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Izabella Campos de Oliveira Prova de Política - 1º semestre Questão 1: “A prefeitura de São Paulo anunciou, hoje (23), que será obrigatório estar com a vacinação contra a covid-19 em dia para entrar nos estabelecimentos da cidade. A exigência será como um passaporte de vacinação que deverá ser exigido por todos os estabelecimentos (comércio, serviços e eventos em geral). A comprovação poderá ser feita por meio de aplicativo da prefeitura ou com o próprio cartão físico. [...] O prefeito disse que o estabelecimento que não cumprir a determinação será multado, e o cidadão que não apresentar o comprovante de vacinação poderá ser impedido de entrar no local. ‘O conceito principal é o de que os estabelecimentos só aceitem pessoas com a vacina. Se identificarmos que o estabelecimento não está exigindo ou que há pessoas no local que não se vacinaram, aplicaremos uma multa. Para evitar isso vamos oferecer todos os mecanismos para fazer essa identificação’, disse Nunes. (ALBUQUERQUE, F. Vacinação será obrigatória em estabelecimentos na cidade de São Paulo, Agência Brasil, 2021, disponível em https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2021-08/vacinacao-sera-obrigatoria-em- estabelecimentos-na-cidade-de-sao-paulo ) Com base no trecho acima, nas discussões em sala de aula, e na leitura dos textos de Ribeiro, sobre Thomas Hobbes, e Mello, sobre John Locke, discorra sobre o papel e os potenciais limites da ação estatal no que diz respeitos às liberdades individuais dos cidadãos. (Como a vacinação obrigatória seria interpretada e avaliada por Hobbes e Locke? Para responder, aborde, necessariamente, os conceitos de estado de natureza, direitos e leis naturais, assim como o papel e os limites do Estado para ambos os autores). Primeiramente, com o intuito de apresentar a temática sobre o papel e os potenciais limites da ação estatal, no que diz respeito às liberdades individuais dos cidadãos, e como a vacinação obrigatória seria interpretada por Thomas Hobbes e John Locke, é importante explicitar os conceitos de estado de natureza, dos direitos e das leis naturais para cada um deles. Assim, no que tange o entendimento comum para ambos os estudiosos, nota-se que no estado de natureza, os indivíduos viveriam sem qualquer tipo de organização superior a qual todos respeitassem. Logo, nesse contexto, observa-se os seres humanos dispondo de seus direitos, leis e liberdades naturais. Dessa forma, todos seriam livres e iguais para fazerem e irem atrás do que desejassem, sem que houvesse algo ou alguém os regulando. Além disso, devido a sua https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2021-08/vacinacao-sera-obrigatoria-em-estabelecimentos-na-cidade-de-sao-paulo https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2021-08/vacinacao-sera-obrigatoria-em-estabelecimentos-na-cidade-de-sao-paulo racionalidade, eles percebem que é vital encontrar meios que garantam, da melhor forma possível, sua sobrevivência, evitando o “estado de guerra” de todos contra todos.1 Segundo Hobbes, existem limites naturais nessa busca pela garantia da sobrevivência, devido as leis da natureza, pois por mais que elas existam e orientem na busca pelos direitos, essas leis não conseguem ser válidas no estado de natureza, por não ter quem as aplique ou fiscalize. Por conseguinte, devido ao fato de temerem a morte e de não existirem garantias, de que todos obedeceriam as leis naturais, instaura-se o estado de guerra. Ademais, Hobbes entende a natureza do homem como constante, ou seja, ela não muda e como os homens são muito parecidos, em detrimento da sua racionalidade, tendem a supor o que os demais desejam e como agiriam. Por isso, a atitude mais prudente é a de atacar, dessa maneira, a guerra se generaliza. Em razão disso, é de suma importância que exista um Estado capaz de controlar e reprimir esses comportamentos.2 Além disto, sobre as leis da natureza, Hobbes apresenta a primeira como sendo a procura pela paz e por segui-la. Já a segunda, traz a ideia de defender- se usando de todos os meios disponíveis. Para esse fim, renuncia-se ao direito de ter todas as coisas, pois enquanto todos o detiverem, os homens estarão na condição de guerra. Ainda, é apresentado que o Estado deve ser absoluto, caso contrário haverá a luta entre os poderes.3 A partir dessa ideia, ele elabora que a sociedade só surge com o Estado e que o contrato é firmado entre os que vão se tornar súditos, por isso o soberano é uma consequência desse processo, sendo portanto, isento de qualquer obrigação.4 Diante do exposto, o papel do Estado é proteger os direitos da população, para que os homens sobrevivam e convivam pacificamente. Agora, sobre a vacinação obrigatória, é possível inferir que para Hobbes ela é válida, pois o Estado é absoluto, não tendo seu poder limitado, e pelo fato de que a vacinação visa a proteção do direito à vida, que está na essência da criação do próprio Estado, de modo que deve-se fazer o possível para garantir esse direito, caso contrário a população não deve mais qualquer tipo de lealdade a essa instituição, pois o motivo da sua existência é perdido. Na perspectiva de Locke, no estado de natureza, os homens eram plenamente livres e iguais, dispondo de uma relativa paz, concórdia e harmonia.5 Além do mais, os homens eram racionais e tinham o direito natural a propriedade, que englobava à vida, a liberdade e os bens. Já no quesito da lei da natureza, ele apresenta que o indivíduo não deveria cuidar apenas de seus direitos pessoais, mas, também, que os outros pudessem exercê-los.6 Entretanto, apesar do estado de natureza ser relativamente pacífico, ele não está isento de inconveniências, como a violação da propriedade que acarreta no estado de guerra. Dessa maneira, o Estado vem como mecanismo para superar essas inconveniências, tendo por objetivo a preservação da propriedade e da comunidade, tanto de perigos internos quanto externos.7 Assim, apreende-se que apesar de no estado de natureza os indivíduos conseguirem identificar os direitos e as leis naturais, aplicando-os cotidianamente (sabendo o que devem ou não fazer), existem aqueles que se preocupam apenas com o seu particular, violando o direito dos demais, o que ocasiona no estado de guerra.8 É importante salientar que o Estado deveria se sujeitar à lei e para que não haja a concentração de poderes em uma única pessoa ou órgão (o que acarretaria no benefício individual, em vez do coletivo), Locke defende a divisão dos poderes em Legislativo (escolhido pela maioria da população), Executivo (confiado ao príncipe) e Federativo (responsável pelas relações exteriores, como no caso de alianças, tratados, guerras e paz), lembrando que caberia a sociedade o controle do governo.9 No que tange a questão da vacinação obrigatória, para Locke o Estado pode interferir na liberdade individual dos cidadãos sob algumas condições, como essa medida estar prevista na lei e ter sido aprovada por representantes eleitos pela população, ou seja, nesse processo, a participação popular é vital, mesmo que ela tenha ocorrido indiretamente. Inclusive, no âmbito da lei natural, explicitada por Locke, a vacinação obrigatória também seria legal, pois através dela garantiria-se não só a sobrevivência do indivíduo, mas da sociedade como um todo.10 Logo, essa intervenção é legítima ao estar em conformidade com as leis, não ferindo os direitos dos cidadãos. De modo que, mesmo se o indivíduo recusar-se a cumprir uma medida obrigatória, ele ainda terá como recorrer à Justiça. Em outras palavras, no âmbito da vacinação, entende-se que o cidadão tem a liberdade de não receber a vacina, contanto que ele arque com as consequências legais de sua decisão como, por exemplo, ser impedido de entrar nos estabelecimentos comerciais, fato descrito no enunciado da questão. Questão 2: “Estão falando Que George Washington abriu mão de seu poder e está indo embora É verdade?Não sabia que era algo que se podia fazer Estou perplexo Vão continuar trocando quem quer que esteja no comando? Se sim, quem é o próximo? Não tem ninguém nesse país que seja tão imponente [...] Marés sobem Impérios caem Comparados ao Washington, eles são todos tão pequenos Tão sozinhos Olha eles correndo Vão se estraçalhar Jesus, isso será divertido!” (MIRANDA, L. M., I Know Him, Atlantic Records, 2015, Tradução nossa) Com vistas ao trecho da música acima, às discussões em sala de aula, e à leitura dos textos de Bonavides e Sadek, discorra sobre a necessidade (ou não) de se ter um governo/governante e sua relação com a sociedade para se manter no poder. (Aborde, necessariamente, as origens e razão de ser do Estado, assim como o papel do príncipe nesse meio segundo Maquiavel, e os critérios de legitimidade e legalidade, em seus aspectos históricos e sociológicos, segundo Bonavides). No trecho da música citada, o rei da Inglaterra questiona o fato da população trocar de governante. Primeiramente, com o objetivo de salientar sobre a necessidade (ou não) de se ter um governo/ governante e sua relação com a sociedade para se manter no poder, é importante discorrer sobre as origens e razão de existir o Estado. Assim como o papel do príncipe nesse meio, de acordo com Maquiavel, além dos critérios de legitimidade e legalidade, em seus aspectos históricos e sociológicos, segundo Bonavides. Para Paulo Bonavides, a legalidade ocorre quando o poder a ser exercido, nos regimes políticos, está em conformidade com as normas jurídicas expostas na Constituição, onde é definido o exercício do poder, os direitos e os deveres dos órgãos estatais, sendo necessário existir harmonia entre os recursos institucionais, as normas jurídicas e a execução do poder.11 Já a legitimidade, corresponde ao poder incluso na Constituição, devendo ser executado de forma a contemplar as crenças, os valores e os princípios da ideologia dominante da época. 12 Dessa maneira, entende-se que para haver a legalidade, os atos dos titulares do poder devem ser baseados em regras de convivência pré determinadas e reconhecidas socialmente. 13 Além disso, sob uma perspectiva filosófica, a legitimidade está contida nas crenças individuais, independentemente dos acontecimentos sociais, mas ela incluí os questionamentos quanto a validade da existência do poder, seu exercício, suas regras e se é digna de submissão. Enquanto que a legalidade faz referência aos fatos, a ordem e a política da sociedade. 14 Entretanto, em um viés sociológico, a legitimidade ocasiona na teoria dominante do poder. A respeito disso, é válido mencionar Max Weber e sua tese de que a legitimidade ocorre através das manifestações de autoridade, sendo elas: a carismática, a tradicional e a legal. Assim, a autoridade carismática baseia-se no reconhecimento alcançado, por exemplo, pelos heróis. Logo, esse poder apoia-se na lealdade individual e é proporcional ao carisma, o que difere da autoridade tradicional que consiste no fato do líder ter uma ligação com o divino, ou seja, esse poder trata da obediência por respeito ao sagrado. Por último, temos a autoridade legal que traz a ideia dos direitos poderem ser modificados e criados voluntariamente, visto que subordina-se apenas a regra.15 No entanto, para a sociologia, um governo legítimo é aquele comandado com o consentimento dos cidadãos.16 Historicamente, é notório que as expectativas perante o poder vão mudando (teoria dominante do poder), tanto que antigamente prevalecia uma concepção de legitimidade quase que automática, como o governante ser legítimo por ser filho do rei anterior, estando de acordo com os costumes da sociedade. Todavia, posteriormente, esse tipo de critério passa a ser insuficiente, de modo que a população, com o intuito de garantir sua segurança jurídica (impedindo que o governante aplique medidas arbitrárias aos direitos e necessidades desses cidadãos), passa a limitar os poderes do soberano através da lei.17 Em outro plano, agora sobre a necessidade de existir o Estado, é possível inferir que para Bonavides, o Estado é imprescindível, pois sem regras o ser humano não conseguiria garantir sua sobrevivência.18 Na música trazida no enunciado da questão, o rei da Inglaterra pergunta sobre a população trocar de governante e como isso pode ser feito, preservando a legitimidade. Bom, atualmente e no geral, a sociedade sujeita o governante as normas legais e eleitorais, diferentemente do passado, no qual o governante sujeitava-se a outras ideias vinculadas, principalmente, a legitimidade tradicional e carismática que foram explicitadas anteriormente. Ademais, sobre sua relação com a sociedade e objetivando permanecer no poder, parte-se do princípio de que caso o governante tenha sido bom para a sociedade, ele será reeleito ou irá eleger seu sucessor, inclusive esse é um fato de ocorrência no Brasil, pois o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, depois de cumprir dois mandatos presidenciais e dispondo de uma enorme popularidade, em vez de concorrer a um terceiro mandato, que seria inconstitucional, recomendou a Dilma Rousseff para a presidência e ela foi eleita, também, duas vezes. 19 Na perspectiva de Maquiavel, o Estado é necessário para impor e manter a ordem, devendo ser construído pela população com o objetivo de evitar o caos na sociedade, ou seja, ele é necessário para garantir a sobrevivência dos cidadãos.20 Além disso, Maquiavel relata que o poder político é originado devido aos homens serem naturalmente ingratos e volúveis, objetivando, por exemplo, o lucro. Então, o governo e o poder político surgiram como meio para enfrentar os conflitos advindos da natureza humana, mesmo que de forma precária e passageira. Dessa maneira, quando a nação está ameaçada, é preciso um governo forte que reprima essas forças arbitrárias, sendo válido explicitar que o príncipe é o fundador do Estado, pois, para esse fim, precisava-se de alguém virtuoso.21 Por conseguinte, o poder que surge em detrimento da natureza humana, trata-se da sabedoria na utilização da força, usando-a de forma virtuosa. Portanto, o governante é aquele que possui virtù, isto é, a capacidade de preservar seu domínio, seja pelo amor ou pelo respeito dos governados. Apreende-se que nessa relação entre o governante e a sociedade, ele deve mostrar ser o mais capaz, possuindo as qualidades valorizadas pelos súditos para conseguir permanecer no poder. 22 Assim, o vínculo da sociedade com o príncipe é baseada na virtù, ou seja, ele será legitimado desde que se adeque as expectativas da população e aos costumes daquela localidade. No que diz respeito ao questionamento da troca de governante (presente na música citada anteriormente), relacionando-o com as ideias de Maquiavel, percebe-se que ambos acarretam na discussão sobre a legitimidade, afinal o rei da Inglaterra usa de sua autoridade tradicional e ninguém vai tirá-lo do poder. Diante do exposto, mesmo se o rei tiver que obedecer as leis, ele permanecerá em seu cargo, sendo possível fazer alusão ao pensamento de Nicolau Maquiavel, pois desde que o soberano mantenha-se dentro do que foi estabelecido, não existem motivos para que ele perca sua posição política, além de que nessa época não era costumeiro pensar em trocar de governante.23 Entretanto, ao expor sobre o principado eclesiástico (Vaticano), é mostrado que a troca de papas ocorre através de eleições, mas, tradicionalmente, esse é um cargo vitalício. Por outro lado, ele ainda acrescenta que um príncipe que deseje ser lembrado, deve instaurar uma República, criando assim, um sistema legal que perdure após seu falecimento. Nesse sentido, mudam-se as expectativas quanto ao soberano, mas a preocupação de continuar e manter seus projetos no poder permanece, tanto que em relação as monarquias, algumas sociedades continuam aceitando as famílias reais,mas agora elas servem como símbolos do poder político, ou seja, as expectativas mudaram de modo que elas permaneceram no poder, apesar de não governarem mais. 24 Referências: 1. Adamec, Matin. Aula: Fundamentos da Política e do Estado. Brasília, 28/09/2021. 2. RIBEIRO, Renato Janine. “Hobbes: o medo e a esperança” em WEFFORT, Francisco (org.). Os Clássicos da Política, vol. 1. São Paulo: Ática, 1995. Pp. 53-54. 3. Leviatã, cap. XIV, pp. 78-79; RIBEIRO, Renato Janine. “Hobbes: o medo e a esperança” em WEFFORT, Francisco (org.). Os Clássicos da Política, vol. 1. São Paulo: Ática, 1995. Pp. 58- 61. 4. “Hobbes: o medo e a esperança” em WEFFORT, Francisco (org.). Os Clássicos da Política, vol. 1. São Paulo: Ática, 1995. Pp. 62-63. 5. MELLO, Leonel Itaussu Almeida. “John Locke e o individualismo liberal” em WEFFORT, Francisco (org.). Os Clássicos da Política, vol. 1. São Paulo: Ática, 1995. Pp. 84-85. 6. Adamec, Matin. Aula: Fundamentos da Política e do Estado. Brasília, 28/09/2021. 7. MELLO, Leonel Itaussu Almeida. “John Locke e o individualismo liberal” em WEFFORT, Francisco (org.). Os Clássicos da Política, vol. 1. São Paulo: Ática, 1995. P. 86. 8. Adamec, Matin. Aula: Fundamentos da Política e do Estado. Brasília, 28/09/2021. 9. MELLO, Leonel Itaussu Almeida. “John Locke e o individualismo liberal” em WEFFORT, Francisco (org.). Os Clássicos da Política, vol. 1. São Paulo: Ática, 1995. P. 87. 10. Adamec, Matin. Aula: Fundamentos da Política e do Estado. Brasília, 28/09/2021. 11. BONAVIDES, 2000, pp. 1-2. 12. Ibidem, p. 2. 13. Ibidem, pp. 2-3. 14. Ibidem, pp. 6-7. 15. Ibidem, pp. 7-10. 16. Ibidem, p. 8. 17. Adamec, Matin. Aula: Fundamentos da Política e do Estado. Brasília, 28/09/2021. 18. Adamec, Matin. Aula: Fundamentos da Política e do Estado. Brasília, 28/09/2021. 19. Adamec, Matin. Aula: Fundamentos da Política e do Estado. Brasília, 28/09/2021. 20. SADEK, Maria Teresa. “Maquiavel: cidadão sem fortuna, intelectual de virtù”, em WEFFORT, Francisco (org.). Os Clássicos da Política, vol. 1. São Paulo: Ática, 1995. P.18. 21. Ibidem, pp. 20-21. 22. Ibidem, pp. 22-23. 23. Adamec, Matin. Aula: Fundamentos da Política e do Estado. Brasília, 28/09/2021. 24. Adamec, Matin. Aula: Fundamentos da Política e do Estado. Brasília, 28/09/2021.
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