Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 Gabriela Rodrigues INFECÇÃO DO TRATO URINÁRIO Infecção do trato urinário (ITU) caracteriza-se pela invasão e multiplicação de microrganismos patogênicos (bactérias e fungos), em qualquer segmento do trato urinário, que geralmente é estéril. Os patógenos normalmente atingem o trato urinário por via ascendente, raramente por via hematogênica. Associa-se à alterações anatômicas e/ou funcionais do trato urinário e pode se manifestar de forma simples ou complexa, com disseminação bacteriana e lesão do parênquima renal, com consequente disfunção orgânica. Pode cursar com quadros sintomáticos ou assintomáticos. Trata-se de uma das mais frequentes infecções bacterianas, mas sua real incidência não é totalmente conhecida. É também a mais frequente infecção associada à assistência médica. Predomina entre os adultos e no sexo feminino. Acredita-se que a incidência em mulheres seja o dobro da incidência em homens (menor extensão anatômica da uretra feminina e maior proximidade entre a vagina e o ânus). No sexo masculino é mais comum se desenvolver após os 50 anos de idade, devido à hipertrofia prostática que leva à obstrução do fluxo urinário. A ITU é definida pela presença de bactéria na urina tendo como limite mínimo definido a existência de 100.000 unidades formadoras de colônias bacterianas por mililitro de urina (ufc/ml). Os sinais e sintomas associados à infecção urinária incluem polaciúria, urgência miccional, disúria, alteração na coloração e no aspecto da urina, com surgimento de urina turva acompanhada de alterações no sedimento urinário, hematúria e piúria (>10.000 leucócitos/ml). É comum a ocorrência de dor abdominal mais notadamente em topografia do hipogástrio (projeção da bexiga) e no dorso (projeção dos rins) podendo surgir febre. CLASSIFICAÇÃO ->Quanto à localização: . Cistite: acometimento do trato urinário baixo. . Pielonefrite: acometimento do trato urinário superior. ->Quanto à presença de complicações: . Não complicadas: quando envolvem o trato urinário normal. . Complicadas: presença de alterações estruturais ou funcionais; risco de falha terapêutica e complicações graves. ->Quanto à evolução: .Aguda. Crônica. ->Quanto à origem: . Comunitária: adquirida na comunidade ou início dos sintomas até 48 horas de internação . Nosocomial: início dos sintomas após 48 horas de internação; relacionada ao uso de dispositivos invasivos (sonda vesical de demora), imunossupressão, entre outros fatores. . Bacteriúria assintomática: duas culturas de urina positivas, colhidas em mais de 24 horas de diferença, contendo 100.000 uropatógenos/mL da mesma cepa bacteriana e ausência de manifestações clínicas de ITU; mais comum em idosos, mulheres, diabéticos e gestantes. OBS.: ITU recorrente é aquela que ocorre pelo menos 3 vezes ao ano ou quando ocorre 2 episódios nos últimos 6 meses. FATORES ETIOLOGICOS ITU esporádica não complicada (basicamente, aquela SEM história de cálculo, alteração anatomofuncional ou manipulação urológica – incluindo cateter vesical), a Escherichia coli é a responsável por 80-85% dos casos (tanto cistite quanto pielonefrite). O segundo agente mais comum é o Staphylococcus saprophyticus, responsável por cerca de 10-15% das ITU em mulheres sexualmente ativas (na verdade, acredita-se que a infecção por este germe 2 Gabriela Rodrigues tenha um padrão sazonal, ocorrendo exclusivamente nos meses de verão). Agentes como Klebsiella, Proteus e, eventualmente, Enterobacter respondem por uma pequena parcela das ITU esporádicas não complicadas. Contudo, se a história clínica for de ITU recorrente ou ITU complicada (cálculo, alteração anatomofuncional ou manipulação urológica – veja também outros fatores na Tabela 3), germes como Enterococcus, Pseudomonas e Serratia (além dos outros Gram-negativos entéricos já citados) assumem uma importância proporcionalmente maior. Infecções relacionadas aos cuidados de saúde (ITU nosocomial) são causadas por bactérias com diferentes perfis de resistência aos antimicrobianos, incluindo Acinetobacter e Stenotrophomonas maltophilia! Mas não podemos esquecer um detalhe: mesmo nessas situações “complicadas” a E. coli continua sendo a principal causa de ITU, responsável, porém, por < 50% dos casos (e com frequência ela também é resistente aos antibióticos nesse contexto). A presença de nefrolitíase aumenta a chance de ITU por Proteus ou Klebsiella, pois estes micro-organismos predispõem à formação de cálculos (o primeiro pela alcalinização urinária e o segundo pela produção de biofilme). Uma ITU por S. aureus sugere bacteremia e foco infeccioso a distância. Os fungos, como a Candida spp., são importantes nos pacientes diabéticos (não se sabe o porquê) e naqueles que estão em uso de antibioticoterapia de amplo espectro, especialmente se estiverem cateterizados. Cateterismo vesical contínuo por mais de 30 dias também tem alta chance de infecção polimicrobiana (70% dos casos) além de infecção por Gram-negativos atípicos, como Providencia stuartii e Morganella morgani. O S. epidermidis faz parte da lista de germes que causam ITU relacionada ao cateter vesica! Por fim, certos agentes virais também infectam o trato urinário – como os adenovírus, que causam cistite hemorrágica em crianças e transplantados de medula óssea. FATORES DE RISCO . Sexo feminino; . Menopausa; . Higienização íntima inadequada antes e após o ato sexual; . Litíase (cálculo) renal; . Alterações na próstata; . Histórico de procedimentos urológicos, e de uso recente de sonda vesical; Quanto aos fatores relacionados às complicações da infeccção urinária, destacam-se mulheres gestantes, pacientes diabéticos, e pacientes submetidos à procedimentos urológicos. PATOGÊNESE O trato urinário pode ser considerado como uma unidade anatômica ligada por uma coluna contínua de urina que se estende desde a uretra até os rins. Na maioria dos casos de ITU, as bactérias estabelecem uma infecção por meio de sua ascensão até a bexiga através da uretra. A ascensão contínua pelo ureter até o rim constitui o trajeto para a maioria das infecções do parênquima renal. Entretanto, a introdução de bactérias na bexiga não leva necessariamente a uma infecção duradoura e sintomática. A interação entre fatores do hospedeiro, do patógeno e ambientais determina se haverá invasão tecidual e infecção sintomática. Por exemplo, as bactérias frequentemente entram na bexiga após uma relação sexual, porém a micção normal e os mecanismos de defesa inatos do hospedeiro na bexiga eliminam esses microrganismos. Qualquer corpo estranho existente no trato urinário, como um cateter urinário ou cálculo, proporciona uma superfície inerte para a colonização de bactérias. A micção anormal e/ou um volume de urina residual significativo promovem uma infecção verdadeira. Para simplificar, qualquer coisa capaz de aumentar a probabilidade de entrada das bactérias na bexiga e a sua permanência aumenta o risco de ITU. As bactérias também podem ter acesso ao trato urinário através da corrente sanguínea. Entretanto, a disseminação hematogênica responde por < 2% das ITUs documentadas e, em geral, resulta de bacteremia causada por microrganismos relativamente virulentos, como Salmonella e S. aureus. Com efeito, o isolamento de um desses patógenos de um paciente sem cateter ou outra instrumentação justifica a pesquisa de uma fonte hematogênica. As infecções hematogênicaspodem produzir abscessos focais ou áreas de pielonefrite dentro de um rim e resultam em culturas de urina positivas. A patogênese da candidúria é distinta, visto que a via 3 Gabriela Rodrigues hematogênica é, neste caso, comum. A presença de Candida na urina de um paciente imunocompetentes em instrumentação implica uma contaminação genital ou disseminação visceral potencial. QUADRO CLINICO ->Cistite: A presença de disúria (dor à micção), associada à polaciúria (aumento da frequência urinária), e, em alguns casos, dor suprapúbica, geralmente está associada à infecção da bexiga. Ao contrário de outras causas de ITU baixa, a cistite aguda costuma evoluir com hematúria (30%). Nos homens, os sintomas obstrutivos podem predominar, muitas vezes com dor abdominal mais importante. Idosos podem ter apresentações atípicas como alteração do nível de consciência e/ou alterações do comportamento. No exame físico, é comum a dor à palpação do hipogastro. ->Uretrite: Uma pequena parcela das mulheres que apresentam sintomas de ITU baixa, na realidade, possuem uretrite. O quadro clínico é idêntico ao da cistite aguda, com disúria e polaciúria. Esta é a explicação para os casos de “cistite” com urinocultura negativa. Os principais agentes envolvidos são Neisseria gonorrhoeae, Chlamydia trachomatis e o vírus herpes-simplex. O que chama a atenção é a duração mais longa dos sintomas (> 7 dias). Devemos investigar a presença de fatores de risco para DST, como troca recente de parceiro sexual ou mesmo profissionais do sexo. Em homens, a uretrite é marcada por disúria e corrimento uretral (este normalmente ausente em mulheres). A secreção pode ser purulenta, esbranquiçada ou mucosa. ->Prostatite: Cerca de 50% dos homens apresentam sintomas de inflamação prostática durante a vida adulta, embora em somente 5-10% desses casos exista participação bacteriana – a inflamação prostática, em > 90% das vezes, tem origem obscura. Um quarto das consultas aos urologistas deve-se à prostatite. ->Pielonefrite: A infecção renal aguda é caracterizada pela tríade: febre alta, calafrios e dor lombar. Os pacientes, em geral, se apresentam toxêmicos, com queda do estado geral e sintomas inespecíficos, como cefaleia, náuseas, vômitos e diarreia. A dor, que resulta da distensão da cápsula renal, pode irradiar para o abdome e dificultar o diagnóstico. A irradiação para a região da virilha sugere a existência de obstrução ureteral (geralmente nefrolitíase). Até 30% dos pacientes com ITU alta desenvolvem sintomas de ITU baixa concomitantes (disúria, polaciúria, urgência). O sinal de Giordano é a dor à percussão da região lombar (ângulo costovertebral) e normalmente se mostra positivo. DIAGNÓSTICO: A avaliação por meio da anamnese e exame físico é fundamental para o diagnóstico. Inclusive, aqueles pacientes que apresentam sinais e sintomas de cistite (ITU baixa) e que não apresentam nenhum fator de risco para ITU complicada, sequer necessitam ser avaliados por meio de exames complementares para proceder com o tratamento pensando naqueles patógenos mais prevalentes. ->Urocultura: A urocultura é o exame que define diagnóstico de ITU devendo ser solicitada com antibiograma para avaliar o perfil de sensibilidade do respectivo patógeno para os agentes microbianos. O ideal é realizar a coleta da urocultura antes do início do antibiótico empírico e, uma vez que se tenha o resultado do exame com antibiograma é possível “descalonar” o antibiótico elegendo para o tratamento aquele mais adequado para o patógeno isolado em cultura. A coleta da urocultura pode ser feita através do jato médio da urina após higiene íntima da região. O resultado é positivo quando encontra-se uma contagem ≥ 10^5 Unidades Formadoras de Colônia por mL (UFC/mL). Quando a coleta da urocultura é realizada por meio de punção suprapúbica ou quando é realizada em mulheres com sintomas altamente sugestivos, pode-se considerar o diagnóstico na presença de 10² UFC/ml. ->Teste do nitrito: O teste do nitrito é um dado importante. Somente os Gram-negativos entéricos (exceto Pseudomonas aeruginosa) possuem a enzima nitrato- redutase, que transforma o nitrato urinário em nitrito. A sensibilidade é baixa (35-85%, pois não detecta a presença de fungos ou germes Gram-positivos), mas a especificidade pode chegar a 90%! 4 Gabriela Rodrigues ->Diagnostico em ITU alta: Ao contrário da ITU baixa, os pacientes com suspeita clínica de pielonefrite aguda devem SEMPRE ter o diagnóstico confirmado pela urocultura. Nesses casos, uma contagem ≥ 10^4 UFC/ml, na urina coletada por micção espontânea, é conclusiva. Duas amostras de hemocultura também devem ser colhidas, havendo positividade em 33% dos casos nos adultos e em 60% dos idosos. ->Resumindo: * Análise de elementos anormais do sedimento urinário (urina rotina): presença de piúria (≥ 10.000 leucócitos/mL ou ≥ 10 leucócitos/campo), hematúria e bacteriúria; fita positiva para leucócito esterase e/ou nitrito. • Urocultura (padrão-ouro): identificação do uropatógeno (contagem bacteriana acima de 100.000 UFC/mL) em urina colhida em jato médio e de maneira asséptica (a coleta deve ser feita antes do início do antimicrobiano). • Exames inespecíficos: hemograma, proteína C reativa (PCR), ureia, creatinina. • Exames de imagem (Ultrassonografia, Tomografia computadorizada e Ressonância magnética do aparelho urinário): – Afastar complicações (obstrução urinária, doença litiásica, tumor, abscessos) e alterações estruturais ou funcionais. – Indicações: neonatos, crianças (após dois episódios em meninas e um episódio em meninos), homem, doença renal prévia, infecção persistente (não resolvida após 48-72 horas de terapia empírica), mulheres com infecções de repetição (três ou mais episódios no período de doze meses). • Hemocultura: – ITU alta complicada: positiva em 25 a 60% dos casos (maior risco de sepse). TRATAMENTO Diante de um paciente em que há suspeita de ITU por meio do quadro clínico é preciso de antemão realizar tratamento empírico até que se obtenha o resultado da urocultura e antibiograma. Para escolha do tratamento deve-se avaliar o estado geral do paciente, se o quadro clínico é mais sugestivo de cistite ou pielonefrite e presença ou não de sonda vesical. Uma resposta adequada, seja na ITU baixa ou alta, é a melhora significativa dos sintomas nas primeiras 24-48h. A maioria das infecções urinárias responde muito bem ao tratamento! 5 Gabriela Rodrigues DIAGNOSTICO DIFERENCIAL NEFROLITIASE Os cálculos renais (nefrolitíase) são um problema comum na prática de cuidados primários. Os pacientes podem apresentar os sintomas clássicos de cólica renal e hematúria. Aproximadamente 75-80% dos pacientes com urolitíase apresentam cálculos de cálcio, sendo que a maioria destes são compostos primariamente de oxalato de cálcio e, com menor frequência, fosfato de cálcio. Os outros tipos principais incluem cálculos de ácido úrico, estruvita (fosfato de amônio magnesiano) e cistina. O mesmo paciente pode ter um cálculo misto. O risco vitalício de desenvolver cálculos renais sintomáticos é de aproximadamente 13% em homens e 7% em mulheres. Apresenta alta taxa de recidiva, podendo chegar a 80% aolongo da vida e sendo de até 50% em cinco anos. ->Fatores de risco: Sexo (masculino mais comum), Idade (jovem: 3 a ou 4 a década de vida), Alterações anatômicas do trato urinário (duplicidade pielocalicial, rins policísticos, rim em ferradura, rim espôngiomedular, etc), Fatores epidemiológicos (dieta com maior consumo de proteína animal e sal, sedentarismo) Fatores genéticos / familiares, Distúrbios metabólicos (Hipercalciúria idiopática, Hiperexcreção de Ácido Úrico, Hiperoxalúria, Cistinúria, Hipocitratúria, Hipomagnesiúria), Infecção do Trato Urinário (principalmente por germes produtores de urease), Doenças Endócrinas que interferem sobre o metabolismo de cálcio (mais comumente Hiperparatireoidismo primário), Alterações do pH urinário (pH alcalino: acidose tubular renal ou infecção por germes produtores de urease ; pH ácido: diátese gotosa), Redução do volume urinário (por baixa ingestão de água) ->Quadro clinico: A apresentação clínica mais característica é a cólica renal, que surge subitamente e torna-se insuportável em pouco tempo, podendo causar náuseas e vômitos e hematúria macroscópica indolor. A dor segue o trajeto da litíase até a bexiga, começando no flanco e irradiando para virilha. Quando um cálculo se desloca pelo ureter, o desconforto costuma começar com o aparecimento súbito de dor unilateral no flanco. A intensidade da dor pode aumentar rapidamente e não existem fatores que produzam alívio. Quando o cálculo se aloja na parte superior do ureter, a dor pode irradiar-se anteriormente; se o cálculo estiver na parte inferior do ureter, a dor pode irradiar-se para o testículo ipsilateral dos homens ou para o lábio ipsilateral nas mulheres. Ficar atento a localização da dor, pois pode confundir com outras doenças como colecistite aguda, apendicite, diverticulite, condições ginecológicas ... Além disso, quando o cálculo se aloja no ureter, na junção ureterovesical, o paciente pode apresentar urgência urinária e polaciúria. Nas mulheres, esses últimos sintomas podem levar a um diagnóstico incorreto de cistite bacteriana; a urina irá conter hemácias e leucócitos, porém a sua cultura será negativa. Um cálculo que causa obstrução com infecção proximal pode se manifestar como pielonefrite aguda. 6 Gabriela Rodrigues
Compartilhar