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Doença do Refluxo Gastroesofágico Autor: Pedro V.F. Medrado É o deslocamento, sem esforço, do conteúdo gástrico do estômago para o esôfago, por vezes pode ser considerado fisiológico, mas caso haja sintomas é patológico. Montreal 2006: “Condição na qual o refluxo do conteúdo gástrico causa sintomas que afetam o bem-estar do paciente e/ou complicações”. É um problema de saúde pública devido a elevada prevalência, evolução crônica, recorrências frequentes e comprometimento da qualidade de vida. O impacto da DRGE na qualidade de vida é mais significativo do que em pacientes com diabetes melito e hipertensão arterial. FISIOPATOLOGIA É de causa multifatorial, e decorre das falhas em uma ou mais defesas do esôfago: barreira antirrefluxo, mecanismos de depuração intraluminal e resistência intrínseca do epitélio. Barreira antirrefluxo · É a principal proteção contra a DRGE · É composta pelo esfíncter interno (EIE, o esfíncter inferior propriamente dito do esôfago) e o externo (esfíncter formado pela crua do diafragma). · O EIE relaxa com a deglutição, distensão gástrica (pós-refeições) ou transitoriamente, sendo esse último relacionado com 63-74% dos casos de DRGE. · Diminuição da pressão do EIE resulta na DRGE · CCK – diminui a pressão após ingesta de gorduras · Óxido nítrico (ON) e VIP – diminuem a pressão · Hernia hiatal – dissociação entre o EIE e o externo, como se estivessem em distintos planos associado a um refluxo sobreposto. · Basicamente sobre o refluxo sobreposto – o fluxo retrógado do conteúdo refluxado fica preso no saco herniário para a porção tubular do esôfago. · Retardo do esvaziamento gástrico – obstrução ou semiobstrução antropilórica · Aumento da pressão intragástrica – obstrução ou semiobstrução antropilórica · Alteração da secreção gástrica – hipersecreção da síndrome de Zollinger-Ellison Síndrome de Zollinger-Ellison É um epônimo usado para designar um tumor produtor de gastrina (gastrinoma), comum no pâncreas e duodeno. Refere-se a múltiplas úlceras simultâneas, que são refratárias ao tratamento clínico, e não tem uma causa por H. pilory ou uso de AINE estabelecida. Seu rastreio é feito com dosagem sérica de gastrina. Mecanismo de depuração intraluminal · Normalmente a depuração do material refluxado na luz do esôfago ocorre por mecanismos: · Mecânicos – peristaltismo e gravidade · Químicos – neutralização pela saliva ou pela mucosa · Alterações do peristaltismo – altera a depuração intraluminal · Primária – distúrbios motores do esôfago devido a motilidade ineficaz · Secundária – doenças do tecido conjuntivo, como esclerodermia, síndrome CREST ou doença mista do tec. conjuntivo. · Alterações da saliva- síndrome de Sjögren ou uso de medicamentos · Diminuição do fluxo da saliva (noite pela gravidade) pode lesar mucosa e tem grande chance de causar episódios de refluxo durante a noite. Resistência intrínseca do epitélio · Mecanismos de defesas · Defesa pré-epitelial – muco, bicarbonato e água no lúmen do esôfago formando uma barreira físico-química. · Defesa epitelial – junções intercelulares, epitélio estratificado pavimentoso e substâncias tamponadoras intersticiais, como PTN, fosfato e bicarbonato. · Defesa pós-epitelial – suprimento sanguíneo remove metabólitos e supre · Conteúdo duodenal (bile e secreções pancreáticas) – atinge estômago e chega ao esôfago – potencializa lesão pelo ácido. · A tosse e o broncoespasmo nem sempre são resultado da broncoaspiração do conteúdo. Podemos ter uma resposta vagal como resultado da acidificação da mucosa distal. · Granulomas de cordas vocais e estenose subglótica – contato direto com a mucosa das vias respiratórias. SINTOMATOLOGIA Pirose – sensação de queimação retroesternal, ascendente em direção ao pescoço Regurgitação – retorno de conteúdo gástrico, ácido ou amargo até a faringe Alívio dos sintomas com uso de medicamentos antiácidos. Os sintomas aparecem após refeições ou quando o pce está em decúbito supino, ou decúbito lateral direito. Atipicamente – dor tórax de origem esofágica que pode ser indistinguível da dor de origem cardíaca. · Dor epigástrica que alivia ao uso de nitrato sublingual – A inervação do esôfago e do miocárdio é a mesma. · É importante pedir ECG 12 derivações – suspeita de IAM em parede inferior Manifestações extra esofágicas · Pulmonares – tosse crônica, asma, bronquite, fibrose pulmonar, aspiração recorrente e outras. · Otorrinolaringológicas – rouquidão, globus, roncos, pigarro, alterações das cordas vocais, laringite crônica, sinusite e erosões dentárias. · Como confirmar a existência de DRGE nesses pacientes? · Exames complementares ou por meio de resposta ao TTO c/ antissecretores potentes – daí concluo que a causa é a DRGE Formas graves/agressivas ou complicações sugerem – odinofagia, disfagia, sangramento, anemia e emagrecimento QUADRO CLÍNICO Sintomas típicos + EDA normal · 60% dos pacientes com DRGE tem EDA normal, e a maior parte dos pacientes c/ sintomas não têm evidência de esofagite ou de complicações. · Doença do refluxo não erosiva · Sintomas típicos + Endoscopia Digestiva normal · São classificados pela resposta terapêutica a IBP e pHmetria esofágica prolongada · Pacientes c/ exposição ácida normal · Resposta terapêutica semelhante aos pacientes com esofagite endoscópica · Pacientes c/ exposição ácida normal e c/ correlação positiva entre sintomas e episódios e resposta ao uso de IBP · Pirose funcional (10% dos portadores de pirose) – pHmetria normal e ausência de resposta ao uso de IBP · Sobreposição da pirose funcional e a dispepsia funcional · Distensão do fundo gástrico – alteração do EIE · Retardo no esvaziamento gástrico – DRGE e dispepsia funcional · Alteração da acomodação do fundo gástrico – dispepsia funcional Esofagite erosiva · Visualização de erosões esofágicas sela DX de DRGE · Considerar DX diferenciais – lesão esofágica induzida por medicamente, esofagite eosinofílica e outros. Estenose péptica · A DRGE é responsável por 70% das estenoses esofágicas · Outras causas – sequela de radioterapia ou esclerose de varizes, epidermólise bolhosa, doença de Crohn, tumores, sífilis, tuberculose, CMV e outros. · A sintomatologia frequente – disfagia esofágica · 30% não referem pirose ou regurgitação ácida · Identificação – Radiologia e EDA (imprescindível – coleta de biopsias p/ estudo) Esôfago de Barrett · Metaplasia intestinal – troca do epitélio escamoso do esôfago distal é substituído por um epitélio colunar, vulgo glandular do tipo intestinal. · Resulta de uma DRGE de longa evolução, além de contribuir para DRGE · Predisposição genética associado ao adenocarcinoma · mais comuns em homens brancos na sexta década de vida · DRGE em pacientes com esôfago de Barret · Função motora esofágica alterada – baixa amplitude das ondas peristálticas – aumento do tempo de contato refluxato-epitélio · Alterações do EIE – hipotonia, hernia hiatal e pequeno comprimento intra-abdominal – favorecem refluxo · Refluxo de secreções duodenais (bile e suco pancreático) · Quadro clínico · Sintomas de longa duração – pirose, regurgitação e disfagia esofágica · Complicações – estenose, ulcerações e sangramentos · Pacientes oligossintomáticos – desenvolvimento da doença apresenta melhora – maior resistência do epitélio de Barret (colunar). · Diagnóstico · É importante classificar o esôfago de Barret segundo acometimento longo (metaplasia >= 3cm), curto (metaplasia <3 cm) e tecido cárdico c/ metaplasia. · A divisão é importante para entender a degeneração maligna estabelecida no acometimento longo. · Metaplasia intestinal de tecido cárdico não se relaciona com DRGE, mas sim à infecção por H. pilory · O diagnóstico baseia-se no aspecto endoscópico do epitélio colunar, e no histopatológico. · Longo – inicia no estômago e se estende até o esôfago médio ou proximal. · Curto – difícil determinar onde se situa na junção esofagogástrica · Cromoesdoscopia – utilização de corantes sobre a mucosa do esôfago, p/ facilitar a visualização do epitélio displásico ou metaplásico. Não é usado de rotina – lugol (marrom)e azul de metileno (azul) · Magnificação endoscópica – visualização da superfície vilosa do epitpelio metaplásico. Não é usado de rotina · Padrão de citoqueratinas – diferenciação da metaplasia intestinal de cárdia e do epitélio de Barret, por meio do padrão de citoqueratinas 7/20 (CK7/20) que está presente na metaplasia do EB, mas não na metaplasia gástrica. PROPEDÊUTICA Sintomas cardinais da DRGE: pirose e regurgitação – diagnóstico presuntivo sem necessidade de exames complementares É seguro o TTO clínico empírico em paciente com queixas de pirose e/ou regurgitação A pHmetria prolongada permite o diagnóstico da DRGE por demonstrar a presença de refluxo ácido gastroesofágico anormal – não é o padrão ouro – várias limitações · Monitoramento do pH intragástrico Impedância/pHmetria – identificação do refluxo gastroesofágico independente do pH e de seu estado – avaliação qualitativa do tipo do refluxo. Endoscopia digestiva alta (EDA) – é o exame de escolha para avaliação das alterações da mucosa esofágica secundária à DRGE – visualização direta e coleta de fragmentos para biópsias. · Indicado quando se pretende: · Excluir outras doenças ou complicações da DRGE (disfagia, emagrecimento, hemorragia digestiva) · Pesquisa esôfago de Barret · Avaliar gravidade da esofagite · Orientar o TTO e fornecer informações sobre a cronicidade · Resposta histológica da mucosa esofágica ao refluxo gastroesofágico · Mudanças reacionais – alongamento de papila na lâmina própria e hiperplasia da camada de células basais; · Alterações inflamatórias – neutrófilos e eosinófilos intraepiteliais; (Diagnóstico diferencial c/ Esofagite eosinofílica) · Células “em balão” – células com abundante citoplasma pálido. Estudos radiológicos – pHmetria é um método mais sensível · Cintigrafia marcado com tecnécio – permite avaliar o refluxo GE do material isotopicamente marcado, independentemente de sua acidez. Útil em pacientes: · Gastrectomizados · Anemia perniciosa · Aqueles que fazer TTO c/ drogas inibidoras da secreção ácida · Esofagograma com bário – úteis em pacientes com disfagia, boa sensibilidade na detecção de hérnias hiatais, estenoses e anéis esofágicos. Teste provocativos – teste de Bernstein-Baker · Infusão de ácido clorídrico 0,1 N na tentativa de reproduzir o sintoma típico do paciente, e a infusão de solução salina como placebo. · Considerar, quando não se dispõe de pHmetria prolongada, ou para pacientes que apresentam sintomas infrequentes. Manometria esofágica – não deve ser usada para diagnóstico da doença, sendo útil na avaliação da gravidade da DRGE ao demonstrar um EIE defectivo ou disfunção peristáltica. Bilitec – detecção de substâncias que possuem um alto pH e, portanto, não são detectados pela pHmetria prolongada. · Espectrofotometria – detecta a presença de bilirrubina · Limitações – incapaz de diferenciar substâncias com coloração semelhante à da bilirrubina, por isso exige uma dieta líquida (pouco fisiológica) na realização do exame. · É pouco usada TRATAMENTO Medidas higienodietéticas · Conduta: dietas pouco volumosas, com alto conteúdo proteico e baixo conteúdo de gorduras, podem evitar a distensão gástrica e contribuir para manter a pressão do EIE. · Evitar suco de laranja, alimentos com elevada osmolaridade como sucos concentrados, comidas apimentadas ou que são preparadas com muito sal · Evitar cafeína e bebida alcoólica · Álcool – redução da pressão do EIE e prolongamento da exposição noturna · Obesidade e gordura intra-abdominal – fator de risco para DRGE · Tabagismo – influência negativa na DRGE devido a: · Diminuição da pressão do EIE · Diminuição do volume e da secreção de bicarbonato salivar · Aumento do risco de desenvolvimento de adenocarcinoma do esôfago distal e cárdia. · Elevação da cabeceira é uma conduta questionável, inclusive com os travesseiros anti-gravidades · Decúbito lateral esquerdo – recomendado para pacientes com DRGE Tratamento medicamentoso · Inibidores da bomba de prótons (IBP) – aliviar sintomas e cicatrizar lesões na maior parte dos pacientes · Diminui drasticamente o ácido e o volume da secreção gástrica · Doses · Omeprazol 20mg · Lansoprazol 30mg · Pantoprazol 40mg · Rabeprazol 20 mg · Esomeprazol 40mg · Tomados antes das refeições, são capazes de tratar esofagite e aliviar sintomas em 80-90% dos casos em 8 semanas. · É recomendado usar a menor dose do IBP para obtenção do efeito terapêutico · Terapia de manutenção · Step-down – terapia inicial potente, e com controle sintomático, redução da dose. · Esofagite grave (LA C e D) – dose padrão e mantém, mas caso piore, acrescente uma dose pela noite · Pacientes refratários – aqueles que necessitam tomar IBP mais que 2x ao dia, sem controle dos sintomas associados ao refluxo e/ou com alterações mucosas significativas após 12 semanas ou mais de TTO. · Como a DRGE é uma condição crônica ou recidivante, a recorrência dos sintomas após interrupção do IBP não considerada refratariedade. · Consequência da inibição da secreção gástrica: · Hipergastrinemia – não está relacionada ao desenvolvimento de carcionoide ou displasia · Progressão da gastrite do corpo gástrico – induzida pela infecção da H. pylori · Interferência na absorção de nutrientes – dosar periodicamente os níveis séricos de Fe e vita. B12 · O TTO do esôfago de Barrett consiste na utilização de IBP em doses definidas c/ monitoramento do pH esofagogástrico, visando abolir a secreção gástrica de for a impedir o refluxo. · Anti-inflamatórios – profilaxia no desenvolvimento de adenocarcinomas (possivelmente) · Antagonistas H2 · Doses · Cimetidina* · é menos eficaz na remissão da DRGE em comparação que o omeprazol · Ranitidina* · *possuem boa resposta após 8 semanas de TTO em aproximadamente 50 a 66% dos pacientes. · 10 mg de omeprazol é superior a dose padrão de ranitidina (150 mg 2x ao dia) · Famotidina · Nizatidina · São seguras e bem toleradas · Curta duração – entre 4 e 8 horas · Resultam na inibição incompleta da secreção ácida – são necessárias múltiplas doses para TTO da DRGE · Taquifilaxia (tolerância) – declínio da inibição da secreção ácida quando usada por mais de duas semanas. · Eficácia limitada – efeito insuficiente na inibição ácida após refeição, mas tem boa eficácia na inibição da secreção noturna. · Procinéticos · São eficientes apenas quando usados em pacientes com sintomas dispépticos associados · Metoclopramida – não é boa escolha no TTO da DRGE, pois atua no SNC causando sonolência, irratibilidade, tremores e discinesia · Domperidona – antagonista da dopamina em nível periférico, pode causar hiperprolactinemia em usuários crônicos · Cisaprida – induz arritmia principalmente quando associado · Novas drogas · Baclofeno – agonista dos receptores B do ácido gama-aminobutírico (GABA) que reduz episódios de refluxo e reduz o tempo de exposição ácida em dose única (40 mg) · Mecanismo de supressão do relaxamento transitório do esfíncter inferior do esôfago (RTEIE) · Efeitos colaterais rotineiros Tratamento cirúrgico · Consiste no reposicionamento do esôfago na cavidade abdominal associado à hiatoplastia e fundoplicatura · Indicação de cirurgia: · American College of Gastroenterology (2005) – tratamento de manutenção para DRGE bem documentada · Consenso de Genval – tratamento cirúrgico apropriado em todos pacientes devidamente informados que optem pela cirurgia. · A falta de resposta ao TTO clínico não é considerada como indicação ao TTO cirúrgico (DANI), visto que isso pode ser devido a falha de diagnóstico e terapia, então, deve-se reconsiderar o dx e a terapêutica. · II Consenso Brasileiro da Doença do Refluxo Gastroesofágico (2003): · Razões que impossibilitem a continuidade do TTO clínico* · *O fato dele querer cirurgia para não usar IBP não é um motivo propriamente dito, visto que eles podem continuar a usar IBP mesmo após a cirurgia. · Nos casos de TTO contínuo de manutenção com IBP em menos de 40 anos que optem pela cirurgia · Formas complicadas da DRGE – estenose e/ou úlcera · Quando houver adenocarcinoma Tratamento endoscópico · Stretta(radiofrequência) – cria uma lesão que ao cicatrizar resulta em estenose · Sutura endoscópica – plicatura endoluminal no esôfago distal · Implantação de microesferas · Estenose esofágica · Consiste em controle da DRGE e formações de dilatações esofágicas · Antisecretores – diminuem o edema de mucosa, aumentam o diâmetro da luz do esôfago e a evita persistência da agressão ácido. · Fundoaplicadura – evitar refluxo gastroesofágico · Dilatação da área estenosada – sistemas de dilatação esofágica · Dilatadores de borracha c/ mercúrio – Hurst e Maloney · Dilatadores termoplásticos (polivinil) – Savary-Gilliard e Bard · Dilatadores com balão hidrostático e/ou pneumáticos · Complicações – hemorragia, perfuração e bacteremia transitória (meningite, endocardite ou abscesso cerebral). · 50% dos pacientes submetidos terão recorrência do quadro – número de recorrências apresentadas tem valor preditivo quanto a novas recorrências futuras. · Fatores preditivos – perda de peso e ausência da sensação de pirose. · Esôfago de Barrett · Ablação do epitélio metaplásico e displásico do esôfago · Energia térmica – coagulação multipolar ou coagulação com argon plasma, ou fotoquímica, como terapia fotodinâmica. · Vigilância endoscópica · Vigilância endoscópica para um DX precoce de um eventual tumor no epitélio metaplásico · Realização de EDA em portadores de esôfago de Barrett a cada 2 ou 3 anos · Displasia de baixo grau – intervalo é reduzido para 6 meses. · Caso haja regressão da displasia após 1 anos – EDA a cada 1 ano. · Displasia de alto grau – esofagectomia e EDA a cada 3 meses · Ressecção de tumor quando DX de tumor invasivo, ou ressecção através de técnicas ablativas ou mucosectomia
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