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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA BEATRIZ MARIAH ARAÚJO DE SOUZA BRENDA MILENDA FERREIRA GOMES GABRIELE NASCIMENTO MACHADO A SÍNDROME DA ADOLESCENCIA NORMAL: UMA LEITURA A PARTIR DO FILME “AOS TREZES” Volta Redonda 2021 UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA BEATRIZ MARIAH ARAÚJO DE SOUZA BRENDA MILENDA FERREIRA GOMES GABRIELE NASCIMENTO MACHADO A SÍNDROME DA ADOLESCENCIA NORMAL: UMA LEITURA A PARTIR DO FILME “AOS TREZES” Trabalho apresentado no curso de graduação de Psicologia da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção de nota na disciplina de Introdução à Psicologia do desenvolvimento. Professor: Antônio Augusto Pinto Junior Volta Redonda 2021 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 4 2 ILUSTRAÇÃO CLÍNICA ........................................................................... 11 3 DISCUSSÃO ............................................................................................. 13 4 CONCLUSÃO ........................................................................................... 16 REFERÊNCIAS .............................................................................................. 17 4 1 INTRODUÇÃO A adolescência poderia ser caracterizada como uma patologia se suas características comportamentais fossem encontradas em outra fase da vida, mas elas são vistas como normais por ser de um período de desenvolvimento de diversos conflitos, que demandam mecanismos de defesa, como a dependência infantil com os pais e dos lutos que devem ser resolvidos. Assim, várias características defensivas podem ser disparadas nesse momento da vida. De acordo com Aberastury & Knobel (1981), podemos descrever a seguinte sintomatologia que integraria esta síndrome: 1) busca de si mesmo e da identidade; 2) tendência grupal; 3) necessidade de intelectualizar e fantasiar; 4) crises religiosas; 5) deslocalização temporal; 6) evolução sexual manifesta; 7) atitude social; 8) contradições sucessivas em todas as manifestações da conduta; 9) separação progressiva dos pais; 10) constantes flutuações do humor e do estado de ânimo. A adolescência é uma parte do processo desenvolvimento “durante a qual o indivíduo procura estabelecer sua identidade adulta separado do outro, apoiando-se nas primeiras relações objetais-parentais internalizadas e verificando a realidade que o meio social lhe oferece, mediante o uso dos elementos biofísicos em desenvolvimento à sua disposição e que por sua vez tendem a estabilidade da personalidade num plano genital, o que só é possível quando consegue o luto pela identidade infantil” (Aberastury & Knobel, 1981, p. 26). Dessa maneira, essa fase da vida será caracterizada de acordo com as primeiras relações, na infância, que são internalizadas, no contato com os pais. Há, nesse período, a reformulação de conceitos sobre si, como abandono da auto imagem infantil e da capacidade de conseguir projetar-se no futuro. Nesse sentido, de acordo com o mesmo, na adolescência vive-se três lutos correspondentes às perdas do corpo infantil, da identidade da infância e da figura protetora dos pais e, a maior ou menor anormalidade 5 desta síndrome normal deve-se em grande parte, aos processos de identificação e de luto que tenha podido realizar o adolescente. Com o passar do tempo, com a elaboração do luto, o adolescente verá seu mundo interno mais fortificado e, então, essa fase de “normal anormalidade” será menos conflitiva e, consequentemente, menos perturbadora. A respeito da busca de sua identidade, de acordo com Aberastury & Knobel (1981), a criança entra na adolescência com dificuldades, conflitos e incertezas que se acentuam nesse momento vital, para evoluir em direção à maturidade estabilizada com determinado caráter e personalidade adultos. E assim, a consequência final da adolescência seria um conhecimento de si mesmo como entidade biológica no mundo. Ao conceito do self como entidade psicológica, une-se o conhecimento do substrato físico e biológico da personalidade. Há a reestruturação do esquema corporal e do autoconceito (self). Aqui são de fundamental importância os processos de luto com relação ao corpo infantil perdido, que obrigam a uma modificação do esquema corporal e do conhecimento físico de si mesmo, uma forma muito característica para este período. Concomitantemente, vai se formando um sentimento de identidade, como uma verdadeira experiência de autoconhecimento. Nesse período há a reativação de todas as etapas pré-genitais, principalmente a edípica. Essas vivências edípicas reativadas tornam a fase de agrupamento necessária, a fim de que os desejos sejam suplantados para outro objeto que não os pais. A ativação das vivências edípicas vai demandar mecanismo de defesas poderosos, para que elas sejam suplantadas, resignificadas e o sujeito possa dirigir a fantasia e o desejo. Nessa busca de identidade o adolescente recorre às situações que se apresentam como mais favoráveis no momento. Uma delas é a da uniformidade, que proporciona segurança e estima pessoal. Assim, Aberastury & Knobel cita Erikson, em seu texto “A adolescência normal”, que em certas ocasiões, a única solução pode ser a de procurar "uma identidade negativa", baseada em identificações com figuras negativas mas reais. Visto que, a realidade costuma não proporcionar figuras com as quais pode-se fazer identificações positivas e então, na necessidade de ter uma identidade, recorre-se a esse tipo de identificação, anômala, mas concreta. Além disso, os processos de luto, pelos aspectos infantis perdidos, se realizam em forma patológica com a necessidade de conquistar uma identidade e costuma fazer-se muito imperiosa para poder abandonar a criança. Isto constitui uma das bases do problema 6 das turmas de delinquentes, dos adeptos aos comportamentos radicais e às drogas, por exemplo. Essa identificação negativa se dá quando há um problema no processo edípico, quando há problemas na aquisição da identidade infantil. O que foi dito anteriormente pode levar o adolescente a adotar diferentes identidades. As identidades transitórias são adotadas durante certo tempo; as identidades ocasionais são as que se dão frente a situações novas e as identidades circunstanciais são as que conduzem a identificações parciais transitórias que costumam confundir o adulto, surpreendido, às vezes, ante às mudanças na conduta de um mesmo adolescente que recorre a esse tipo de identidade, e não como ele habitualmente o vê no seu lar e na sua relação com ele mesmo. Essas identidades transitórias são adotadas por certo período de tempo, passando por variadas identificações a fim de descobrir uma própria. Estes tipos de identidade são adotados sucessiva ou simultaneamente pelos adolescentes conforme as circunstâncias. São aspectos da identidade adolescente e que surgem como uma de suas características fundamentais, relacionadas com o processo de separação das figuras parentais, com aceitação de uma identidade independente. Na adolescência tudo isso acontece com uma intensidade muito marcada. Os processos de identificação que foram se desenvolvendo na infância, mediante a incorporação de imagens parentais boas e más, são os que permitirão melhor elaboração das situações mutáveis que se tornam difíceis durante o período adolescente da vida. A busca incessante de saber qual a identidade adulta que se vai constituir é angustiante.Aidentidade adolescente é a que se caracteriza pela mudança de relação do indivíduo, basicamente com seus pais. Sobre a tendência grupal, o indivíduo nessa fase da vida recorre como comportamento defensivo a busca de uniformidade, que pode proporcionar segurança e estima pessoal. Aí surge o espírito de grupo pelo qual o adolescente mostra-se tão inclinado. Há um processo de superidentificação em massa, onde todos se identificam com cada um. Não podendo se separar da turma nem de suas atividades ou ações. Por isso, inclina-se às regras do grupo, em relação a modas, vestimenta, costumes e preferências de todos os tipos. No grupo, o adolescente encontra o reforço necessário para os aspectos mutáveis de seu ego que se produzem nesse período da vida. Desse modo, o grupo passa a ser o referencial de identificação do adolescente. Há, ainda, oposição à figura parental. Sendo assim, o fenômeno grupal adquire importância transcendental já que se transfere ao grupo grande parte da dependência que anteriormente se mantinha com a estrutura familiar e com os pais, especialmente. 7 O grupo constitui assim a transição necessária no mundo externo para alcançar a individualização adulta. Depois de passar pela experiência grupal, o indivíduo poderá começar a separar-se da turma e assumir a sua identidade adulta. Nesse momento, há a transferência da dependência do meio familiar para o grupo. Vê-se também que uma das lutas mais intensas é a que se desenvolve em defesa da independência, num momento em que os pais desempenham ainda um papel muito ativo na vida do indivíduo. É por isso que no fenômeno grupal o adolescente procura um líder ao qual submete-se, ou então, elege-se ele mesmo em líder para exercer o poder do pai ou da mãe. O fenômeno grupal facilita a conduta “psicopática normal no adolescente”, por conta do descontrole pela perda do corpo e do papel infantil. Então, aparecem condutas de desafeto, de crueldade com o objeto, de indiferença, falta de responsabilidade, que são típicas da psicopatia, mas que podem ser encontradas na adolescência normal. Evidentemente, a diferença fundamental é que no psicopata essa conduta é permanente e cristalizada, enquanto que no adolescente normal é um momento circunstancial e transitório. A intelectualização e fantasia acontece como uma das formas típicas do pensamento do adolescente. A necessidade que a realidade impõe de renunciar ao corpo, ao papel e aos pais da infância, assim como à bissexualidade que acompanha a identidade infantil, apresenta-se como uma vivência de fracasso ou de impotência frente à realidade externa. Isso obriga também o adolescente a recorrer ao pensamento para compensar as perdas que ocorrem dentro de si mesmo e que não pode evitar. O fantasiar e o intelectualizar servem como mecanismos defensivos diante dessas situações de perdas dolorosas. A incessante flutuação da identidade adolescente, que se projeta como identidade adulta num futuro bem próximo, adquire características que costumam ser angustiantes e que obrigam a um refúgio interior que é muito característico. A fuga do mundo e a formulação de planos de vida, bem como planos de reforma do mundo e formas de consertá-lo são comuns à essa fase. Tal fuga no mundo interior permite uma espécie de reajuste emocional no qual se dá um incremento da intelectualização que leva à preocupação por princípios éticos, filosóficos, sociais, que muitas vezes implicam formular um plano de vida muito diferente do que se tinha até ́ esse momento. Surgem, então, as grandes teorias filosóficas, os movimentos políticos e as ideias de salvar a humanidade. É também aí 8 que o adolescente começa a escrever versos, novelas, contos e dedica-se a atividades literárias e artísticas. Quanto à crise religiosa observa-se que o adolescente pode se manifestar como um ateu exacerbado ou como um místico muito fervoroso, como situações extremas. Logicamente, entre elas há uma grande variedade de posicionamentos religiosos e mudanças muito frequentes. É comum observar que um mesmo adolescente passa, inclusive, por períodos místicos ou de ateísmo absoluto. Isso está de acordo com toda a situação mutável e flutuante do seu mundo interno. A preocupação metafísica emerge então com grande intensidade e as frequentes crises religiosas são tentativas de soluções da angústia que vive o ego na sua busca de identificações positivas e do confronto com o fenômeno da morte definitiva de uma parte do seu ego corporal. Além disso, começa a enfrentar a separação definitiva dos pais e também a aceitação da possível morte dos mesmos. Isso explica como o adolescente pode chegar a ter tanta necessidade de fazer identificações projetivas com imagens muito idealizadas, que lhe garantam a continuidade da existência de si mesmo e de seus pais infantis. A figura de uma divindade, de qualquer tipo de religião, pode representar para ele uma saída mágica deste tipo. É possível dizer que o adolescente vive com uma “deslocalização” temporal, convertendo o tempo em presente e ativo numa tentativa de manejá-lo. As urgências são enormes e, às vezes, as postergações são aparentemente irracionais. É possível dizer que o adolescente não posterga desejos e fantasias. Na evolução sexual manifesta, há a oscilação entre a atividade masturbatória e a genitalidade plena, que tem características especiais nessa fase do desenvolvimento, na qual há mais um contato genital de caráter exploratório e preparatório do que a verdadeira genitalidade procriativa, que só acontece com a correspondente capacidade de assumir o papel paternal no início da vida adulta. Ao aceitar sua genitalidade, o adolescente inicia a busca do parceiro de maneira contida, mas intensa. É o período em que começam os contatos superficiais, os toques que enchem a vida sexual do adolescente. O amor apaixonado é também um fenômeno que adquire características singulares nessa fase e que apresenta todo o aspecto dos vínculos intensos, porém frágeis, da relação interpessoal adolescente. O primeiro episódio de amor ocorre na adolescência precoce e costuma ser de grande intensidade. Aparece aí o chamado "amor à primeira vista", que pode ser não correspondido ou, inclusive, totalmente ignorado pela pessoa amada, como ocorre 9 quando o ser amado é uma figura idealizada. Nesse período evolutivo a importância das figuras parentais reais é enorme. A cena primária é positiva ou negativa conforme as primeiras experiências e a imagem psicológica que os pais reais externos proporcionam. As mudanças biológicas que ocorrem na adolescência produzem grande ansiedade e preocupação porque o adolescente deve assisti-las passiva e impotentemente A tentativa de negar a perda do corpo e do papel infantil provoca modificações no esquema corporal que se tenta negar na elaboração dos processos de luto normais da adolescência. É normal que apareçam períodos de predomínio de aspectos femininos no rapaz e masculinos na moça. É preciso ter sempre presente o conceito de bissexualidade e aceitar que a posição heterossexual adulta exige um processo de flutuações e aprendizagem em ambos os papéis. A homossexualidade costuma ocorrer transitoriamente como uma manifestação típica da adolescência. As demandas sociais e o domínio de um mundo adulto incompreensível e exigente acabam por instigar as atitudes reivindicatórias e de reforma social do adolescente, que podem ser a ação do que já ocorreu no seu pensamento. Frente ao adolescente individual é preciso não esquecer que grande parte da oposição que se vive por parte dos pais é transferida ao campo social. Além disso, parte da frustração que significa fazer o luto pelos pais da infância projeta-se no mundo externo. Dessamaneira, o adolescente sente que não é ele quem muda, quem abandona o seu corpo e o seu papel infantil, mas que são os seus pais e a sociedade que se negam a seguir funcionando como pais infantis que têm com ele atitudes de cuidado e proteção ilimitados. Descarrega então contra eles o seu ódio e a sua inveja e desenvolve atitudes destrutivas. O adolescente tem uma personalidade na qual os processos de projeção e introjeção são intensos, variáveis e frequentes. Isso faz com que não possa ter uma linha de conduta determinada. No adolescente, um indício de normalidade se observa na fragilidade da sua organização defensiva. É o mundo adulto quem não suporta as contradições de conduta do adolescente, quem não aceita que o adolescente possa ter identidades ocasionais, transitórias e circunstanciais, e exige dele uma identidade adulta. Essas contradições, com a variada utilização de defesas, facilitam a elaboração dos lutos típicos desse período da vida e caracterizam a identidade adolescente. Há uma personalidade esponjosa, em que há a introjeção e a projeção, o adolescente ama e odeia na mesma proporção. Uma das tarefas básicas, concomitante à identidade do adolescente, é a de ir separando-se dos pais, o que está ́ favorecido pelo determinismo que as mudanças 10 biológicas impõem nesse momento cronológico do indivíduo. Muitas vezes os pais negam o crescimento dos filhos e os filhos enxergam os pais com as características persecutórias mais acentuadas. A presença internalizada de boas imagens parentais, com papéis bem definidos, e uma cena primária amorosa e criativa, permitirá uma boa separação dos pais e facilitará ao adolescente a passagem à maturidade. Por outro lado, figuras parentais não muito estáveis nem bem definidas em seus papéis podem aparecer ante o adolescente como desvalorizadas e obrigá-lo a procurar identificação com personalidades mais consistentes e firmes, pelo menos num sentido compensatório ou idealizado. Nesses momentos a identificação com ídolos de diferentes tipos, cinematográficos, desportivos, etc., é muito frequente. Em certas ocasiões podem acontecer identificações de caráter psicopático, onde por meio da identificação introjetiva começa a viver os papéis que atribui ao personagem com o qual se identificou. As flutuações de humor e ânimo acompanham o adolescente. A quantidade e a qualidade da elaboração dos lutos da adolescência determinarão a maior ou menor intensidade desta expressão e desses sentimentos. No processo de flutuações dolorosas permanentes, a realidade nem sempre satisfaz as aspirações do indivíduo. O ego realiza tentativas de conexão prazerosa com o mundo, que nem sempre se consegue, e a sensação de fracasso frente a esta busca de satisfações pode ser muito intensa e obrigar o indivíduo a se refugiar em si mesmo. Eis ai o retorno a si mesmo, que é tão singular no adolescente, e que pode dar origem a esse sentimento de solidão característico da típica situação de frustração e desalento e desse aborrecimento que "costuma ser uma característica distintiva do adolescente", que se refugia em si mesmo e no mundo interno que se foi formando durante sua infância. As mudanças de humor são típicas da adolescência e é preciso entendê-las sobre a base dos mecanismos de projeção e de luto pela perda de objetos. Ao falharem nessas tentativas de elaboração tais mudanças de humor podem aparecer como pequenas crises maníaco-depressivas. 11 2 ILUSTRAÇÃO CLÍNICA O filme em questão, “Aos treze”, conta a história de Tracy, uma adolescente cheia de conflitos, familiares e de personalidade, vivendo em busca de novas “aventuras” para firmar sua identidade e como válvula de escape de seus inúmeros conflitos externos e internos. Tracy vive com sua mãe e seu irmão, seu pai é separado de sua mãe. Esse pai pouco lhe dá atenção, colocando sempre o trabalho como desculpa. Por causa dessa falta de atenção, a menina sente vontade de tornar-se o centro das atenções, procurando amizade com outras garotas que julga ser popular na escola. No início do filme, vemos Tracy com um comportamento normal, em companhia de amigas. Porém, amplifica-se em Tracy a vontade de se enturmar com a galera popular, o que faz com que ela busque uma aproximação com Evie. Evie é uma adolescente comumente vista como rebelde, faz uso de piercings, tem tatuagens e usa roupas consideradas na moda. Seu comportamento é o típico da idade: está sempre em grupos, sai com vários garotos e tem aventuras sexuais, com ambos os sexos, não se aplica na escola e, quando está em grupo, tem um comportamento extremamente destrutivo, visto que era cruel com outros alunos da escola e praticava alguns furtos quando estava com suas amigas. Tracy, a fim de ser aceita na escola e de se distanciar da mãe, com a finalidade de não ser vista mais como um bebê, começa a se vestir parecido com as meninas populares e consegue ser aceita no grupo, se distanciando de suas amigas antigas na qual se relacionava desde a infância. A protagonista se dispõe a fazer qualquer coisa para ser aceita, inclusive, para se exibir para as meninas, nessa tentativa, ela rouba a carteira de uma senhora, a fim de que ela e as novas amigas possam fazer compras. Em casa, a situação familiar de Tracy não era das melhores. Embora tivesse um bom relacionamento com a mãe, esta convive com o namorado que já havia ido para uma clínica de reabilitação, coisa que a menina não aceitava. Assim, a filha se sentia abandonada pela mãe. Como reação a toda essa situação em casa, Evie passa a ser sua fiel escudeira. Assim, ela passa a ser um modelo de conduta para Tracy, que começa a testar sua sexualidade, tendo experiências bissexuais com Evie. Tracy passa a se drogar com a mesma, sair com rapazes, em suma, passa a agir como as populares agiam. Com 12 isso, passa a gostar da vida de rebeldia, uso de drogas, furtos, namoros aleatórios, sem ligar para as consequências de seus atos, tornando cada vez insuficiente sua relação com a mãe, tendo ainda como motivo de conflitos o fato de não aceitar o relacionamento de sua mãe com outro homem. Dessa forma, há um enfrentamento bem forte com sua mãe, que passa a ver toda essa mudança da filha com preocupação. Um comportamento que Tracy mantinha desde antes de começar a adolescência era se automutilar. Com todos esses conflitos vividos por ela, tanto internos, em relação à sua própria identidade, quanto externos, visto que ela ameaça repetir de ano por negligência e também pela situação com sua mãe, Tracy sente que precisa de uma válvula de escape e se machuca. Em dado momento do filme, Evie alega que sua tia a maltrata e expõe seu desejo de morar na casa de Tracy e ser adotada por sua mãe. A mãe da personagem sente preocupação e por um tempo, permite que ela more com a família, visto que sua tia havia viajado para fazer uma cirurgia plástica, que não deu muito certo no final das contas. Ao ser devolvida para sua casa, Evie fica muito brava com a amiga e passa a excluí-la. Tracy se sente extremamente só, triste e sem perspectiva nesse momento. Para se vingar de ter sido abandonada por Tracy, Evie esconde as drogas no quarto da ex-amiga e coloca a culpa toda nela. Nesse momento, a mãe da personagem vê a gravidade da situação da filha e, ao invés de puní-la, busca acalmá- la. A reaproximação entre mãe e filha acontece e Tracy é perdoada. Aos Treze retrata, inúmeros conflitos ocorrentes entre pais e filhos, e o quanto é importante uma família estável, com figura materna e paterna presentes, que disponham atenção para os filhos, principalmente na adolescência, pois é nessa fase que os jovens são mais vulneráveis à má influências. 13 3 DISCUSSÃO O filme demonstrava situações vividas ao extremo por umaadolescente, que ao iniciar esta fase, mudanças rápidas, tais como modificações físicas e no comportamento de forma ampla, se apresentam. Referente ao filme, é possível perceber que a mãe de Tracy não sabia como lidar com essas transformações que a filha estava passando, no começo se mostrou presente, entretanto a postura da protagonista era se desvincular da mãe, assim, ela não impõe limites nos comportamentos da filha. Muitas vezes a palavra limite pode parecer algo negativo como a repressão, proibição, e interdição. Porém, limite é algo que tem um significado que vai além disso, significa a criação de um espaço e um tempo protegido, dentro do qual o adolescente poderá expor sua espontaneidade e criatividade sem receios e riscos, tanto para si quanto para os outros (OUTEIRAL, 2003). Tracy demonstrou interesse em se inserir em um grupo e sua mãe a apoiou, comprando roupas que a adolescente considerava necessárias, a fim de que se aproximasse das pessoas do grupo de populares. "Nem todo o processo da adolescência depende do próprio adolescente, como uma unidade isolada num mundo que não existira. Não há dúvidas de que a constelação familiar é a primeira expressão da sociedade que influi e determina grande parte da conduta dos adolescentes." (ABERASTURY & KNOBEL, 1981 p. 51). Nesse contexto, o ambiente familiar de Tracy era desorganizado com muitas pessoas vivendo naquele espaço, visto que, a mãe trabalhava como cabeleireira, tendo sempre clientes, sua amiga se hospedava constantemente em sua casa por não ter onde morar com sua filha, além do namorado que de vez em quando também se acomodava em sua residência, não tendo assim, privacidade necessária à família e a adolescente sendo sempre surpreendida com esses hóspedes citados, ademais, o falta do pai também era evidenciada pela protagonista no contexto familiar. Como pressupõem Aberastury & Knobel, nesta busca de identidade o adolescente recorre a situações que se apresentam como as mais favoráveis no momento. A uniformidade com o grupo proporciona, nesse sentido, estima pessoal e segurança, visto que, dessa maneira, os adolescentes se identificam com cada um dos integrantes do grupo, o que explica uma parte do processo grupal adolescente. 14 Ainda, segundo Aberastury & Knobel (1981) é possível pressupor que a personalidade do adolescente no grupo "costuma ficar fora de todo o processo que está acontecendo, especialmente nas esferas do pensamento, [...] e o indivíduo sente- se totalmente irresponsável pelo que acontece ao seu redor" (p. 37). Isso explica a incapacidade de Tracy de pensar nas consequências de suas ações, que acabam aparecendo ao final do filme. Nesse sentido, várias das condutas da adolescente foram influenciadas e reforçadas por Evie. Em certos momentos foi possível evidenciar a conduta próxima à psicopatia nesta adolescente que se dizia amiga, "condutas de desafeto, de crueldade com o objeto, de indiferença, de falta de responsabilidade, que são típicas da psicopatia, mas que encontramos na adoloscência normal" (ABERASTURY & KNOBEL, 1981 p. 38). Inserida em um grupo, a adolescente tinha que se auto-afirmar, ou seja, começou a usar drogas, roupas diferentes, como as rasgadas, colocou piercing e também começou a se relacionar com um rapaz. Tracy vivencia seu primeiro amor e comenta com sua amiga que acredita que são perfeitos um para o outro. "O amor apaixonado'' é também um fenômeno que adquire características singulares na adolescência e que apresenta todo o aspecto dos vínculos intensos, porém frágeis, da relação interpessoal adolescente. Segundo Aberastury & Knobel, “ocorre quando esse ser amado é uma figura idealizada, um ator de cinema, uma estrela do esporte, etc., que tem na realidade as características de um claro subs- tituto parental ao qual o adolescente se vincula com fantasias edípicas."(p.45) Ela passa a explorar mais, também, sua própria sexualidade, o que é comum nessa fase que a evolução sexual manifesta. O uso de drogas também é um problema bastante comum na adolescência, visto que ela proporciona uma ilusão de substituto do afeto da família. Esse fato é também um indicador de falta de orientação por parte dos pais, o que facilita o crescimento do desejo de se autopromover com seu uso, para ser visto como “descolado” ou como modo de se aproximar de alguns grupos. Oscilações de humor eram comuns à Tracy também. Era normal que se sentisse extremamente feliz em um determinado momento, porém, quando se sentia frustrada, certamente o mundo iria acabar. Dessa maneira, podemos citar Aberastury & Knobel, que dizem que "Em nosso meio cultural, mostra-nos períodos de elação, de introversão, alternando com audácia, timidez, descoordenação, urgência, 15 desinteresse ou apatia [...]" (ABERASTURY & KNOBEL, 1981, p.28). É, portanto, um comportamento normal ao adolescente essa oscilação brusca. Ainda, foi possível observar que a adolescente se sentia incapaz de lidar com as situações apresentadas durante o filme, que a frustraram, tendo como alternativa a automutilação, que era feito com uma tesoura para que a dor vivenciada por ela nesses contextos se transformasse em dor física. “A necessidade que a realidade impõe de renunciar ao corpo, ao papel e aos pais da infância, assim como à bissexualidade que acompanha a identidade infan-til, enfrenta o adolescente com uma vivência de fracasso ou de impotência frente à realidade externa. Isto obriga também o adolescente a recorrer ao pensamento para compensar as perdas que ocorrem dentro de si mesmo e que não pode evitar. As elocubrações das fantasias conscientes — refiro-me ao fantasiar — e o intelec-tualizar servem como mecanismos defensivos frente a estas situações de perda tão dolorosas.” (ABERASTURY & KNOBEL, 1981, p.39). Nesse sentido, o caso bissexual entre Evie e Tracy é compreensível, bem como a introspecção vivenciada por Tracy nesse período, que se fecha para a mãe. Ela ama e odeia a mãe na mesma proporção, o que é característico dessa fase. Há, portanto, uma personalidade esponjosa, em que há a introjeção e a projeção. É uma fase de verdadeiras contradições. Falando sobre seu relacionamento com sua mãe, ela tem atitudes reivindicatórias, buscando suplantar o poder da mãe sobre si, a fim de reafirmar sua identidade e autonomia frente à ela. Por meio do filme, foi possível observar como a adolescência é um período de conflitos extremos e de intensas transformações. Nesse sentido, para Aberastury & Knobel (1981, p.30), “A criança entra na adolescência com dificuldades, conflitos e incertezas que se magnificam neste momento vital, para sair em seguida à maturidade estabilizada com determinado caráter e personalidade adultos". 16 4 CONCLUSÃO Em suma, o filme “Aos Treze” não se apresenta enquanto um filme de disputa entre malvados e mocinhos, mas, sim, nos convida a pensar a adolescência e a observar como uma patologia normal, como Aberastury & Knobel dizem. Uma pessoa nessa fase da vida não é criança e nem adulto. É uma fase de transição criada pela sociedade, uma passagem da infância para vida adulta, de evolução, de construção, ressignificação e de desenvolvimento e de conflitos. A adolescência não é fácil. É uma época de assumir responsabilidades, de descobertas, de crises existenciais, de elaboração de lutos, enfim, de descobrir sua própria identidade. Ao se analisar o filme de forma superficial, é possível que se ratifique o estereótipo de uma adolescência inconsequente e rebelde. A adolescência, por outro lado, deve ser analisada relacionada ao contexto social, isto é, família, escola, amigos, meios de comunicação, entre outros, pois estes influenciam e interferem de forma significativa no modo de estar e agir no mundo, porém, sempre em interação próxima com os atributos biológicos e psíquico-emocionaisde cada indivíduo. É uma fase caracterizada por aspectos específicos que fazem parte do desenvolvimento humano, e que há grandes conflitos, que caracterizam essa fase durante a construção de uma identidade. Somente através de uma transição segura e orientada, será possível o desenvolvimento futuro das potencialidades dos jovens e sua transformação num adulto pleno. Nesse sentido, o filme nos possibilitou observar essa fase do desenvolvimento de forma muito mais palpável à luz da teoria. É possível identificar os aspectos da adolescência apontados por Aberastury & Knobel na nossa própria experiência, porém, assistir de forma mais caricatural esses aspectos na vida da personagem, tornou-se muito mais fácil compreender do que se tratavam e como essa fase é complexa e difícil se de passar devido aos lutos que esse sujeito atravessa. 17 REFERÊNCIAS ABERASTURY, A.; & KNOBEL, M. Adolescência normal: um enfoque psicanalítico. Porto Alegre. Artes Médicas, 1981. Aos treze. Direção de Catherine Hardwicke. Produção de Jeff Levy-Hintee e Michael London. Alemanha. 1974. Disponível em: <https://vimeo.com/41252862>. Acessado em: 04 mar. 2021. OUTEIRAL, José. Adolescer. Estudos revisados sobre adolescência. 2.ed. Rio de Janeiro: Revinter, 2003.
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