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Zulmar Fachin Curso de Direito Constitucional 8a edição 2019 NOTA DO AUTOR Este livro, agora na 8ª edição, tem destinatário certo: o estudante universitário dedicado ao estudo do Direito. Com tal propósito, foi redigido em linguagem simples. Resultado do trabalho de muitos anos de exercício do magistério – haurido, portanto, na ambiência da sala de aula –, procura suprir algumas lacunas e atender às necessidades do estudante da graduação. O texto é um chamamento para tantos quantos desejarem iniciar-se na caminhada que possa levar à compreensão do Direito Constitucional e da Constituição. Pretende, também, ser um desafio capaz de gerar e cultivar em cada pessoa um sentimento constitucional (Pablo Verdú) e, movido por este, lutar pela concretização dos valores inseridos na Magna Carta. Assim como no século XIX Ihering falou na luta pelo Direito, no alvorecer do século XXI é necessário haver em todos, e em cada um, individualmente, um espírito de luta pela Constituição. E um dos pressupostos de tal luta, por certo, precisa ser a compreensão do Direito Constitucional e da Constituição. PREFÁCIO À 3.ª EDIÇÃO Registra o saudoso professor Raul Machado Horta,1 forte em Karl Loewenstein2 e Pablo Lucas Verdú,3 que “o acatamento à Constituição, para assegurar sua permanência, não se resolve exclusivamente no mundo das normas jurídicas, que modela e conduz à supremacia da Constituição. O acatamento à Constituição ultrapassa a imperatividade jurídica de seu comando supremo. Decorre, também, da adesão à Constituição, que se espraia na alma coletiva da Nação, gerando formas difusas de obediência constitucional. É o domínio do sentimento constitucional”. Pablo Lucas Verdú, que bem cuidou dessa categoria conceitual, anotou, conforme lembra Machado Horta, “que o sentimento constitucional é tema clássico” e, consoante lição de Pellegrino Rossi “sobre o vínculo moral entre as instituições e os homens, sem o qual nada é sólido nem regular”, esclarece-se que é “nesse vínculo que se apoia o sentimento constitucional, o qual corresponde, segundo Verdú, a estar na Constituição, que sucede, historicamente, à aspiração de ‘tener-Constitución’, responsável pelo aparecimento do poder constituinte”.4 E, acrescenta o notável professor da Universidade de Minas, que “a propagação do sentimento constitucional, que supera o domínio da normatividade, o conjunto das regras lógico-jurídicas, para construir a ponte entre a norma e a realidade, deve ser compromisso dos professores de Direito, de modo geral, e dos professores de Direito Constitucional, de modo particular”. A estes últimos se dirigiu Pablo Lucas Verdú, para acentuar: “... El concepto de Constitución es completo cuando a intelección teorética se une su compreensión emocional mediante el sentimiento que se adhiere al concepto. La ensenanza de Derecho Constitucional no se agota em la explicación de sus evidentes y necesarias conexiones lógicas y técnicas, requiere, además, que se insista en la necesidad de que la sociedad se adhiera a aquélla, sintiendola cosa propia”.5 Este livro, que tenho a honra de prefaciar, Curso de Direito Constitucional, do professor Zulmar Fachin, realiza, plenamente, a recomendação de Pablo Lucas Verdú. O autor, aliás, na nota que abre o livro, deixa expresso que “o texto é um chamamento para tantos quantos desejarem iniciar-se na caminhada que possa levar à compreensão do Direito Constitucional e da Constituição. Pretende, também, ser um desafio capaz de gerar e cultivar em cada pessoa um sentimento constitucional (Pablo Verdú) e, movido por este, lutar pela concretização dos valores inseridos na Magna Carta. Assim como, no século XIX, Ihering falou na luta pelo Direito, no alvorecer do século XXI é necessário haver em todos e em cada um individualmente um espírito de luta pela Constituição”. Sábias palavras, lição de mestre cujas preocupações vão além das normas jurídicas e que têm como norte a cidadania. O século XXI, acreditamos, tantos são os juristas que se dedicam ao estudo e à divulgação dos direitos humanos, há de ser o século em que o Direito, especialmente o Direito Constitucional, efetivará a plena realização dos direitos fundamentais. Essa aspiração, todavia, somente ocorrerá se as pessoas, destinatárias desses direitos, acreditarem, com fé, nas proclamações de uma Constituição democrática, elaborada por um poder constituinte que seja produto das forças vivas de uma sociedade liberta de preconceitos, em que homens e mulheres tenham na alma o sentimento constitucional, sentimento constitucional “incompatível com a indiferença popular em relação à Constituição”, indiferença que faz desta a mera “folha de papel” referida por Ferdinand Lassalle.6 O livro do professor Zulmar Fachin, mestre e doutor em Direito do Estado e que hoje se dedica exclusivamente à academia e à pesquisa jurídica, é mesmo um “Curso de Direito Constitucional”, presente a lição do Ministro Mozart Victor Russomano, por mim lembrada quando prefaciei o Curso de Direito Constitucional do professor Henrique Savonitti Miranda. Segundo Russomano, um Curso deveria “ser a penúltima obra do escritor de Direito: depois dele, resta o Tratado”. É que o Curso, acrescenta Russomano, “necessita ser claro e conciso, para que o aluno compreenda, mas deve esconder, sob a aparente superficialidade das lições, uma provocação doutrinária aos juristas”.7 O Curso de Direito Constitucional do professor Zulmar Fachin, escrito num estilo claro, enxuto, expõe 1 HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 99-100. 2 LOEWENSTEIn, Karl. Teoria de la Constitución. Barcelona: Ariel, 1970. p. 199 e ss. 3 VERDÚ, Pablo Lucas. El sentimiento constitucional. Madrid: Réus, 1985. p. 10 e ss. 4 Idem. Ob. cit., p. 69 e ss. HORTA, Raul Machado. Ob. cit., p. 100. 5 VERDÚ, Pablo Lucas. Ob. e loc. cits. HORTA, Raul Machado. Ob. cit., p. 100-101. 6 LASSALLE, Ferdinand. Que es una constitución? Buenos Aires: Siglo Veinte, 1946. HORTA, Raul Machado. Ob. e loc. cits. 7 RUSSOMANO, Mozart Victor. Nota do editor. Curso de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Konfino, 1972. as grandes doutrinas com concisão, de que somente os verdadeiros mestres são capazes. E cada capítulo do livro contém provocação doutrinária aos constitucionalistas. O autor disserta, com rigor científico, em quarenta e nove capítulos, sobre o Direito Constitucional (cap. I), o Direito Constitucional e suas relações com outras ciências (cap. II), Direito Constitucional e Interdisciplinaridade: as relações do Direito Constitucional com outras disciplinas jurídicas (cap. III), o Constitucionalismo (cap. IV), o Poder Constituinte (cap. V), a História Constitucional do Brasil: o Século XIX (cap. VI), a História Constitucional do Brasil: o Século XX (cap. VII), Introdução à Teoria da Constituição (cap. VIII), Classificação das Normas Constitucionais e Interpretação Constitucional (cap. IX), o Controle de Constitucionalidade (cap. X), Ação Direta de Inconstitucionalidade (cap. XI), Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (cap. XII), Ação Declaratória de Constitucionalidade (cap. XIII), Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (cap. XIV), Ação Interventiva, Recurso Extraordinário e Reclamação Constitucional (cap. XV), Fragmentos de Teoria do Estado: formas de Estado, modelos de Estado, formas de governo e sistemas de governo (cap. XVI) e o Sistema Constitucional Positivo: os Princípios Fundamentais (cap. XVII). Nos dez capítulos seguintes, o autor estuda os Direitos Fundamentais: Construção Histórica dos Direitos Fundamentais (cap. XVIII), Teoria Geral dos Direitos Fundamentais (cap. XIX), o Direito à Vida (cap. XX), A Liberdade (cap. XXI), Direito à Igualdade (cap. XXII), Direito de Propriedade (cap.XXIII), Direito à Segurança (cap. XXIV), Ações Constitucionais: habeas corpus, mandado de segurança, mandado de injunção, habeas data, ação civil pública, ação popular (cap. XXV), Direitos Sociais (cap. XXVI) e Nacionalidade, Direitos Políticos e Partidos Políticos (cap. XXVII). Nos últimos vinte e dois capítulos trata da Organização dos Poderes: O Pacto Federativo (cap. XXVIII), a União (cap. XXIX), Estados Federados (cap. XXX), Municípios (cap. XXXI), Distrito Federal (cap. XXXII), Administração Pública (cap. XXXIII), Poder Legislativo (cap. XXXIV), Estatuto dos Congressistas (cap. XXXV), Processo Legislativo (cap. XXXVI), Poder Executivo (cap. XXXVII), Poder Judiciário: Noções gerais (cap. XXXVIII), Poder Judiciário: organização e competência (cap. XXXIX), Funções Essenciais à Justiça: Ministério Público, Advocacia em seus diversos segmentos, advocacia pública, advocacia-geral da União, procuradores dos Estados e do Distrito Federal e Defensoria Pública (cap. XL), a Defesa do Estado e das Instituições Democráticas: Estado de defesa, Estado de sítio, Segurança pública e Forças Armadas (cap. XLI), o Sistema Tributário Nacional (cap. XLII), as Finanças Públicas e o Sistema Orçamentário (cap. XLIII), a Ordem Econômica (cap. XLIV), a Seguridade Social (cap. XLV), a Educação, Cultura e Desporto (cap. XLVI), a Comunicação Social, Ciência e Tecnologia (cap. XLVII), o Meio Ambiente (cap. XLVIII) e a Família, Criança, Adolescente, Jovem e Idoso (cap. XLIX). O discurso teórico do professor Zulmar Fachin compreende textos escritos e encadeados com rigor científico. Difícil será dizer qual deles mais se distingue. A leitura de todos eles proporciona-nos real proveito e notável prazer intelectual. Destaco, não obstante, três capítulos, que não têm palavras de menos ou em demasia. Refiro-me aos capítulos referentes ao Poder Constituinte (cap. V) e aos capítulos que dizem respeito aos Direitos Fundamentais, especialmente os que versam sobre a Construção Histórica dos Direitos Fundamentais e sobre a Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. A vocação democrática do autor e o sentimento constitucional, que são marcas de seu magistério e que ele veicula com idealismo científico, dão grandeza aos temas mencionados. Este Curso de Direito Constitucional, que Zulmar Fachin escreveu com engenho, arte e alma, veio para ficar. Será ele guia e roteiro seguros para os estudiosos do Direito Constitucional. Não será mais um livro de Direito Constitucional. Será “o livro” de Direito Constitucional que todos os que lidam com o Direito Público devem ter em suas bibliotecas e, sobretudo, ler, anotar e ter ao alcance da mão. Brasília, DF, 20 de fevereiro de 2008 Carlos Mário da Silva Velloso Ministro do Supremo Tribunal Federal (aposentado). Professor Emérito da PUC/MG e da Universidade de Brasília (UnB). XVIII CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 1. Inglaterra: pátria da liberdade .......................................................................... 211 1.1 Magna Carta (1215)................................................................................... 212 1.2 Petição de Direitos (1628) ......................................................................... 212 1.3 Lei do Habeas Corpus (1679) ................................................................... 213 1.4 Declaração de Direitos (1689) ................................................................... 213 2. direitos fundamentais a partir do século XVIII ................................................. 214 2.1 Declaração de Direitos do Bom Povo de Virgínia (1776) .......................... 214 2.2 Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão (1789) .......................... 214 2.3 Declaração de Direitos do Povo Trabalhador e Explorado (1918) ............ 215 3. Direitos fundamentais após a Segunda Guerra Mundial ................................. 216 3.1 Carta das Nações Unidas (1945) .............................................................. 216 3.2 Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) ................................ 216 3.3 Pactos Internacionais de Direitos Humanos (1966) .................................. 217 3.4 Proclamação de Teerã (1968) ................................................................... 218 3.5 Declaração e Programa de Ação de Viena (1993) .................................... 218 3.6 Estatuto de Roma (1998) .......................................................................... 219 4. Dimensões dos direitos fundamentais ............................................................. 219 4.1 A questão terminológica ............................................................................ 219 4.2 Direitos fundamentais de primeira dimensão ............................................ 220 4.3 Direitos fundamentais de segunda dimensão ........................................... 221 4.4 Direitos fundamentais de terceira dimensão ............................................. 221 4.5 Direitos fundamentais de quarta dimensão ............................................... 222 4.6 Direitos fundamentais de quinta dimensão ............................................... 223 4.7 Direitos fundamentais de sexta dimensão ................................................ 223 XIX TEORIA GERAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 1. Terminologia .................................................................................................... 225 2. Conceito ........................................................................................................... 225 3. Perspectivas dos direitos fundamentais .......................................................... 226 3.1 Perspectiva filosófica ................................................................................. 226 3.2 Perspectiva universalista ........................................................................... 226 3.3 Perspectiva estatal .................................................................................... 227 3.4 Perspectiva histórico-sociológica .............................................................. 227 4. Características dos direitos fundamentais ....................................................... 228 4.1 Fundamentalidade ..................................................................................... 228 4.2 Historicidade .............................................................................................. 228 4.3 Universalidade ........................................................................................... 228 4.4 Inalienabilidade .......................................................................................... 229 4.5 Imprescritibilidade ...................................................................................... 229 4.6 Indivisibilidade ........................................................................................... 229 4.7 Inexauribilidade .......................................................................................... 230 4.8 Transindividualidade .................................................................................. 230 4.9 Complementaridade .................................................................................. 230 4.10 Aplicabilidade imediata ............................................................................ 231 4.11 Vinculatividade ......................................................................................... 231 5. Funções dos direitos fundamentais .................................................................. 232 5.1 Função de defesa ou de liberdade ............................................................ 232 5.2 Função de prestação social ....................................................................... 233 5.3 Função de proteção perante terceiros....................................................... 233 5.4Função de não discriminação .................................................................... 234 6. Classificações dos direitos fundamentais ........................................................ 234 7. Direitos fundamentais no catálogo e dispersos ............................................... 235 8. Destinatários dos direitos fundamentais .......................................................... 235 9. Eficácia dos direitos fundamentais .................................................................. 236 10. Direitos fundamentais expressos, implícitos ou decorrentes de tratados internacionais ................................................................................................... 237 10.1 Direitos fundamentais expressos na Constituição .................................. 237 10.2 Direitos fundamentais implícitos .............................................................. 237 10.3 Direitos fundamentais decorrentes dos Tratados Internacionais ............ 237 11. Direitos, liberdades e garantias ....................................................................... 238 12. Direitos fundamentais, cláusulas pétreas e poder constituinte ....................... 238 XX DIREITO À VIDA 1. Vida .................................................................................................................. 241 2. Aborto ............................................................................................................... 241 3. Eutanásia ......................................................................................................... 243 4. Pena de morte.................................................................................................. 244 5. Tortura .............................................................................................................. 245 6. Integridade física e moral ................................................................................. 246 7. Privacidade ...................................................................................................... 246 XXI A LIBERDADE 1. Liberdade dos antigos e liberdade dos modernos ........................................... 247 2. Liberdade negativa e liberdade positiva .......................................................... 248 3. A liberdade na Constituição de 1988 ............................................................... 249 3.1 Liberdade de locomoção ........................................................................... 249 3.2 Liberdade de manifestação de pensamento ............................................. 249 3.3 Liberdade religiosa .................................................................................... 250 3.4 Liberdade de reunião ................................................................................. 252 3.5 Liberdade de associação ........................................................................... 253 3.6 Liberdade de ação profissional .................................................................. 254 3.7 Liberdade de informação ........................................................................... 254 3.8 Liberdade econômica ................................................................................ 255 XXII DIREITO À IGUALDADE 1. Introdução ........................................................................................................ 257 2. Princípio da Igualdade na Constituição de 1988 ............................................. 258 2.1 Igualdade entre homens e mulheres ......................................................... 259 2.2 Igualdade entre brasileiros ........................................................................ 259 2.3 Igualdade entre Estados ............................................................................ 260 2.4 Igualdade racial ......................................................................................... 260 2.5 Igualdade religiosa..................................................................................... 261 2.6 Igualdade em relação à idade ................................................................... 261 2.7 Igualdade jurisdicional ............................................................................... 262 2.8 Igualdade entre trabalhadores urbanos e rurais ....................................... 262 2.9 Igualdade em relação às pessoas com necessidades especiais .............. 262 2.10 Igualdade tributária .................................................................................. 263 2.11 Igualdade entre filhos .............................................................................. 263 2.12 Igualdade de acesso a cargos e empregos públicos .............................. 264 2.13 Igualdade de acesso aos serviços de educação ..................................... 264 2.14 Igualdade de acesso aos serviços de saúde .......................................... 264 2.15 Igualdade e cidadania ............................................................................. 265 3. Igualdade, ações afirmativas e discriminação ................................................. 265 XXIII DIREITO DE PROPRIEDADE 1. Introdução ........................................................................................................ 267 2. A propriedade na Constituição de 1988 .......................................................... 268 2.1 Propriedade urbana e propriedade rural ................................................... 268 2.2 Bem de família ........................................................................................... 269 2.3 Restrições ao direito de propriedade......................................................... 270 2.3.1 Desapropriação ................................................................................. 270 2.3.2 Requisição ........................................................................................ 271 2.3.3 Expropriação ..................................................................................... 272 2.4 Direitos do autor ........................................................................................ 272 2.5 Propriedade industrial ................................................................................ 273 2.6 Direito de herança ..................................................................................... 273 2.7 Usucapião constitucional urbano ............................................................... 273 2.8 Usucapião constitucional rural ................................................................... 274 2.9 Usucapião especial coletivo ...................................................................... 274 3. Função social da propriedade .......................................................................... 275 XXIV DIREITO À SEGURANÇA 1. Princípio da legalidade ..................................................................................... 277 2. Princípio da inviolabilidade do domicílio .......................................................... 278 3. Princípio da inviolabilidade da correspondência .............................................. 279 4. Direito a informações ....................................................................................... 280 5. Princípio do direito de ação ............................................................................. 280 Segundo bimestre, Direito Constitucional I 6. Princípio da irretroatividade da lei .................................................................... 281 7. Princípio do juiz natural .................................................................................... 282 8. Princípio da pessoalidade da pena .................................................................. 283 9. Princípio da individualização da pena .............................................................284 10. Racismo, fiança, graça, anistia, prescrição e liberdade provisória .................. 284 11. Penas permitidas e penas proibidas ................................................................ 285 12. Direito de asilo e extradição ............................................................................. 285 13. Princípio do devido processo legal .................................................................. 286 14. Princípio do contraditório e da ampla defesa .................................................. 287 15. Princípio da proibição da prova ilícita .............................................................. 288 16. Princípio da presunção do estado de inocência .............................................. 288 17. princípio da Publicidade dos atos processuais ................................................ 289 18. Prisão em flagrante e ordem judicial................................................................ 289 19. Direitos do preso .............................................................................................. 290 20. Cumprimento da pena ..................................................................................... 290 21. Princípio da proibição de prisão por dívida ...................................................... 291 22. Princípio do duplo grau de jurisdição ............................................................... 291 23. Duração razoável do processo ........................................................................ 291 XXV AÇÕES CONSTITUCIONAIS 1. Habeas corpus ................................................................................................. 293 1.1 Origem ....................................................................................................... 293 1.2 Evolução histórica no Direito brasileiro ..................................................... 294 1.3 Base normativa, conceito e natureza jurídica ........................................... 294 1.4 Legitimidade e competência ...................................................................... 295 1.5 Espécies e objetivo .................................................................................... 296 1.6 Custas judiciais e honorários advocatícios de sucumbência .................... 297 1.7 Liminar, sentença e recurso ...................................................................... 297 1.8 Habeas corpus e o trancamento de inquérito policial ............................... 297 1.9 A doutrina brasileira do habeas corpus ..................................................... 297 1.10 Vedação e suspensão do habeas corpus ............................................... 298 1.11 Habeas corpus e o estrangeiro não residente no Brasil ......................... 299 2. Mandado de segurança ................................................................................... 299 2.1 Origem, base normativa e destinatários .................................................... 299 2.2 Conceito e objeto ....................................................................................... 300 2.3 Direito líquido e certo ................................................................................. 300 2.4 Legitimidade e competência ...................................................................... 301 2.5 Liminar, notificação e informações ............................................................ 301 2.6 Sentença, recurso e coisa julgada ............................................................ 302 2.7 Prazo ......................................................................................................... 302 2.8 Vedação de liminar: inconstitucionalidade ................................................ 303 2.9 Não cabimento de mandado de segurança .............................................. 303 2.10 A Constituição de 1988 e o mandado de segurança coletivo ................. 304 3. Mandado de injunção ....................................................................................... 304 3.1 Origem e base normativa .......................................................................... 304 3.2 Autoaplicabilidade ...................................................................................... 304 3.3 Conceito, finalidade, pressupostos e objeto .............................................. 304 3.4 Legitimidade e competência ...................................................................... 305 3.5 Mandado de injunção e o Supremo Tribunal Federal ............................... 306 3.6 Mandado de injunção coletivo ................................................................... 306 4. Habeas data ..................................................................................................... 307 4.1 Origem, base normativa e abrangência .................................................... 307 4.2 Conceito, objeto e gratuidade .................................................................... 308 4.3 Legitimidade e competência ...................................................................... 308 4.4 Inconstitucionalidade ................................................................................. 309 5. Ação civil pública.............................................................................................. 309 5.1 Introdução .................................................................................................. 309 5.2 Conceito e objeto ....................................................................................... 309 5.3 Legitimidade e ajustamento de conduta .................................................... 310 5.4 Inquérito civil .............................................................................................. 310 5.5 Multa diária ................................................................................................ 310 5.6 Efeitos da sentença ................................................................................... 311 5.7 Ação civil pública e ação popular .............................................................. 311 5.8 Ação civil pública e os direitos difusos e coletivos .................................... 311 6. Ação popular .................................................................................................... 313 6.1 Origem e base normativa .......................................................................... 313 6.2 Conceito ..................................................................................................... 313 6.3 Legitimação e competência ....................................................................... 313 6.4 Requisitos, finalidade e objeto ................................................................... 314 6.5 Ministério Público e ação popular .............................................................. 314 6.6 Custas judiciais e honorários advocatícios ............................................... 314 XXVI DIREITOS SOCIAIS 1. Evolução histórica dos direitos sociais ............................................................ 317 1.1 Manifesto do Partido Comunista ............................................................... 317 1.2 Encíclica Rerum Novarum ......................................................................... 318 1.3 Declaração de Direitos do Povo Trabalhador e Explorado ....................... 318 1.4 Declaração Universal dos Direitos Humanos ............................................ 319 1.5 Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais ........... 319 1.6 Organização Internacional do Trabalho .................................................... 319 2. Os direitos sociais na Constituição de 1988 .................................................... 319 2.1 Direitos sociais individuais do trabalhador ................................................ 320 2.2 Direitossociais coletivos do trabalhador ................................................... 320 3. Direitos dos trabalhadores domésticos ............................................................. 321 XXVII NACIONALIDADE, DIREITOS POLÍTICOS E PARTIDOS POLÍTICOS 1. Nacionalidade .................................................................................................. 323 1.1 Reciprocidade ............................................................................................ 324 1.2 Igualdade entre brasileiros natos e naturalizados ..................................... 324 2. Direitos políticos ............................................................................................... 324 2.1 Exercício da soberania popular ................................................................. 324 2.1.1 Plebiscito ........................................................................................... 325 2.1.2 Referendo ......................................................................................... 325 2.1.3 Iniciativa popular ............................................................................... 325 2.2 Condições de elegibilidade ........................................................................ 325 2.3 Inelegibilidades .......................................................................................... 326 2.4 Impugnação de mandato eletivo ............................................................... 326 2.5 Perda e suspensão dos direitos políticos .................................................. 327 3. Partidos políticos .............................................................................................. 328 3.1 Liberdade partidária ................................................................................... 328 3.2 Natureza jurídica do partido político .......................................................... 328 3.3 Filiação a partido político: condição de elegibilidade ................................ 329 3.4 Fidelidade partidária .................................................................................. 329 XVIII CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Sumário: 1. Inglaterra: pátria da liberdade: 1.1 Magna Carta (1215); 1.2 Petição de Direitos (1628); 1.3 Lei do Habeas Corpus (1679); 1.4 Declaração de Direitos (1689) – 2. Direitos fundamentais a partir do século XVIII: 2.1 Declaração de Direitos do Bom Povo de Virgínia (1776); 2.2 Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão (1789); 2.3 Declaração de Direitos do Povo Trabalhador e Explorado (1918) – 3. Direitos fundamentais após a Segunda Guerra Mundial: 3.1 Carta das Nações Unidas (1945); 3.2 Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948); 3.3 Pactos Internacionais de Direitos Humanos (1966); 3.4 Proclamação de Teerã (1968); 3.5 Declaração e Programa de Ação de Viena (1993); 3.6 Estatuto de Roma (1998) – 4. Dimensões dos direitos fundamentais: 4.1 A questão terminológica; 4.2 Direitos fundamentais de primeira dimensão; 4.3 Direitos fundamentais de segunda dimensão; 4.4 Direitos fundamentais de terceira dimensão; 4.5 Direitos fundamentais de quarta dimensão; 4.6 Direitos fundamentais de quinta dimensão; 4.7 Direitos fundamentais de sexta dimensão. 1. INGLATERRA: PÁTRIA DA LIBERDADE A Inglaterra pode ser considerada a pátria da liberdade. Nasceram nesse país vários documentos normativos destinados a proteger os direitos mais importantes da pessoa humana. Os principais documentos foram a Magna Carta (1215), a Petição de Direitos (1628), a Lei do Habeas Corpus (1679) e a Declaração de Direitos (1689). O primeiro deles surgiu ainda durante a Idade Média; os demais, na Modernidade. Todos, porém, exerceram grande influência sobre os povos do mundo ocidental e se projetaram como os primeiros lumes na longa noite escura de violações dos direitos da pessoa humana. Contribuíram para o surgimento de uma cultura de direitos fundamentais. As três primeiras declarações de direitos (Magna Carta, Petição de Direitos e Lei do Habeas Corpus) não tinham as características daquelas que viriam a surgir na Modernidade. Deve-se reconhecer, no entanto, que tais documentos representaram passos importantes na árdua tarefa de construir um arcabouço normativo de proteção dos direitos fundamentais. Foi a partir da Idade Moderna que o problema da implementação dos direitos humanos fundamentais passou a ser discutido8. Os movimentos renascentista e humanista, de modo geral, são exemplos desse processo que viria influenciar a vida social nos séculos seguintes. 1.1 Magna Carta (1215) A Idade Média durou cerca de mil anos. É conhecida como a Idade das Trevas ou como a “longa noite de mil anos”. Divide-se em Alta Idade Média (séculos V a X), período em que o feudalismo alcançou o apogeu, e Baixa Idade Média (séculos X a XV), quando o feudalismo entrou em declínio e, em seu lugar, surgiu a Idade Moderna9. Naquele período da História, foi editada a Magna Carta, consequência das lutas travadas pelos barões e os homens livres com o rei João-Sem-Terra. Em sua preocupação com a liberdade religiosa, a Magna Carta proclamou que “a Igreja da Inglaterra será livre e serão invioláveis todos os seus direitos e liberdades”. Nota-se que ela procura 8 Ver, nesse sentido, SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 151. 9 Cronologicamente, pode-se dizer que a Idade Média iniciou-se em 476, com a queda do Império Romano do Ocidente, e terminou em 1453, com a tomada de Constantinopla pelos turcos. proteger a liberdade religiosa, princípio hoje consagrado pelo ordenamento jurídico em todas as partes do mundo. Trata-se de um princípio relacionado à convicção interior de cada pessoa, mas que abrange também a liberdade de culto e de organização religiosa. Estabeleceram-se, também, na Magna Carta, normas claras sobre tributação. O rei comprometeu-se a não lançar taxas ou tributos sem que existisse prévio consentimento do Conselho Geral do Reino. Pode-se identificar, aqui, o princípio da legalidade tributária, assegurado nos códigos tributários e nas Constituições. Essa proibição – hoje, verdadeira garantia constitucional – oferece segurança às pessoas, pois veda a criação ou majoração de tributo sem a observância do princípio da legalidade tributária. 1.2 Petição de Direitos (1628) A Petition of Rights, publicada em 7 de junho de 1628, é o resultado de disputas pelo poder político. Apesar de o Parlamento deter formalmente o poder financeiro, o monarca, exercendo o poder real, manipulava o erário sem consultar aquela assembleia. A insatisfação gerada nos parlamentares resultou em rebelião contra o comportamento do monarca. Idealizou-se, então, a Petição de Direitos, como instrumento capaz de limitar os poderes do monarca. Assevera José Afonso da Silva tratar-se de “um documento dirigido ao monarca em que os membros do Parlamento de então pediram o reconhecimento de diversos direitos e liberdades para os súditos de sua majestade. A petição constituiu um meio de transação entre Parlamento e rei, que este cedeu, porquanto aquele já detinha o poder financeiro, de sorte que o monarca não poderia gastar dinheiro sem autorização parlamentar”10. Os peticionários reportaram-se à Magna Carta da Inglaterra para exigir que: a) nenhum homem livre fosse preso ou privado de seus bens, salvo por sentença de seus pares; b) nenhum tributo fosse lançado ou cobrado pelo rei ou seus herdeiros sem que houvesse prévio consentimento de vários segmentos da sociedade: arcebispos, condes, barões, cavaleiros e outros homens livres; c) ninguém fosse levado à morte senão em virtude de costumes ou leis previamente estabelecidas no reino ou por atos do Parlamento; d) ninguém fosse “expulso de suas terras ou de suas moradias, nem detido, nem preso, deserdado ou morto”, sem que antes lhe fosse concedidoo direito de se defender por meio de um processo adequado. 1.3 Lei do Habeas Corpus (1679) A Lei do Habeas Corpus, publicada na Inglaterra, em 26 de maio de 1679, tinha a finalidade específica de proteger efetivamente a liberdade física das pessoas em face do arbítrio do rei11. Embora o instituto já estivesse previsto na Magna Carta, havia enorme dificuldade para que as pessoas pudessem dele usufruir. Faltava clareza quanto ao modo de exercer o habeas corpus e, por meio dele, proteger a liberdade física das pessoas. E a razão do surgimento da lei reside exatamente nisso. Seus idealizadores preocuparam-se não em prever o habeas corpus, mas em assegurar os meios para sua efetivação. Tinha, portanto, natureza processual, visto que se preocupava com a efetivação do direito. Este instrumento normativo, celebrado como “pedra angular da defesa e da garantia à liberdade” – chamado, às vezes, de Segunda Magna Carta –, foi importante para a época. Lembra Pontes de Miranda que a Lei do Habeas Corpus “veio fornecer os meios para ser posto em execução, com eficiência e rigor, o writ de muitos séculos consagrado pela prática”12. Serviu como instrumento para combater a opressão e a violência sofridas pelas pessoas em face da tirania do poder do rei e de seus seguidores. 10 SILVA, José Afonso da. Curso..., cit., p. 152. 11 Lembra Thomas Fleiner que, na Inglaterra, já no século XVII, num verdadeiro documento constitucional, consolidou-se por escrito o chamado direito humano de habeas corpus para impedir que a polícia pudesse prender qualquer pessoa que fosse suspeita e sem álibi (O que são Direitos Humanos? Trad. Andressa Cunha Curry. São Paulo: Max Limonad, 2003, p. 71 e 72). 12 MIRANDA, Pontes de. História e Prática do Habeas Corpus. Campinas: Bookseller, 1999, p. 93, v. 1. Vale ressaltar que a Lei do Habeas Corpus não criou o remédio constitucional, porquanto este já constava em documentos jurídicos anteriores, como na Magna Carta. Ela apenas estabeleceu um procedimento que deveria ser observado para a tramitação do habeas corpus. 1.4 Declaração de Direitos (1689) A Revolução Gloriosa, consolidando o poder nas mãos do Parlamento, encerrou um longo período de monarquia absoluta, caracterizado pela violação de direitos fundamentais. A Declaração de Direitos, consagradora da Revolução Gloriosa, é um texto que nasceu no auge (e como consequência) de graves intolerâncias de natureza religiosa. O documento foi celebrado por lordes espirituais e temporais e cidadãos que se reuniram em “assembleia plena e livremente representativa desta nação” com a finalidade de “reivindicar e afirmar seus antigos direitos e liberdades”. Com tal propósito, reafirmou algumas conquistas já asseguradas na Petição de Direitos (1628) e consagrou outros valores próprios de seu tempo. A Declaração de Direitos assegurou liberdade na eleição dos membros do Parlamento, liberdade de palavra nos debates ou nos procedimentos durante os trabalhos legislativos e previu a obrigatoriedade da convocação frequente do Parlamento. Ao lado disso, foram previstas várias disposições, sempre com a finalidade de fortalecê-lo: a) a proibição de o rei suspender a vigência ou a execução de leis, sem prévia concordância do Parlamento; b) o dever de o rei obedecer às leis do reino; c) o recrutamento e a manutenção de um exército permanente do reino em tempo de paz somente poderiam acontecer mediante autorização do Parlamento. 2. DIREITOS FUNDAMENTAIS A PARTIR DO SÉCULO XVIII 2.1 Declaração de Direitos do Bom Povo de Virgínia (1776) Essa Declaração formalizou a independência das Treze Colônias em relação ao poder central e o nascimento dos Estados Unidos da América. Tinha por finalidade proteger a igualdade e a liberdade. Segundo Fábio Konder Comparato, ela “representou o ato inaugural da democracia moderna, combinando, sob o regime constitucional, a representação popular com a limitação de poderes governamentais e o respeito aos direitos humanos”13. Elaborada por Thomas Jefferson, a Declaração procurou expressar os ideais do povo norte- americano por meio de seus representantes reunidos em “convenção plena e livre”. Afirmava que “todos os homens são, por natureza, livres e independentes e têm direitos inatos” (art. 1.º). 2.2 Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão (1789) A Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, publicada em 14 de julho de 1789, é obra dos revolucionários franceses. Representou a ruptura com o Ancien Règime e a mais forte manifestação na defesa dos direitos fundamentais da pessoa humana, em face da tirania estatal. Os revolucionários franceses reconheceram, no preâmbulo da Declaração, que “a ignorância, o esquecimento e o desprezo dos direitos humanos são as únicas causas das desgraças públicas e da corrupção dos Governos”. Afirmaram também que o absolutismo precedente representara violações habituais dos direitos fundamentais e a razão da existência de um governo marcado pelos desmandos e pelo mau emprego do dinheiro público. A Declaração preocupou-se com a defesa da liberdade e da igualdade: “Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos” (art. 1.º). Pode-se constatar, aqui, a influência de Rousseau, para quem “o homem nasceu livre e em toda parte ele está aguilhoado”14. A doutrina de Montesquieu também foi consagrada de modo insofismável e definitivo pela Declaração: “A sociedade em que não estiver assegurada a garantia dos direitos, nem determinada a separação dos poderes, não tem 13 COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 83. 14 ROUSSEAU, J.-J. O Contrato Social. 3. ed. Trad. Antônio de Pádua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 9. Constituição” (art. 16). Esse princípio passou a ser uma determinação seguida por grande parte dos Estados, especialmente no Mundo Ocidental. 2.3 Declaração de Direitos do Povo Trabalhador e Explorado (1918) A Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado foi aprovada pelo III Congresso Pan- Russo dos Sovietes, no qual a Rússia foi declarada uma República dos Sovietes dos Deputados Operários, Soldados e Camponeses. Publicada em 1918, a Declaração materializou a Revolução Russa e estabeleceu profunda ruptura com a ideia liberal, consagrando o pensamento socialista, que viveu ali um dos mais elevados momentos de sua história. Eram grandes as insatisfações dos russos. A maioria dos habitantes vivia no campo e em condições precárias, com dificuldades até para a própria subsistência. Com o advento da industrialização, os trabalhadores urbanos, cuja maioria era formada por ex-camponeses, cumpriam jornada de trabalho não inferior a doze horas diárias em troca de salários muito baixos. Essas circunstâncias geravam descontentamentos internos e os trabalhadores clamavam por transformações, as quais viriam a ser implantadas pela Revolução. O valor fundamental que inspirava os revolucionários era a igualdade, tomada no sentido específico de dar a cada um segundo suas necessidades. Foi nesse sentido que os revolucionários concebiam a igualdade, transformando-a em ideal-limite da sociedade comunista. Afirma Norberto Bobbio que “O princípio a cada um segundo a necessidade é considerado o mais igualitário de todos os princípios (não é por acaso que nele se inspira a doutrina comunista), já que se considera que os homens são mais iguais entre si (ou menos diversos) com relação às necessidades do que, por exemplo, com relação à capacidade”15. O III Congresso Pan-Russo dos Sovietes manifestou expressa decisão de “livrar a humanidade do jugo do capital financeiro e do imperialismo” e reafirmou posição de “total repúdio à política bárbara da civilização burguesa, que sustentava o bem-estar dos exploradores em algumas nações eleitas sobre a servidão de centenas de milhões de trabalhadores na Ásia, nas colônias em geral e nos pequenos países”.E, para superar todos os entraves e injustiças semeados pelos exploradores, o Congresso dos Sovietes atuou nesse propósito em favor dos operários contra o poder do capital. O direito de propriedade, considerado valor burguês e causa das desigualdades, foi extinto. Buscando-se a socialização do solo, todas as terras passaram ao patrimônio nacional e foram entregues para usufruto, de modo igualitário, aos trabalhadores, sem a necessidade de alguma espécie de indenização aos antigos proprietários. Passaram, ainda, para o domínio nacional as florestas, o subsolo, o gado, as águas com importância nacional e as empresas agrícolas tidas como modelo. As fábricas, as usinas, as minas, as estradas de ferro e outros meios de produção e de transporte foram transferidos à República Operária Camponesa dos Sovietes. Ao mesmo tempo, o Congresso ratificou a transferência de todos os bancos para o Estado operário e camponês. 3. DIREITOS FUNDAMENTAIS APÓS A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL 3.1 Carta das Nações Unidas (1945) A Carta das Nações Unidas, publicada em 26 de junho de 1945, foi elaborada durante a Segunda Guerra Mundial. Preocupou-se com os direitos fundamentais, apesar de não ser exatamente um documento sobre tais direitos. A Carta exortou os Estados a promoverem os direitos fundamentais, tomando medidas tais como: a) preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que, por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade (preâmbulo); b) reafirmar a fé nos direitos fundamentais, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres (preâmbulo); c) promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla (preâmbulo); d) promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todas as pessoas, sem qualquer distinção de raça, sexo, língua ou 15 BOBBIO, Norberto.Igualdade e Liberdade. Trad. Carlos Nelson Coutinho. 5. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002, p. 34. religião (art. 1.º, § 3.º); e) promover a cooperação internacional nos campos econômico, social, cultural, educacional e sanitário, e favorecer o pleno gozo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, em relação a todos os povos, sem qualquer distinção de raça, língua ou religião (art. 13, § 1.º, b); f) prever que as Nações Unidas deviam criar condições para o respeito universal e efetivo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todas as pessoas, sem qualquer distinção de raça, sexo, língua ou religião (art. 55, c); g) sugere que o Conselho Econômico e Social, órgão da ONU, faça recomendações destinadas a promover o respeito e a observância dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todas as pessoas (art. 62, § 2.º). 3.2 Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) A Declaração Universal dos Direitos Humanos é consequência imediata da mais violenta tragédia que assolou a humanidade no século XX. Após o encerramento da Segunda Guerra Mundial, Estados dos mais variados matizes ideológicos, de diferentes condições econômicas, de antagônicas concepções de vida, sensibilizados pela necessidade de estabelecer garantias aos direitos mais elementares das pessoas, conseguiram firmar um grande consenso sobre os temas mais importantes. Segundo Norberto Bobbio, “a Declaração Universal dos Direitos do Homem pode ser acolhida como a maior prova histórica até hoje dada do consensus omnium gentium sobre um determinado sistema de valores”16. Essa Declaração teve o mérito de conciliar dois valores fundamentais da vida humana: a liberdade (civil e política) e a igualdade (econômica, social e cultural). Observa Norberto Bobbio que “A liberdade e a igualdade dos homens não são um dado de fato, mas um ideal a perseguir; não são uma existência, mas um valor; não são um ser, mas um dever ser”17. O preâmbulo da Declaração de 1948: a) reconhece que o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo é a dignidade de cada pessoa que compõe a família humana e que seus direitos são iguais e inalienáveis; b) reconhece que “o desprezo e o desrespeito pelos direitos do homem resultam em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade”; c) acredita na construção de um mundo “em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade”, o que deve ser elevado à mais alta aspiração dos homens na Terra; d) entende ser essencial que os direitos dos homens devam ser protegidos pela lei para que não haja a necessidade da utilização da ultima ratio, que é a rebelião contra a tirania e a opressão; e) considera ser também essencial desenvolverem-se relações amistosas entre as nações; f) reporta-se aos valores consagrados na Carta das Nações Unidas, que, entre outros compromissos, reafirmava a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade da pessoa humana e na igualdade de direitos entre homens e mulheres. 3.3 Pactos Internacionais de Direitos Humanos (1966) Após a Segunda Guerra Mundial, o mundo cindiu-se em dois grandes blocos: um, liderado pelos Estados Unidos da América, os quais se diziam preocupados em garantir a liberdade (direitos civis e políticos); outro, liderado pela União Soviética, a qual se apresentava como defensora dos direitos de igualdade (direitos econômicos, sociais e culturais). Foi nesse contexto que se desenvolveu o que se convencionou chamar de Guerra Fria, tida por muitos como a Terceira Guerra Mundial. No campo político-ideológico-militar, o mundo caracterizava-se pela bipolaridade, que somente viria a desaparecer com o novo mapa geopolítico desenhado a partir de 1989. Nesse contexto de cisão mundial, tornara-se muito difícil estabelecer consenso na proteção dos dois valores cardeais – liberdade e igualdade – da vida humana. Os países de economia capitalista firmavam compromisso com os direitos civis e políticos, mas evitavam falar em direitos econômicos, sociais e culturais. Por outro lado, os países socialistas atestavam garantir a cada pessoa direitos econômicos, sociais e culturais sem se comprometerem com a proteção dos direitos civis e políticos. 16 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 27. 17 Idem, ibidem, p. 29. Na lição de Jayme Benvenuto Lima Junior, “os direitos consagrados nos dois pactos deveriam constituir um só instrumento normativo, mediante a visão da indivisibilidade dos Direitos Humanos. Pressões de muitos países fizeram com que eles fossem reunidos em dois pactos, para o que alegavam, principalmente, que os direitos humanos civis e políticos eram autoaplicáveis e passíveis de cobrança imediata, enquanto que os direitos humanos econômicos, sociais e culturais eram ‘programáticos’. Por trás dessa alegação estava realmente a Guerra Fria entre os países capitalistas e socialistas, o que fazia com que uns não aceitassem os direitos consagradores de suas ideologias”18. O diálogo era difícil e sempre distante do consenso. A solução encontrada, a partir de uma proposta dos países ocidentais, foi realizar dois documentos distintos, cada qual para proteger uma categoria dos direitos em debate. Nesse contexto, nasceram o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos inspirados nos ideais da Declaração Universal dos Direitos Humanos. O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos foi aprovado pela Assembleia-Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966, e incorporado ao Direito brasileiro em 1992. Sua temática central são os direitos civis e políticos, tais como a vida, a liberdade e a participação política. Posicionou-se contra a escravidão, o tráfico de escravos, a servidão, os trabalhos forçados e a tortura, as penas e tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes (art. 8.º).O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais foi aprovado pela Assembleia- Geral das Nações Unidas em 16 de dezembro de 1966, e incorporado ao Direito brasileiro em 1992. Sua preocupação básica foram os direitos econômicos, sociais e culturais. Nesse contexto, seus signatários fizeram constar no documento normas sobre produção de bens, lazer, salário, higiene, sindicalização, greve, progresso científico e educação. 3.4 Proclamação de Teerã (1968) A Proclamação de Teerã foi promulgada pela ONU. É o resultado da I Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada em Teerã, capital do Irã, entre os dias 22 de abril e 13 de maio de 1968, quando o mundo ainda vivia sob o influxo da chamada Guerra Fria. Assinale-se que manifestou preocupações com a falta de efetivação dos direitos fundamentais e reconheceu que, apesar da publicação de muitos documentos sobre direitos fundamentais, “ainda resta muito por fazer na esfera da aplicação destes direitos e liberdades” (art. 4.º). O documento propugnou, ainda, pela indivisibilidade dos direitos fundamentais, entendendo que somente haverá efetivação de tais direitos quando todos eles puderem ser usufruídos em todas as sociedades. Nesse sentido, asseverou que, em razão da indivisibilidade dos direitos fundamentais, “a realização dos direitos civis e políticos sem o gozo dos direitos econômicos, sociais e culturais torna- se impossível” (art. 13). 3.5 Declaração e Programa de Ação de Viena (1993) Esse documento foi elaborado pela II Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada em Viena, na Áustria, em 1993. Vários fatos históricos tinham eclodido havia pouco tempo, criando o que se chamou de Nova Ordem Mundial. Assistia-se à desintegração da URSS, à derrocada dos regimes políticos do Leste Europeu e à reunificação da Alemanha (com a emblemática derrubada do muro de Berlim). Pode-se mencionar, ainda, como fatos importantes daqueles anos, o avanço dos regimes democráticos e o definhamento das ditaduras na América Latina, na América Central e em parte da África. Tratava-se de um momento novo e ímpar na geopolítica mundial, em que não mais se falava no confronto entre as duas grandes potências econômicas, militares e políticas do mundo, mas na proteção dos direitos fundamentais. A Declaração preocupou-se com a tríade Democracia, desenvolvimento e direitos fundamentais, reconhecendo sua interdependência. 18 LIMA JR., Jayme Benvenuto. Os direitos humanos econômicos, sociais e culturais. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 31. 3.6 Estatuto de Roma (1998) O Estatuto de Roma, elaborado entre os dias 15 de junho e 17 de julho de 1998, na cidade de Roma, Itália, criou o Tribunal Penal Internacional. Localizado em Haia, na Holanda, o Tribunal Penal Internacional tem jurisdição sobre os crimes mais graves que preocupam a comunidade internacional, tais como o crime de genocídio, os crimes contra a humanidade, os crimes de guerra e o crime de agressão (art. 5.º, § 1.º). Sua jurisdição, no entanto, é complementar às jurisdições penais nacionais (art. 1.º), incidindo somente quando o acusado não tenha sido devidamente processado e julgado pela Justiça do país. 4. DIMENSÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 4.1 A questão terminológica A terminologia pode conduzir a equívocos na interpretação e concretização dos direitos fundamentais. Tem sido corrente o uso do vocábulo geração para expressar as épocas – nem sempre distintas – em que eles surgiram. O uso desse vocábulo pode conduzir à ideia de que há sucessão entre as diferentes gerações de direitos fundamentais, de modo que a primeira se extinguiria com o advento da segunda, que desapareceria com a chegada da terceira e assim sucessivamente. Mas assim não ocorre. A chegada de novos direitos não tem o condão de suceder (substituir) aqueles previamente existentes, fazendo-os desaparecer. A regra do direito das sucessões, em que uma pessoa sucede em direitos e deveres a outra, quando esta faleceu, não se aplica nessa hipótese, porque não há morte de direitos. Não se pode estabelecer analogia entre a situação das pessoas e a dos direitos. Nesse sentido, a lição de Cançado Trindade: “A invocação da imagem do suceder das gerações, por analogia ao que ocorre com os seres humanos, torna-se inadequada e infeliz quando voltada aos direitos, aos quais não se aplica. É certo que os direitos existentes encontram-se em constante evolução; mas é igualmente certo que, enquanto por um lado os seres humanos se sucedem no tempo, nascem, vivem e em sua maioria procriam, e morrem, por outro lado os direitos existentes não têm a força, a luz, de ‘gerar’ outros e novos direitos que venham a substituí-los. São os seres humanos, contingentes, que, portadores e criadores de valores, criam os direitos, que a eles sobrevivem. Enquanto em relação aos seres humanos se verifica a sucessão generacional, em relação aos direitos desenvolve-se um processo de acumulação. Os seres humanos sucedem, os direitos se acumulam e sedimentam”19. Como se pode observar, a concepção de um novo direito fundamental não pode ter como consequência a extinção de outro direito fundamental, concebido em épocas passadas. O que se tem em tais hipóteses é a acumulação de direitos fundamentais, com o acréscimo do novo direito concebido. Em outras palavras, não se trata de substituir o passado, mas de acrescentar um novo elo20. É mais apropriado, então, falar-se em dimensões de direitos fundamentais. Os direitos fundamentais de uma dimensão, porque representam acréscimo aos direitos das dimensões precedentes, com estes interagem, e todos coexistem harmoniosamente. Portanto, no âmbito deste estudo, será adotado o vocábulo dimensão, respeitando-se, todavia, o uso do vocábulo geração quando os autores utilizarem essa forma de se expressar. 4.2 Direitos fundamentais de primeira dimensão Os direitos fundamentais de primeira dimensão estão vinculados ao princípio da liberdade. São direitos civis e políticos, que passaram a ser objeto das preocupações de estudiosos a partir do século XVIII21. Ensina Paulo Bonavides que “Os direitos da primeira geração ou direitos da liberdade 19 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Direitos Humanos e Meio Ambiente: paralelo dos sistemas de proteção internacional. Porto Alegre: Fabris, 1993, p. 222. 20 CÉZANNE, Paul. Coleção Folha Grandes Mestres da Pintura. São Paulo: Editorial Sol 90, 2007, p. 25. 21 Lembra André Ramos Tavares que os direitos civis e políticos “São direitos de primeira dimensão aqueles surgidos com o Estado Liberal do século XVIII. Foi a primeira categoria de direitos humanos surgida, e que têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado (...). São por igual direitos que valorizam primeiro o homem-singular, o homem das liberdades abstratas, o homem da sociedade mecanicista que compõe a chamada sociedade civil, da linguagem jurídica mais usual”22. Esses direitos não foram concedidos pelo Estado, mas conquistados contra a força do poder exercido arbitrariamente. Eles podem ser encontrados, de modo mais visível, na Magna Carta, na Petição de Direitos, na Lei do Habeas Corpus, na Declaração de Direitos, na Declaração de Direitos do Bom Povo de Virgínia, na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, na Declaração Universal dos Direitos do Homem e no Pacto Internacional dos Direitos Civil e Políticos. Mas não estão ausentes da Carta das Nações Unidas, da Proclamação de Teerã e da Declaração e Programa de Ação de Viena. Na Constituição brasileira de 1988, estão previstos no art. 5.º e nos arts. 12 a 17, conforme será estudado mais adiante. 4.3 Direitos fundamentais de segunda dimensão Os direitos fundamentais de segunda dimensão estão vinculados aoprincípio da igualdade. São direitos econômicos, sociais e culturais que floresceram no século XX. Consistem no resultado das lutas travadas por uma pluralidade de atores sociais, em várias partes do mundo, contrapondo-se aos interesses da burguesia. Esses direitos de segunda dimensão, na lição de Paulo Bonavides, “nasceram abraçados ao princípio da igualdade, do qual não se podem separar, pois fazê-lo equivaleria a desmembrá-los da razão de ser que os ampara e estima”23. Se os direitos de primeira dimensão impõem a abstenção do Estado, os de segunda exigem que o Estado atue positivamente para efetivá-los. O Estado pode atuar diretamente em favor desses direitos, mas pode, também, ensejar a participação de outras instituições e mesmo de pessoas da coletividade, que deverão atuar com o propósito de concretizá-los. Tais direitos foram amplamente protegidos na Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado, na Declaração Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, mas também mereceram atenção da Proclamação de Teerã e da Declaração e Programa de Ação de Viena. Na Constituição de 1988, estão previstos nos arts. 6.º a 11 e nos arts. 193 a 232, conforme será estudado mais adiante. 4.4 Direitos fundamentais de terceira dimensão Os direitos fundamentais de terceira dimensão, desenvolvidos a partir da segunda metade do século XX, estão vinculados à solidariedade (fraternidade). Especificam-se nos direitos à paz, ao desenvolvimento, à comunicação, ao ambiente ecologicamente equilibrado e ao patrimônio comum da humanidade. Paulo Bonavides afirma que, acrescentando-se aos direitos de liberdade e de igualdade, os direitos relativos à solidariedade têm altíssimo teor de humanismo e de universalidade e consistem numa espécie de “novo polo de alforria do homem”. Para ele, “os direitos de terceira geração tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado”. Diferentemente dos direitos das dimensões anteriores, especialmente os da primeira, os direitos de terceira dimensão, segundo Paulo Bonavides, “têm por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta”24. engloba, atualmente, os chamados direitos individuais e direitos políticos” (Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 369). 22 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 563-564. 23 Idem, ibidem, p. 564. 24 Idem, p. 569. Esses direitos não podem ser cindidos. Protegê-los e concretizá-los significa estendê-los indistintamente a outras pessoas. O direito usufruído por uma pessoa irá, de modo inevitável, ser estendido a um número indeterminado de pessoas. Registre-se que tais direitos foram protegidos na Carta das Nações Unidas, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, na Proclamação de Teerã e na Declaração e Programa de Ação de Viena. Ademais, existem vários documentos normativos, na ordem internacional, que têm por finalidade específica proteger cada uma dessas espécies de direitos. Um exemplo desses direitos fundamentais – meio ambiente ecologicamente equilibrado – pode ser encontrado no art. 225 da Constituição brasileira. A lição paradigmática do Ministro Celso de Mello merece ser transcrita: “Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) - que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais - realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) - que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas - acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade”25. 4.5 Direitos fundamentais de quarta dimensão Os direitos fundamentais de quarta dimensão são próprios do momento presente e estão à espera de melhor compreensão, embora tenham começado a ser percebidos ainda no final do século passado. Esses direitos, segundo Paulo Bonavides, são: a informação, a Democracia e o pluralismo26. Os fatos históricos que eclodiram no final do século XX desenharam um novo mapa geopolítico. A derrocada dos regimes políticos do Leste Europeu, o fim dos regimes ditatoriais na América Latina, na América Central e em parte da África, a reunificação da Alemanha, a desintegração da URSS e o fim da chamada Guerra Fria, cujo ato simbólico foi a queda do muro de Berlim, formam a base do que se convencionou chamar de nova ordem mundial. Vários documentos normativos foram editados no âmbito da ONU e da OEA para proteger os direitos fundamentais de quarta dimensão. A proteção e a concretização dos direitos à informação (verdadeira), à Democracia e ao pluralismo são temas que assumem elevado grau de preocupação neste início de século. Esse arcabouço de proteção dos direitos fundamentais expressa uma página de lutas – vitórias e derrotas, avanços e recuos, esperanças e desencantos – que o gênero humano escreveu ao longo da História. Essa lição duradoura não permite ignorar a lição de Ingo Sarlet, para quem “os direitos fundamentais são, acima de tudo, fruto de reivindicações concretas, geradas por situações de injustiça e/ou de agressão a bens fundamentais e elementares do ser humano”27. 4.6 Direitos fundamentais de quinta dimensão O século XXI estaria ensejando uma quinta dimensão de direitos fundamentais. A origem dessa nova dimensão de direitos fundamentais remonta ao final do século XX. Já afirmamos que “O século XX foi marcado pelo extermínio de vidas humanas. Ele será lembrado para sempre como o século dos genocídios, das guerras mundiais, dos campos de concentração, das bombas atômicas, dos atos terroristas, dos desaparecimentos forçados, do apartheid, das destruições em massa de vidas 25 BRASIL. SupremoTribunal Federal. MS 22.164, rel. min. Celso de Mello, j. 30-10-1995, P, DJ de 17-11- 1995. 26 Idem, p. 571. 27 SARLET, Ingo Wolfgang. Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria dos Advogados, 1998, p. 54. humanas (civis e militares), das ‘limpezas étnicas’, da destruição do meio ambiente e da prática da tortura”28. A incerteza e a insegurança rondam lares de bilhões de pessoas por todas as partes do mundo, colocando em risco a manutenção da paz. A escassez deste bem fundamental para a Humanidade – a paz – projeta-se para o século XXI. Nessa perspectiva, Paulo Bonavides sustentou a tese segundo a qual a paz é um direito fundamental de quinta dimensão29. Registre-se que José Adércio Leite Sampaio, por ótica diferente, visualiza uma quinta dimensão de direitos fundamentais, que dizem respeito ao cuidado, à compaixão e ao amor por todas as formas de vida, e compreende o indivíduo como parte do cosmos e carente de sentimentos de amor e cuidado30. 4.7 Direitos fundamentais de sexta dimensão Afirma-se, agora, a existência de uma sexta dimensão de direitos fundamentais31. A água potável, componente do meio ambiente ecologicamente equilibrado, exemplo de direito fundamental de terceira dimensão, merece ser destacada e alçada a um plano que justifique o nascimento de uma nova dimensão de direitos fundamentais. O estudioso cientificamente comprometido – sempre atento ao passado e pronto a descortinar o futuro – precisa ser fiel intérprete do seu tempo. E as circunstâncias concretas do tempo atual justificam a construção de uma nova dimensãode direitos fundamentais. A escassez de água potável no mundo, sua má distribuição, seu uso desregrado e a poluição em suas mais diversas formas geraram uma grave crise, a comprometer a subsistência da vida no Planeta. Em outras palavras, a escassez de água potável é um problema crucial. Logo, essa carência gera a necessidade de novo direito fundamental. Em outro dizer, tais circunstâncias da vida concreta têm a força suficiente para partejar novos direitos fundamentais, visto que estes vão nascendo gradativamente, no curso natural da História, mas como resultado de lutas travadas pelo esforço humano. Nessa perspectiva, Norberto Bobbio reconhece que os direitos fundamentais – direitos do homem histórico – fazem parte de um processo jamais concluído. Segundo o autor, “Não é preciso muita imaginação para prever que o desenvolvimento da técnica, a transformação das condições econômicas e sociais, a ampliação dos conhecimentos e a intensificação dos meios de comunicação poderão produzir tais mudanças na organização da vida humana e das relações sociais que se criem ocasiões favoráveis para o nascimento de novos carecimentos e, portanto, para novas demandas de liberdade e de poderes”32. O direito fundamental à água potável, como direito de sexta dimensão, significa um acréscimo ao acervo de direitos fundamentais, nascidos, a cada passo, no longo caminhar da Humanidade. Esse direito fundamental, necessário à existência humana e a outras formas de vida, necessita de tratamento prioritário das instituições sociais e estatais, bem como por parte de cada pessoa humana. 28 FACHIN, Zulmar. O Direito Humano Fundamental de não ser Torturado. In: CLÈVE, Clèmerson Merlin; SARLET, Ingo Wolfgang; PAGLIARINI, Alexandre Coutinho (Orgs.). Direitos Humanos e Democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 451. 29 A tese foi defendida pelo autor por ocasião do VII Simpósio Nacional de Direito Constitucional e do IX Congresso Ibero-Americano de Direito Constitucional, realizados em Curitiba, entre os dias 11 e 15 de novembro de 2006, pela Academia Brasileira de Direito Constitucional e pela Associação Brasileira de Constitucionalistas Democratas (Seção Brasileira do Instituto Ibero-Americano de Direito Constitucional). 30 SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos Fundamentais: retórica e historicidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 302. 31 FACHIN, Zulmar; SILVA, Deise Marcelino. Acesso à Água Potável: direito fundamental de sexta dimensão. Campinas: Millennium, 2010. 32 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 33. XIX TEORIA GERAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Sumário: 1. Terminologia – 2. Conceito – 3. Perspectivas dos direitos fundamentais: 3.1 Perspectiva filosófica; 3.2 Perspectiva universalista; 3.3 Perspectiva estatal; 3.4 Perspectiva histórico-sociológica – 4. Características dos direitos fundamentais: 4.1 Fundamentalidade; 4.2 Historicidade; 4.3 Universalidade; 4.4 Inalienabilidade; 4.5 Imprescritibilidade; 4.6 Indivisibilidade; 4.7 Inexauribilidade; 4.8 Transindividualidade; 4.9 Complementaridade; 4.10 Aplicabilidade imediata; 4.11 Vinculatividade – 5. Funções dos direitos fundamentais: 5.1 Função de defesa ou de liberdade; 5.2 Função de prestação social; 5.3 Função de proteção perante terceiros; 5.4 Função de não discriminação – 6. Classificações dos direitos fundamentais – 7. Direitos fundamentais no catálogo e dispersos – 8. Destinatários dos direitos fundamentais – 9. Eficácia dos direitos fundamentais – 10. Direitos fundamentais expressos, implícitos ou decorrentes de tratados internacionais: 10.1 Direitos fundamentais expressos na Constituição; 10.2 Direitos fundamentais implícitos; 10.3 Direitos fundamentais decorrentes dos Tratados Internacionais – 11. Direitos, liberdades e garantias – 12. Direitos fundamentais, cláusulas pétreas e poder constituinte. 1. TERMINOLOGIA Existem diversas terminologias utilizadas para designar direitos fundamentais. As mais empregadas são: direitos naturais, direitos humanos, direitos do homem, direitos públicos subjetivos, direitos individuais, liberdades públicas, liberdades fundamentais, direitos da pessoa humana, direitos da personalidade, direitos fundamentais do homem e direitos humanos fundamentais. 2. CONCEITO Jorge Miranda, considerando os direitos fundamentais em dupla dimensão (formal e material), conceitua-os como “os direitos ou as posições jurídicas subjectivas das pessoas enquanto tais, individual ou institucionalmente consideradas, assentes na Constituição, seja na Constituição formal, seja na Constituição material – donde, direitos fundamentais em sentido formal e direitos fundamentais em sentido material”33. Note-se que o conceito de direitos fundamentais adotado pelo autor é correlato à ideia de Constituição formal e de Constituição material. Ingo Sarlet compreende os direitos fundamentais como “todas aquelas posições jurídicas concernentes às pessoas, que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, por seu conteúdo e importância (fundamentalidade em sentido material), integradas ao texto constitucional e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos (fundamentalidade formal), bem como as que, por seu conteúdo e significado, possam lhes ser equiparadas, agregando-se à Constituição material, tendo, ou não, assento na Constituição formal (aqui considerada a abertura material do catálogo)”34. 33 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Coimbra: Editora Coimbra, 1998, p. 7, t. IV. 34 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 80. 3. PERSPECTIVAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Os direitos fundamentais podem ser compreendidos a partir de diversas perspectivas: filosófica, universalista e estatal. Pode, ainda, ser estudada a vertente histórico-sociológica desses direitos, embora, de certa forma, ela se confunda com as últimas duas. 3.1 Perspectiva filosófica Os direitos fundamentais, nessa perspectiva, devem ser compreendidos, segundo José Carlos Vieira de Andrade, como “direitos de todos os homens, em todos os tempos e em todos os lugares”. Em outras palavras, são “direitos absolutos, imutáveis e intemporais, inerentes à qualidade de homem dos seus titulares, e constituem um núcleo restrito que se impõe a qualquer ordem jurídica”35. Para a corrente jusnaturalista, os direitos fundamentais existem independentemente da chancela do Estado, que, por sua vez, deve positivá-los, reconhecendo-os formalmente. Todavia, positivados ou não, tais direitos existem; pois, para tanto, não dependem do reconhecimento estatal. 3.2 Perspectiva universalista O Direito Internacional Público vem exercendo significativa influência na proteção dos direitos fundamentais em escala universal. As declarações, os tratados, as convenções e os pactos têm condicionado o direito positivo no âmbito do Estado nacional. A partir da Segunda Guerra Mundial, multiplicaram-se os documentos na ordem internacional preocupados com os direitos fundamentais. Entre os mais importantes, podem ser mencionados: a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966), o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), a Proclamação de Teerã (1968), a Declaração e Programa de Ação de Viena (1993) e o Estatuto de Roma (1998). 3.3 Perspectiva estatal No âmbito do Estado nacional, os direitos fundamentais têm um locus especial: a Constituição. A partir da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, publicada na França em 178936, os países passaram a inserir um rol de direitos fundamentais em suas respectivas Constituições. Seguindo na mesma direção, a Constituição brasileira de 1824 relacionou direitos individuais (art. 179). José Carlos Vieira de Andrade
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