Buscar

O Orientador Educacional às voltas com as queixas escolares

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 19 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 19 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 19 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

O Orientador Educacional e as Queixas Escolares: relato de experiência. 
 
“Eu guardo em mim tantas canções”! 
Danilo Caymmi 
 
Escrever sobre minha prática imbricada em tantas outras está sendo um exercício 
de tomada de consciência daquilo que sou enquanto Orientador Educacional de uma 
escola pública de Ensino Fundamental e Médio no interior do Estado de Rondônia. São 
relatos de alguém que se percebe dentro da educação, inserido e involucrado (assim 
mesmo que me vejo), em uma escola concreta. E longe de querer criticá-la por 
diletantismo, carrego comigo a intencionalidade de entender como funciona uma 
parcela do seu cotidiano e identificá-lo a partir do exercício do registro de situações 
vividas na escola. E para me ajudar defender esta intenção lembro o autor do livro 
“Dialética do Concreto” quando afirma que: 
O complexo dos fenômenos que povoam o ambiente cotidiano e a atmosfera 
comum de toda a vida humana, que, com a sua regularidade, imediatismo e 
evidência, penetram na consciência dos indivíduos agentes, assumindo um 
aspecto independente e natural, constitui o mundo da pseudoconcreticidade. O 
mundo das representações comuns, que são projeções dos fenômenos externos 
na consciência dos homens, produto da práxis fetichizada, formas ideológicas 
de seu movimento. O mundo dos objetos fixados, que dão a impressão de ser 
condições naturais e não imediatamente reconhecíveis como resultados da 
atividade social dos homens (KOSIK, 1976, p.11). 
 Esse exercício vai deixando-me inteiro novamente porque no cotidiano escolar 
vou perdendo a inteireza em função da ausência de espaços coletivos instituídos para as 
trocas e para as parcerias. Essa ausência, (certamente não apenas minha, mas também 
como de tantos outros atores que nela atuam), vai deixando-me angustiado sem um 
projeto maior que oriente minhas ações como orientador educacional, como um “técnico 
pedagógico”, segundo a portaria 0436/10 GAB/SEDUC/RO. 
 Dentro deste contexto, o fato de estar inserido no Mestrado como um espaço de 
formação continuada, certamente tem possibilitado a apropriação crítica de outras 
leituras que vão apontando-me novas compreensões e confirmações sobre o espaço 
escolar em sua complexidade. No entanto cabe aqui fazer uma ressalva quanto ao perigo 
destas leituras, se feitas de forma prepotente, acentuar uma visão preconceituosa e 
limitada sobre a escola e seus desafios deixando de perceber que, quando tratamos dela, 
precisamos pensar que Souza (2010:242) tem toda razão quando afirma que: 
 
(...) como ocorre com as instituições em geral, é um campo de contradições e 
paradoxos. Nela atuam forças que tendem a produzir fracasso e sofrimento nas 
pessoas que dela fazem parte. Atuam, também, forças que impulsionam no 
sentido oposto a esse. A escola é, sim, habitada por muitos seres humanos que 
constroem vida, inteligência, cidadania, dignidade, alegria e amor. O convívio 
com qualquer instituição escolar trará experiências de admiração, gratidão e 
carinho por diversos de seus personagens, incluindo muitos educadores. Quem 
pode ler estas palavras sabe disso, pois, certamente, passou por, no mínimo, 
uma escola (provavelmente várias), na condição de aluno. É só recorrer a essa 
vivência. 
 
Estou inserido nesta escola de que fala Souza e assim a vejo e a percebo. É um 
olhar ético no sentido de compreensão do universo escolar como espaço de convivência 
de seres humanos que devem ser compreendidos como pessoas em suas 
individualidades e como seres no grupo. Fazer esta observação é importante para que 
este olhar sobre a escola não seja amargo, azedo. 
Porém este olhar cuidadoso não pode também se furtar de dizer que a falta de 
espaços instituídos de reflexão coletiva não significa ausência de questionamentos ou 
incapacidade de fazê-los. Percebo algumas perguntas que, insistentemente vão surgindo 
no cotidiano do trabalho: quem somos enquanto Orientadores Educacionais nas Escolas 
Estaduais de Rondônia? Qual é nossa identidade dentro do grupo que chamam 
tecnicamente de “trabalhadores em educação”? Quais projetos defendemos? Que escola 
queremos e em que poderemos contribuir para que a educação de fato seja um 
instrumento de promoção do outro na sua integralidade a partir de nossa formação e dos 
referenciais que norteiam ou não nossos fazeres? 
As respostas a estas e outras questões vão sendo dadas prenhes de significados 
que se materializam no cotidiano da escola. Quando paramos para refletir sobre nosso 
fazer vamos percebendo que ele também aparece repleto de ações pontuais que teriam 
outras respostas se fossem pensadas, desejadas e queridas pelo grupo na apropriação 
coletiva dos desafios desta escola e da prática de cada um. Estas ações pontuais que na 
fala de muitos orientadores se caracteriza como “apagar incêndios”, reflete a forma 
como a escola se organiza enquanto gestão escolar mesmo. E ao ficarmos no processo 
de “apagar incêndios” vamos deixando de fazer intervenções pedagógicas necessárias e 
significativas a partir do Projeto Pedagógico da escola que tecido democraticamente ou 
não é um documento norteador (ou deveria ser). Mas aqui temos que ter outro cuidado 
que nos faz perceber Souza quando aponta o caráter autoritário das políticas públicas 
em educação ao nos alertar sobre o cuidado da culpabilização que saindo do aluno, 
recai sobre professores e outros atores da escola: 
Embora haja complexidade em seu processo, predomina a ausência de discussão 
por parte daqueles que as concretizarão e a desconsideração de seus saberes, 
suas possibilidades e opiniões. Convertidos em meros executores de medidas 
que lhes parecem sem sentido e prejudiciais ao ensino, é comum educadores 
fazerem apropriações superficiais e distorcidas dos princípios apresentados 
como sendo os fundamentos das mesmas. (SOUZA, 2010, p.247) 
 
Quando se tem uma visão superficial do funcionamento da escola é fácil colocar 
a culpa nos professores. Na escola onde trabalho e da qual me reporto para fazer estas 
reflexões e relatos, em seis meses passaram por ela seis supervisoras. Ora sabemos o 
quanto de ajuda um supervisor pode aportar formando uma parceria com os professores. 
O mesmo vale para orientadores educacionais. A cada nova supervisora (eram todas 
mulheres), que chegavam na escola, os professores rindo, (o riso é uma forma de 
resistência?) diziam: “será que essa daí vai ficar”? Toda esta situação de desorganização 
administrativa vinda de instâncias superiores provoca desânimo e descrença no grupo de 
professores. Sem contar em tantos encontros e cursos que são organizados em cima da 
hora e empurrados para os professores de cima para baixo, de forma verticalizada, 
mostrando clara e visivelmente uma ausência de planejamento a curto, médio ou a longo 
prazo transformando a escola naquilo que Souza (2010) chama de “a terra do 
improviso”. 
Para mim, improvisar significa uma profunda falta de respeito às pessoas. 
Significa ausência de planejamento e de cuidado com o outro. E aqui cabe bem o alerta 
que nos faz Freire (1996:13) quando afirma que “quando vivemos a autenticidade 
exigida pela prática de ensinar-aprender participamos de uma experiência total, diretiva, 
política, ideológica, gnosiológica, pedagógica, estética e ética, em que a boniteza acha-
se de mãos dadas com a decência e com a seriedade”. 
Precisamos avançar muito ainda na concretização deste sonho: prática 
pedagógica verdadeiramente democrática, pensada, planejada, executada, avaliada e por 
fim retomada. E porque não, celebrada! Porque a festa também é sinal de saúde e nos 
restitui a unidade perdida enquanto pessoas que precisam do folguedo e de momentos 
de distensão para refazerem-se. 
Ter um tempo para sentar e refletir é um grande desafio quando se está 
inteiramente inserido no cotidiano escolar. Possuir agora esse tempo é um privilegiado 
e quero fazê-lo para contar um pouco da minha experiênciaàs voltas com pais, 
professores e alunos do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental de 09 anos em uma Escola 
Estadual de Ensino Fundamental e Médio no interior (nem tanto interior assim) do 
Estado de Rondônia. 
Contando da minha formação e cotidiano escolar 
Minha formação enquanto Orientador Educacional se deu num curso de 
Pedagogia em que se preparava exatamente para que fôssemos orientadores 
educacionais. A habilitação do curso era Pedagogia Licenciatura Plena com Habilitação 
em Magistério e Orientação Educacional. Era que se chamava de magistério das 
disciplinas pedagógicas: filosofia, sociologia e psicologia para o ensino médio. Iniciei 
este curso no segundo semestre de 1998 e terminei em 2001. Ingressei como portador de 
curso superior, pois já havia feito outro Curso em Pedagogia, (Pedagogia – Magistério 
de 1ª a 4ª série e educação pré-escolar) por outra IES. 
A lei 9.394 de 20 de Dezembro de 1996, não aborda explicitamente a questão da 
formação para Orientação Educacional. Fala que a formação para Orientadores 
Educacionais se dará junto com a de outros profissionais que compõem o quadro 
daquilo que se chama “técnicos educacionais”: 
A formação de profissionais de educação para administração, planejamento, 
inspeção, supervisão e orientação educacional para a educação básica, será feita 
em cursos de graduação em pedagogia ou em nível de pós-graduação, a critério 
da instituição de ensino, garantida, nesta formação, a base comum nacional. 
Fiz todo este discurso para dizer que minha formação enquanto Orientador 
Educacional foi feita em quatro anos como graduação e não em um curso de pós-
graduação. Sem querer dizer aqui que uma pós-graduação de 360 horas que habilita 
Gestores Educacionais e entre eles o Orientador Educacional não seja competente. 
Tenho lá minhas dúvidas, mas este é outro assunto que careceria de muitos 
questionamentos e outras discussões. 
Fiz o concurso para Orientação Educacional em 2003 (edital nº 227/CGRH, de 
18 de Setembro de 2003), do Governo do Estado de Rondônia, mais especificamente da 
Secretaria de Estado de Educação. O edital não trazia exatamente as competências 
esperadas do Orientador Educacional nas Escolas Estaduais de Rondônia, mas a partir 
dos conhecimentos específicos exigidos para a prova de seleção é possível identificá-
los: 
1. Origem, evolução e contextualização da Orientação Educacional no 
Brasil: conceituação, evolução histórica, fundamentos legais, pressupostos 
teóricos, o profissional de Orientação Educacional e a ética. 2. Orientação 
Educacional e a construção do projeto político-pedagógico na escola: 
concepção, princípios e eixos norteadores; a gestão educacional decorrente do 
projeto político-pedagógico; o processo de planejamento - importância, 
dimensões, componentes e instrumentos. 3. A Orientação Educacional como 
mediadora do sucesso na aprendizagem e permanência do aluno na escola: 
meios para a apropriação crítica dos conhecimentos dos diversos campos 
disciplinares e transversais - a interdisciplinaridade, a multidisciplinaridade e a 
transdisciplinaridade; a inclusão educacional: a evasão escolar - estudo das 
causas fundamentais; o problema da repetência - como vencê-la: as dificuldades 
de aprendizagem. 4. A prática da Orientação Educacional no processo de 
avaliação: limites e possibilidades - medir, avaliar, conceitos básicos; as 
diversas concepções da avaliação - diagnóstica ou classificatória, dialética, 
libertadora, multirreferencial, mediadora - seus significados e impactos na 
prática do trabalho pedagógico; instrumentos de medida e avaliação como 
subsídios no trabalho de orientação educacional - observação, análise de 
cenário, entrevistas, questionário, testes sociométricos, testes vocacionais, o 
projeto de pesquisa como caminho para elaboração de instrumentos de medida. 
5. Educação e trabalho: princípios, concepções e tendências - a teoria do 
capital humano, a abordagem crítico-reprodutivista, o trabalho como 
princípio educativo: a organização do trabalho no capitalismo contemporâneo 
- o processo de trabalho, a divisão do trabalho, trabalho e qualificação. 6. 
Perspectivas de atuação do Orientador na Escola na área vocacional, frente 
às características dos alunos das escolas brasileiras: trajetória da orientação 
vocacional, proposições teóricas e suas aplicações à prática da orientação - 
visão crítica. 7. A Orientação Educacional e a construção de processos 
solidários e engajamento normativo: o Orientador Educacional como 
mediador das relações escola-família-comunidade. Conselhos Escolares, grêmio 
estudantil. Alunos e pais representantes de turma, Conselho de Classe etc. 
 
A formação que recebi foi muito baseada na instrumentalidade técnica da 
Orientação Educacional. Era muito cobrado de nós que o Orientador Educacional 
soubesse fazer bem um estudo de caso dos alunos com alguma dificuldade na escola, 
por exemplo. A realidade das escolas pedia e carecia de outras respostas do Orientador 
Educacional. Em 2004 assumi a função de contratado Orientador Educacional e de lá 
para cá já atuei em três escolas e um período pequeno na Representação de Ensino no 
Setor Pedagógico. Era responsável por acompanhar os Projetos Pedagógicos das 
escolas, orientá-las, ajudá-las muito mais no sentido de fazer este projeto do que 
operacionalizá-lo. Certo dia, fui chamado ao gabinete da representante de ensino e 
recebi a notícia de que estava sendo encaminhado para uma escola porque eu era muito 
competente e era um “desperdício” deixar-me na Representação de Ensino. E lá vamos 
nós procurarmos uma escola. Eu teria que procurar uma, poderia escolher, segundo a 
fala da representante de ensino. Fui “escolhido” pela minha diretora atual a senhora 
“Castanheira”1 e assim, estou atuando como orientador educacional na escola desde 
2008. Antes mesmo de chegar lá, ouvia dizer que quem ia trabalhar na escola “Cedro” 
era “doido”, “maluco”, “ali você vai sofrer muito” e outras coisas mais. Essas 
advertências vinham como forma de um sentimento de compaixão e de piedade para 
comigo porque estava sendo designado para uma escola considerada como “barra 
pesada” na época por ter no seu entorno muitas “bocas de fumo” 2, traficantes e muitos 
assassinatos. Mas no meu caso esta profecia não se concretizou porque das três escolas 
em que trabalhei, nestes 10 anos como servidor da SEDUC3, a escola “Cedro” foi 
aquela onde me percebi mais realizado como profissional. 
Atualmente a escola atende 42 turmas de alunos do 1º ao 9º ano do Ensino 
Fundamental e Médio, e Educação de Jovens e Adultos do Ensino Fundamental e 
Médio funcionando nos três períodos: matutino, vespertino e noturno. No período 
matutino são 17 turmas de alunos dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental totalizando 
461 alunos. No período matutino são 14 turmas de alunos dos Anos Finais do Ensino 
Fundamental e 03 turmas de alunos do Ensino Médio, totalizando 495 alunos. No 
período noturno são 08 turmas de alunos da EJA com 279 alunos. 
Temos hoje, 1235 alunos. É interessante relatar que nossas crianças e 
adolescentes entram e saem da escola conforme seus pais ou responsáveis mudam de 
moradia em busca de melhores condições de vida. E neste sentido ouço expressões 
preconceituosas do tipo “que os pais mudam-se muito porque não sabem o que 
querem”, “vivem igual ciganos”, “nem pegaram a transferência ainda e já estão de volta 
na escola”. Esta é uma leitura equivocada que demonstra desconhecimento das 
condições sócio-econômicas do País e de Rondônia que faz parte de um sistema maior e 
 
1 Darei aos sujeitos observados no texto e a escola, nomes fictícios. Optei por nomes de árvores da região. 
2 Locais onde são vendidas ou revendidas drogas. 
3 Secretaria Estadual de Educação 
guardando as devidas proporções sofre os impactos das oscilações econômicas ou 
provocadas por ela: desemprego, subempregos, etc. 
A escola sempre anda àsvoltas com desejo de ter um aluno proveniente de uma 
família idealizada, geralmente patriarcal, constituída por um pai, uma mãe e os filhos 
vivendo em harmonia, como discutido por Gomes(1995). Na escola, não há uma 
discussão mais seria no sentido de perceber que ela precisa dar conta deste aluno real, 
concreto que chega às suas salas, proveniente das mais diversas formas de famílias e 
nem por isso desestruturadas. Quem são nossos alunos? De onde vem? Que riquezas 
aportam na escola? 
Dentro deste contexto, a autora propõe que a escola olhe para a família de seus 
alunos sob outra ótica, a do olhar transdisciplinar. Penso que o caminho seja este: no 
sentido de superar visões estereotipadas e pouco coerentes com uma realidade complexa 
como é a nossa hoje. A instituição família pede outros olhares e a escola precisa destes 
novos olhares para diminuir suas práticas preconceituosas. 
 Outro exemplo de prática preconceituosa é com relação à dinâmica da 
distribuição dos alunos em determinadas turmas realizada no final do ano, no recesso 
escolar, onde já vão sendo desenhadas as turmas a partir dos aprovados, reprovados, 
alunos novos e aqueles considerados “problemáticos”, isto é, com dificuldades de 
aprendizagens, multirrepetentes e indisciplinados. Essa distribuição feita pela secretária 
geral da escola e a diretora, apesar de gerar descontentamentos nunca foi trazida a tona 
em reuniões ou momentos de estudos para discussão. É uma prática comum em muitas 
escolas brasileiras, em busca da homogeinização das turmas, mas duramente criticada 
por autores como Patto (1997), Machado (2002), Souza (2010) entre outros. Nos 
bastidores professores reclamam, ficam ressentidos e alguns desabafam dizendo que 
sentem pena da “professora Fulana de tal” porque ela não fala nada e nem reclama 
quando todos empurram os piores alunos para ela. Uma dessas professoras que recebem 
todos os anos alunos difíceis e que não aprendem disse que a Diretora a pressiona para 
pegar esses alunos e que se não quiser tem outras escolas para trabalhar. 
Essa fala é corroborada por Collares (1996:41) quando afirma que 
(...) as classes homogêneas persistem nas escolas brasileiras. Homogeneizadas 
para o processo ensino-aprendizagem. Homogeneizadas já desde a formação, 
pelos critérios mais variados, sendo um dos mais comuns ter “freqüentado a 
pré-escola”4. Posteriormente, as crianças são remanejadas na tentativa de re-
homogeneizar as classes. Essa prática é defendida com argumentos de facilitar 
o trabalho do professor e de melhorar o rendimento das crianças. 
 
Machado (2002, p. 149) ilustra algo semelhante em pesquisa da qual participou: 
Como dissemos as cinco crianças encaminhadas para o trabalho de avaliação 
nessa escola eram da classe da professora Maria. Durante nossas conversas com 
Maria, ficamos sabendo que parecia haver uma sensação de alívio por parte do 
grupo de professores, pelo fato de Maria aceitar ficar com essa classe. Alívio e 
agradecimento que ficavam por ser dessa classe as crianças encaminhadas para 
o trabalho. Afinal, segundo o relato de algumas professoras, Maria merecia e 
precisava de ajuda. Era uma classe que ninguém queria pegar, as crianças 
haviam se tornado "alunos fracos"5. Quando as classes são organizadas tendo a 
ilusão da homogeneidade, as professoras que participam dessa decisão 
acreditam que estão fazendo o melhor para as crianças. Os efeitos que vemos 
nos alunos que participam de classes "lentas" mostram-nos que a maioria passa 
a acreditar ser incapaz para aprender - produz-se a incapacidade. A dificuldade 
em se trabalhar a diversidade tem sido uma justificativa para essa montagem. 
Aliás, as estratégias da escola para com as dificuldades que se apresentam 
parecem buscar que essas dificuldades desapareçam rapidamente. Isto é, busca-
se eliminar o que está paralisando o trabalho como se aquilo que paralisa não 
estivesse sendo produzido no e pelo próprio trabalho. 
O que se percebe é o desejo por um aluno ideal. Esta mesma professora que 
recebeu todos os alunos com dificuldades de aprendizagem na sua sala relatou para mim 
que desejava ter alguns alunos que soubessem ler e escrever para “equilibrar” a sua sala. 
Na verdade, suspirava por isto. Dizia que estava com saudades de ver um aluno lendo e 
escrevendo com facilidade. E expressava isto com muito sofrimento compartilhando 
comigo a sua dor. 
Essa divisão gera descontentamento no grupo professores porque em tempos de 
avaliações como a Provinha Brasil, por exemplo, aquelas professoras cujas turmas os 
alunos estão adiantados tem mais sucesso na execução da mesma e cujos resultados 
também não são discutidos nem identificados na escola. Aqui cabe bem citar o que o 
documento “Provinha Brasil – Reflexões sobre a prática” (p. 07) fala sobre a identidade 
desta avaliação: 
A Provinha Brasil diferencia-se das demais que vêm sendo realizadas no país 
pelo fato de fornecer respostas diretamente aos alfabetizadores e gestores da 
escola, reforçando, assim, uma de suas finalidades que é a de construir um 
instrumento pedagógico, sem fins classificatórios. Ela foi concebida a partir do 
 
4 Destaque da autora. 
5 Destaque da autora. 
pressuposto de que uma avaliação da fase inicial da alfabetização pode trazer 
para o professor e para o gestor da escola informações que vão contribuir para o 
aperfeiçoamento e a reorientação das práticas pedagógicas. Apresenta-se, dessa 
forma, como instrumento que propiciará o redimensionamento da prática 
pedagógica do professor. A intenção desse instrumento é a de possibilitar o 
desenvolvimento de práticas pedagógicas que alcancem níveis mais satisfatórios 
de alfabetização e letramento do que aqueles apresentados atualmente nas 
escolas do país. 
 
Os resultados não são tematizados para que se tornem momentos de formação 
em serviço. Tudo fica nos bastidores de forma não oficial. O discurso existe, mas não há 
uma posse do mesmo para que se torne, por exemplo, um assunto de reflexão oficial. É 
triste porque se esta situação fosse discutida os alunos sem sombra de dúvidas, saíram 
ganhando em termos de aprendizagem e promoção e as professoras também. 
Não posso culpabilizar os professores por questões que não é de sua única 
responsabilidade. Seria mais fácil e simples fazê-lo. Simples para quem? Boa pergunta. 
Percebo que, apesar das dificuldades, as professoras têm desejo de fazer um bom 
trabalho, de buscar alternativas para ele. 
Outro dia, estando na sala de planejamento, uma professora assim se expressava 
quando encontrou um material bom de “alfabetização” na internet: “que material bom 
eu encontrei. Tirei ontem da internet (domingo). Quando eu tiro um tempo eu capricho. 
Passei o domingo todo procurando na internet e achei essa cartilha maravilhosa. É 
muito boa para alunos que nunca foram na escola e que chegam à escola sem saber 
nada”. 
A fala desta professora indica sua preocupação com seus alunos que não 
puderam ter acesso à pré-escola e como discutimos antes, por falta na escola de um 
espaço onde possamos discutir coletivamente nossos anseios, preocupações e nossa 
própria prática, ela buscou, solitariamente, encontrar algum material que pudesse ajudá-
la no processo de escolarização de seus alunos, usando do domingo para planejar suas 
atividades. Como esta professora, tenho observado esta prática solitária em muitas 
outras. Como transformar esta prática solitária e uma prática coletiva de trocas, ajuda e 
aprofundamento do fazer docente? Eis um grande, mas não intransponível desafio. 
 
 
 
Compartilhando minha prática como orientador educacional 
 Depois de ter falado um pouco sobre a minha formação, o meu ingresso nesta 
escola, o seu cotidiano e de como venho percebendo-a, passo agora a apresentar e 
analisar alguns encaminhamentos de alunos feitos para mim por uma professora dos 
anos Iniciais do Ensino Fundamental que por agora em diantechamarei de 
“Maracatiara” entre Fevereiro de 2011 (início das aulas) e setembro do mesmo ano. 
Foram duas as razoes que me levam escolher os encaminhamos de “Maracatiara”, a 
saber: a grande quantidade de encaminhamentos e a riqueza de detalhes na descrição 
dos mesmos. No período acima citado ele me encaminhou 13 alunos de uma turma de 
31. 
Em geral os encaminhamentos que me são enviados por todas as professoras são 
feitos com muita presteza, ora quando solicitamos por mim, ora quando solicitados pelo 
Conselho Tutelar ou outra instituição, ora por iniciativa delas próprias e isto acontece 
com muita freqüência. São documentos significativos de suas práticas, riquezas e 
contradições. 
Para que os encaminhamentos fossem feitos solicitei às professoras que 
escrevessem em uma folha de papel a queixa escolar, (nós chamamos na escola de 
“encaminhamentos”), de forma livre, sem nenhum modelo padronizado, possibilitando-
lhes liberdade para que destacassem os elementos ou as cenas que julgassem relevantes, 
datando-as e assinando sempre. 
Transcreverei aqui trechos dos encaminhamentos feitos por “Maracatiara” para 
que possamos analisar as dificuldades por ela identificadas. Sua turma possui 31 alunos, 
sendo 19 meninas e 12 meninos, cuja faixa etária varia entre 08 a 14 anos assim 
divididos: 21 alunos com nove anos, três alunos com dez anos que são repetentes, 
quatro alunos com oito anos, um aluno com doze anos que já deveria estar no 5º ano, 
mas por erro de documentação ficou dois anos matriculado na mesma série e um aluno 
com quatorze anos que é mutirrepente. 
A turma é ativa e dinâmica e quando vou à sala todos vem abraçar-me 
quebrando a rotina da aula, fato esse que não é recebido de forma negativa pela 
professora. Ela demonstra sempre contentamento com minha presença, temos um bom 
relacionamento. Sente-se a vontade encaminhando seus relatórios constantemente para 
mim ou relatando oralmente seus feitos em sala de aula, a seguir temos uma cena 
significativa escrita por ela e partilhada comigo: 
 “Hoje dia 20 de setembro realizei um concurso de leitura em minha sala de 
aula, com premiação para os 10 melhores leitores; depois de elogiar os 
classificados e entregar os prêmios os demais alunos demonstraram muito 
ciúmes atravéz6 de crítica aos leitores e agitação em sala de aula. Percebi o 
acontecimento e disse a eles que amanhã farei outro concurso e que eles 
poderão ser os classificados; por alguns segundos eles vibraram muito dizendo: 
‘vai ser eu! Vai ser eu! ’ depois se acalmaram e eu continuei a aula num clima 
mais ameno”. 
 
 Através deste relato escrito e tantos outros orais, percebo que “Maracatiara” tem 
iniciativas. Ela deseja que seus alunos cresçam e aprendam. Está constantemente 
inovando, buscando algo para que as aulas, aproveitando a fala dela, sejam “mais 
criativas e estimulantes”. Como conversamos muito, procuro ajudá-la perceber o que 
poderia ter sido melhor na atividade que ela relatou acima. Mas eu não digo o que 
poderia ter sido melhor. A partir das dificuldades relatadas por ela mesma, procuro fazer 
com que ela mesma perceba e vou dando algumas inferências. 
Outro elemento importante que avaliamos junto foi que sempre as coisas são 
feitas para as crianças e nunca desde elas ou com elas. Tem razão Sant’Ana (2010) 
quando trabalha a idéia de que é a partir do exercício da autonomia e participação 
política da criança que podemos nos dar conta do quanto elas são competentes, 
sobretudo no que diz respeito à tomada de decisão sobre sua vida, seu mundo sobre sua 
vida escolar. Com certeza, as crianças, mediadas pela ação da professora poderiam ter 
participado da elaboração das regras do concurso da leitura coletivamente. A criança 
precisa ser chamada a participar da construção do cotidiano da escola e deixar de ser 
vista como miniatura de adulto, incapaz de tomar decisões. 
Na atividade acima, ela mesma reconheceu que o concurso foi boa idéia, mas 
que todos deveriam ser premiados porque todos leram. E que cada um leu a sua 
 
6 Transcrevo na íntegra parte dos encaminhamentos, mantendo os erros ortográficos neles apresentados. 
maneira, do seu jeito. A construção e o respeito por esta subjetividade de cada aluno, 
tantas vezes negada e outras tantas queridas e desejadas por eles é algo que precisa ser 
trabalhado e muito na escola. Subjetividade que é construída na escola como espaço de 
configuração da vida cotidiana e é salutar lembrar que: 
Essa dimensão da vida, a escolarização, fruto da educação formal, tal como é 
concebida, em nossa sociedade, exerce um lugar de grande importância na 
constituição dos indivíduos. Nas suas formas de viver, de sentir, de pensar, de 
se constituir como pessoa, como indivíduo, as crianças são convidadas a se 
inserir em uma dimensão atravessada por uma complexa rede de elementos que 
a constituem em âmbitos sociais, institucionais, psicológicos, pedagógicos, 
políticos, dentre outros. (CRUZ, 2010, p.09) 
 
Tanto “Maracatiara”, quanto eu reconhecemos que estas trocas que fazemos 
precisam ir além da dobradinha orientador e professora. Precisam ser partilhadas, 
organizadas e discutidas no grupo maior. E o que nos alegra muito é sentir que somos 
respeitados enquanto orientador na escola e valorizados, apesar da crise de identidade 
porque passamos na escola. 
Encaminhamentos feitos pela professora organizados por categorias 
 Por reconhecer a riqueza de pesquisas de cunho etnográfico procurei ler várias 
vezes o material abaixo até para procurar entendê-lo com maior profundidade. Viégas 
(2010) quando faz referência à leitura dos dados constitutivos de sua pesquisa de 
doutoramento, guardando as devidas proporções de pesquisa, representa bem este meu 
sentimento: 
Lento trabalho artesanal, no qual busquei captar variadas nuances e amálgamas 
do campo: aspectos recorrentes, inusitados, discrepantes, complementares, 
contraditórios; alguns de caráter manifesto, outros perceptíveis em mensagens 
implícitas e temas silenciados cujos contornos latentes envolviam os âmbitos 
psicológico, sociológico, político, cultural. Fui elegendo categorias empíricas e 
esboçando categorias analíticas, buscando manter entre elas uma relação 
dialógica. (p. 144). 
De posse destes sentimentos, procurei identificar os encaminhamentos mais 
significativos, aqueles que de fato eram emblemáticos no sentido de representação da 
vida escolar de um grupo de crianças e sua professora a partir das seguintes categorias 
trabalhadas separadamente logo abaixo (separadamente apenas por questões didáticas): 
indisciplina e agressividade, falta de atenção e dificuldade de aprendizagem e 
finalmente, dificuldade de organização e estruturação do tempo. 
 
a) Indisciplina e agressividade: 
 
“O aluno A87 sempre apresentou problemas de comportamento; já notifiquei 
através de relatórios as autoridades escolar , mas não houve resposta positiva 
por parte do aluno. Além de não copiar conteúdos o referido aluno, anda pela 
sala mais que o normal agredindo fisicamente seus colegas e destruindo seus 
materiais, todos os dias A8 deixa um colega sem lápis causando transtornos em 
sala de aula. Quando chamo sua atenção o mesmo age como se não fosse sofrer 
nem um tipo de represaria , o mesmo imputa sobre os colegas de sala um tipo de 
terror. A8 é muito inteligente, sabe ler escrever e tem uma boa caligrafia, mas 
perde seu tempo como bagunças e atrapalha o bom andamento da sala.” 
“O aluno A8 vem apresentando comportamento agrecivo para com os colegas 
desde o início das aulas; o referido aluno demonstra ou seja impõe aos colegas 
medo, terror, amedronta com socos até mesmo na minha frente e quando eu o 
detenho ele fica repetindo várias vezes: lá fora ou na hora do recreio vou te 
pegar! E pega mesmo, várias mães vieram reclamar que seu filhos tem seu 
lanche furtado por A8 e material escolar também. Devido a este comportamentojá encaminhamos convite para os responsáveis pelo aluno e os mesmos nunca 
compareceram. Por este motivo a escola designou que um funcionário fosse até 
a casa do aluno levar o recado de que estam sendo convidados a virem a escola 
tratar de assuntos referentes a seu filho e os mesmos não vieram a escola até o 
dia de hoje. O funcionário constatou que o ambiente domiciliar do A8 é 
sombrio, assustador ou seja difícil ou impróprio para que o aluno tenha um bom 
desenvolvimento mental e intelectual.” 
No início das aulas A8 apresentava um comportamento muito agrecivo; 
agredindo os colegas com palavrões e pancada, solicitei a presença dos 
responsáveis, mas os mesmos nunca compareceram então a direção da escola 
encumbiu um funcionário da escola para que o mesmo fosse fazer o convite 
pessoalmente mas mesmo assim a família não compareceu a escola; na visita a 
família o funcionário percebeu que na casa do A8 as coisas não iam bem; pois a 
mãe e o padrasto do aluno o recebeu com muita ignorância e certa preocupação 
coma presença dele no local o mesmo foi indagado sobre sua ida até lá. O 
funcionário observou que a residência do aluno era uma boca de fumo; então 
pude compreender melhor o aluno, dediquei-me um pouco mais a ele 
oferecendo a ele o meu carinho e amor. Foi ai que o aluno começou a apresentar 
melhora em seu comportamento; algum tempo depois recebi a visita da avó do 
aluno para pegar o boletim do 2º bimestre de A8 e a mesma comentou que o 
padrasto do menino acabara de ser assacinado e.... enfim pude perceber uma 
mudança muito grande no comportamento do aluno; o mesmo está mais amável 
com os colegas mais carinhoso comigo e mais responsável com seus afazeres 
escolares; hoje posso dizer que o garoto se tornou um bom aluno, ele sempre foi 
inteligente mas não tinha condições emocionais de deixar fluir tudo o que ele 
tinha de bom. 
 
7 Utilizarei a sigla “A8” para substituir o nome dos alunos e manter o sigolo quando à verdadeira 
identidade dos mesmos. A8 significa o Aluno 8. 
Os encaminhamentos feitos acima são de um mesmo aluno. A partir da ficha de 
sua pasta de matricula, ficamos sabendo que ele nasceu em 1999. O nome do pai não 
aparece. Tem 12 anos e foi reprovado na 2ª série em uma escola de outro município. 
Quando se mudou para nossa cidade, foi matriculado em uma escola onde deveria ter 
passado pelo processo de reordenamento, isto é, deveria ser sido matriculado no 3º ano 
do Ensino Fundamental de nove anos. Porém foi matriculado no 2º ano. Reprovado 
nesta escola foi transferido para a nossa escola como aluno do 2º ano do Ensino 
Fundamental de nove anos. Ou seja, hoje ele deveria estar cursando o 4º ano. O que 
justifica seu bom desenvolvimento cognitivo na escola e o que de fato aparece na 
seguinte fala da professora: “A8 é muito inteligente, sabe ler escrever e tem uma boa 
caligrafia, mas perdem seu tempo como bagunças e atrapalha o bom andamento da 
sala.” De fato, ele é maior e mais vivido do que os demais colegas de sua turma. Mas 
como orientador, no trato com ele, nunca me “desrespeitou”. Pelo contrário, sempre me 
tratou com tranqüilidade, mas nunca foi subserviente. Tem um olhar altivo sem ser mal 
educado. Ele é de fato, sarrista. Tem um bom humor fora de série. 
Como devolutiva ao encaminhamento de “Maracatiara” sobre este aluno, temos 
tomado duas atitudes interventivas e que tem trazido bons resultados em nossa relação 
com esta professora e com as demais: em primeiro lugar conversamos particularmente 
sobre a necessidade de se levar em consideração o que o aluno sabe suas habilidades e 
competências, questionando e sugerindo alternativas metodológicas. Faltou aprofundar 
com ela a necessidade de levar em consideração o fato de que “A8” por ter sido 
erroneamente na escola anterior e por esta situação não ter sido discutida com secretaria, 
direção, professora e equipe pedagógica, poderia estar contribuindo para que ele 
apresente um comportamento agressivo em alguns momentos, e que talvez fosse uma 
forma que ele encontrou para reclamar contra a violência que cometeram com ele. 
Também precisamos levar em consideração que a mudança de nomenclatura do Ensino 
Fundamental, para Ensino Fundamental de Nove Anos não foi um processo de 
assimilação fácil para a escola: direção, supervisão, orientação, secretaria e professores. 
Também foi difícil para os pais e para os alunos. Como acontece com outras situações 
na Educação, com outras mudanças, as coisas são encaminhadas de cima para baixo 
sem reflexões maiores. E casos como estes não são fatos isolados. 
“A8” gosta muito de ir até a sala da Orientação, conversar e quase sempre 
pergunta se nos temos ali um livro interessante para ler. E como temos muitos livros na 
sala, ele pega um e lê um bom tempo e depois regressa para sala de aula. 
 Uma segunda forma de intervenção acontece em reuniões nas segundas feiras a 
tarde, horário que as professoras têm para planejamento. Nestas reuniões, tematizamos a 
prática a partir de situações vividas no cotidiano nosso enquanto Orientador 
Educacional e Supervisora Escolar e delas, enquanto Docentes. Estes encontros são 
feitos juntamente com a Supervisora Escolar e tem respaldado nossa prática. 
Percebemos bons resultados, mas é um desafio ajudar a superar algumas visões que as 
professoras carregam sobre o fracasso escolar. As professoras valorizam muito estes 
momentos de encontro. No nosso último encontro8 discutimos sobre as maiores 
dificuldades que cada um tinha. Deixamos que falassem e depois trouxemos algumas 
reflexões sobre a necessidade de conhecermos a realidade de nossos alunos, suas 
famílias e suas histórias e a partir daí, cuidar para não ficarmos culpando os alunos 
pelos seus fracassos. Elas mesmas constataram que muitos alunos, apesar de famílias 
“desestruturadas” (ainda utilizam muito esta fala), aprendem que “é uma beleza”. 
 
b) Falta de atenção e dificuldade de aprendizagem: 
 
“O aluno A12 tem bom comportamento mas tem a letra ilegível e não se esforça 
para melhorar, o mesmo não copia 1% das atividades diárias, sua leitura 
também é fraca e não há nenhum esforço do mesmo para que haja melhora. A12 
brinca muito com seu material escolar e com as mãos, só abre o caderno depois 
que eu lhe chamo atenção e depois leva mais um bom tempo procurando o lápis 
e mais um tempão olhando para o nada e assim nada produz. Já lhe presenteei 
com material escolar e nem assim houve reação positiva.” 
“O aluno A13 apresenta vários problemas de aprendizagem, não sabe ter, não 
memoriza nada, tem vindo as aulas de reforço e mesmo assim não tem 
apresentado nenhuma melhora. Já chamei a mãe e ela falou que A13 é assim 
desde bebê e que já fora orientada a levar o garoto para a APAE, a madrinha 
dele veio falar comigo e disse que o pai do menino é doido. Além da dedicação 
e carinho que ofereço ao aluno, já supri as necessidades de roupas, calçados e 
material escolar. A 13 tem faltado as aulas neste semestre dizendo aos colegas 
que são virá na escola nos dias das aulas de Educação Física.” 
“A aluna A1 é muito apática, hoje não escreveu uma só palavra, já conversei 
com a mãe sobre o assunto, já trouxe a mesma para o reforço e não surtiu efeito; 
 
8 Realizado no dia 03/10/2011 
ela não funciona nem sob elogios e nem pressão. Não apresenta problemas de 
disciplina.” 
“O aluno A3 vem apresentando problemas na aprendizagem pois ele não está 
alfabetizado, portanto não desenvolve as atividades propostas por mim, então o 
aluno fica brincando em sala de aula batendo nos colegas, construindo 
brinquedos voadores e jogando nos outros alunos. Com este comportamento o 
referido atrapalha os colegas e o meu trabalho.” 
“O aluno A5 vem apresentando problemas de aprendizagem e de 
comportamento; com relação a aprendizagem já estou convidando para o 
reforço o mesmo é fraco e não presenta vontade de mudar. Vive passeando pela 
sala encomodando os colegas eagride fisicamente também, vive batendo em 
um e outro também. Se chegar uma pessoa na porta para que eu atenda ele é o 
primeiro a sair da carteira e começa a brincadeira.” 
“A aluna A6 não compareceu a escola na quinta e na sexta feira (17 e 18) de 
março. Hoje a referida aluna chegou às 07h45min minutos. Passei a semana 
anterior preparando os alunos para aplicação das provas e mesmo assim a aluna 
chegou atrasada, ela sabia que hoje as provas se iniciariam. A6 é lenta e muito 
conversadeira, não leva a sério seu aprendizado, juntou-se com a aluna A7 e só 
brinca.” 
“O aluno A2 continua sem fazer atividades e perambulando pela sala 
atrapalhando os colegas.” 
“A aluna A4 está brincando em sala de aula, espanca os colegas e depois do 
recreio demora voltar para a sala de aula.” 
“A aluna A7 não faz as atividades em sala de aula, conversa e anda o tempo 
todo; depois do recreio demora para voltar para a sala.” 
 
 Observando estes encaminhamentos e o desempenho dos alunos em sala de aula 
verificamos que A12, A13, A1 e A3 e A5 de fato não está alfabetizados. Exceto A13 
que está fora da faixa etária, os demais se encontram dentro da faixa etária, mas não 
estão conseguindo se alfabetizar e isto gera uma situação de desânimo em primeiro 
lugar para as crianças, depois para a professora e também para os pais. Temos assistido 
tantas histórias como estas e de como terminaram com um final infeliz. A criança, a 
família e também a professora acabam sendo responsabilizadas pelo fracasso. 
No caso desta professora, percebemos todo um esforço por parte da professora 
que precisa ser levado em consideração. Outro dia ela mesma reclamou para mim que 
gostaria de fazer mais, porém em alguns casos não conseguia avançar. Neste caso ela 
precisaria ser acompanhada mais de perto. Percebemos que tem boa vontade. Como ela 
existe outras tantas professoras tentando. A equipe pedagógica, supervisão escolar e 
orientação educacional poderiam dar um suporte maior. Ajudá-las a transcender das 
intermináveis cópias que causam nas crianças ou na maioria delas, um verdadeiro tédio. 
Na verdade estamos tocando novamente no ponto mais nevrálgico destas situações 
todas percebido nos relatos: práticas docentes solitárias dissociadas do projeto maior 
presente no Projeto Político Pedagógico da escola, que tem a ver com que tipo de escola 
queremos para quais alunos e a partir de quais metodologias. 
Não podemos negar que existem de fato, crianças com dificuldades. Negar isto 
seria incorrer no erro de negar também a diversidade da pessoa humana. Porém é 
importante esclarecer que: 
Existem pessoas com distúrbios, existem lesões que prejudicam o processo 
ensino-aprendizagem, existe pobreza, existem problemas emocionais, 
familiares, pais alcoólatras, professores percebendo problemas individuais na 
criança. Existem crianças que merecem atendimento psicoterápico, pois estão 
sofrendo e paralisadas. Mas não e possível estabelecermos uma relação direta de 
causa e efeito entre essas questões e a capacidade de aprender; os fenômenos 
são viabilizados nas relações, isto e, agimos diferentemente conforme as 
relações. (MACHADO, 2000, p. 146) 
 
 É preciso então que as questões tais como: criança que não quer fazer nada, que 
não copia, que brinca o tempo todo sem sala de aula, que vive viajando no mundo da 
lua, dificuldades de aprendizagem que aparecem assinaladas acima na fala da professora 
“Maracatiara”, sejam olhadas e discutidas de forma coletiva. Outras professoras têm 
estes mesmos reclames sobre muitos alunos. Se não existem discussões coletivas acerca 
das dificuldades enfrentadas no processo do ensino e da aprendizagem, provavelmente 
elas, se tornarão fatalidades (MACHADO, 2000). Este sentimento que temos 
experimentado muitas vezes na escola no contato direto com as professoras no dia-a-dia 
da escola: de cansaço, de abandono e desistência. Também as professoras ficam 
ressentidas e sofrem quando seus alunos não aprendem. Daí a importância da presença 
do orientador educacional ajudando-as a perceber contradições e encontrar saídas. 
Existe com certeza, vida inteligente na minha escola. 
Os encaminhamentos dos alunos A2, A4, A6 e A7 têm uma relação muito 
estreita com a organização dos tempos e espaços na escola. Estes tempos tão cobrados 
das crianças e que trazem muitos encaminhamentos para a orientação. Mas há também 
uma grande cobrança tanto da família quando da própria escola para que as crianças 
tenham muitas tarefas. Que sejam trabalhados tais e tais assuntos que estão 
determinados no currículo que segundo Paraíso (2010) é um território povoado por 
buscas de ordenamentos de pessoas e espaços, de organizações de disciplinas. Sem 
dúvida alguma, o currículo da escola é conteudista, porque a ênfase maior está nos 
conteúdos, no ensino a partir do livro didático quase que exclusivamente e na professora 
que ensina. Ora, a relação da professora com seus alunos fica muito comprometida 
quando o foco é apenas o conteúdo e não a aprendizagem. 
Aqui está um assunto que precisaria sem dúvida ser mais refletido na escola e 
que de fato não é. Currículo como território de poder: o que ensinar? Como ensinar? 
Para que ensinar? Desafio imenso que nos instiga estabelecer na escola, a discussão 
como um lugar importante no cotidiano, enquanto forma coletiva de pensamento. Não 
acredito em soluções impostas desde fora. A escola, a partir de seu Projeto Pedagógico 
tem sim condições de fazer uma educação de qualidade que inclui e promove. Mas a 
discussão é espaço fundamental e vital para que isto aconteça. 
E qual é nosso papel enquanto Orientador Educacional neste desafio? Diante 
desta provocação, Grinspun (2001) afirma com propriedade que: 
A orientação, junto com outras áreas dentro da escola, deve propiciar meios 
para que seja discutida a problemática da escola, de seus alunos e professores, 
do currículo e dos objetivos de seu projeto político-pedagógico. Nós, 
orientadores, queremos ser participantes de um espaço, em um determinado 
tempo histórico, a refletir coletivamente sobre os problemas da escola, sobre o 
fracasso escolar – sem vítimas ou culpados. Queremos fazer nossa parte, 
especialmente junto aos alunos e ao desenvolvimento do processo de 
aprendizagem, socializando nossa particularidade, nossa especificidade, mas 
contribuindo para que o espaço da escola seja genericamente mais humano, e 
não individualmente desumano com quem atravessa – às vezes sem ter a menor 
intenção – as portas do fracasso escolar. (p. 81-82). 
 Sigo acreditando na importância da Orientação Educacional na escola como um 
espaço que pode humanizar as relações, ajudando a propor novas de formas de 
eliminação do fracasso escolar que sejam viáveis e efetivas. 
 
Concluindo 
O relato que apresentamos teve um objetivo primeiro: resgatar um pouco da 
nossa prática enquanto Orientador Educacional em uma Escola Estadual de Ensino 
Fundamental e Médio em Rondônia. Podemos dizer que foi apenas uma fotografia 
tirada pelo olhar de alguém e, portanto, circunstanciado por sua história pessoal e 
profissional. 
Teve como intenção segunda, abrir caminhos para que outros Orientadores 
Educacionais escrevam sobre suas práticas porque a Orientação Educacional sempre 
esteve (e continua hoje), às voltas com tudo que ocorre no cotidiano da escola. Podemos 
até brincar dizendo: “quer conhecer a escola tal, pergunte primeiro aos orientadores 
educacionais que nela trabalham”. Não estamos aqui querendo dizer que somos os 
únicos capazes de falar do cotidiano ou identificá-lo. Se assim fosse, estaríamos sendo 
incoerentes com nossa defesa de uma escola plural e democrática. 
É a partir do conhecimento deste cotidiano, fazendo uma leitura da vida 
cotidiana e a partir de uma base teórica sólida em sociologia, psicologia e filosofia, que 
os orientadores poderão mostrar aos sujeitos envolvidos no processo educativo que as 
coisasnão nos são dadas prontas e que precisamos do outro para torná-lo humano e 
significativo para todos. Esta dimensão do respeito à alteridade é um movimento lindo 
que nós orientadores educacionais poderemos provocar. Ajudar os sujeitos a se ver, ver 
os outros e ver o mundo. 
E finalmente, através das reflexões realizadas ao longo do texto conseguimos 
“recuperar em parte a dignidade da experiência e da ação cotidianas” 9. A fala e o 
registro têm este poder! 
 
 
9 Esta é uma frase de Agnes Heller ao ser entrevistada em 2000 por Francisco Ortega, professor da UERJ 
e que foi publicada no livro “Agnes Heller, entrevistada por Francisco Ortega”.

Outros materiais