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ICTERÍCIA Icterícia é a causa mais frequente de descompensação de doenças hepáticas crônicas preexistentes, hepatites, etilismo e coledocolitíase. Trata-se do aumento das bilirrubinas séricas e manifesta-se pela cor amarelada conferida à pele e às mucosas por este pigmento. A icterícia pode estar presente em diversas patologias, desde aquelas que se configuram como urgência grave até patologias que podem ser manejadas na atenção básica. É fundamental a correta avaliação clínica do paciente portador de icterícia a fim de estabelecimento de conduta adequada. Fluxograma de atendimento a estes pacientes, baseados numa boa anamnese e exame físico. A abordagem tem a finalidade de: - Diferenciar a icterícia pré-hepática e hepática da icterícia desencadeada por patologias pós-hepáticas. - Diferenciar as patologias inflamatórias infecciosas brandas (hepatite aguda, pancreatite e colangite brandas), dos quadros de maior severidade como os desencadeados por insuficiência hepática grave, hepatite fulminante e colangite grave. O Importante é que o protocolo aponta que utilizando-se de recursos da propedêutica e exames complementares básicos é possível a condução adequada dos casos que se apresentem na atenção básica. O profissional que desenvolve seu trabalho na atenção básica, deve estar atento, pois no linguajar simples da população a palidez cutânea mucosa causada pela anemia pode ser confundida com icterícia e o médico deve estar atento para evitar erros. É sempre desejável luz natural ou ambiente bem iluminado para a observação e diagnóstico clínico da icterícia, com especial ênfase à cor da esclera e das mucosas, assim como coloração da urina e das fezes. História clínica detalhada, exame físico e teste laboratorial oferecem informações para diagnóstico em 85 % dos pacientes com icterícia. CAUSAS BILIRRUBINA A concentração de bilirrubina em um indivíduo saudável é em torno de 1 mg/dl, menos que 5 % é na forma conjugada ou direta. A bilirrubina conjugada é por reação rápida ou seja direta sem auxílio de reagentes. A bilirrubina não conjugada requer a adição de reagentes, acelerador (catalisador) e por isso conhecida por indireta. A icterícia é resultado de depósito de bilirrubina nos tecidos com níveis iguais ou maiores que 3.0 mg/dl. A icterícia normalmente é resultado de doenças hepáticas crônicas ou agudas, doenças do trato biliar e menos comum resultado de desordens hemolíticas. Houve uma mudança significativa do diagnóstico diferencial nas últimas 2 décadas pela redução das causas de hepatite viral A e B, resultado das imunizações. A maior causa de icterícia em adulto nos dias de hoje é pela descompensação de doenças hepáticas preexistentes, hepatite alcoólica, septicemias, condições hemodinâmicas anormais e doenças calculosas. PATOGÊNESE Icterícia pode ocorrer como resultado de doenças crônicas ou agudas do parênquima hepático, obstruções do trato biliar extra-hepático (cálculos, anatômicos ou tumoral), colestase intra-hepática e anemia hemolítica. A bilirrubina sérica é derivada da degradação de células vermelhas antigas no sistema retículo endotelial. Diariamente, um indivíduo normal destrói 50 ml de células vermelhas, resultando 7,5 g de hemoglobina. A degradação desta hemoglobina resulta em 35 mg de bilirrubina. A bilirrubina não conjugado ou indireta é líquida e insolúvel em água e circula associada à albumina. No fígado a bilirrubina é conjugada pela ação da uridina difosfato glucuronil transferase, transferida para canalículos biliares na forma de bilirrubina conjugada (direta) e excretada na árvore biliar intra-hepática. Esta é excretada pela bile como diglucuronida (80%), bilirrubina monoglucuronida (20%) e bilirrubina indireta (< 1 %). Portanto a icterícia pode aparecer por falha em qualquer um destes mecanismos e a Tabela 1 resume as causas de forma simplificada. O aumento na produção de bilirrubina por hemólise pode levar à icterícias leves, frequentemente referidas como pré-hepáticas, estão associadas a anemia e devem ser encaminhadas para avaliação do hematologista. Já os casos obstrutivos, referida como icterícia pós hepática, há um bloqueio mecânico ao fluxo biliar. Nestes, os níveis de bilirrubina estão muito elevados. Quando a obstrução é abrupta a dor biliar típica está presente e o principal diagnóstico é a coledocolitíase. Muita atenção ao quadro de colangite, com dor, icterícia e febre, que é complicação frequente da coledocolitíase e é urgência médica. Os portadores de coledocolitíase apresentam bilirrubina elevada, dor tipo biliar intensa e ultrassonografia abdominal com dilatação e falha de enchimento. Via de regra, quando a coledocolitíase é diagnosticada recomenda-se a internação e desobstrução biliar sem demora. Nos casos insidiosos, como os tumores, não há dor ou esta não é tão marcada. Os níveis de bilirrubina e enzimas canaliculares estão muito elevados e o paciente costuma vir muito prostrado e emagrecido. São causados por tumores periampulares que englobam o tumor de pâncreas, colangiocarcinoma e de papila maior. Neste, um achado comum é o fato da icterícia apresentar períodos de melhora, que pode estar relacionado à necrose tumoral. O pronto encaminhamento para tratamento com especialista é mandatório. A pancreatite aguda é outra urgência médica que deve ser tratada com internação, frequentemente em unidade de terapia intensiva e rápida avaliação etiológica, a icterícia tem baixos níveis de bilirrubinas e o quadro de dor e alteração hemodinâmica é dominante, o diagnóstico é dado por altos níveis de amilase. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Antes de 2000, hepatite viral era causa de icterícia em pacientes jovens antes dos 30 anos em aproximadamente 85 % e 90 %. Em pacientes entre 40-60 anos, o etilismo aparece em 50 % a 60 %. Em pacientes entre 60-80 anos sem história de transfusão ou etilismo ou contato com pessoas com icterícia sem uso de medicações o diagnóstico é de 80 % para coledocolitíase e suas complicações ou carcinoma de pâncreas. Hepatite crônica aparece como causa de icterícia em torno de 5 % independente da idade. Atualmente, doença hepática crônica corresponde a 20 % dos portadores de icterícia, hepatites virais 8% (Tabela 2). Conforme apresentado, as hepatites virais, ainda que é a causa mais frequente de icterícia no adulto jovem, terá apresentação cada vez menos frequente nos postos de atendimento básico, não só pela vacinação em massa, como também pela melhoria no saneamento básico e orientações de higiene e prevenção de DSTs no Brasil. Nos casos de hepatites virais agudas o tratamento é de suporte, sintomáticos e repouso, estes pacientes podem ser conduzidos no posto desde que não apresentem hepatite fulminante. Nas hepatopatias crônicas, usualmente referidas como cirrose, o paciente já apresenta este diagnóstico ou pode ser feito pela presença de 2 achados ao exame físico: ascite e telangiectasias e 2 achados laboratoriais- albumina menor que 2,8 e prolongamento do tempo de protrombina com RNI maior que 1,6. A etiologia mais frequente é a doença hepática alcoólica. Os portadores de hepatopatia crônica devem ser acompanhados por especialista e nos postos de atendimento básico podem receber atendimento nas recaídas, que usualmente estão relacionados a um fator desencadeante. Este, quando identificado e afastado, permite ao paciente retornar ao seu estado de base. Assim, infecções podem ser diagnosticadas e tratadas, as mais comuns são respiratórias, urinárias e cutâneas. Importante verificar se o fator desencadeante foi o retorno ao consumo de bebidas alcoólicas! Nos pacientes que não consomem bebidas alcoólicas é mandatório o diagnóstico diferencial entre hepatite autoimune, cirrose biliar primária, colangite esclerosante primária, síndrome de Dubbin Johnson e Rotor, hemocromatose ou síndrome de Gilbert, lançando mão de marcadores sorológicos, exames de imagem e biópsia hepática. Em todos estes casos é recomendado a atuação de especialista. ACHADOS CLÍNICOS Informações obtidas dos pacientes com icterícia são agrupadas e relacionadas a hepatitesvirais, medicações, abuso de Etanol e outras informações. Hepatites Virais - Transfusões de sangue - Uso de drogas endovenosas - Prática sexual: anal, promiscuidade, história de doença sexualmente transmissível, relação sexual com portador de hepatite B ou C - Trabalho em unidade de diálise renal - Trabalho em unidade de trauma, centro cirúrgico - Uso de Piercings - Tatuagens - Usuário de cocaína inalatória - Hepatite A: viagens para áreas endêmicas, ingestão de alimentos crus especialmente crustáceos Uso de Medicações - Rever prescrições em uso - Vitaminas principalmente a A - Alimentos, medicações da flora natural Abuso de Etanol - História detalhada de quantidade - Tipo de bebidas alcoólicas - Tempo de utilização de bebidas alcoólicas Outras Informações - Perguntar sobre pruridos (colestase) - Evolução da icterícia (cor da urina e das fezes) - Recente mudança do ciclo menstrual - História de anemia, hemoglobinopatia - História familiar de doença hepática - Pneumonia recente ou atual EXAME FÍSICO Inspeção Geral - Icterícia de esclerótica - Evidências de escoriações de pele - Petéquias - Linfadenopatias - Evidência de insuficiência cardíaca congestiva Inspeção Periférica - Angioma aracneiforme - Eritema palmar - Ginecomastia - Contratura de Dupuytren - Parotidite - Atrofia testicular Exame Abdominal - Hepatomegalia - Esplenomegalia - Ascite - Circulação venosa colateral - Massa abdominal Sinais de descompensação de doença hepatocelular: - Icterícia - Ascite - Encefalopatia hepática: fetor hepáticus, alterações de comportamento LABORATÓRIO Quatro testes hepáticos alterados são sugestivos de doença hepática crônica: redução de albumina sérica, aumento de globulinas, tempo prolongado de protrombina e redução de colesterol. Elevação de bilirrubina acima de 20 mg/dl raramente se encontra em pacientes com hepatite viral aguda, pouco frequente em cirróticos e raro em icterícia obstrutiva por coledocolitíase ou câncer pancreático. Nos pacientes cirróticos podemos encontrar a síndrome hepato-renal. Normalmente os níveis de bilirrubina não ultrapassa a 15 mg/dl, pois o excesso é excretado pelo rim na forma de bilirrubinúria. As aminotransferases são > que 400 IU/L em hepatites virais e < 400 IU/L em cirroses < 400 IU/L em mais que 90 % dos pacientes com icterícia obstrutivas. As aminotransferases quando elevadas em pacientes assintomáticos, AST > que 37 e ALT > 42 são considerados sinais de alerta e doenças hepáticas devem ser investigadas antes mesmo do aparecimento de icterícias. Fosfatase alcalina é desproporcionalmente elevada em icterícias obstrutivas com valores 4 X maior que o normal. Em pacientes cirróticos a albumina está diminuída e a globulina aumentada. Tempo de protrombina está prolongado em pacientes com doenças hepáticas crônicas e cirroses. O tempo de protrombina pode estar elevado em icterícia obstrutiva prolongada por falência na absorção de vitamina K. O colesterol é frequentemente baixo em pacientes com doença hepática crônica. ESTUDO POR IMAGEM Ultrassonografia abdominal é muito útil em pacientes com bilirrubina > ou = a 10 mg/dl e persistente por mais que 2 semanas e apresenta boa sensibilidade e especificidade em aproximadamente 95 % dos casos. A identificação de coledocolitíase à ultrassonografia, associada a quadro clínico e laboratorial compatível é suficiente para o diagnóstico desta enfermidade. A presença de ductos dilatados sugere fortemente processo obstrutivo. TRATAMENTO Deve ser dirigido à causa que desencadeou o quadro. Importante a abordagem do paciente na perspectiva da integralidade da atenção.
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