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OAB XXXII EXAME DE ORDEM Provas 1 CAPÍTULOS Capítulo 1 – Noções Introdutórias e Sistemas Processuais Penais Capítulo 2 – Princípios Fundamentais do Processo Penal Capítulo 3 – Disposições Preliminares do Código de Processo Penal Capítulo 4 – Da Investigação Preliminar Capítulo 5 – Da Ação Penal e da Ação Civil Capítulo 6 – Da Competência Capítulo 7 – Das Questões Prejudiciais e Processos Incidentes Capítulo 8 (você está aqui!) – Da Prova Capítulo 9 – Do Juiz, MP, Acusado, Defensor, Assistentes e Auxiliares da Justiça Capítulo 10 – Da Prisão, Das Medidas Cautelares e Da Liberdade Provisória Capítulo 11 – Das Citações e Intimações Capítulo 12 – Dos Processos em Espécie - Do Processo Comum Capítulo 13 – Dos Processos em Espécie - Dos Processos Especiais Capítulo 14 – Da Sentença Penal Capítulo 15 – Das Nulidades Capítulo 16 – Dos Recursos em Geral - Disposições Gerais e Recursos em Espécie Capítulo 17 – Da Execução no CPP - Disposições Gerais, Da Execução das Penas em Espécie e da Execução das Medidas de Segurança Capítulo 18 – Das Relações Jurisdicionais com Autoridade Estrangeira - Disposições Gerais, Cartas Rogatórias, Sentenças Estrangeiras Capítulo 19 – Das Disposições Gerais do CPP Capítulo 20 – Lei 9.099/95 e suas Alterações (Juizados Especiais Criminais) Capítulo 21 – Aspectos Processuais da Lei nº 7.210-1984 e suas Alterações (Lei De Execução Penal - LEP) Capítulo 22 – Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) 2 Capítulo 23 – Lei nº 10.259/01 Capítulo 24 – Lei nº 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro - CTB) Capítulo 25 – Lei nº 11.343/06 (Lei de Drogas) Capítulo 26 – Lei nº 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos) Capítulo 27 – Lei nº 8.930/94 Capítulo 28 – Lei nº 9.455/97 (Crimes de Tortura) Capítulo 29 – Lei 9.087/99 (Proteção à Vítima e à Testemunha do Crime) Capítulo 30 – Lei nº 9.613/98 (Lavagem de Valores) Capítulo 31 – Lei nº 9.296/96 (Interceptação Telefônica) Capítulo 32 – Lei nº 9.605/98 (Crimes Ambientais) Capítulo 33 – Lei nº 8.038/90 Capítulo 34 – Decreto-Lei Nº 1.002/64 Capítulo 35 – Lei nº 12.037/09 Capítulo 36 – Lei nº 12.850/13 (Lei de Organizações Criminosas) Capítulo 37 – Lei nº 11.340/06 (Lei de Violência Doméstica) Capítulo 38 – Lei nº 12.258/10 (Lei de Monitoramento Eletrônico) Capítulo 39 – Lei nº 13.869/19 Capítulo 40 – Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil 3 SOBRE ESTE CAPÍTULO O capítulo 8 tem a finalidade de desenvolver com você, nosso aluno, a possibilidade de estudo de um dos temas mais fascinantes do Direito Processual Penal, mas, ao mesmo tempo, um dos mais problemáticos, tendo em vista que há algumas décadas, o Brasil ainda passava por um período ditatorial, onde se vislumbrava a supressão de direitos e garantias individuais, sobretudo, no campo da investigação policial e atividade probatória. Após a Constituição Federal de 1988, passamos a nos direcionar para um sistema probatório de garantia dos direitos fundamentais, de valorização do ser humano e de sua correlata dignidade, sem olvidar da necessidade de uma atividade probatória séria, profunda e segura, vedando-se o desequilíbrio entre os litigantes e tolhendo do magistrado poder absoluto para, sozinho, determinar a produção de provas durante a fase meramente investigatória. Trata-se de capítulo de estudo indispensável para candidatos ao Exame de Ordem, devido a sua abordagem na primeira fase, com questões objetivas, geralmente de múltipla escolha, inclusive, com cobrança da jurisprudência atual dos Tribunais Superiores. Recomendamos, acima de tudo, que além de nosso material, você possa desenvolver seu estudo a partir da leitura da doutrina, da lei seca e da jurisprudência dos tribunais. Quanto ao estudo de informativos (divulgação semanal de teses firmadas pelo STJ e STF, selecionadas pela novidade no âmbito desses Tribunais e pela repercussão no meio jurídico, cobradas em concursos públicos), além do conteúdo compilado ao final do capítulo, é imprescindível que você, caro aluno, faça um estudo proativo por meio de acesso aos sites dos Tribunais Superiores. OABeiro, a notícia boa é que embora o conteúdo seja de extensão mediana, não é complexo de se estudar, desde que você, nosso aluno, esteja respaldado nas orientações do nosso material. Certos de que sua aprovação no concurso desejado está próxima, vamos juntos! https://ww2.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/ http://www.stf.jus.br/portal/informativo/pesquisarInformativo.asp 4 SUMÁRIO DIREITO PROCESSUAL PENAL ............................................................................................................... 7 Capítulo 8 .................................................................................................................................................. 7 8. Da prova. Teoria geral. Meios de provas e de obtenção de provas em espécie ............... 7 8.1. Terminologia da prova....................................................................................................................................... 7 8.1.1. Distinção entre prova e elementos informativos ................................................................................... 7 8.1.2. Provas cautelares, não repetíveis e antecipadas .................................................................................... 8 8.1.3. Destinatários da prova .................................................................................................................................... 10 8.1.4. Elemento de prova e resultado da prova............................................................................................... 10 8.1.5. Finalidade da prova .......................................................................................................................................... 11 8.1.6. Forma da prova.................................................................................................................................................. 11 8.1.7. Fonte de prova, meios de prova e meios de obtenção de prova............................................... 11 8.1.8. Prova direta e prova indireta ....................................................................................................................... 12 8.1.9. Indício: prova indireta ou prova semiplena ........................................................................................... 12 8.1.10. Suspeita ................................................................................................................................................................. 13 8.1.11. Objeto da prova ................................................................................................................................................ 14 8.1.12. Prova emprestada ............................................................................................................................................. 15 8.2. Ônus da prova .................................................................................................................................................... 16 8.2.1. Conceito ................................................................................................................................................................ 16 8.2.2. Distribuição do ônus da prova no processo penal. ........................................................................... 17 8.2.3. Inversão do ônus da prova ........................................................................................................................... 19 8.3. Iniciativa probatória do juiz: a gestão da prova pelomagistrado .............................................. 20 8.3.1. Vedação da iniciativa acusatória do juiz das garantias na fase investigatória ...................... 21 5 8.3.2. Vedação da iniciativa probatória do juiz da instrução e julgamento no curso do processo penal......... ............................................................................................................................................................................ 22 8.4. Sistemas de avaliação da prova ................................................................................................................. 22 8.4.1. Sistema da íntima convicção do magistrado ........................................................................................ 23 8.4.2. Sistema da prova tarifada ............................................................................................................................. 23 8.4.3. Sistema do convencimento motivado (persuasão racional do juiz) ........................................... 24 8.5. Da prova ilegal ................................................................................................................................................... 25 8.5.1. Limitações ao direito à prova ...................................................................................................................... 25 8.5.2. Prova ilícita por derivação (teoria dos frutos da árvore envenenada) ...................................... 28 8.5.3. Limitações à prova ilícita por derivação.................................................................................................. 28 8.5.4. Inutilização da prova ilícita ........................................................................................................................... 31 8.6. Meios de prova e meios de obtenção de prova em espécie ........................................................ 33 8.6.1. Cadeia de custódia ........................................................................................................................................... 33 8.6.2. Do exame de corpo de delito e das perícias em geral.................................................................... 39 8.6.3. Interrogatório judicial ...................................................................................................................................... 46 8.6.4. Confissão ............................................................................................................................................................... 52 8.6.5. Declarações do ofendido ............................................................................................................................... 54 8.6.6. Prova testemunhal ............................................................................................................................................ 56 8.6.7. Reconhecimento de pessoas e coisas ...................................................................................................... 62 8.6.8. Acareação ............................................................................................................................................................. 63 8.6.9. Prova documental ............................................................................................................................................. 65 8.6.10. Busca e apreensão ............................................................................................................................................ 67 QUADRO SINÓTICO .............................................................................................................................. 72 QUESTÕES COMENTADAS ................................................................................................................... 78 GABARITO ............................................................................................................................................... 89 6 QUESTÃO DESAFIO ................................................................................................................................ 90 GABARITO QUESTÃO DESAFIO ........................................................................................................... 91 LEGISLAÇÃO COMPILADA .................................................................................................................... 93 JURISPRUDÊNCIA ................................................................................................................................... 96 MAPA MENTAL ................................................................................................................................... 107 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................................................... 108 7 DIREITO PROCESSUAL PENAL Capítulo 8 No capítulo 8 apresentaremos a teoria geral da prova, abordando conceitos e noções preliminares sobre a prova penal, necessários para a formação do conhecimento sólido sobre o tema, não descurando da necessária atualização pela Lei nº 13.964/19 (“Pacote Anticrime”), que trouxe a disciplina da chamada cadeia de custódia da prova. 8. Da prova. Teoria geral. Meios de provas e de obtenção de provas em espécie 8.1. Terminologia da prova Conforme refere Guilherme de Souza Nucci, o termo prova deriva do latim probatio, que significa ensaio, verificação, inspeção, exame, argumento, razão, aprovação ou confirmação. Provar significa demonstrar a veracidade de um enunciado sobre um fato tido por ocorrido no mundo real. Prova é o conjunto de elementos produzidos pelas partes ou determinados pelo juiz visando à formação do convencimento quanto a atos, fatos e circunstâncias. 8.1.1. Distinção entre prova e elementos informativos Prova se refere aos elementos de convicção produzidos, em regra, no curso do processo judicial, e, por conseguinte, com a necessária participação dialética das partes, sob o manto do contraditório (ainda que diferido) e da ampla defesa. 8 Já os elementos de informação são aqueles colhidos na fase investigatória, sem a necessária participação dialética das partes. Tais elementos, isoladamente considerados, não são idôneos para fundamentar uma condenação. Todavia, não devem ser completamente desprezados, podendo se somar à prova produzida em juízo e, assim, servir como mais um elemento na formação da convicção do órgão julgador. Pelo Código de Processo Penal os elementos de informação, portanto, aqueles colhidos na fase investigatória não servem de lastro para, isoladamente, permitir a prolação de um édito condenatório em desfavor do acusado, no curso da ação penal. É mister que tais elementos sejam roborados, isto é, confirmados no curso da instrução processual, exceto quanto às provas irrepetíveis, cautelares ou antecipadas. Tal preceito está previsto no artigo 155 do CPP. 8.1.2. Provas cautelares, não repetíveis e antecipadas De acordo com art. 155 do CPP, o Juiz pode formar sua convicção com base em provas cautelares, não repetíveis e antecipadas, ainda que estas tenham sido produzidas na fase investigatória. Provas cautelares são aquelas em que há um risco de desaparecimento do objeto da prova em razão do decurso do tempo, em relação às quais o contraditório será diferido. Podem ser produzidas no curso da fase investigatória ou durante a fase judicial, sendo que, em regra, dependem de autorização judicial. É o que acontece, por exemplo, com as diligências de interceptação telefônica e busca e apreensão. Provas não repetíveis são aquelas que, uma vez produzidas, não há possibilidade de nova produção ou obtenção, em virtude do desaparecimento, destruição ou perecimento da fonte probatória ou vestígios. Podem ser produzidas em qualquer fase da persecução penal, sendo que, em regra, não dependem deautorização judicial. É o se verifica, por exemplo, no exame de corpo de delito em infração penal cujos vestígios podem desaparecer pelo transcurso do tempo. O contraditório nesse caso também será diferido, ou seja, postergado à produção da prova. 9 O CESPE/CEBRASPE, na prova de Promotor de Justiça do MPE-PI, em 2019, considerou a o processo administrativo sancionador conduzido por autoridade competente e submetido a amplo contraditório um exemplo de prova não repetível. (Banca: CESPE / CEBRASPE - 2019 - MPE-PI - Promotor de Justiça Substituto) No âmbito do processo penal, considera-se prova não repetível o processo administrativo sancionador conduzido por autoridade competente e submetido a amplo contraditório. Provas antecipadas são aquelas produzidas com a observância do contraditório real, perante a autoridade judicial, em momento processual distinto daquele legalmente previsto, ou até mesmo antes do início do processo, em virtude de situação de urgência e relevância. Tais provas podem ser produzidas na fase investigatória e em juízo, sendo indispensável prévia autorização judicial. É o caso do denominado depoimento ad perpetuam rei memoriam, previsto no art. 225 do CPP, isto é, testemunha que corre risco de morte. Art. 225. Se qualquer testemunha houver de ausentar-se, ou, por enfermidade ou por velhice, inspirar receio de que ao tempo da instrução criminal já não exista, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, tomar-lhe antecipadamente o depoimento. Nesse caso, para que se imponha produção antecipada de provas urgentes, deve à acusação justifica-la de maneira satisfatória. Isso porque, no entendimento dos tribunais superiores, a inquirição de testemunha, por si só, não pode ser considerada prova urgente, e a mera referência aos limites da memória humana não é suficiente para determinar a medida excepcional. Nesses termos, temos a Súmula n.º 455 do STJ: 10 Súmula n.º 455, STJ. A decisão que determina a produção antecipada de provas com base no art. 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o mero decurso do tempo. Para finalizar, trouxemos um quadro resumo para facilitar o entendimento dos leitores: Provas cautelares Provas não repetível Provas antecipadas São aquelas em que há um risco de desaparecimento do objeto da prova em razão do decurso do tempo. São de natureza urgente. Exemplo: interceptação telefônica. É aquela que uma vez produzida não tem como ser novamente coletada em razão do desaparecimento da fonte probatória. Exemplo: Exame de corpo de delito em infração penal cujos vestígios podem desaparecer. São aquelas produzidas em contraditório real em momento processual distinto daquele legalmente previsto, ou até mesmo antes do início do processo, em virtude de situação de urgência e relevância. Exemplo: Art. 225, CPP. Testemunha que esta correndo risco de morte. 8.1.3. Destinatários da prova São todos aqueles que devem forma sua convicção. De modo geral, tem-se como destinatário o órgão jurisdicional (juiz ou tribunal) sobre o qual recai a competência para o processo e julgamento do delito. Uma parte da doutrina sustenta que o Ministério público seria destinatário da prova. Todavia, na fase investigatória, não se pode usar a expressão “prova”, salvo as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. O objetivo do inquérito policial é a produção de elementos de informações. Desse modo, o órgão do MP é destinatário desses elementos, e não da prova. 8.1.4. Elemento de prova e resultado da prova Elementos de provas são representados por aquilo que, introduzido no processo, pode ser utilizado pelo juiz como fundamento da sua atividade julgadora. Funciona como exemplos a 11 declaração de uma testemunha sobre determinado fato, a opinião emitida por perito sobre a matéria de sua especialidade, o conteúdo de um documento juntado aos autos, etc. É a partir da análise do conjunto desses elementos de prova que se forma o convencimento do órgão julgador, ou seja, é sobre os elementos de prova que o juiz natural realiza procedimentos inferenciais para que possa chegar a uma conclusão sobre os fatos. 8.1.5. Finalidade da prova No processo penal, a produção da prova objetiva auxiliar na formação do convencimento do juiz quanto à veracidade das afirmações das partes em juízo. Não se destina, portanto, às partes que a produzem ou requerem, mas ao magistrado, possibilitando, destarte, o julgamento de procedência ou improcedência da ação penal. Na verdade, por meio da atividade probatória desenvolvida ao longo do processo, objetiva- se a reconstrução dos fatos investigados na fase extraprocessual, buscando a maior coincidência possível com a realidade histórica. 8.1.6. Forma da prova A prova pode ser documental, material ou testemunhal. Documento é o papel escrito que traz em si a declaração da existência (ou não) de um ato ou de um fato (v.g., escritos públicos ou particulares, cartas, livros comerciais, fiscais, etc.). A prova material é aquela que resulta da verificação existencial de determinado fato, que demonstra a sua materialização, tal como ocorre com o corpo de delito, instrumentos do crime, etc. Por fim, a prova testemunhal consiste na manifestação pessoal oral. 8.1.7. Fonte de prova, meios de prova e meios de obtenção de prova Ao ser cometido o fato delituoso, tudo aquilo que possa servir para esclarecer alguém acerca da existência desse fato pode ser conceituada como fonte de prova. Dessa forma, fonte de prova significa as pessoas ou as coisas das quais se consegue a prova, daí resultando a classificação em 12 fontes pessoais (ofendido, peritos, acusado, testemunhas) e fontes reais (documentos, em sentido amplo). Por outro lado, meios de prova são os instrumentos através dos quais as fontes de prova são introduzidas no processo, a exemplo do conhecimento e a participação das partes, cujo objetivo precípuo é a fixação de dados probatórios no processo. Esses meios podem ser lícitos ou ilícitos. Somente os primeiros podem ser admitidos pelo magistrado, dispondo o art. 157 do CPP que são inadmissíveis as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais, devendo ser desentranhadas dos autos do processo. Por fim, os meios de obtenção da prova referem-se a certos procedimentos (em regra, extraprocessuais) regulados por lei, com o objetivo de conseguir provas materiais, e que podem ser realizados por outros funcionários que não o juiz (v.g., policiais). Para Renato Brasileiro, no Código de Processo Penal, apesar de inserida entre os meios de prova, a busca pessoal ou domiciliar deve ser compreendida como meio de investigação, haja vista que seu objetivo não é a obtenção de elementos de prova, mas sim de fontes materiais de prova. 8.1.8. Prova direta e prova indireta Prova direta são aquelas que por si só demonstram o próprio fato objeto da investigação. Exemplo: o testemunho prestado por determinada pessoa que presenciou um homicídio. Por sua vez, a prova é considerada indireta quando não demonstram, diretamente, determinado ato ou fato, mas que permitem deduzir tais circunstâncias a partir de um raciocínio lógico e irrefutável. Exemplo: o álibi. Comprovando-se que o suspeito se encontrava em determinado local no dia e hora do crime, é intuitivo que não poderia estar na cena do crime. 8.1.9. Indício: prova indireta ou prova semiplena Indício possui dois sentidos no Código de Processo Penal: ora como prova indireta, ora como prova semiplena. Art. 239. Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias. 13 Veja como o MPE-GO cobrou o assunto na prova de Promotor de Justiça. Como pode perceber,a prova exigiu o conhecimento do Art. 239, CPP. (Banca: MPE-GO - 2019 - Promotor de Justiça Substituto - Prova Anulada) Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias. No sentido narrado, o Código de Processo Penal considera os indícios como prova indireta. Quanto prova indireta, indício deve ser compreendida como uma das espécies do gênero prova, ao lado da prova direta, funcionando como um dado objetivo que serve para confirmar ou negar uma asserção a respeito de um fato que interessa à decisão judicial. E exatamente nesse sentido que a palavra indício é utilizada no art. 239 do CPP. Isto não significa dizer que o indício é um meio de prova, por que não é. Trata-se apenas do resultado probatório de um meio de prova. Quanto ao indício como prova semiplena, nos termos do art. 239 do CPP, é um elemento de prova mais tênue, com menor valor persuasivo. Refere-se a uma cognição vertical (quanto à profundidade) não exauriente, ou seja, uma cognição sumária, não profunda, em sentido oposto à necessária completude da cognição, no plano vertical, para a prolação de uma sentença condenatória. 8.1.10. Suspeita O conceito de indício não se confunde com uma simples suspeita. Enquanto o indício é sempre um dado objetivo, em qualquer de suas acepções, a suspeita ou desconfiança não passa de um estado anímico, um fenômeno subjetivo, que pode até servir para desencadear as 14 investigações, mas que de modo algum se apresenta idôneo para fundamentar a convicção da entidade decidente. A expressão “fundada suspeita” é encontrada no Código de Processo Penal nos arts. 240, §2.º, e art. 244. Depreende-se que não basta uma simples convicção subjetiva para que se proceda à busca pessoal em alguém. Sendo assim, é necessário que haja algum dado objetivo que possa ampará-lo. § 2º Proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo anterior. Art. 244. A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar. 8.1.11. Objeto da prova O objeto da prova refere-se aos os fatos que, influindo na apuração da existência ou inexistência de responsabilidade penal, são capazes de gerar dúvida no magistrado, exigindo, por isso mesmo, a devida comprovação. Todavia, existem determinados fatos que se excluem da necessidade de comprovação, os quais consistem em: Fatos axiomáticos: são aqueles considerados evidentes, que decorrem da própria intuição, gerando grau de certeza irrefutável. Trata-se dos fatos indiscutíveis, induvidosos, que dispensam questionamentos de qualquer ordem. Por exemplo: a prova da putrefação do cadáver dispensa a prova da morte, pois a primeira circunstância (putrefação) decorre da segunda (a morte). Fatos notórios: são aqueles de conhecimento público geral. São os fatos cujo conhecimento está inserido na cultura normal e própria de determinada esfera social no tempo em que ocorrer a decisão, como as datas históricas, os fatos políticos ou sociais de conhecimento público, ou seja, o fato que pertença ao patrimônio estável de conhecimento do cidadão de cultura média numa sociedade historicamente determinada. Exemplificando, não é necessário provar que o Aeroporto de Congonhas fica na cidade de São Paulo, nem tampouco que o dia 15 de novembro é feriado nacional no Brasil. 15 Presunções legais: são juízos de certeza que decorrem da lei. Classificam-se em absolutas (presunções jure et de jure) ou relativas (presunções juris tantum). As primeiras não aceitam prova em contrário, sendo exemplo à condição de inimputável do indivíduo menor de dezoito anos. Já as segundas admitem a produção de prova em sentido oposto, como a presunção de imputabilidade do maior de dezoito anos, que pode ser descaracterizada a partir de laudo de insanidade mental apontando que o indivíduo não possui discernimento. Fatos inúteis ou irrelevantes: são aqueles que não interessam à decisão da causa, sejam eles verdadeiros ou falsos. Por fim, quanto aos fatos incontroversos, devem ser objeto de prova. Consideram-se incontroversos os fatos incontestes, ou seja, que não foram refutados ou impugnados pelas partes. Estes, ao contrário do que ocorre no processo civil, não dispensam a prova, podendo o juiz, inclusive, a teor do art. 156, II, do CPP, determinar, no curso da instrução ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante. 8.1.12. Prova emprestada Prova emprestada é a prova de um fato, produzida em um processo, seja por documentos, testemunhas, confissão, depoimento pessoal ou exame pericial, que é trasladada para outro processo sob a forma documental. Assim, se a testemunha "A" foi ouvida no processo “X”, cópia de seu depoimento será extraída e juntada ao processo “Y”. Embora seja trazida ao segundo processo pela forma documentada, a prova emprestada tem o mesmo valor da prova originalmente produzida. A doutrina majoritária, afirma que a utilização da prova emprestada só é possível se aquele contra quem ela for utilizada tiver participado do processo onde essa prova foi produzida, observando-se, assim, os princípios do contraditório e da ampla defesa. Esse é o teor da súmula n. 591 do STJ: Súmula n. 591, STJ. É permitida a prova emprestada no processo administrativo disciplinar, desde que devidamente autorizada pelo juízo competente e respeitados o contraditório e a ampla defesa. 16 Logo, se a prova foi produzida em processo no qual o acusado não teve participação, não há falar em prova emprestada, e sim em mera prova documental. Não se pode falar em prova emprestada de elementos informativos produzidos no curso do inquérito policial, eis que, tais elementos não são produzidos sob o crivo do contraditório. Todavia, no caso de provas não repetíveis, como ocorre na grande maioria dos exames periciais, é perfeitamente possível falar-se em prova emprestada, já que, em relação a elas, o contraditório será respeitado, porém de maneira diferida. Por outro lado, muito se discute acerca das consequências em relação ao segundo processo no caso de o processo em que a prova emprestada foi produzida originariamente ser declarado nulo. Assim, caso tenha sido declarada a nulidade ou reconhecida à ilicitude da prova, não se pode admitir sua utilização, pois irremediavelmente contaminada pelo vício originário. Do contrário, caso o feito tenha sido anulado por questão não atinente à prova, será admissível a utilização da prova emprestada, desde que não se relacione diretamente com a nulidade. Por fim, o STF entende que, no que tange a possibilidade de se utilizar elementos probatórios colhidos em interceptação telefônica em processos administrativos e/ou cíveis, é perfeitamente possível. Ora, os dados obtidos em interceptação de comunicações telefônicas, judicialmente autorizadas para produção de prova em investigação criminal ou em instrução processual penal, bem como documentos colhidos na mesma investigação, podem ser usados em procedimento administrativo disciplinar, contra a mesma ou as mesmas pessoas em relação às quais foram colhidos, ou contra outros servidores cujos supostos ilícitos teriam despontado à colheita dessas provas. 8.2. Ônus da prova 8.2.1. Conceito Os ônus representam um imperativo do próprio interesse, estando situados no campo da liberdade. Ainda que haja seu descumprimento, não haverá qualquer ilicitude, pois o cumprimento do ônus interessa ao próprio sujeito onerado. 17 No sentido empregado peloCódigo de Processo Penal, ônus difere de obrigação. Isso porque uma obrigação descumprida representa um ato contrário ao direito, ao qual corresponde uma penalidade. O indivíduo que não cumpre uma obrigação pratica um ato ilícito, por isso é possível à imposição de uma sanção para o adimplemento da prestação não cumprida, sujeitando-o à execução forçada. 8.2.2. Distribuição do ônus da prova no processo penal. Com base na primeira parte do art. 156 do CPP, a prova da alegação incumbirá a quem a fizer. Muito se discutiu acerca do ônus da prova da acusação e da defesa no processo penal. A doutrina majoritária trabalha com uma efetiva distribuição do ônus da prova entre a acusação e a defesa no processo penal. Uma primeira corrente entende que incumbe à acusação provar: A existência do fato típico; A autoria ou participação; A relação de causalidade; O elemento subjetivo do agente: dolo ou culpa. De acordo com essa primeira corrente, incumbe à acusação tão somente a prova da existência do fato típico, não sendo objeto de prova acusatória a ilicitude e a culpabilidade. Em relação ao elemento subjetivo, vale ressaltar que há doutrinadores que sustentam que o dolo é presumido, razão pela qual à acusação incumbiria tão somente o ônus probatório quanto à culpa. Renato Brasileiro discorda de tal posição, tendo em vista que não se pode admitir que o dolo seja presumido, sob pena de inequívoca violação à regra do in dubio pro reo. Deve também recair sobre a acusação o ônus da prova quanto ao dolo, devendo sua comprovação ser feita a partir dos elementos objetivos do caso concreto. De outro lado, valendo-se do quanto disposto no Código de Processo Civil, à defesa no processo penal compete o ônus da prova quanto às excludentes da ilicitude, da culpabilidade, ou acerca da presença de causa extintiva da punibilidade. Assim, se o réu alegar, por exemplo, que se encontrava sob coação moral irresistível, caberá a ele o ônus da prova. 18 Diz-se que à defesa recai o chamado ônus imperfeito, incumbindo-lhe à demonstração de suas alegações e álibis, na forma do art. 156 do CPP, como, por exemplo, negativa de autoria ou participação na infração penal, legítima defesa, erro de tipo e de proibição etc. Qual o grau de convencimento que acusação e defesa devem produzir na convicção do magistrado? Ora, ônus da prova da acusação, dúvidas não restam quanto à necessidade de um juízo de certeza por parte do magistrado. No que toca à defesa, não se exige da defesa uma prova cabal acerca de teses como causa excludente da ilicitude ou da culpabilidade, bastando que produza um estado de dúvida para que o acusado possa ser absolvido. O standard probatório no campo penal é maior que em quaisquer outros ramos do Direito, só se admitindo a formação de convicção em prejuízo do acusado quando se produz o que a doutrina mais atual denomina de prova BARD, ou seja, Beyond Any Reasonable Doubt, como se encontra na doutrina norte-americana. O modelo de prova acima de qualquer dúvida razoável é utilizado pela Supreme Court of the USA desde 1798, e conforme disserta Deltan Dallagnol: "A acusação tem o ônus de provar que o réu é culpado para além de uma dúvida razoável. Alguns de vocês podem ter servido como jurados em casos civis, onde vocês escutaram que é necessário apenas provar que o fato é mais provável do que não verdadeiro. Em casos criminais, a prova da acusação deve ser mais poderosa do que aquilo. Ela deve ser para além de uma dúvida razoável. Prova para além de uma dúvida razoável é prova que deixa você firmemente convencido da culpa do réu. Há muitas poucas coisas neste mundo que nós sabemos com certeza absoluta, e em casos criminais o direito não requer prova que supere cada possível dúvida. Se, baseado em sua consideração da prova, você está firmemente convencido de que o réu é culpado do crime imputado, você deve considerá-lo culpado. Se, por outro lado, você achar que há uma possibilidade real de que ele não seja culpado, você deve dar-lhe o benefício da dúvida e considera-lo não culpado."1 1 DALLAGNOL, Deltan Martinazzo. As Lógicas das Provas no Processo. 1.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2015, p. 267. 19 8.2.3. Inversão do ônus da prova Conforme a regra de julgamento do in dubio pro reo tem-se que o ônus da prova recai precipuamente sobre o Ministério Público ou sobre o querelante. A inversão do ônus da prova significaria, portanto, adotar a regra contrária: in dubio pro societate ou in dubio contra reum. Essa autorização para a inversão do ônus da prova vem expressamente prevista pela Convenção de Viena de 1988, que remete a cada parte (país) a sua consideração. No art. 5º, n° 7, prevê: “Cada uma das partes considerará a possibilidade de inverter o ônus da prova com respeito à origem ilícita do suposto produto ou bens sujeitos a confisco, na medida em que isto seja compatível com os princípios de seu direito interno e com a natureza dos seus procedimentos judiciais e outros procedimentos”. Nesse sentido, o Brasil estipulou em sua legislação a inversão do ônus da prova. Exemplificando, tem-se no dispositivo do art. 4º, § 2º, da Lei 9.613/98, uma inversão do ônus da prova somente para as medidas coercitivas patrimoniais relativas a direitos ou valores apreendidos ou sequestrados e, assim mesmo, não para permiti-las, mas sim para que o acusado obtenha sua liberação. Há, também, inovação no Código Penal, quanto ao confisco, conforme o disposto no artigo 91-A, acrescido pela Lei nº 13.964/2019 (“Pacote Anticrime”), com o seguinte teor: Art. 91-A. Na hipótese de condenação por infrações às quais a lei comine pena máxima superior a 6 (seis) anos de reclusão, poderá ser decretada a perda, como produto ou proveito do crime, dos bens correspondentes à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito. § 1º Para efeito da perda prevista no caput deste artigo, entende-se por patrimônio do condenado todos os bens: I - de sua titularidade, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício direto ou indireto, na data da infração penal ou recebidos posteriormente; e II - transferidos a terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, a partir do início da atividade criminal. § 2º O condenado poderá demonstrar a inexistência da incompatibilidade ou a procedência lícita do patrimônio. § 3º A perda prevista neste artigo deverá ser requerida expressamente pelo Ministério Público, por ocasião do oferecimento da denúncia, com indicação da diferença apurada. 20 § 4º Na sentença condenatória, o juiz deve declarar o valor da diferença apurada e especificar os bens cuja perda for decretada. § 5º Os instrumentos utilizados para a prática de crimes por organizações criminosas e milícias deverão ser declarados perdidos em favor da União ou do Estado, dependendo da Justiça onde tramita a ação penal, ainda que não ponham em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública, nem ofereçam sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos crimes. Sobre o tema, verbera Rogério Sanches Cunha: “Assentado nos elementos que constituem a norma em estudo, o órgão acusador deve comprovar a evolução patrimonial em patamares desproporcionais à renda do agente, e deve fazê-lo com elementos probatórios colhidos ainda na fase investigatória. Tanto é assim que o § 3º do art. 914-A impõe que o Ministério Público faça na denúncia o pedido expresso de decretação da perda e aponte a diferença apurada. Por isso não há, propriamente, inversão do ônus da prova, pois a apresentação de justificativa razoável para a evolução patrimonial ou a comprovação de procedência lícita do patrimônio – como permite o § 2º - é típica matéria de defesa”.2 8.3. Iniciativa probatóriado juiz: a gestão da prova pelo magistrado Para que um sistema seja verdadeiramente acusatório, o juiz não pode ser o gestor da prova, devendo ser um mero observador, deixando a produção da prova a cargo das partes. É o sistema adotado pela Constituição Federal (Art. 129, I), atribuindo a pessoa diversa da autoridade judiciária a titularidade da ação penal pública, e orientando uma atividade judicial imparcial, seja na fase investigatória, seja na fase processual. Ora, pensar diferente, traria a tona o modelo inquisitorial, no qual, a iniciativa probatória é do Juiz (juiz ator/inquisidor). Há aqui, uma atividade claramente incompatível com a imparcialidade, colocando em segundo plano o contraditório e a ampla defesa, na busca ilimitada da verdade real. 2 CUNHA, Rogério Sanches. Pacote Anticrime: Lei nº 13.964/2019 – Comentários ao CP, CPP e LEP. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 38. 21 Sendo assim, com a entrada em vigor da Lei nº 13.964/2019 (pacote anticrime), a gestão da prova pelo magistrado ocasionou duas sistemáticas: a vedação da iniciativa acusatória do juiz das garantias e da iniciativa probatória do juiz da instrução e julgamento. 8.3.1. Vedação da iniciativa acusatória do juiz das garantias na fase investigatória O Art. 156 do CPP, com redação dada pela Lei nº 11.690/2008, prever que ao juiz é permitido, de ofício, mesmo antes do início da ação penal, determinar a produção de antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes. Com a adoção do sistema acusatório pela Constituição Federal, houve a separação das funções de acusar, defender e julgar, visando impedir a concentração do poder. Isso não significa dizer que Juiz das Garantias não tem qualquer poder na fase investigativa. É óbvio que o juiz das garantias não está impedido. Contudo, sua atuação só pode ocorrer mediante prévia provocação das partes, a exemplo da representação da autoridade policial ao Juiz por necessidade de um mandado de busca domiciliar. Dessa forma, em um sistema acusatório, cuja característica básica é a separação das funções de acusar, defender e julgar, não se pode permitir que o magistrado atue de ofício na fase de investigação. Isto porque, a partir do momento em que uma mesma pessoa concentra as funções de investigar e colher provas, estará comprometendo a tese de culpabilidade do acusado. Nesse sentido, a Lei nº 13.964/2019 (pacote anticrime) dispõe, de forma incisiva, em seu art. 3º-A do CPP que, o processo penal terá estrutura acusatória e está vedada a iniciativa do juiz das garantias na fase investigativa. Art. 3º-A. O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas à iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). 22 8.3.2. Vedação da iniciativa probatória do juiz da instrução e julgamento no curso do processo penal No que tange a possibilidade da iniciativa acusatória do magistrado em sede de investigação preliminar, uma primeira corrente admite que, de modo subsidiário, e exclusivamente durante a fase processual da persecução penal, possa o juiz determinar a produção de provas que entender pertinentes e razoáveis, a fim de dirimir dúvida sobre pontos relevantes, seja por força do princípio da busca da verdade, seja pela adoção do sistema da persuasão racional do juiz (convencimento motivado). Na visão dessa primeira corrente, essa atuação subsidiária do juiz na produção de provas não teria o condão de comprometer sua imparcialidade, isto porque um juiz ativo, não é sinônimo de juiz parcial, mas apenas um juiz atento aos fins sociais do processo, e que busca exercer sua função de forma a dar ao jurisdicionado a melhor prestação jurisdicional possível. Esse entendimento sempre foi criticado pela doutrina nacional. Não há espaço para a atribuição de poderes instrutórios ao juiz da instrução e julgamento no curso do processo penal, sem que se esteja colocando em risco a imparcialidade, haja vista esta possível e muito provável vinculação com as decisões ex officio que ele vier a proferir a respeito da prova. Absolutamente incompatíveis, portanto, tais poderes instrutórios do julgador à luz do princípio da imparcialidade. 8.4. Sistemas de avaliação da prova São basicamente três sistemas acerca do assunto, a saber: 1) Sistema da íntima convicção; 2) Sistema da prova tarifada; 3) Sistema da persuasão racional do juiz (convencimento motivado). Especificamente em relação ao direito brasileiro, o Código de Processo Penal adotou, como regra, o livre convencimento do juiz fundamentado na prova produzida sob o contraditório judicial (art. 155, caput, do CPP). Não obstante, como adiante será demonstrado, remanescem, ainda, algumas exceções que se constituem resquícios dos sistemas da íntima convicção e da prova tarifada. 23 8.4.1. Sistema da íntima convicção do magistrado Trata-se do sistema que confere ao julgador total liberdade na formação de seu convencimento, dispensando-se qualquer motivação sobre as razões que o levaram a esta ou àquela decisão, sendo irrelevante a circunstância de encontrar-se ou não a prova nos autos. O sistema da íntima convicção não foi adotado no ordenamento pátrio, pelo menos em regra. Todavia, não foi abandonado definitivamente em nosso direito, sendo acolhido nos julgamentos afetos ao Tribunal do Júri, caso em que o veredicto absolutório ou condenatório tem origem em um Conselho de Sentença, integrado por pessoas do povo – os jurados. No âmbito do Júri, até mesmo pela desnecessidade de fundamentação da decisão dos jurados, o Conselho de Sentença não está necessariamente vinculado às provas constantes dos autos, podendo formar sua convicção a partir de critérios subjetivos, sendo possível que venha a decidir em desacordo com os elementos probatórios coligidos. 8.4.2. Sistema da prova tarifada No sistema da tarifação, a lei estabelece o valor de cada prova, não possuindo o juiz discricionariedade para decidir contra a previsão legal expressa. Tal como ocorre com o livre convencimento, também aqui se exige que estejam incorporados ao processo os elementos de convicção, não sendo lícito ao magistrado decidir com base em provas extra autos. É certo que o Código de Processo Penal não adotou o sistema em questão. No entanto, não se pode negar a existência de certos resquícios de sua aplicação. Um exemplo de prova tarifada consta do art. 155, parágrafo único, do CPP, o qual dispõe que “somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil”. 24 8.4.3. Sistema do convencimento motivado (persuasão racional do juiz) O sistema do livre convencimento está previsto no art. 155, caput, do CPP, ao dispor que o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. Esse dispositivo foi cobrado na prova do MPE-GO: (Banca: MPE-GO - 2019 - Promotor de Justiça Substituto - Prova Anulada) O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, inclusive as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. (Incorreta). De acordo com esse sistema, o magistrado tem ampla liberdade na valoração das provas constantes dos autos, as quais têm, legal e abstratamente, o mesmo valor, porém se vê obrigado a fundamentar sua decisão. A discricionariedade de avaliação do quadro probatório soma-se a obrigatoriedade de motivação da conclusão do magistrado. Essa garantia não só assegura o exame cuidadoso dos autos, mas também permiteque, em grau de recurso, se faça o eventual reexame em face de novos argumentos apresentados. Em regra, é esse o sistema adotado pelo ordenamento pátrio. Com a nova redação dada ao art. 155 do CPP pela Lei n° 11.690/08, agora também é possível se extrair a adoção do sistema 25 do convencimento motivado do próprio Código de Processo Penal. O convencimento do juiz deve ser formado, em regra, a partir da prova produzida em contraditório judicial, sendo obrigatório que o magistrado fundamente sua conclusão. Por fim, com a adoção desse sistema, surgem alguns efeitos: Não há hierarquia de provas no processo penal, sendo que toda prova tem valor relativo. Deve o magistrado valorar todas as provas produzidas no processo, mesmo que para refutá-las. As partes possuem, portanto, o direito de verem apreciados seus argumentos e provas, direito este cuja observância deve ser aferido na motivação. Somente serão consideradas válidas as provas constantes do processo: não se pode emprestar validade aos conhecimentos privados do magistrado, sejam elas provas nominadas ou inominadas, típicas ou atípicas. 8.5. Da prova ilegal 8.5.1. Limitações ao direito à prova O direito à prova, como todo e qualquer direito fundamental, não tem natureza absoluta. Está sujeito a limitações porque coexiste com outros direitos igualmente protegidos pelo ordenamento jurídico. Não por outro motivo, dispõe a Constituição Federal que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos” (art. 5º, LVI). Embora a Carta Magna não tenha conceituado o que seria prova ilícita, a doutrina nacional sempre se baseou na lição do italiano Pietro Nuvolone para conceituar prova ilegal. Considera- se prova ilegal sempre que sua obtenção se der por meio de violação de normas legais ou de princípios gerais do ordenamento, de natureza material ou processual. A prova será considerada ilícita quando for obtida através da violação de regra de direito material (penal ou constitucional). Portanto, quando houver a obtenção de prova em detrimento de direitos que o ordenamento reconhece aos indivíduos, independentemente do processo, a prova será considerada ilícita. 26 Outra característica da prova ilícita é a violação no momento da colheita da prova. Geralmente é colhida em momento anterior ou concomitante ao processo. Apesar de, em regra, a prova ilícita ser produzida externamente ao processo, nada impede que sua produção ocorra em juízo. Por outro lado, a prova será considerada ilegítima quando obtida mediante violação à norma de direito processual. A prova ilegítima, como se vê, é sempre intra-processual (ou endoprocessual). Importa dizer que, o art. 157, caput, do CPP, o qual se refere às provas ilícitas, dispõe que “assim devem ser consideradas aquelas obtidas em violação a normas constitucionais ou legais, não distinguindo se a norma legal é material ou processual”. Todavia, Renato Brasileiro entende que quando o art. 157, caput, do CPP, faz menção a normas legais, deve-se interpretar o dispositivo de maneira restritiva, referindo-se única e exclusivamente às normas de direito material, mantendo-se, quanto às provas ilegítimas, o regime jurídico da teoria das nulidades. Por fim, é necessário trazer entendimentos dos Tribunais Superior acerca do acesso às conversas do Whatsapp pela autoridade policial e (in)validade da prova. (Tema recorrente em provas de concursos públicos). STJ/2016: Sem consentimento do réu ou prévia autorização judicial, é ilícita a prova, colhida de forma coercitiva pela polícia, de conversa travada pelo investigado com terceira pessoa em telefone celular, por meio do recurso "viva-voz", que conduziu ao flagrante do crime de tráfico ilícito de entorpecentes. STJ/2017: Não há ilegalidade na perícia de aparelho de telefonia celular pela polícia, sem prévia autorização judicial, na hipótese em que seu proprietário - a vítima - foi morto, tendo o referido telefone sido entregue à autoridade policial por sua esposa. STJ/2017: Não há ilegalidade na perícia de aparelho de telefonia celular pela polícia, sem prévia autorização judicial, na hipótese em que seu proprietário - a vítima - foi morto, tendo o referido telefone sido entregue à autoridade policial por sua esposa. 27 STJ/2016: Na ocorrência de autuação de crime em flagrante, ainda que seja dispensável ordem judicial para a apreensão de telefone celular, as mensagens armazenadas no aparelho estão protegidas pelo sigilo telefônico, que compreende igualmente a transmissão, recepção ou emissão de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza, por meio de telefonia fixa ou móvel ou, ainda, por meio de sistemas de informática e telemática. STJ/2016: Sem prévia autorização judicial, são nulas as provas obtidas pela polícia por meio da extração de dados e de conversas registradas no whatsapp presentes no celular do suposto autor de fato delituoso, ainda que o aparelho tenha sido apreendido no momento da prisão em flagrante. Esses entendimentos jurisprudenciais sempre estão presentes nas provas. Observe como a prova de Promotor de Justiça do MPE-SP abordou o tema. (Banca: MPE-SP - 2019 - Promotor de Justiça Substituto) Com base na orientação jurisprudencial assentada no STJ quanto à ilicitude da prova, é considerada ilícita a prova obtida diretamente dos dados constantes de aparelho celular, decorrentes de mensagens de textos SMS ou conversas por meio de WhatsApp, quando ausente prévia autorização judicial. 28 8.5.2. Prova ilícita por derivação (teoria dos frutos da árvore envenenada) Provas ilícitas por derivação são os meios probatórios que, não obstante produzidos, validamente, em momento posterior, encontram-se afetados pelo vício da ilicitude originária, que a eles se transmite, contaminando-os, por efeito de repercussão causal. Suponha-se que alguém tenha sido constrangido, mediante tortura, a confessar a prática de um crime de homicídio. Necessariamente, essa confissão deverá ser declarada ilícita. Pode ser que, dessa prova ilícita originária, resulte a obtenção de uma prova aparentemente lícita (v.g., localização e apreensão de um cadáver). Apesar da apreensão do cadáver ser aparentemente lícita, percebe-se que há um nexo causal inequívoco entre a confissão mediante tortura e a localização do cadáver. Dessa forma, se não fosse à prova ilícita originária, jamais teria sido possível a prova que dela derivou. Nesse sentido, conclui-se que a ilicitude da prova originária transmite-se, por repercussão, a todos os dados probatórios que nela se apoiem, ou dela derivem, ou, finalmente, nela encontre o seu fundamento legal. Com a entrada em vigor da Lei n° 11.690/08, a teoria dos frutos da árvore envenenada passou a constar expressamente do Código de Processo Penal. Segundo o art. 157, § 1º, do CPP, “são também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras”. 8.5.3. Limitações à prova ilícita por derivação Após o desenvolvimento da teoria dos frutos da árvore envenenada, houve uma forte reação da própria Suprema Corte norte-americana contra a rigidez de tais regras, sendo desenvolvidas, então, exceções às exclusionary rules. Veremos algumas das teorias (mais recorrentes em provas) que já vem sendo aplicadas no ordenamento jurídico brasileiro, razão pela qual merecem a nossa atenção. 29 Da teoria da fonte independente Conforme essa teoria se o órgão da persecução penal demonstrar que obteve, legitimamente, novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova, que não guarde qualquer relação de dependência, nem decorra da prova originariamente ilícita, não mantendo vínculo causal, tais dados probatórios são admissíveis,porque não contaminados pela mácula da ilicitude originária. Há de se tomar extrema cautela com a aplicação da exceção da fonte independente, tendo em vista que para que a teoria da fonte independente seja aplicada, impõe-se demonstração fática inequívoca de que a prova avaliada pelo juiz efetivamente é oriunda de uma fonte autônoma, ou seja, não se encontra na mesma linha de desdobramento das informações obtidas com a prova ilícita. Caso não se demonstre, inequivocamente, a ausência de qualquer nexo causal, fica valendo a teoria da prova ilícita por derivação. Em caso de dúvida, aplica-se o in dubio pro reo. A teoria da fonte independente, no Brasil, já vem sendo adotada pelo Supremo Tribunal Federal há alguns anos. Entretanto, com a reforma processual de 2008, a limitação da fonte independente passou a constar expressamente do Código de Processo Penal. Isso porque, segundo o art. 157, § 1º, do CPP, “são também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras”. O art. 157, § 2º, do CPP, trás o conceito de fonte independente. Considera-se fonte independente aquela que, por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova. Todavia, apesar de o dispositivo fazer menção à fonte independente, Renato Brasileiro afirma que "parece ter havido um equívoco por parte do legislador, pois, ao empregar o verbo no condicional, o conceito aí fornecido (seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova) refere-se ao da limitação da descoberta inevitável, objeto de nosso estudo no próximo tópico". Teoria da descoberta inevitável 30 Também conhecida como exceção da fonte hipotética independente, caso se demonstre que a prova derivada da ilícita seria produzida de qualquer modo, independentemente da prova ilícita originária, tal prova deve ser considerada válida. Para aplicação dessa teoria, é indispensável à existência de dados concretos a confirmar que a descoberta seria inevitável. Em outras palavras, não basta um juízo do possível. É necessário um juízo do provável, baseado em elementos concretos de prova. Importa dizer que, na visão de parte da doutrina, tal teoria teria passado a constar expressamente do Código de Processo Penal, a partir das alterações trazidas pela Lei n° 11.690/08. Ora, embora o legislador não tenha se referido de maneira expressa à teoria da descoberta inevitável, podemos extraí-la do Art. 157, §2.º, do CPP “considera-se fonte independente aquela que, por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova”. Como dito no tópico acima, parece ter havido uma confusão por parte do legislador ao se referir à fonte independente, pois o conceito por ele trazido é o da limitação da descoberta inevitável. Limitação da mancha purgada (vícios sanados ou tinta diluída) Conhecida como limitação dos vícios sanados, do nexo causal atenuado ou da tinta diluída. Conforme essa teoria, não se aplica a teoria da prova ilícita por derivação se o nexo causal entre a prova primária e a secundária for atenuado em virtude do decurso do tempo, de circunstâncias supervenientes na cadeia probatória, da menor relevância da ilegalidade ou da vontade de um dos envolvidos em colaborar com a persecução criminal. Nesse caso, apesar de já ter havido a contaminação de um determinado meio de prova em face da ilicitude ou ilegalidade da situação que o gerou, um acontecimento futuro expurga, afasta, elide esse vício, permitindo-se, assim, o aproveitamento da prova inicialmente contaminada. Todavia, não se tem conhecimento da adoção da limitação da mancha purgada pelo Supremo Tribunal Federal, nem tampouco pelo Superior Tribunal de Justiça. 31 8.5.4. Inutilização da prova ilícita A prova ilícita não pode ingressar nos autos do processo. Deve haver uma decisão determinando o desentranhamento da prova declarada inadmissível. Ademais, uma vez preclusa tal decisão, a prova declarada inadmissível será inutilizada, sendo facultado às partes acompanhar o incidente. § 3º Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente. A apreciação da ilicitude da prova deve ocorrer o quanto antes possível, sobretudo de modo a se evitar que referida prova venha a contaminar outras. Se houver oferecimento da denúncia pelo Ministério Público e ulterior recebimento da peça acusatória, o reconhecimento da ilicitude da prova deve ocorrer imediatamente após a apresentação da resposta à acusação pela defesa. Contudo, caso a prova tenha sido apresentada em audiência, deve o magistrado se pronunciar quanto à sua ilicitude de imediato, afastando sua valoração de eventual sentença condenatória. Em ambas as situações, esse desentranhamento imediato há de se limitar a uma inutilização formal provisória, devendo a prova ilícita ser preservada na secretaria judicial, para eventual retomo aos autos principais caso a decisão seja anulada ou modificada. No que tange ao recurso cabível, é certo que, se o magistrado reconhecer a inadmissibilidade da prova antes da audiência una de instrução e julgamento, o recurso cabível será o recurso em sentido estrito. Lado outro, caso não seja reconhecida a ilicitude da prova, será possível a impetração de habeas corpus em favor do acusado, desde que a imputação constante do processo refira-se à infração penal que preveja, pelo menos em tese, pena privativa de liberdade. Se, no entanto, o reconhecimento da ilicitude da prova ocorrer durante a audiência una de instrução e julgamento, sendo proferida sentença em seguida (CPP, art. 403, caput), o recurso a ser manejado será o de apelação, ainda que somente se recorra quanto à questão probatória. Inutilização da prova ilícita no Tribunal do Júri 32 Caso a prova ilícita tenha sido produzida ainda na primeira fase do procedimento do júri, deve o juiz sumariante, ao pronunciar o acusado, determinar o desentranhamento da prova ilícita, deixando de levá-la em consideração na sua decisão. Se, no entanto, a prova ilícita tiver permanecido no processo ou nele ingressar após a pronúncia, ocorrendo o julgamento pelos jurados, deverá o Tribunal, em sede de recurso de apelação ou habeas corpus, reconhecer a ilicitude da prova e, por consequência, determinar a anulação do julgamento, diante da impossibilidade de se avaliar o grau de influência da prova ilícita sobre os jurados. Descontaminação do julgado Código de Processo Penal ANTES da Lei n.º 13.964/2019 Código de Processo Penal DEPOIS da Lei n.º 13.964/2019 Art. 157. (...) (...) §4.º VETADO. Art. 157. (...) § 5º O juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a sentença ou acórdão. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). O §4.º do Art. 157 do CPP, introduzido pela Lei n.º 11.690/2008, previa que “o juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir sentença ou acórdão”. Entretanto, esse dispositivo foi vetado pelo então Presidente da República. O Congresso Nacional deliberou por introduzir o referido dispositivo ao nosso Código de Processo Penal, através da tramitação legislativa do Pacote Anticrime. Repetiu os exatos termos do vetado §4.º, e inseriu o §5.º no Art. 157 do CPP. É o que a doutrina denomina de descontaminação do julgado. O objetivo do Art. 157, §5.º, CPP, é evitar que o juiz que tiver contato com a prova ilícita venha a julgar o caso, pois não teria isenção de ânimo suficiente para apreciar o caso concreto com a imparcialidade que dele se espera. É dizer, por mais que o referidomagistrado tenha determinado o desentranhamento e ulterior inutilização das provas ilícitas, sua imparcialidade ainda estaria prejudicada. 33 Todavia, embora o dispositivo tente minimizar a contaminação subjetiva do magistrado responsável pelo julgamento, o dispositivo em questão pode ser objeto de críticas. Nesse sentido, a decisão do Min. Dias. Toffoli no julgamento da ADI 6.298 MC/DF (j. 15.01.2020). Para o Ministro, a forma como foi redigida o §5.º do art. 157, “pode resultar na criação de situações em que a produção de provas eventualmente nula sirva como instrumento deletério de interferência na definição do juiz natural, abrindo brecha para a escolha do magistrado que examinará o processo crime, vulnerando-se, por via transversa, o postulado constitucional em questão”. Nesse sentido, o eminente Ministro concedeu parcialmente a medida cautelar pleiteada, ad referendum do Plenário, para suspender a eficácia do art. 157, §5.º, do CPP, incluído pela Lei n.º 13.964/2019. A decisão em questão acabou sendo mantida pelo Min. Luiz Fux (ADI 6.299 MC/DF, j. 22.01.2020). 8.6. Meios de prova e meios de obtenção de prova em espécie 8.6.1. Cadeia de custódia Consiste em um mecanismo garantidor da autenticidade das evidências coletadas e examinadas, assegurando que correspondem ao caso investigado, sem que haja lugar para qualquer tipo de adulteração. Prevista no Art. 158-A, do CPP: Art. 158-A. Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). Funciona, pois, como a documentação formal de um procedimento destinado a manter e documentar a história cronológica de uma evidência, evitando-se, assim, eventuais interferências internas e externas capazes de colocar em dúvida o resultado da atividade probatória, assegurando, assim, o rastreamento da evidencia desde o local do crime até o Tribunal. (Renato Brasileiro, 2020). 34 Tem fundamento no princípio da “autenticidade da prova”, pelo qual se entende que determinado vestígio relacionado à infração penal, encontrado, por exemplo, no local do crime, é o mesmo que o magistrado está usando para formar se convencimento. É aplicável a todo e qualquer elemento probatório, tendo início com a preservação do local do crime ou com procedimentos policiais ou periciais nos quais seja detectada a existência de vestígios, e se encerra tão somente com o descarte do vestígio, geralmente ao final do processo penal. Conforme o Art. 158-A, §1.º, do CPP, incluído pela Lei n.º 13.964/2019 (pacote anticrime), o marco inaugural da cadeia de custódia do vestígio pode ocorrer de três formas, em conjunto ou isoladamente, quais sejam: 1. Preservação do local do crime: consiste na manutenção do estado original das coisas em locais de crime até a chegada dos profissionais de perícia criminal. § 1º O início da cadeia de custódia dá-se com a preservação do local de crime ou com procedimentos policiais ou periciais nos quais seja detectada a existência de vestígio. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). 2. Procedimentos policiais: é quando a polícia (militar ou não) por meio de ações institucionais de patrulhamento e prevenção ao crime (blitz de trânsito) ou por meio de procedimentos investigatórios (infiltração policial) identifique a existência de vestígios relacionados à infração penal, hipótese em que deverá proceder à respectiva coleta, deflagrando-se o início da cadeia de custodia. § 2º O agente público que reconhecer um elemento como de potencial interesse para a produção da prova pericial fica responsável por sua preservação. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). 3. Procedimentos periciais: o vestígio é identificado através do trabalho técnico. § 3º Vestígio é todo objeto ou material bruto, visível ou latente, constatado ou recolhido, que se relaciona à infração penal. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). Importante ter em mente que a cadeia de custodia não está restrita à perícia criminal. Na verdade, a depender do caso concreto, pode ter início muito antes, quando o Delegado de Polícia apreende determinado objeto, ou quando um policial civil (ou militar) receber algum objeto 35 material que possa guardar relação com determinado delito, oportunidade em que deverão observar com rigor todas as etapas da cadeia de custódia. No que tange as consequências decorrentes da quebra da cadeia de custódia, temos alguns entendimentos. De um lado, há quem entenda que a quebra inviabiliza o efetivo exercício o do contraditório pela parte que não tem acesso à prova integral. Sob a ótica da teoria dos frutos da árvore envenenada, os elementos remanescentes serão contaminados, logo, ilícitos. Por fim, em sentido diverso, com a introdução do regramento da cadeia de custódia pela Lei n.º 13.964/2019, parte da doutrina prefere afirmar que eventual violação à nova sistemática adotada pelos arts. 158-A a 158-F do CPP, poderá acarretar a ilegitimidade da prova , haja vista a violação a regras de direito processual, com a consequente aplicação da teoria das nulidades. (Posição adotada por Renato Brasileiro). Etapas do rastreamento do vestígio na cadeia de custódia Conforme a Portaria n.º 82/2014 da SENASP, as etapas da cadeia de custódia são divididas em duas fases: 1. Fase externa: compreende a preservação do local do crime, a busca do vestígio, seu reconhecimento, isolamento, fixação, coleta, acondicionamento, transporte e recebimento. 2. Fase interna: compreende todas as etapas entre a entrada do vestígio no órgão pericial até sua devolução juntamente com o laudo pericial, ao órgão requisitante da perícia. A etapa do rastreamento do vestígio compreendida na cadeia de custódia está prevista no Art. 158-B, e assim dispõe: Art. 158-B. A cadeia de custódia compreende o rastreamento do vestígio nas seguintes etapas: (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). I - reconhecimento: ato de distinguir um elemento como de potencial interesse para a produção da prova pericial; Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). II - isolamento: ato de evitar que se altere o estado das coisas, devendo isolar e preservar o ambiente imediato, mediato e relacionado aos vestígios e local de crime; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). 36 III - fixação: descrição detalhada do vestígio conforme se encontra no local de crime ou no corpo de delito, e a sua posição na área de exames, podendo ser ilustrada por fotografias, filmagens ou croqui, sendo indispensável a sua descrição no laudo pericial produzido pelo perito responsável pelo atendimento; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). IV - coleta: ato de recolher o vestígio que será submetido à análise pericial, respeitando suas características e natureza; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). V - acondicionamento: procedimento por meio do qual cada vestígio coletado é embalado de forma individualizada, de acordo com suas características físicas, químicas e biológicas, para posterior análise, com anotação da data, hora e nome de quem realizou a coleta e o acondicionamento; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). VI - transporte: ato de transferir o vestígio de um local para o outro, utilizando as condições adequadas (embalagens, veículos, temperatura, entre outras), de modo a garantir a manutenção de suas características originais, bem como o controle de sua posse; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). VII - recebimento: ato formal de transferência da posse do vestígio, que deve ser documentado com, no mínimo, informações referentes ao número de procedimento e unidade de polícia judiciária relacionada, local de origem, nome de quem transportou o vestígio, código de rastreamento, naturezado exame, tipo do vestígio, protocolo, assinatura e identificação de quem o recebeu; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). VIII - processamento: exame pericial em si, manipulação do vestígio de acordo com a metodologia adequada às suas características biológicas, físicas e químicas, a fim de se obter o resultado desejado, que deverá ser formalizado em laudo produzido por perito; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). IX - armazenamento: procedimento referente à guarda, em condições adequadas, do material a ser processado, guardado para realização de contraperícia, descartado ou transportado, com vinculação ao número do laudo correspondente; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). X - descarte: procedimento referente à liberação do vestígio, respeitando a legislação vigente e, quando pertinente, mediante autorização judicial. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). Coleta dos vestígios A Lei n.º 13.964/2019 (pacote anticrime) introduziu o Art. 158-C, caput, do CPP, prevendo que a coleta dos vestígios deverá ser realizada preferencialmente por perito oficial que dará o encaminhamento necessário para a central de custódia, mesmo quando for necessária a realização de exames complementares. 37 Art. 158-C. A coleta dos vestígios deverá ser realizada preferencialmente por perito oficial, que dará o encaminhamento necessário para a central de custódia, mesmo quando for necessária a realização de exames complementares. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). § 1º Todos vestígios coletados no decurso do inquérito ou processo devem ser tratados como descrito nesta Lei, ficando órgão central de perícia oficial de natureza criminal responsável por detalhar a forma do seu cumprimento. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). A utilização da palavra “preferencialmente” denota que se acaso não for possível o recolhimento dos vestígios por um perito oficial, um perito não oficial poderá fazê-lo, nos termos do Art. 159 e §§ do CPP, sob pena de contaminação da cadeia de custódia. De acordo com o art. 158-C, §2.º do CPP, é proibida a entrada em locais isolados bem como a remoção de quaisquer vestígios de locais de crime antes da liberação por parte do perito responsável, sendo tipificada como fraude processual a sua realização. § 2º É proibida a entrada em locais isolados bem como a remoção de quaisquer vestígios de locais de crime antes da liberação por parte do perito responsável, sendo tipificada como fraude processual a sua realização. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). Importa dizer que, embora o dispositivo determine que a prática dessas duas condutas (entrada em locais isolados e remoção dos vestígios) deverá ser tipificada como fraude processual, é crucial entender que não se trata de um tipo penal autônomo. Portanto, a tipificação desse crime de fraude processual a que se refere, estará condicionada, rigorosamente, à presença das respectivas elementares do delito em questão, que encontra previsão no art. 347 do CP, no art. 312 do CTB, e nos arts. 23 e 24 da nova lei de abuso de autoridade. Recipientes para acondicionamento de vestígios O art. 158-D trás as regras para o acondicionamento de vestígios: Art. 158-D. O recipiente para acondicionamento do vestígio será determinado pela natureza do material. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). § 1º Todos os recipientes deverão ser selados com lacres, com numeração individualizada, de forma a garantir a inviolabilidade e a idoneidade do vestígio durante o transporte. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). 38 § 2º O recipiente deverá individualizar o vestígio, preservar suas características, impedir contaminação e vazamento, ter grau de resistência adequado e espaço para registro de informações sobre seu conteúdo. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). § 3º O recipiente só poderá ser aberto pelo perito que vai proceder à análise e, motivadamente, por pessoa autorizada. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). § 4º Após cada rompimento de lacre, deve se fazer constar na ficha de acompanhamento de vestígio o nome e a matrícula do responsável, a data, o local, a finalidade, bem como as informações referentes ao novo lacre utilizado. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). § 5º O lacre rompido deverá ser acondicionado no interior do novo recipiente. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). Centrais de custódia Todos os Institutos de Criminalística deverão ter uma central de custódia destinada à guarda e controle dos vestígios, e sua gestão deve ser vinculada diretamente ao órgão central de perícia oficial de natureza criminal. Essa central de custódia deve possuir os serviços de protocolo, com local para conferência, recepção, devolução de materiais e documentos, possibilitando a seleção, a classificação e a distribuição de materiais, devendo ser um espaço seguro e apresentar condições ambientais que não interfiram nas características do vestígio. Importante dizer que, na central de custódia, a entrada e a saída de vestígio deverão ser protocoladas, consignando-se informações sobre a ocorrência no inquérito que a eles se relacionam. Todas as pessoas que tiverem acesso ao vestígio armazenado deverão ser identificadas e deverão ser registradas a data e a hora do acesso. Por ocasião da tramitação do vestígio armazenado, todas as ações deverão ser registradas, consignando-se a identificação do responsável pela tramitação, a destinação, a data e horário da ação. Destinação do material após a realização da perícia Uma vez realizado o exame pericial deverá ser devolvido à central de custódia, devendo nela permanecer. Essa sistemática está prevista no art. 158-F, do CPP: Art. 158-F. Após a realização da perícia, o material deverá ser devolvido à central de custódia, devendo nela permanecer. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). 39 Parágrafo único. Caso a central de custódia não possua espaço ou condições de armazenar determinado material, deverá a autoridade policial ou judiciária determinar as condições de depósito do referido material em local diverso, mediante requerimento do diretor do órgão central de perícia oficial de natureza criminal. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). 8.6.2. Do exame de corpo de delito e das perícias em geral Do Corpo de delito Corpo de delito é o conjunto de vestígios materiais ou sensíveis deixados pela infração penal. Exame de corpo de delito e outras perícias O exame de corpo de delito é uma análise feita por pessoas com conhecimentos técnicos ou científicos sobre os vestígios materiais deixados pela infração penal para comprovação da materialidade e autoria do delito. A depender do caso concreto, um mesmo corpo de delito pode ser submetido a vários exames periciais. O exame de corpo de delito não é única espécie de exame pericial, embora grande parte da doutrina assim ensine. Na verdade, o exame de corpo de delito é uma espécie de perícia. Logo, apesar de o exame de corpo de delito ser o mais importante exame pericial, pois ligado aos vestígios deixados pela infração penal, há outros exames periciais com igual relevância, tais como os de verificação da sanidade mental do acusado, os de constatação da idade do acusado, etc. Não é prova hierarquicamente superior às demais. Em regra, o exame pericial pode ser determinado tanto pela autoridade policial quanto pelas autoridades judiciária e ministerial. Entretanto, a determinação para o exame de sanidade mental, apenas pode ser feita pela autoridade judiciária. Quando houver dúvida sobre a integridade mental do acusado, o juiz ordenará, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, do defensor, do curador, do ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado, seja este submetido a exame médico- legal (CPP, art. 149, caput). 40 A conclusão do exame pericial cabe aos os peritos, jamais as autoridades policial, judiciária
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