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LEGISLAÇÃO PENAL APLICADA Marina Sartori Guimarães C01_Principios_constitucionais.indd 18 13/04/2018 15:19:43 Responsabilidade penal Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Distinguir responsabilidade civil de responsabilidade penal. Analisar os casos de intersecção das responsabilidades civil e penal. Explicar a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Introdução Neste capítulo, você vai estudar a responsabilidade civil e a penal, bem como a diferença entre ambas. A necessidade de diferenciação entre elas é importante, já que trazem consigo sanções diferentes e questões jurídicas distintas para serem analisadas tanto pelo magistrado como pelos demais operadores do direito. Responsabilidade penal (ou criminal) A responsabilidade penal é aquela que recai sobre o sujeito do crime. Assim, você deve notar que ela é pessoal, pois outra pessoa não pode cumprir pena no lugar desse sujeito. Ou seja, cada qual responde pelo ato ilícito que cometeu. Nesse sentido, é impossível que um terceiro sem relação jurídica com o ilícito penal seja responsabilizado por crime do qual outra pessoa foi sujeito ativo. Segundo Silva (2012, p. 304), “[...] a responsabilidade penal (ou criminal) emana do cometimento de crime ou contravenção, ficando o infrator sujeito à pena de perda da liberdade ou pena pecuniária”. Ao mesmo tempo, a res- ponsabilidade penal se dá por uma ilicitude de direito público. Isso significa que o Estado, ao regular os bens jurídicos, como vida, liberdade, integridade física, etc., o faz por normas de coação social. A norma que foi violada é de interesse de todos, como membros da mesma sociedade. Nesse sentido, para a análise da chamada responsabilidade penal, há a necessidade de se observar se o ato do agente é antijurídico e típico, ou seja, se é contrário ao direito e previsto na legislação penal como crime, respec- C19_Legislacao_penal_aplicada.indd 1 12/04/2018 11:34:03 tivamente. Isso porque, segundo a chamada teoria finalista — amplamente utilizada e aceita pela doutrina e jurisprudência brasileiras, inclusive pelo Código Penal —, para existir um crime, há que se verificar: a) se é fato típico (tipicidade, ou seja, se o fato é previsto como crime no Código Penal ou nas demais leis especiais); b) a ilicitude do ato (se é contrário ao direito, e se não está previsto no rol elencado pelo art. 23 do Código Penal, o qual consagra as excludentes de ilicitudes); c) a culpabilidade (possibilidade de se considerar alguém culpado pela prática de um crime, com a análise da capacidade de culpabilidade — ou imputabilidade —, da consciência da ilicitude e da exigibilidade de conduta diversa). Vale ressaltar que o dolo e a culpa do agente são elementos do fato típico penal, assim como o nexo de causalidade (nexo lógico entre a conduta do agente e o resultado). Nesse sentido, o dolo se caracteriza pela intenção do agente, e a culpa se caracteriza por falta de cautela, negligência ou falta de cuidado. Portanto, sem dolo e sem culpa, não há crime, bem como não há responsabilidade penal do agente, pois não há crime sem conduta. Conforme indica Capez (2006, p. 116): “Assim, conduta penalmente re- levante é toda ação ou omissão humana, consciente e voluntária, dolosa ou culposa, voltada a uma finalidade, típica ou não, mas que produz ou tenta produzir um resultado previsto na lei penal como crime”. Leia mais sobre dolo e culpa, nos textos disponíveis nos links a seguir. https://goo.gl/htQXCq https://goo.gl/pdJiMR Quanto à culpabilidade e à análise de seus requisitos, você deve considerar que a imputabilidade, como se refere Bitencourt (2000, p. 296), implica que “[...] o autor tem de conhecer o injusto, ou ao menos tem de poder conhecê-lo e tem de poder decidir-se por uma conduta conforme o direito em virtude Responsabilidade penal2 C19_Legislacao_penal_aplicada.indd 2 12/04/2018 11:34:03 https://goo.gl/htQXCq https://goo.gl/pdJiMR deste conhecimento”. Dessa forma, a inimputabilidade penal está prevista nos arts. 26, 27 e 28 do Código Penal (BRASIL, 1940, grifos do autor), como você pode ver a seguir: Art. 26 É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, intei- ramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Redução de pena Parágrafo único. A pena pode ser reduzida de um a dois terços se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Menores de dezoito anos Art. 27 Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial. Emoção e paixão Art. 28 Não excluem a imputabilidade penal: I – a emoção ou a paixão; Embriaguez II – a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos. § 1º É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. § 2º A pena pode ser reduzida de um a dois terços se o agente, por embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. A ilicitude do fato, ainda com relação aos requisitos da culpabilidade da teoria finalista, está prevista no art. 21 do Código Penal (BRASIL, 1940), que assim determina: Art. 21 O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço. Parágrafo único. Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência. Portanto, quando o agente desconhece a ilicitude do fato, deve comprovar que estava em erro e que, devido às circunstâncias, não lhe foi permitido atingir 3Responsabilidade penal C19_Legislacao_penal_aplicada.indd 3 12/04/2018 11:34:03 a consciência sobre tal ilicitude. Só assim é que o julgador pode desconsiderar a culpabilidade do fato. Por fim, há a exigibilidade de conduta diversa como último elemento da culpabilidade. Para tal, tem de ser analisado se o agente poderia adotar conduta diversa da conduta ilícita que lhe foi imputada. Bitencourt (2000, p. 299) afirma que O direito exige, geralmente, do sujeito imputável, isto é, daquele que pode conhecer a antijuridicidade do seu ato, que tome sua resolução de vontade conforme esse conhecimento possível [...] Nessas circunstâncias, ocorre o que se chama de inexigibilidade de outra conduta, que afasta o terceiro elemento da culpabilidade, eliminando-a, consequentemente. Logo, você pode verificar que a aferição da responsabilidade penal possui elementos característicos e densos. Todos esses elementos devem ser analisados para se verificar se houve ou não o crime, bem como se o agente pode ou não ser responsabilizado por ele. Diferença entre responsabilidade penal e responsabilidade civil A responsabilidade civil implica infrações de direito privado, entre particulares, e surge com ela o dever de reparação. Você pode encontrá-la no art. 927 do Código Civil (BRASIL, 2002). Este, por sua vez, estipula a responsabilidade civil sem necessariamente haver culpa. É a chamada responsabilidade objetiva. Qualquer um que cometa ato ilícito é obrigado a indenizar, sem necessariamente comprovação de culpa. Você pode verificar, portanto, que a responsabilidade civil pode colocar outras pessoas como responsáveis pela indenização,não necessariamente o agente do ilícito. Já na responsabilidade penal, outra pessoa não pode ser responsável pelo crime cometido por um sujeito ativo. Assim, tal responsabi- lidade é pessoal e intransferível. Considere, por exemplo, que um funcionário de uma empresa, no exercício de sua função, sofre um acidente com o carro de sua empresa ao se chocar com o veículo que estava à sua frente. Nesse caso, a empresa pode ser responsável pela reparação do dano (o que não inviabiliza ação de regresso em face de seu funcionário). Tal condição está autorizada, inclusive, pelo art. 932 do Código Civil (BRASIL, 2002). Responsabilidade penal4 C19_Legislacao_penal_aplicada.indd 4 12/04/2018 11:34:04 Fernandes (2013, p. 31) afirma que A tipicidade é um dos requisitos genéricos da responsabilidade penal; tal princípio, inclusive, informa todo o direito criminal. Quanto à responsabili- zação civil, qualquer ação ou omissão pode acarretá-la, desde que o ato do agente viole direito e cause prejuízo a outrem; ausente, portanto, qualquer estrutura que indique tipicidade. Além disso, com relação à responsabilidade civil, não há prisão por dí- vida, salvo o caso do devedor de pensão alimentícia. Nesse sentido, o Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário, extinguiu a prisão do depositário fiel, junto à Sumula Vinculante nº 25 do Supremo Tribunal Federal (STF) — “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito” (BRASIL, 2009)—, visto que era também uma forma de prisão civil. Portanto, a perda da liberdade e a pena de reclusão — salvo no caso de não pagamento de pensão alimentícia — são exclusivas do direito penal. Você deve atentar ainda a outra questão: a responsabilidade civil tende a retornar a coisa que é objeto do ilícito e/ou o dano ao status quo anterior. Ou seja, é necessária a reintegração em moeda nacional ou a reposição de fato da coisa. A responsabilidade penal, por outro lado, não permite essas condições, uma vez que a pena não ultrapassa a figura do agente do crime e que não é dado ao agente retornar ao status quo anterior ao crime. Outro aspecto importante é que somente maiores de 18 anos podem ser responsabilizados na esfera penal. Na esfera cível, o menor de 18 anos responde pelos prejuízos que causar se as pessoas responsáveis por ele não dispuserem de meios suficientes (BRASIL, 2002, art. 928). Por fim, Fernandes (2013, p. 32) conclui que O ilícito penal acarreta uma violação de ordem jurídica — tanto por sua gravidade quanto pela sua intensidade — sendo a única sanção a imposição de pena; no ilícito civil, vê-se como de menor extensão a perturbação so- frida pela sociedade, sendo suficiente a reparação civil. A grande regra da responsabilidade civil é levar em conta o dano, o prejuízo, o desequilíbrio extrapatrimonial — ela pressupõe um equilíbrio entre dois patrimônios que deve ser estabelecido. 5Responsabilidade penal C19_Legislacao_penal_aplicada.indd 5 12/04/2018 11:34:04 Relações entre responsabilidade civil e responsabilidade penal As responsabilidades, embora independentes entre si, dialogam em algumas situações. No Código de Processo Penal, por exemplo, há a fi gura da ação cível ex delito no art. 63. Veja (BRASIL, 1940): “Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros”. Ou seja, além da condenação na esfera penal, o réu também pode ser condenado na esfera cível a reparar o dano causado pela sua conduta. Mossin (2013, p. 149) explica que Via de regra, o cometimento de um crime pode ocasionar um dano patrimonial na vítima, e também em outros prejudicados. O sistema penal punitivo clássico stricto sensu não ressarce o prejudicado pelo dito dano, mas se encaminha no sentido da imposição de uma pena privativa de liberdade como justa reação à perturbação social causada pelo delito. Para que a vítima seja reposta em seu direito e compensada pelos prejuízos sofridos, surge a ação civil derivada do delito, ou da responsabilidade civil. Esta emerge em todos os casos em que uma pessoa causa dano ilícito a outra com a qual não está ligada por uma relação jurídica prévia. [...] Na realidade, a responsabilidade civil, no que tange à reparação do dano, não nasce do delito, o qual só produz o efeito jurídico da pena, mas, indubitavelmente, provém do fato ilícito. Ainda assim, o art. 935 do Código Civil estabelece (BRASIL, 2002): “A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal”. Esse artigo visa a barrar inúmeras proposituras de ações na esfera cível. Por meio dessas ações, poderia ressurgir a discussão sobre quem foi o autor do ato, ou sobre a existência ou não do fato, mesmo quando o agente é condenado ao crime na esfera penal. Logo, imagine que João é condenado ao crime de roubo na esfera criminal. O advogado de João não pode intentar ações na esfera cível, ou se defender nas propostas em face dele, para rediscutir se João cometeu o ato de subtrair coisa alheia com violência, ou se ele foi mesmo o autor do fato criminoso. De outra sorte, se o magistrado concluir que não houve crime, ou seja, se a responsabilidade penal não for verificada na esfera penal — portanto, sem a configuração da existência de dolo ou culpa, ou qualquer outra condição verificada perante o art. 386 do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941) —, isso não significa que o ofendido não possa se valer de medida judicial perante Responsabilidade penal6 C19_Legislacao_penal_aplicada.indd 6 12/04/2018 11:34:04 a esfera cível. O que tal condição significa é apenas que não há fato punível para o direito penal, embora tal fato possa ser reparado perante o direito civil. Nucci (2016) se refere à tal condição da seguinte maneira: Estipula o art. 386 do Código de Processo Penal várias causas aptas a gerar absolvições. Algumas delas tornam, por certo, inviável qualquer ação civil ex delicto, enquanto outras, não. Não produzem coisa julgada no cível, possibili- tando a ação de conhecimento para apurar culpa: a) absolvição por não estar provada a existência do fato (art. 386, II, CPP); b) absolvição por não constituir infração penal o fato (art. 386, III, CPP); c) absolvição por não existir prova suficiente de ter o réu concorrido para a infração penal (art. 386, V, CPP); d) absolvição por insuficiência de provas (art. 386, VII, CPP); e) absolvição por excludentes de culpabilidade e algumas de ilicitude, estas últimas já vistas na nota 13 anterior (art. 386, VI, CPP); f) decisão de arquivamento de inquérito policial ou peças de informação (art. 67, I, CPP); g) decisão de extinção da punibilidade (art. 67, II, CPP). Em todas essas situações o juiz penal não fe- chou questão em torno de o fato existir ou não, nem afastou, por completo, a autoria em relação a determinada pessoa, assim como não considerou lícita a conduta. Apenas se limitou a dizer que não se provou a existência do fato — o que ainda pode ser feito no cível; disse que não é o fato da infração penal — mas pode ser ilícito civil; declarou que não há provas do réu ter concorrido para a infração penal — o que se pode apresentar na esfera cível; disse haver insuficiência de provas para uma condenação, consagrando o princípio do in dubio pro reo — embora essas provas possam ser conseguidas e apresentadas no cível; absolveu por inexistir culpabilidade — o que não significa que o ato é lícito; arquivou inquérito ou peças de informação — podendo ser o fato um ilícito civil; julgou extinta a punibilidade — o que simplesmente afasta a pretensão punitiva do Estado, mas não o direito à indenização da vítima. Fazem coisa julgada no cível: a) declarar o juiz penal que está provada a ine- xistência do fato (art. 386,I, CPP); b) considerar o juiz penal, expressamente, que o réu não foi o autor da infração penal ou, efetivamente, não concorreu para a sua prática (art. 386, IV, CPP). Reabrir-se o debate dessas questões na esfera civil, possibilitando decisões contraditórias, é justamente o que quis a lei evitar (art. 935, CC, 2.ª parte). Portanto, você viu que o delito praticado na esfera penal pode ser passível de ação de perdas e danos na esfera cível. Isso significa que o mesmo ato que caracterizou a responsabilidade penal do sujeito ativo do crime também pode ser caracterizado pela responsabilidade civil. Ainda assim, a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que versa sobre o regime jurídico dos servidores públicos da União, possui entendimento similar ao do Código Civil quando estipula que, se o agente for inocentado em processo penal que negue a existência do fato ou a autoria deste, não há responsabilidade administrativa. Veja (BRASIL, 1990): “Art. 126 A respon- 7Responsabilidade penal C19_Legislacao_penal_aplicada.indd 7 12/04/2018 11:34:04 sabilidade administrativa do servidor será afastada no caso de absolvição criminal que negue a existência do fato ou sua autoria”. Logo, as responsabilidades civil, penal e administrativa, embora inde- pendentes umas das outras, se inter-relacionam. Quando na esfera criminal houver negação do fato ou da autoria, tanto a responsabilidade civil quanto a administrativa — no tocante ao servidor da União — serão afastadas. Para a responsabilidade civil e penal, você deve considerar o seguinte: Responsabilidade subjetiva — há a necessidade de demonstrar a culpa do agente; Responsabilidade objetiva — independe de culpa. Por exemplo: na maioria das relações jurídicas elencadas no Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade é objetiva, não havendo necessidade de demonstração de culpa pelos fornecedores de serviços, e decorre de lei. A responsabilidade elencada no art. 927 do Código Civil (BRASIL, 2002) também é objetiva e independe de culpa, assim como a responsabilidade da administração pública, transcrita no art. 37 da Constituição Federal (BRASIL, 1988). Já para a responsabilidade penal há a necessidade de comprovação de culpa do agente (seja crime doloso ou culposo). Responsabilidade penal da pessoa jurídica Via de regra, no Brasil, a pessoa jurídica não possui responsabilidade penal que recaia sobre ela, pois, como você viu, a pena é pessoal e intransferível. O que se permite no direito brasileiro é a responsabilização do sócio da empresa se ele praticar ato ilícito, se cometer crime com dolo ou culpa e se o fato cometido for tipifi cado, consoante a teoria fi nalista. Dotti (1995) afirma que [...] no sistema jurídico positivo brasileiro, a responsabilidade penal é atribuída, exclusivamente, às pessoas físicas. Os crimes ou delitos e as contravenções não podem ser praticados pelas pessoas jurídicas, posto que a imputabilidade (ação ou omissão), pedra angular da teoria geral do crime, é produto essen- cialmente do homem. Bitencourt (2000, p. 164) afirma também que “Os dois principais funda- mentos para não se reconhecer a capacidade penal destes entes abstratos são: a falta de capacidade ‘natural’ de ação e a carência de culpabilidade”. No Responsabilidade penal8 C19_Legislacao_penal_aplicada.indd 8 12/04/2018 11:34:04 entanto, o direito brasileiro vem aceitando a responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes contra o meio ambiente, de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, de 2013, e com os arts. 225, § 3º, e 173 da Constituição Federal (BRASIL, 1988). Veja o que dizem esses artigos: Art. 173 Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. [...] § 5º A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pes- soa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular. Art. 225 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. [...] § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. Em tal entendimento, a Primeira Turma do STF reconheceu a possibilidade de se processar criminalmente uma pessoa jurídica, mesmo não existindo ação penal em curso contra a pessoa física dos sócios. O caso dizia respeito a um rompimento de duto da Petrobras no estado do Paraná, em 2000. Na ocasião, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) havia concedido habeas corpus para que o superintendente da empresa fosse solto, alegando a impossibilidade da responsabilidade penal da pessoa jurídica. No entanto, o STF entendeu o seguinte (BRASIL, 2013): Segundo o voto da ministra Rosa Weber, a decisão do STJ violou diretamente a Constituição Federal, ao deixar de aplicar um comando expresso, previsto no artigo 225, parágrafo 3º, segundo o qual as condutas lesivas ao meio ambiente sujeitam as pessoas físicas e jurídicas a sanções penais e administrativas. Para a relatora do RE, a Constituição não estabelece nenhum condicionamento para a previsão, como fez o STJ ao prever o processamento simultâneo da empresa e da pessoa física. A ministra afastou o entendimento do STJ se- gundo o qual a persecução penal de pessoas jurídicas só é possível se estiver caracterizada ação humana individual. Segundo seu voto, nem sempre é o caso de se imputar determinado ato a uma única pessoa física, pois muitas vezes os atos de uma pessoa jurídica podem ser atribuídos a um conjunto de indivíduos. “A dificuldade de identificar o responsável leva à impossi- 9Responsabilidade penal C19_Legislacao_penal_aplicada.indd 9 12/04/2018 11:34:04 bilidade de imposição de sanção por delitos ambientais. Não é necessária a demonstração de coautoria da pessoa física”, afirmou a ministra, para quem a exigência da presença concomitante da pessoa física e da pessoa jurídica na ação penal esvazia o comando constitucional. A relatora também abordou a alegação de que o legislador ordinário não teria estabelecido por completo os critérios de imputação da pessoa jurídica por crimes ambientais, e que não haveria como simplesmente querer transpor os paradigmas de imputação das pessoas físicas aos entes coletivos. “O mais adequado do ponto de vista da norma constitucional será que doutrina e jurisprudência desenvolvam esses critérios”, sustentou. Portanto, é pacífico o entendimento jurisprudencial de responsabilização penal da pessoa jurídica nos casos de crimes ambientais. Você também pode verificar que tal responsabilidade está prevista no art. 3ª da Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 (BRASIL, 1998): Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato. Para aprender mais sobre os pontos de tangência das três vias de responsabilidade pela degradação ambiental, acesse o link ou o código a seguir. https://goo.gl/JU46vU Você pode verificar que a prática do ato delituoso necessita ser: (i) decidida pelo representante legal da empresa, ou por órgão colegiado, considerando aqui o querer institucional da empresa; e (ii) realizadavisando ao interesse e/ou benefício da empresa. Se não houver qualquer um desses requisitos, haverá responsabilidade penal da pessoa física (e não jurídica) do próprio representante legal da empresa, quando obedecidos os requisitos da teoria finalista. Apenas em tais casos é que se admite a responsabilidade penal da pessoa jurídica, sendo ela exceção à regra geral do direito penal. Responsabilidade penal10 C19_Legislacao_penal_aplicada.indd 10 12/04/2018 11:34:05 https://goo.gl/JU46vU Em todo caso, os tribunais brasileiros trabalham com a possibilidade da responsabilidade penal da pessoa jurídica, independentemente da responsa- bilidade penal da pessoa física de seu representante legal; é a chamada dupla imputação. Nesse sentido, a responsabilidade da pessoa jurídica se assenta em sua responsabilidade social, ou seja, deve ser considerada pela vontade emanada de sua hierarquia e do conjunto de dirigentes. Veja o que afirma Prado (2012, p. 4): Como condição exigida para a imputação de uma pessoa jurídica, surge que a infração criminal deve ser cometida pela vontade deliberada por seus órgãos sociais ou representantes, desde que as pessoas que integram os órgãos estejam encarregadas de exprimir a vontade coletiva desses órgãos. O entendimento contrário proporcionaria aos entes coletivos o recurso à fraude e a consagração, por consequência, da irresponsabilidade criminal. Portanto, você deve analisar se está diante da responsabilidade penal da pessoa jurídica, como ente coletivo, ou da responsabilidade penal da pessoa física de seu representante legal. 1. Sobre a responsabilidade penal (ou criminal), assinale a alternativa correta. a) Só pode ser transferida a terceiro. b) É possível que o agente retorne ao status quo anterior ao crime. c) É oriunda de direito privado. d) Para ser aferida, também necessita da análise da culpabilidade. e) Não leva em consideração excludente de ilicitude. 2. A teoria finalista defende: a) a finalidade do crime. b) que o crime necessita ser tipificado, ilícito e ter a análise da culpabilidade. c) as excludentes de ilicitudes previstas no art. 23 do Código Penal. d) que não há a necessidade de aferição de dolo ou culpa. e) a reponsabilidade civil do sujeito do crime. 3. O dolo e a culpa, no direito penal, se caracterizam, respectivamente: a) pela intenção do agente e pela negligência deste. b) pela falta de zelo do agente e pelo querer. c) pela consciência do agente e pela sua intenção. d) pela intenção do agente e pelo seu estado emocional. e) ambas pela omissão do agente. 4. Com base no que você aprendeu sobre as diferenças entre as responsabilidades penal e civil, assinale a alternativa correta. a) Qualquer pessoa, em qualquer idade, pode ser responsável 11Responsabilidade penal C19_Legislacao_penal_aplicada.indd 11 12/04/2018 11:34:06 criminalmente pelos seus atos. Contudo, na esfera cível, os pais são responsáveis pelos atos do agente até ele completar 18 anos. b) Na esfera cível não é permitido repassar a responsabilidade civil a terceiros. c) O sujeito ativo do crime que pratica ato em legítima defesa pode ser responsabilizado penalmente. d) A responsabilidade civil contida no art. 927 do Código Civil é responsabilidade subjetiva, enquanto a responsabilidade penal é objetiva. e) Para o agente ser responsável penalmente é necessário que sejam analisadas a tipicidade do ato, sua ilicitude e a culpabilidade. Na esfera cível, basta que o agente tenha praticado ato ilícito e causado dano a outrem para a configuração da responsabilidade civil, independentemente de culpa. 5. Sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica, assinale a alternativa correta. a) É regra no direito brasileiro. b) Não está prevista no ordenamento jurídico pátrio. c) Existe pela interpretação sistemática da Constituição Federal com outras leis e possui entendimento positivo do STF sobre sua possibilidade nos casos de crimes ambientais. d) Só existe se o sócio da empresa também for processado criminalmente. e) Tem de ser julgada concomitantemente às medidas judiciais propostas na esfera cível. BITENCOURT, C. R. Manual de direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2000. v. 1. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 14 dez. 2016. BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Brasília, DF, 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado. htm>. 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