal e o nível sérico de potássio. - A dislipidemia relacionada aos períodos de recidivas não merece tratamento específico. Entretanto, o emprego das estatinas para os pacientes que apresentam hiperlipidemia persistente, principalmente os portadores de SNCR, está recomendado. Além de atuarem no metabolismo lipídico, as estatinas exercem efeito benéfico na função mitocondrial dos podócitos. - Sob terapêutica com altas doses de corticosteroides ou ou-tras drogas imunossupressoras, não se podem utilizar vacinas de vírus vivos (varicela, sarampo, caxumba, rubéola, rotavírus e pólio oral). 6 SANNDY EMANNUELLY – 7º PERÍODO 2021.2 A vacinação com vírus vivos deve ser adiada até a dose de prednisona < 0,5 a 1 mg/kg/dia (< 20 mg/dia), 3 me-ses após a última dose de CYC e 4 semanas após última dose de IC ou MMF. - A mortalidade após a introdução dos corticosteroides e antibióticos diminuiu de 67% para 0,7%. Avanços no suporte clínico e nutricional, além de novos imunossupressores, também contribuíram para esse fato. A principal causa de óbito eram os processos infecciosos, os quais continuam sendo o grande risco na SN, pois desencadeiam e mantêm as crises, criando um círculo vicioso. - O tromboembolismo venoso ocorre em cerca de 3% das crianças com SN. A fisiopatologia do tromboembolismo venoso na SN é multifatorial e inclui a tendência trombofílica subjacente do paciente, riscos relacionados ao tratamento (uso de corticosteroides, diuréticos, necessidade de acesso venoso central) e à hipercoagulabilidade relacionada à própria doença. - Considera-se “eventualmente curada” uma criança que permanece 5 anos sem crises e sem medicação. Assim mesmo, às vezes, após períodos muito longos, podem existir novas recorrências. Avaliação retrospectiva em nosso meio de pacientes portadores de GESF demonstrou potencial de evolução para DRC, em média, após 10 a 12 anos do diagnóstico. - a SN é uma doençacrônica com evolução potencial de complicações e com a perda da função renal em alguns casos. É de suma importância uma abordagem multiprofissional, o suporte contínuo e a disposição de informações dirigidas e atualizadas para os responsáveis quanto à evolução e ao tratamento a ser estabelecido em curto e longo prazos. SÍNDROME NEFRÍTICA GLOMERULONEFRITE DIFUSA AGUDA PÓS-ESTREPTOCÓCICA - A glomerulonefrite difusa aguda pós-estreptocócica (GNDA) caracteriza-se fundamentalmente por processo inflamatório de origem imunológica que acomete todos os glomérulos de ambos os rins. É considerada, juntamente com a febre reumática, sequela tardia e não supurativa de estreptococcia. É a mais comum das glomerulopatias da infância. - Amigdalite (10%) , faringite(25%), impetigo (25%). - 97% dos casos ocorrem nos países em desenvolvimento, em virtude das péssimas condições higiênico-sanitárias das moradias e coabitação da população de baixa renda determinando uma maior frequência de infecções bacterianas, principalmente pelos estreptococos beta-hemolíticos do grupo A (EBHGA). - A GNDA pode incidir de forma endêmica ou epidêmica. É rara em menores de 2 anos, sendo mais frequente no período pré-escolar e escolar, com pico de incidência ao redor dos 7 anos. A incidência no sexo masculino em relação ao feminino é de 2:1, nos casos associados a infecção de vias aéreas superiores, enquanto nos casos de piodermite, observa-se equivalência entre os sexos. - Hematúria glomerular, hipertensão arterial sistêmica (hipervolemia por aumento da pressão hidrostática), edema (rígido, endurecido), queda de C3, depósito de imunocomplexos na membrana basal. - Corpo luta contra a inflamação estreptocócica, porém acaba afetando também a membrana basal, imunocomplexos se unem à membrana basal, alterando-a, o corpo enxerga como risco e ataca a membrana basal, consumindo complemento (sistema de defesa inato), principalmente o C3, causando também inflamação do 7 SANNDY EMANNUELLY – 7º PERÍODO 2021.2 néfron, que não vai conseguir realiza a filtração de forma correta, hemácias vão passar -> hematúria. ETIOLOGIA - Em geral, a doença manifesta-se após infecção por EBHGA e, ocasionalmente, pelo grupo C ou G7. Somente algumas cepas, denominadas nefritogênicas, são capazes de causar a glomerulonefrite. Essas cepas são identificadas pela presença de uma proteína localizada na parede de suas células, chamada proteína M. Entre as mais frequentes pós-faringites, destacam-se os sorotipos M 1, 3, 4, 12, 18, 25 e 49, e pós-impetigo, M 2, 49, 55, 57 e 60. - A GNDA é uma doença imunologicamente mediada e sua relação com infecção estreptocócica precoce está bem estabelecida, existindo fortes evidências de que o antígeno desencadeante da nefropatia correlaciona-se com raças nefritogênicas do EBHGA. O EBHGA é a bactéria que causa infecções no homem com maior frequência, realçando-se que, durante a vida, praticamente todos os seres humanos sofrem múltiplas agressões por esse microrganismo. - O EBHGA é constituído por três partes: cápsula, parede celular e citoplasma. A parede celular é formada por uma cama-da proteica, e a proteína M, constituinte dessa parede, permite que os estreptococos sejam tipados por técnica de precipitação de 1 a 61. Essa proteína representa também o antígeno responsável pela indução da imunidade na infecção estreptocócica. Portanto, no soro de indivíduos adultos, comumente encontram-se anticorpos contra vários M tipos de estreptococos. - É interessante observar que, além da imunidade antibacteriana, existe também a imunidade antitóxica, que é transplacentária e protege a criança no 1o ano de vida. Essa mesma imunidade relaciona-se com a toxina eritrogênica e, quando adquirida por infecção, provavelmente persiste por toda a vida. - No entanto, a fisiopatogenia da GNDA não está totalmente definida e há, na literatura, várias teorias que objetivam explicá-la. - Dentro desse contexto fisiopatogênico, um número variável de proteínas, incluindo a proteína M (proteína associada à cepa nefritogênica), estreptoquinase, endostreptosina e protease estreptocócica, tem sido testado quanto à capacidade de produzir glomerulonefrite em nível experimental. - Em termos fisiopatológicos, o processo inflamatório que ocorre nos capilares glomerulares determina perda da sua integridade e, consequentemente, a passagem de elementos que normalmente não são filtrados: hemácias, leucócitos e proteínas. Esse intenso processo inflamatório endocapilar glomerular reduz a luz desses capilares, causando diminuição do ritmo de filtração glomerular (RFG) pela redução do coeficiente de ultrafiltração, com consequente retenção de alguns compostos (creatinina, ureia, potássio, entre outros) que pode determinar lesão renal aguda. Esse evento agudo resulta em diminuição da oferta de água e sódio aos túbulos renais. - Esses segmentos geralmente se encontram com sua função preservada e, portanto, promoverão reabsorção de água e sódio com desajuste do balanço glomerulotubular provocando oligúria, aumento do volume extracelular circulante (supressão do sistema renina-angiotensina-aldosterona), edema, hipertensão arterial e congestão circulatória. Além do aumento do volume circulante, acredita-se que, nos capilares sistêmicos, ocorram alterações das forças determinantes da lei de Starling, contribuindo para o aparecimento do edema. PATOLOGIA - Na macroscopia, os rins encontram-se moderadamente aumentados de volume, e pontos hemorrágicos podem ser observados na cápsula. - Na microscopia óptica, todos os glomérulos estão uniformemente envolvidos. O tufo glomerular apresenta-se aumentado, o espaço de Bowman está reduzido, e os capilares, obliterados pela tumefação e proliferação das células mesangiais ou endoteliais. - Quantidades variáveis de leucócitos polimorfonucleares habitualmente infiltram o tufo glomerular. As artérias e arteríolas raramente encontram-se alteradas. Em geral, não existem grandes modificações tubulares. Na microscopia eletrônica, o lúmen capilar mostra-se estreitado pelo au-mento do número de células mesangiais e pelos polimorfonucleares. Depósitos eletrodensos, entre a lâmina densa e o epitélio, são observados 8 dias após o início da doença e, em geral, desaparecem em torno da 6a semana. QUADRO CLÍNICO - Os sintomas clínicos clássicos – edema, hipertensão e hematúria – manifestam-se 10 a 20 dias (no máximo 6 semanas) após a infecção estreptocócica de vias aéreas superiores ou de pele. Na maior parte dos casos, o estado geral da criança está pouco comprometido e as queixas são vagas, como indisposição, inapetência, cefaleia e edema periorbital. - Pico ocorre entre os 6-7 anos, quando a criança geralmente inicia na escola. Raro em menores de 3 anos (não tem ainda na amígdala receptores para os estreptococos se ligarem). - Sintomas têm início abrupto, com insuficiência renal, tendo sintomas gerais muito intensos (inapetência, torpor, oligúria, edema), hematúria (macroscópica). - Geralmente precedido por uma infecção estreptocócica, amigadalite (escarlatina), impetigo. - O edema ocorre em 85% dos casos, com intensidade variável. Muitas vezes, é evidenciado apenas por queixas indiretas, como aumento brusco de peso e/ou observação de roupas ou calçados apertados. Menos frequentemente, pode ser generalizado e influenciado pela postura. Habitualmente, o edema antecede o aparecimento da hematúria que, em dois terços dos casos, é macroscópica. No restante dos casos, pode haver apenas micro hematúria diagnosticada laboratorialmente. - A hipertensão arterial que está presente em 60 a 90% dos casos é, em geral, moderada, depende da intensidade da hipervolemia e pode ser agravada pela ingestão de alimentos com elevado teor de sódio. - Hematúria glomerular: dismorfismo eritrocitário,cilindros hemáticos. - Sintomas menos frequentes, como cólicas abdominais, hipertermia e vômitos alimentares, podem acompanhar o quadro. Na evolução natural dos casos não complicados, observa--se, em média de 7 a 15 dias após o início da doença, desaparecimento do edema, acompanhado por aumento da diurese e, 2 a 3 dias após, normalização dos níveis tensionais. 8 SANNDY EMANNUELLY – 7º PERÍODO 2021.2 - Ao redor da 3a ou 4a semana após o início da sintomatologia, ocorre o restabelecimento clínico geral da criança. Deve-se salientar que alguns doentes podem desenvolver quadros subclínicos de GNDA caracterizados apenas por edema subclínico, hipertensão e diminuição do complemento. - Congestão circulatória: É a complicação mais frequente. Caracteriza-se por sinais clínicos de hipervolemia, como taquicardia, dispneia, tosse, estertores subcrepitantes em bases pulmonares e hepatomega-lia. Pode ser agravada por hipertensão e levar a insuficiência cardíaca congestiva e edema agudo de pulmão. Não há evidência de dano miocárdico intrínseco. - Encefalopatia hipertensiva: Deve-se essencialmente à hipertensão e apresenta quadro clínico variável, podendo ocorrer cefaleia, vômitos, alterações visuais (diplopia ou amaurose transitória), irritabilidade, agitação, sonolência, crise convulsiva ou coma. Ao exame de fundo de olho, não se observam habitualmente as alterações características de hipertensão arterial, embora alguns pacientes possam apresentar vasoespasmo na retina. - Insuficiência renal aguda (IRA): É a menos comum das complicações da GNDA. Estabelece-se oligoanúria intensa, retenção de escórias proteicas no plasma e distúrbios hidreletrolíticos graves, com tendência à hiperpotassemia. DIAGNÓSTICO - Confirmar a infecção estreptocócica: Strep test (teste realizado na orofaringe), cultura (orofaringe ou pele), confirmação sorológica (aslo, anti-dnaseB, anti-hialuronidase). - Descartar outras etiologias: LES sendo feita a coleta do FAN (fator antinúcleo), coleta de sorologias (hepatites, HIV). - Exames gerais: ureia, creatinina, hemograma, eletrólitos. Exames complementares - Dentre as principais alterações urinárias, destacam-se: • densidade urinária conservada, em torno de 1015 a 1020, na fase aguda da doença, pela preservação da capacidade de concentração urinária relacionada à integridade tubular; • hematúria macroscópica ou microscópica acompanhando cerca de 95% dos casos; • cilindros hemáticos, hialinos, granulosos e leucocitários, sen-do os hemáticos sugestivos de hematúria glomerular; • proteinúria, raramente em níveis nefróticos (> 50 mg/kg/ dia), e que, na fase aguda, não se correlaciona com gravidade da nefropatia. - A maioria das alterações urinárias regride em 4 a 8 semanas, embora 10% dos casos possam persistir com hematúria residual por vários meses. - A dosagem do complemento sérico é obrigatória para o diagnóstico de GNDA. Seus valores encontram-se diminuídos em 95 a 98% dos casos. A normalização de seus níveis ocorre em 4 a 8 semanas e é um marcador importante de prognóstico e diagnóstico diferencial. - Os níveis de ureia e creatinina podem estar elevados em grau discreto ou moderado. Se a elevação for significativa, podem traduzir doença renal prévia ou glomerulonefrite rapidamente progressiva. As alterações no sódio, potássio e bicarbonato dependem do grau de déficit da função renal. Geralmente, observa-se discreta anemia dilucional, decorrente da hipervolemia. - O título de antiestreptolisina O (ASO) pode estar elevado, dependendo do local da infecção e do sorotipo infectante. Nas amidalites, os níveis são elevados, o que habitualmente não acontece nas piodermites. Além disso, quanto mais precoce a antibioticoterapia, menor a elevação; quanto maior o tempo entre o início da doença e a coleta do sangue, maior será a cifra da ASO. - Em relação à bacteriologia, as culturas de secreção de orofaringe e da pele têm pouca importância, porque a infecção antecede em 1 a 3 semanas o aparecimento do quadro clínico da GNDA. - Biópsia renal: Como a GNDA é nefropatia de evolução favorável, a biópsia renal só está indicada quando houver suspeita clínica de que o padrão anatomopatológico não seja de proliferação endotelial e mesangial. São indicadores de biópsia renal: hematúria macroscópica com duração superior a 4 semanas e/ou função renal persistentemente alterada por período maior de 4 semanas e/ou hipertensão arterial prolongada por mais de 4 semanas e/ou complemento sérico persistentemente baixo por mais de 8 semanas e/ou associação com síndrome nefrótica de duração superior a 4 semanas. TRATAMENTO - O tratamento deve ser individualizado de acordo com o quadro clínico (presença ou não de complicações), condição socioeconômica e cultural. Deve-se dar preferência ao tratamento ambulatorial e, a princípio, restringir a hospitalização aos casos de oligúria intensa, de insuficiência cardíaca ou de encefalopatia hipertensiva. - Suporte sintomáticos: repouso, restrição hídrica, restrição de sódio. - Erradicação do estreptococo: penicilina benzatina. - O repouso deve ser limitado pelo próprio paciente e recomendado enquanto persistirem edema e hipertensão ou na vigência de complicações. Não se justifica repouso prolongado, pois isso não influencia a evolução da doença. - A restrição dietética é importante para o restabelecimento clínico (diminuição do edema e dos níveis tensionais) e a prevenção e/ou a atenuação das complicações da insuficiência renal transitória (hipervolemia e azotemia). A cota hídrica deve ser restrita a 20 mL/kg/dia ou 300 a 400 mL/m2/dia. 9 SANNDY EMANNUELLY – 7º PERÍODO 2021.2 - Quando houver regressão do edema, devem-se acrescentar as perdas do dia anterior (diurese e/ou vômitos). Incialmente, recomenda-se dieta de arroz e frutas, a qual contém 300 mg de NaCl. A ingestão de sódio deve ser diminuída (menos que 2 g de NaCl/m2/dia) também durante a fase de edema, hipertensão e oligúria. - A restrição proteica é necessária quando houver IRA. A restrição de potássio está indicada apenas nos casos de oligúria importante (diurese < 240 mL/m2SC/dia). - O tratamento da GNDA requer erradicação da infecção com administração de penicilina V na dose de 25.000 a 50.000 UI/ kg/dia, por via oral (VO), a cada 6 horas, durante 8 a 10 dias, ou penicilina benzatina em dose única de 600.000 U para crianças com menos de 25 kg e 1.200.000 U para crianças com mais de 25 kg. Nos casos de alérgicos a penicilina, deve-se prescrever eritromicina na dose de 30 mg/kg/dia durante 10 dias. - A furosemida, na dose de 1 a 5 mg/kg/dia, está indicada nos casos de congestão cardiocirculatória importante, oligoanúria e hipertensão sintomática. - Hipotensores devem ser utilizados somente nos casos em que a hipertensão persiste apesar do desaparecimento do edema e da oligúria, ou nos casos de hipertensão sintomática. As drogas mais utilizadas são: • hidralazina: 0,2 a 0,5 mg/kg/dose, endovenosa (EV), a cada 4 ou 6 horas, ou 1 a 4 mg/kg/dia, VO, a cada 8 horas; • nifedipina: 0,10 a 0,25 mg/kg/dose, a cada 3 a 4 horas, ou 1 a 3 mg/kg/dia, VO, a cada 6 ou 12 horas (por causa do risco de hipotensão, recomenda-se monitoração rigorosa de frequên-cia cardíaca, pressão arterial e reflexo pupilar). - Uma alternativa à nifedipina para crianças maiores de 6 anos é a anlodipina, com um tempo de eliminação mais longo, que permite sua administração 1 vez/dia, sendo adequada nas crianças com quadro mais estável (dose de 0,1 a 0,2 mg/kg/ dia; dose máxima de 10 mg/dia). Os inibidores de enzima de conversão (enalapril/captopril) e os bloqueadores de recepto-res de angiotensina II (losartana) podem ser utilizados com especial atenção, pelo risco de provocar aumento dos níveis de potássio e/ou creatinina. O nitroprussiato de sódio deveser restrito à unidade de terapia intensiva para os casos de encefalopatia hipertensiva. - Congestão circulatória: Além das medidas já citadas, objetiva-se reduzir a hipervolemia com administração de furosemida 1 a 5 mg/kg/dia, restrição hídrica, assistência ventilatória (oxigenoterapia e/ou ventilação mecânica) e sedação. O uso de digitálicos não está indicado, mas, eventualmente, utilizam-se aminas simpatomiméticas (dobutamina). Nos casos refratários a essas medidas, recomenda-se instalação de diálise peritoneal. - Encefalopatia hipertensiva: Caracterizada como urgência hipertensiva, recomenda-se nifedipina na dose de 0,2 mg/kg, sublingual, repetida, se necessário, em 4 a 6 horas, com monitoração contínua do paciente e dos seus níveis tensionais. Em situações de emergência hipertensiva, utiliza-se nitroprussiato de sódio, na dose de 0,5 a 8 mcg/kg/minuto, EV, protegido da luz e por período não superior a 72 horas, dado o risco de intoxicação por tiocianato, um de seus metabólitos. A redução dos níveis pressóricos deve ser progressiva, e não brusca, evitando-se hipofluxo cerebral. Os anticonvulsivantes podem ser utilizados nos casos de convulsões associadas a encefalopatia hipertensiva ou distúrbios metabólicos (diazepam 0,1 a 0,5 mg/kg/dose, EV, lentamente). - Insuficiência renal aguda: Além da restrição hidrossalina, nos casos de hiperpotassemia, não ofertar potássio de qualquer natureza, administrar resinas de troca (Kayexalate® ou Sorcal®) na dosagem de 1 g/kg, VO ou via retal, em suspensão a 10% ou 20%, a cada 4 ou 6 horas, corrigir acidose metabólica (se presente) e fazer nebulização com beta-2-adrenérgicos. Nas situações de oligúria com hiperpotassemia e congestão circulatória refratárias, indicar precocemente diálise peritoneal. - O primeiro sinal de melhora é o aumento da diurese com con- sequente diminuição do edema e a normalização dos níveis da pressão arterial. A hematúria macroscópica desaparece entre a 1a e a 2a semana, enquanto a microscópica pode permanecer até 18 meses, sem indicar um mau prognóstico. A proteinúria nefrótica desaparece em até 4 semanas, e proteinúria discreta pode persistir por alguns meses. O prognóstico da GNDA é bom, embora 5% dos pacientes possam evoluir para cronicidade. O óbito durante o período agudo é excepcional e, quando ocorre, se relaciona com manejo indevido ou tardio das complicações.
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