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103 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA Unidade III 5 AS BASES DO PODER TEOCRÁTICO A existência de Roma foi marcada pelo Império Romano, um Estado centralizado, controlado pelo direito que delimitava as leis e os regulamentos que zelavam pelos interesses dos proprietários de terra conhecidos como patrícios. No Império Romano surgiu a hierarquia verticalizada do poder, que é a forma como os Estados nacionais governam até os dias de hoje. É necessário explicar que uma estrutura verticalizada de poder já existia nas civilizações como forma derivada da estrutura da família. O irmão mais velho deveria governar, os demais teriam de ajudar a manter a família; às mulheres cabia reproduzir e obedecer. Todas as monarquias foram estruturas hierárquicas verticais. Observação Os reinos na Antiguidade eram limitados a um território específico, ou, no máximo, a um território principal e outros poucos anexados. O império conquistado por Alexandre, o Grande, o primeiro a existir na história ocidental, era administrado como uma confederação. Cada território adaptava sua forma de se relacionar diretamente com o poder central. No Império Romano, a lei passou a unir diferentes territórios e povos numa mesma unidade jurídica socioeconômica. A verticalização e a centralização do poder encantam a mente dos homens sequiosos de poder até os dias de hoje. Desde o Império Romano e durante toda a Idade Média, esse foi o modelo para a organização de toda unidade jurídica socioeconômica no Ocidente, começando pelos países europeus. A história da Idade Média se confunde com a história da religião católica. Essa religião, na história ocidental, atuou junto com os poderosos e até mesmo muitas vezes esteve acima do poder do Estado. Nesse período, a religião tornou-se mais importante do que as leis. Há duas grandes diferenças entre as leis do Estado e as da religião. A primeira é que as leis do Estado são escritas pelos homens. Assim, servem por um determinado tempo e, quando deixam de fazer sentido para a sociedade, caem em desuso, ou simplesmente são revogadas. Por exemplo, se em determinado momento uma sociedade resolve fazer leis a respeito do tráfego de carroças no centro da cidade, tais leis durarão enquanto as carroças forem utilizadas. Se esse meio de transporte for substituído por caminhões, as leis originais poderão até servir como base histórica para as novas leis, mas não serão iguais, uma vez 104 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 Unidade III que leis sobre tráfego de caminhões e de carroças precisam ser muito diferentes. Portanto, a sociedade acaba substituindo leis antigas por modernas, de acordo com as modificações que sofre. A segunda grande diferença é que as leis das religiões são defendidas pelos sacerdotes para que permaneçam sempre da mesma forma, principalmente, dentro da tradição judaico-cristã. Deus, para essas religiões, é a mesma entidade, e sua maior característica seria ser eterno (justamente por esse atributo teria sido capaz de criar todas as coisas). Então, como para essa tradição Deus não escreve leis diretamente – a única vez em que isso teria acontecido teria sido quando da entrega das Tábuas da Lei para Moisés contendo os mandamentos –, seria necessário que alguém as escrevesse. Era isso o que acontecia no Egito Antigo. Os sacerdotes escreviam as leis. Mas naquele tempo havia a sabedoria dos sacerdotes em separar o que era a lei dos deuses e o que eram as leis que deveriam organizar os homens. Quando um Estado acredita que as leis da religião são mais importantes do que as leis que organizam a sociedade, cria-se um Estado teocrático, também chamado de teocracia. O que aconteceu na Europa e foi determinante para a civilização ocidental foi que, durante os séculos finais de existência do Império Romano, os cristãos foram tomando a burocracia do Estado até o ponto em que o próprio imperador se tornou cristão. Os políticos, então, passaram a discutir cada vez mais as regras da religião, até que elas fossem unificadas para que a religião cristã se tornasse única dentro do Império Romano. Essa novidade social precisou de ideias e doutrinas para ser construída e sustentada. Toda a doutrina católica foi fundamentada pela própria Bíblia e pelos Evangelhos do Novo Testamento. Porém, a adoção de uma bíblia – um texto para unificar as escrituras – gerou possibilidades de múltiplas interpretações, que precisaram de reflexão filosófica (CHAUI, 2000). As correntes de pensamento cristãs não nasceram diretamente dos Evangelhos. Duas influências foram importantes: a tradição hebraica, que há séculos vinha escrevendo e refletindo sobre o texto religioso do Velho Testamento para poder promover a justiça entre os judeus; e o estoicismo romano, que tinha desenvolvido o conjunto de leis que sustentavam o Império. Os judeus não foram os primeiros a escolherem um caráter teocrático para a sua organização social. Embora a Palestina e a Judeia fossem, vez por outra, dominadas por outras nações, é certo que desde tempos muito antigos houve judeus morando em muitos reinos estrangeiros. Seus hábitos e interpretações da Lei mantinham certa unidade entre as comunidades no estrangeiro e a nação judaica na Judeia. Na prática, as interpretações da Lei eram apenas formas diferentes de entender a palavra de Deus, que permitiam uma adaptação necessária das colônias judaicas à realidade cotidiana da nação onde habitavam. Para isso, os religiosos costuravam a unidade do povo judeu dentro e fora de Israel discutindo e atualizando as diferentes necessidades de adaptação da interpretação das leis de Deus. Esse hábito de permitir que uma autoridade religiosa pudesse interpretar a Lei onde houvesse uma comunidade judaica criou diversas correntes dentro do judaísmo. Surgiram seitas judaicas, que hoje em dia são mais fáceis de ser identificadas em Israel, mas também nos Estados Unidos e na Argentina, especialmente em Buenos Aires. 105 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA 5.1 Breve introdução à fundação do judaísmo e seu monoteísmo A religião judaica é extremamente importante para todas as religiões cristãs. Não apenas a história do cristianismo se remete à mesma origem da história do judaísmo, mas também os preceitos morais, como os Dez Mandamentos, a lei de Moisés, são os mesmos para as duas religiões. Os romanos tinham certeza de que o cristianismo em seu início era uma invenção dos judeus e viam os cristãos como mais uma das muitas seitas judaicas que habitavam o Império. A principal força da fé judaica assimilada pelos cristãos foi a crença inabalável na existência de um Deus único criador do mundo. Tudo o que existe está ligado a Ele por origem. Nesse sentido, não apenas o monoteísmo foi uma diferença marcante em relação às religiões politeístas da Grécia e de Roma, que veneravam centenas de deuses e semideuses, mas também a ideia de um Deus pai dos seres humanos foi certamente a principal novidade ontológica. Segundo o judaísmo e as religiões cristãs, somos filhos de um pai, que não tem necessidade de uma mãe para criar seus filhos. No entendimento e na formação das religiões politeístas, encontramos sempre um mito de formação dos homens e das coisas: tudo seria gerado por meio de um pai e de uma mãe. Para o judaísmo, fomos gerados apenas pelo pai, e isso faz toda a diferença nessa religião. Esse pai não precisou de mãe para criar o mundo e todas as coisas e, por isso, para os antigos, era difícil entenderessa religião. Os judeus eram não apenas o povo de Deus, mas principalmente o povo da Lei. Sempre houve entre eles uma casta de religiosos que mantinha o hábito da leitura da Lei. As consultas sobre as questões cotidianas recorriam sempre ao livro para a interpretação da justiça. A diferença entre a lei romana (Lex) e a lei judaica é que enquanto a romana discutia se a lei deveria ser reescrita diante de uma nova situação real, a judaica interpretava a realidade utilizando sempre o mesmo texto principal ao longo dos séculos. É como se houvesse uma constituição universal que regesse todos e a interpretação fosse apenas uma versão das mesmas ideias adaptadas para aquele caso imediato. A força da religião judaica vem do fato de essa origem encontrar sempre no mesmo livro a forma de organizar as ideias. De certo modo, isso não era grande novidade, pois os gregos antigos utilizavam o livro Ilíada, de Homero, que narrava a Guerra de Troia, como fonte para explicação dos comportamentos humanos. Contudo, no livro hebreu estava não apenas a história da criação do mundo, mas também a história da criação do povo e a aliança de Deus com ele, prometida a Noé e a Abraão e dada a Moisés. As regras fundamentais são curtas, claras e fáceis para qualquer pessoa entender e são apenas dez, o mesmo número de dedos das mãos. Ademais, são numeradas sugerindo uma hierarquia e precedência. Tudo isso é completamente diferente dos diálogos gregos para a educação das pessoas ou mesmo das explicações lógicas para a criação do mundo. Para os judeus, não havia discussão com relação à representação do mundo. Isso elimina a angústia de não saber a origem das coisas e economiza tempo de discussão e dúvidas. Para eles, todo poder pertence a Deus. Quando o cristianismo se organizou como nova religião, fez distinção entre a Antiga Lei, dada por Deus a Moisés, e a Nova Lei, a nova aliança de Deus com o povo, por meio de seu filho Jesus. 106 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 Unidade III 5.2 As diferenças entre os romanos e os cristãos Para os romanos, Roma era a senhora do Universo, e, portanto, o imperador (na linguagem filosófica, o príncipe) romano era o mais poderoso ser do mundo. Era ele quem garantia a paz por meio de seus exércitos – ele não precisava de mais ninguém para decidir. Isso o tornava um déspota, um tirano e, quando a tirania era apoiada pelas forças militares, um ditador. Com tanto poder concentrado nas mãos de uma pessoa, o imperador passou a ser considerado divino, imbuído dos poderes de fundador do povo, restaurador da ordem universal e salvador do Universo. Para manter o império, o poder imperial era centralizado e hierarquizado, e isso criava uma hierarquia entre os funcionários imperiais. Assim, em cada território, um funcionário civil ou militar exercia o poder em nome do imperador, imitando sua forma de concentração de poder. A Igreja Católica aproveitou essa estrutura de controle e dominação do Império Romano. A transformação dos ensinamentos cristãos em teoria política estava ligada à ideia de aproveitar a estrutura que o Império Romano tinha construído, para fazer valer o poder da Igreja sobre os reinos cristãos. “Se Jesus cumprisse a profecia do Messias libertador da religião judaica, seria capitão, rei e sacerdote” (CHAUI, 2000, p. 500), pois era assim que o Messias havia sido imaginado e esperado. Mas, na prática, ele foi preso e condenado pela monarquia judaica, que usou o poder do Império Romano para realizar o seu julgamento e a sua condenação. Entretanto, a ressurreição de Jesus foi a de um líder espiritual, pois seu reino “não é deste mundo”. Desse modo, o cristianismo pôde crescer à margem do poder político de Roma e também contestá-lo: os reinos deste mundo seriam primeiro vistos como obra de Satanás. Então, pela primeira vez surgiu na história uma religião que não era adotada pelo povo de um Estado, nem mesmo como a religião de um povo étnico. Era uma seita religiosa e, como tal, o cristianismo pregava para todo ser humano disposto a ouvir. Não havia distinção entre homem, mulher ou estrangeiro. A dominação universal de Roma criou sem percerber a existência da ideia do homem universal, sem pátria e sem comunidade política (CHAUI, 2000). Isso facilitou a conversão daqueles que viviam no Império, pois, mesmo na condição social de escravo ou de plebeu, todos percebiam que eram iguais de certa forma. A promessa do cristianismo é de salvação individual eterna. Isso traz um ensinamento moral que é o dever de obediência a Deus, e o amor ao próximo, inscrito pelo Pai no coração de cada um. Esse primeiro cristianismo logo em seu princípio é uma mescla do pensamento judaico, por meio dos apóstolos, e do pensamento romano, através de Paulo e dos primeiros padres. Assim, o cristianismo combinou a ideia de povo de Deus com a ideia de lei de Deus, que são as concepções que permitiram organizar os povos. A comunidade cristã era composta de iguais, já que todos eram filhos de Deus, redimidos do pecado por Jesus depois que aprendiam a Palavra Sagrada ou o catecismo. Após batizados, os cristãos recebiam a Eucaristia e passavam a participar da nova lei, que é a aliança do Pai com seu povo pela mediação do Filho. A assembleia dos fiéis chamava-se ekklesia, e o espaço de reunião era a igreja, que passou a ser chamada de reino de Deus. 107 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA 5.3 A fundação da teocracia Percebe-se a vocação política do cristianismo na escolha das palavras para explicar a nova religião. A ekklesia era organizada por uma autoridade apostólica, que deveria reproduzir o ato final de Cristo, que foi repartir o pão e o vinho na última ceia. Nascia assim a Eucaristia, que é o ato de entender essa repartição como símbolos do corpo e do sangue de Cristo. Para que as pessoas se tornassem fiéis, era necessário que aprendessem o Evangelho, que eram as palavras da nova Lei e suas boas novas, conforme Cristo tinha ordenado no dia de Pentecostes. O poder da Igreja veio das palavras de Jesus a Pedro: Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do reino: o que ligares na Terra será ligado no Céu, o que desligares na Terra será desligado no Céu (MATEUS, 16, 18-9). Desse modo, segundo a Bíblia, só quem for autorizado por Pedro irá para junto de Deus. Os seguidores de Pedro também têm o poder para ligar os homens a Deus ou até mesmo de separá-los de Deus. Essa é a fundação da Igreja Católica como instituição de poder. Esse é o poder teocrático, pois sua origem é Deus (CHAUI, 2000). O poder (kratos) pertence a Deus (theos). Essa forma de organização da cidade e do reino foi chamada de teocracia. O poder teocrático é, portanto, superior ao poder político, porque o poder político é humano, enquanto o poder teocrático vem de Deus. A assembleia (ekklesia) era uma comunidade de bons e justos, separada do Estado e do poder imperial romano. A organização dessa assembleia estabelecia uma hierarquia que conseguia construir aquilo que Santo Agostinho – o bispo filósofo que sedimentou os ensinamentos cristãos da filosofia dos padres da Igreja, a Patrística – vai chamar de Civitas Dei, a Cidade de Deus. A Roma Imperial era a Cidade dos Homens, injusta e satânica. A instituição eclesiástica acabou convertendo o imperador romano Constantino, que transformou o cristianismo na religião oficial do Império. Assim, a ekklesia transformou-se numa organização que herdou a estrutura burocrática e militar do Império Romano. À medida que cada território romano passou a sergovernado por um seguidor do cristianismo, o poder da Igreja cresceu. Nesse ambiente governado por cristãos, os padres trataram de sair pelo mundo romano pregando a palavra de Cristo. Com o tempo, Roma foi perdendo força nos territórios conquistados, mas sua forma de organização hierárquica continuou a funcionar, desta feita nas mãos dos chefes locais. Mesmo em Roma, os poderosos já tinham adotado o cristianismo como religião, e os chefes locais da províncias fizeram o mesmo. As terras do Império Romano deixaram de pertencer aos patrícios e foram apropriadas por aqueles que as defendiam militarmente. Com essa nova divisão das terras, em que cada chefe militar podia ser imperador em seu próprio terreno, todos se viram unidos na mesma religião, e 108 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 Unidade III assim começou o período da história ocidental que chamamos de Idade Média, que criou uma nova forma de ordem política – o feudalismo. A Igreja de Cristo, sediada em Roma, pretendia-se universal e, para isso, usou a palavra katholikus, do grego, ou catholicus, do latim, que significa universal. Portanto, Igreja Católica é sinonimo de igreja universal. Seu dever maior era pregar os Evangelhos e a nova lei de Deus, como Cristo tinha ordenado aos apóstolos. Seu poder fundamentava-se na exclusividade de construir uma ligação entre os homens e Deus. Não apenas em Roma, mas também em Bizâncio, que foi a segunda grande capital do Império Romano e estava situada na atual Turquia, o poder da Igreja cresceu. Grande parte da sua importância foi devida à acumulação de terras doadas pelos fiéis ao morrer. Essas doações criaram as bases do poder econômico da Igreja. A instituição, então, passou a ser a guardiã e única intérprete dos textos sagrados da Bíblia. Com o passar dos séculos, conquistou também o direito de ser a única intérprete de todos os textos escritos até então: católicos, romanos ou gregos. A educação básica, que desde os tempos da Grécia tinha sido um dever de todo homem livre, tradição mantida durante todo o período romano, tornou-se um privilégio exclusivo dos padres. Essa diferença permitiu que os padres pudessem interpretar aquilo que servia e o que não servia para ligar os homens a Deus. 5.4 Da religião à política Aproximadamente 250 anos depois de Cristo, a Igreja já reunia todos os elementos necessários para criar sua base de poder na Terra. O vínculo entre religião e política foi construído pelos padres, que eram aqueles que sabiam ler e escrever. Para alcançar esse fim, eles interpretavam a realidade utilizando a lei de Deus, a lei romana e a filosofia grega, especialmente Platão e Aristóteles. A Bíblia católica é formada por um conjunto de textos de várias épocas e de autores muito diferentes. Foi escrita em várias línguas, mas principalmente em hebraico, aramaico e grego. Seu texto universal é composto pelo Antigo e pelo Novo Testamento. Para unificar essa obra, foi feita uma tradução para o latim, que era a língua do Império Romano. O texto traduzido passou a ser considerado o legal, o original, a partir do qual todas as interpretações deveriam ser feitas. Essa Bíblia em latim serviu de base para os critérios de aceitar ou refutar as ideias de Platão, Aristóteles ou Cícero. A lei de Deus era discutida entre os padres, seguindo a tradição judaica de discutir a lei entre os sacerdotes. Já a lei romana era interpretada por meio dos ensinamentos de Cícero e de sua defesa da lei natural. Os padres buscaram em Platão confirmar a ideia de que eles eram os sábios justos que deveriam organizar e governar a cidade. De Aristóteles vinha o conceito de que o motivo do poder é promover a justiça, em busca da felicidade. A felicidade e a justiça podiam ser encontradas com a escolha do caminho para Deus (CHAUI, 2000). Da filosofia dos estoicos, a Igreja adotou a ideia de que a política é o resultado da combinação entre a natureza e a razão. 109 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA Para conciliar as ideias dos homens com a lei de Deus, a Teologia se transformou na filosofia dominante e encontrou no Antigo Testamento a frase “Todo poder vem do Alto/Por mim reinam os reis e governam os príncipes”. Em Cícero, os padres obtiveram a ideia do bom governo do príncipe virtuoso, que deveria servir de espelho para a comunidade. Ora, quem mais virtuoso do que Deus como senhor do Universo? Sendo o poder tido como uma qualidade de Deus, os padres sugeriram que os governantes terrenos não precisavam representar os governados, mas representar Deus perante os governados. Portanto, havia a necessidade de darem bom exemplo. Como o rei seria o chefe da monarquia pela graça de Deus, o regime político organizado sob o domínio da Igreja Católica foi a monarquia teocrática. A comunidade política era formada pela submissão da assembleia a Deus e a seu representante. O rei detinha a ideia de justiça, por seguir o direito natural, que inscreveria aquilo que é justo em sua alma. Ele era considerado o pai da lei e o filho da justiça pela graça de Deus e, por isso, estava acima das leis e não podia ser julgado por ninguém, dispondo de poder absoluto. A base jurídica dessa ideia era um preceito do direito romano que ditava: “Ninguém pode dar o que não tem e ninguém pode tirar o que não deu”. Se o povo não tinha dado o poder ao rei, porque o poder a Deus pertenceria, o povo também não poderia tirar o poder do rei. Mesmo quando um rei se tornava tirânico e mau, o povo não tinha o direito de se opor a ele. Certamente, Deus, em sua sabedoria, sabia dos pecados do povo e tinha permitido que o rei se aproximasse de Satanás para punir essas faltas (CHAUI, 2000, p. 503). O príncipe cristão deveria possuir as virtudes cristãs da fé, da esperança e da caridade e o conjunto das virtudes definidas por Cícero e Sêneca como necessárias a um bom governo. Sendo o príncipe o espelho da comunidade, em sua pessoa deveriam estar encarnadas as qualidades cristãs que a comunidade deveria imitar. Os cristãos entendiam que a política era uma atividade natural do ser humano. O próprio Aristóteles pensava dessa forma, e o grande pensador da filosofia escolástica, Santo Tomás de Aquino, concordou. Outros filósofos cristãos, como Guilherme de Ockham, pensavam, como Platão e Cícero, que a política era a forma de convivência de uma comunidade por meio da razão. As finalidades supremas do poder político seriam o bem e a justiça, finalidades não políticas, mas espirituais. Os teólogos construíram, então, a ideia de corpo político do rei. O dever desse corpo era garantir a salvação eterna e conduzir o povo para os braços de Deus. A cabeça seria o rei, o peito seria a legislação sob a guarda dos magistrados e conselheiros do rei, os membros superiores seriam os senhores ou barões que formavam os exércitos do rei e a ele estavam ligados pelo juramento de fidelidade ou de vassalagem e os membros inferiores seriam o povo, que trabalhava para o sustento do corpo político (CHAUI, 2000). A cidade de Platão, a polis grega ideal onde os homens iguais discutiam para chegar às decisões, foi transformada, na Idade Média, no corpo político do rei. A hierarquia política e social foi considerada natural, porque teria sido criada ao mesmo tempo que Deus criou a natureza. 110 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 Unidade III Observação Para a Igreja na Idade Média, o mundo era um cosmos organizado por uma ordem fixa de lugares e funções. Cada ser e cada coisa ocupava seulugar no Universo devido a sua própria natureza. A posição dos seres no cosmos era determinada por uma escala de graus. Um ser de um grau inferior devia obediência ao superior, submetendo-se a ele. Portanto, um camponês, que era de um grau inferior, devia obediência a um senhor de terras, que era de um grau superior. Assim, na comunidade política, a hierarquia obedecia aos critérios das funções e da riqueza, formando ordens sociais e corporações que seriam os órgãos do corpo político do rei. Durante a Idade Média, deixou de existir a ideia de indivíduo. Em seu lugar, surgiram as ordenações e as corporações a que cada um pertencia por vontade divina, por natureza e por hereditariedade. A palavra ordenação sugere a hierarquia ordenada por graus. A palavra corporação, por sua vez, sugere que aquele grupo de pessoas que faz a mesma coisa forma parte do “corpo político do rei”. Ninguém podia subir ou descer na hierarquia, a não ser por vontade expressa do rei. Cada um nascia, vivia e morria na mesma posição social, que era transmitinda aos seus descendentes. 5.5 O controle do pensamento e das terras A Teologia não desenvolveu suas ideias por meio de mitologias ou “invencionices”. Mesmo sendo a religião uma crença cujos dogmas precisam ser aceitos sem questionamento – assim como os antigos gregos acreditavam nos poderes sobrenaturais dos deuses e semideuses –, as regras da Teologia combinavam sempre a crença cristã e as leis romanas. Essa combinação gerava leis, que foram sendo desenvolvidas de acordo com as necessidades práticas de manter a concepção imperial romana da ordem do mundo e, ao mesmo tempo, permitir o ideal eclesiástico para que a Igreja mantivesse sua influência nessa ordem. Era preciso manter o pensamento teocrático judaico, que garantia que o acesso a Deus fosse monopolizado pelos sacerdotes, e oferecer uma garantia teórico-política para aquela sociedade que estava fragmentada em grandes propriedades rurais espalhadas pelo antigo território do Império. A Igreja desejava susbtituir a realidade concreta da cidade de Roma, seu Senado e suas legiões pela presença abstrata de Deus por toda parte, a fim de garantir que no topo da hierarquia se mantivessem o Papa e os reis. O Papa exercia o poder espiritual, e o rei, o poder temporal (CHAUI, 2000, p. 504). 111 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA O império romano tinha se dividido entre milhares de pequenos senhores de terra, que controlavam seus soldados para garantir o domínio das suas terras. Com o tempo, eles acabaram se organizando a partir de laços de parentesco, repartindo a ocupação do mesmo território. Inspirados pela ideia de Platão, que afirmou que a forma justa de se escolher um líder era a votação entre os iguais, no início da Idade Média, também chamada de baixa Idade Média, as eleições entre os senhores de terra decidiam quem era o rei. Os senhores de terra também conseguiram da Igreja a garantia do direito de descendência para sua familia, pois isso fundamentava o direito de todos eles permanecerem como proprietários eternos de suas terras. O maior problema para a Teologia foi então resolver uma questão prática que se impunha durante o Império Romano: a política romana fazia distinção entre auctoritas e potestas. Auctoritas era o poder no sentido de promulgar as leis e fazer a justiça. Potestas era o poder de fato para administrar as coisas e as pessoas. A auctoritas permitia o funcionamento da comunidade política. A potestas permitia a atividade de administração executiva. Comparados a conceitos atuais, auctoritas seria os Poderes Legislativo e Judiciário e potestas seria o Poder Executivo. No início da Idade Média, o Papa possuía a autoridade espiritual, voltada para a salvação, e os reis possuíam a autoridade legal e a força administrativa temporal. Os padres e bispos administravam a Igreja no interior dos reinos. Como administradores, os religiosos precisavam ser investidos de seus poderes executivos pelo rei, mas isso significava que os reis podiam intervir na autoridade da Igreja e do Papa, o que era inaceitável para a religião. Os juristas da Igreja então elaboraram uma legislação específica para resolver esse problema, o direito canônico, que garantiria o poder do Papa na escolha de padres e bispos. Dessa forma, chegou-se à conclusão de que o poder papal é uma autoridade à qual o rei deveria se submeter. A pergunta por trás dessa ideia era se Deus tinha escolhido primeiro o Papa para abrir o caminho dos fiéis para o paraíso ou se tinha escolhido primeiro o rei para administrar a vida dos fiéis na Terra. Estava claro nas Escrituras que Jesus tinha escolhido Pedro para fundar sua Igreja. Portanto, para os religiosos, a pergunta tinha nascido com uma resposta pronta. Quando, por volta do ano 800, Carlos Magno, rei dos francos, conquistou a maior parte da Europa ocidental, seus juristas criaram a teoria da dupla investidura para que ele pudesse se tornar um novo imperador. De acordo com essa teoria, o imperador seria investido do poder temporal pelo Papa, que o ungiria e o coroaria. Por sua vez, o imperador deveria jurar defender e proteger a Igreja, sob a condição de que esta nunca viesse a interferir nos assuntos administrativos e militares do império. Assim, o imperador dependeria do Papa para obter o poder político, mas o Papa dependeria do imperador para manter o poder eclesiástico. Essa forma de conciliar ambos os interesses acabou se desgastando com o tempo. Então foi necessário criar uma nova teoria que, séculos mais tarde, permitiria a teoria da monarquia absoluta por direito divino. A nova teoria foi a teologia política dos dois corpos do rei. Um corpo seria o do “rei pela graça de Deus”, que seria a imitação do papel de Jesus Cristo. Segundo a religião, Jesus também tinha duas naturezas: a natureza humana e mortal e a natureza mística ou divina, que é imortal e que o torna filho de Deus. 112 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 Unidade III Portanto, da mesma forma que Jesus, o rei teria um corpo humano, que se comportaria como um ser humano, e um corpo místico e imortal, que seria seu corpo político. O corpo político do rei seria dado por Deus, e só Deus poderia acabar com este corpo. Os súditos poderiam reconhecer o corpo místico-político do rei através de seus símbolos e pertences: a coroa, o cetro, o manto, a espada, o trono, as terras, as leis, os impostos e tributos e seus descendentes ou sua dinastia. “Sendo filho da justiça, pai da lei, marido da terra e de tudo o que nela existia, o rei era inviolável e eterno porque seria a imitação de Cristo e a imagem de Deus” (CHAUI, 2000, p. 506). Durante a Idade Média surgiu um movimento intelectual que retomou as obras de Aristóteles. Os intelectuais e os teólogos se esforçaram em separar a Cidade de Deus – a Igreja – e a Cidade dos Homens – a comunidade política. Chegaram, então, à conclusão de que a Igreja foi instituída e fundada diretamente por Deus, com a doação das chaves do reino aos apóstolos. Já a comunidade política teria sido fundada pela natureza, que teria feito do homem um ser racional e um animal político. A boa cidade era cristã, em harmonia com a Cidade de Deus, mas as instituições políticas deveriam ser consideradas humanas, criadas em concordância com a ordem e a lei natural, que também derivam da lei divina eterna. O teórico mais importante da naturalidade da política foi Santo Tomás de Aquino. Segundo ele, como o homem é um animal social, a sociabilidade natural já existia no Paraíso antes da expulsão dos seres humanos. Como depois do pecado original os seres humanosnão perderam sua natureza sociável, naturalmente se organizaram em comunidades e formularam as leis e as relações de mando e obediência, criando o poder político. Para Santo Tomás, os seres humanos perderam a inocência original, mas não perderam a natureza original dada por Deus. Por isso permaneceram com o senso de justiça, que ele entendia como o dever de dar a cada um o que lhe é devido, e com esse senso de justiça fundaram a comunidade política: a cidade. A ordem e a justiça definiam a comunidade política como um instrumento humano legítimo para assegurar o bem comum. O teólogo Guilherme de Ockham também pensou na separação entre o poder espiritual da Igreja e o poder temporal da comunidade política e sugeriu a ideia do direito subjetivo natural. Para que a comunidade política pudesse dar a cada um o que lhe é devido segundo suas necessidades e seus méritos, precisaria estabelecer o critério do que é justo. Para que tanto o legislador quanto o magistrado tivessem um parâmetro para decidir a justiça, a medida era o direito subjetivo natural de todos os homens, tais como o direito à vida, à consciência e aos bens materiais e espirituais. Santo Tomás de Aquino e Guilherme de Ockham introduziram, assim, através da Teologia, novas ideias para a teoria política. Essas ideias trouxeram benefícios à comunidade política natural. Apesar da manutenção, pelos dois teólogos, das formas tradicionais do conceito do bom governo do príncipe cristão virtuoso, foram eles que pela primeira vez sugeriram, ainda que de forma indireta, o direito de resistência dos súditos a um tirano. Os governados não podiam resistir ao mau príncipe, contestando sua autoridade através de instrumentos legais que o forçassem a abdicar do poder, mas quando o direito subjetivo natural era 113 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA violado pelo governante, o governo se tornava ilegítimo, pois não estaria mais sendo feito em nome de Deus, e o pacto de submissão perdia a validade (CHAUI, 2000). Observação Etimologicamente, a palavra religião provavelmente signifique obrigação. Segundo Cícero, a palavra deriva de relegere: “Aqueles que cumpriam cuidadosamente todos os atos do culto divino e, por assim dizer, os reliam atentamente foram chamados de religiosos — de relegere (os que reliam) —, assim como elegantes vem de elegere, diligentes de diligere e inteligentes de intelligere –, de fato, em todas essas palavras nota-se o mesmo valor de legere, que está presente em religião” (ABBAGNANO, 2007, p. 858). Para Santo Agostinho, a palavra deriva de religare (ABBAGNANO, 2007, p. 858). Os gregos não tinham um vocábulo equivalente a essa palavra latina: aocipeía, a palavra mais próxima, significa serviço divino. As diferentes definições de religião podem ser classificadas pelos dois problemas fundamentais a que correspondem: o problema da origem e da validade da religião e o problema da função da garantia de salvação do ser humano. 5.6 A ideia de religião depois da Idade Média Do ponto de vista da validade, uma religião pode ter origem divina, uma origem política ou mesmo uma origem humana. A origem divina ou sobrenatural é intrínseca em qualquer religião, já que todas elas afirmam ter como fundamento uma revelação originária que garante sua verdade. Do ponto de vista filosófico, a religião sempre nasce de uma revelação. Já na Idade Moderna, Hobbes (2005) pensou a religião como uma solução para o medo do futuro: Por ser inegável que existem causas para todas as coisas que existem ou existirão, é impossível, para o homem que tenta prevenir-se contra os males que teme e obter os bens que deseja, deixar de viver em contínua preocupação com o porvir, de tal maneira que todos os homens, sobretudo os mais previdentes, vivem num estado semelhante ao de Prometeu (HOBBES, 2005, p. 242). Hume (2005), em História natural da religião, publicado em 1757, escreveu que [...] a religião não surge da contemplação, mas do interesse do homem pelos acontecimentos da vida e, portanto, das esperanças e dos temores incessantes que o agitam. Suspenso entre a vida e a morte, entre a saúde e a doença, entre a abundância e a privação, o homem atribui a causas secretas 114 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 Unidade III e desconhecidas os bens de que frui e os males pelos quais é continuamente ameaçado (HUME, 2005, p. 35). O pensador francês Voltaire (2002) explicou de forma mais simples o mesmo conceito: É bem natural que um burgo atemorizado pelo trovão, afligido pela perda de suas colheitas, maltratado pelo burgo vizinho, sentindo todos os dias a própria fraqueza, pressentindo por toda parte um poder invisível, tenha terminado por dizer: “existe algum ser acima de nós que nos causa bens e males” (VOLTAIRE, 2002, p. 407). Em Hegel (1989a) lemos que “No conceito da verdadeira religião, que é aquela em que está contido o Espírito absoluto, está posto essencialmente que ela é revelada, e revelada por Deus” (HEGEL, 1989a, p. 564), pois “se a Deus for negada a revelação, não restaria outro conteúdo a atribuir-lhe senão a inveja. Mas se é que a palavra espírito tem sentido, significa a revelação de si” (Ibidem, p. 560). A ideia da origem política reduz a religião a um estratagema político e anula seu valor intrínseco. Essa teoria foi primeiro expressa na Grécia por Platão, quando escreveu que os antigos legisladores inventaram a divindade como uma espécie de inspetor das ações humanas, boas ou más, para que ninguém, por medo da vingança dos deuses, ofendesse ou traísse seu próximo (PLATÃO, 2007a). Mais de 2 mil anos depois, Marx concordou com essa ideia e pensou que a religião é sugerida ao homem pela situação de necessidade material na qual ele se encontra. Sua expressão famosa sugere que a religião seria o ópio do povo, uma droga forte para afastá-lo da realidade (MARX, 2014). Também no século XIX, Durkheim acreditava que a religião seria a metafísica da sociedade; “o mito que a sociedade faz de si mesma”, no sentido de que “sociedade é a realidade que as mitologias representaram com tantas formas diferentes, mas que é a causa objetiva, universal e eterna das sensações de que é feita a experiência religiosa” (DURKHEIM, 1937, p. 597). Para Durkheim, o totem é o símbolo da força que sustenta o indivíduo e a própria sociedade. Já no século XX, o antropólogo russo Malinowski propôs que a religião e a magia surgem e funcionam em situações de tensão emocional. Religião e magia teriam em comum o fato de oferecerem uma resposta para situações difíceis por meio de crenças e práticas que pretendem alcançar o sobrenatural. Mas a magia é limitada às pessoas que fazem dela um ofício, enquanto a religião congrega todos, e os indivíduos participam dela ativamente (MALINOWSKI, 1988). Também no século XX, Feuerbach sugeriu o entendimento da Teologia como uma forma de Antropologia: a religião seria a consciência do infinito, por isso seria a consciência que o homem tem da infinidade de seu ser, e não de sua limitação (FEUERBACH, 2009). Alguns sociólogos contemporâneos perceberam que muitas vezes os ritos religiosos e as crenças a eles associadas são motivo de angústia, de tal maneira que o efeito psicológico do ritual parece ser um sentimento de insegurança e perigo (RADCLIFFE-BRONXN, 1952). Contudo, mesmo nesses casos é possível reconhecer a função social da religião na forma de fortalecimento dos laços sociais. 115 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 FUNDAMENTOSDA CIÊNCIA POLÍTICA Esse ponto de vista já havia sido desenvolvido por Malinowski (1988). Ultrapassados os limites de controle dos acontecimentos por meio das técnicas do pensamento racional, que são, na prática, muito limitadas, o homem reivindicava a liberdade da fé para adotar crenças libertadoras ou consoladoras. Isso permitiu o desenvolvimento de comportamentos que prometem a salvação infalível. Obtendo ou não o cumprimento dessas promessas, a função dessas técnicas de comportamento é dar esperança e coragem às pessoas, para consolidar as relações individuais com os outros homens e com o mundo. Nesse sentido, qualquer religião é um conjunto de regras de comportamento que permite a convivência das pessoas, pois a esperança e a coragem de enfrentar acontecimentos inexplicáveis, como terremotos ou furacões, tinham na salvação a garantia máxima de que a morte seria uma forma de benefício para aqueles que tivessem se comportado bem. Saiba mais Para conhecer um pouco mais sobre o assunto, leia a obra: MALINOWSKI, B. Magia, ciência e religião. Lisboa: Edições 70, 1988. 5.7 Santo Agostinho e a filosofia patrística A filosofia patrística foi a primeira filosofia teológica adotada pela Igreja Católica. Seu período de atuação se estendeu do século I ao século VII. Ela começou com as Epístolas de São Paulo e o Evangelho de Santo João. A patrística foi o esforço teológico dos primeiros padres da Igreja em conciliar a religião cristã com o pensamento filosófico dos gregos e romanos. A filosofia patrística também refletiu a divisão do Império Romano no século IV da nossa era. O fato de o Império ter sido dividido em Império Romano do Ocidente (controlado por Roma) e Império Romano do Oriente (controlado por Bizâncio) (Constantinopla, hoje Istambul) de certa forma prenunciou o seu fim. Observação A capital do Império Romano do Oriente foi Constantinopla, que atualmente é conhecida como Istambul, cidade da Turquia. O cristianismo também se dividiu, gerando, de um lado, a patrística grega, que fundamentou a Igreja de Bizâncio, e, de outro, a patrística latina, que desenvolveu a Igreja de Roma. Os principais filósofos da Igreja de Roma foram Justino, Tertuliano, Orígenes, Clemente, Santo Ambrósio, São João Crisóstomo, Isidoro de Sevilha, Santo Agostinho e Boécio. A patrística tentou conciliar as ideias do judaísmo com a filosofia estoica romana. Na reinterpretação das ideias romanas, criou também as regras para a nova religião de Jesus Cristo. 116 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 Unidade III Muitas das verdades aceitas pela Igreja Católica até os dias de hoje foram construídas nesse período, muito antes de se tornarem uma regra. Foi ainda nesse período que os seguidores de Cristo deixaram de ser vistos como de uma seita judaica, pois a adesão de tantos homens e mulheres das mais diversas origens afastou a religião cristã da ideia de religião de um povo específico. As explicações sobre a criação do mundo, o pecado original, a existência de Deus como trindade una, a encarnação e a morte de Deus, o juízo final ou o fim dos tempos e a ressurreição dos mortos foram os elementos que constituíram a Igreja Católica e foram conceitos criados e explicados nesse período. Esses conceitos diziam respeito apenas à religião, mas uma vez que todos aceitavam a verdade dessas ideias, os padres precisaram explicar como o mal podia existir num mundo criado por Deus, descrito como pura perfeição e bondade. Muitas foram as tentativas de esclarecer esse paradoxo, mas foi Santo Agostinho quem finalmente conseguiu justificar que a consciência moral e o livre-arbítrio são de responsabilidade do ser humano e independentes da existência de Deus. Ele se fundamentou nas ideias de Platão, que foram modificadas para a realidade de seu tempo, num movimento que foi chamado de neoplatonismo. A filosofia patrística inventou um parâmetro de verdades reveladas que não eram sequer consideradas pelas filosofias grega e romana. Para os cristãos, as verdades sobrenaturais eram recebidas por uma graça divina e, por isso, eram superiores às verdades racionais. Para impor as ideias cristãs, os padres (pais) da Igreja transformaram essas verdades reveladas por Deus em decretos divinos, que não podiam ser refutados por ninguém – os dogmas (CHAUI, 2000). Santo Agostinho desenvolveu a ideia de que, para Deus, cada ser humano é uma pessoa. Essa ideia também faz parte do direito romano, que define a pessoa como um sujeito com direitos e deveres. Se somos pessoas, somos responsáveis por nossos atos e pensamentos. A essência da nossa pessoa é nossa consciência. A consciência existe porque ela é a expressão da alma dotada de vontade, imaginação, memória e inteligência. A vontade é livre, mas, como está aprisionada num corpo humano, que vive muitas paixões e por isso é fraco, pode ser conduzida por ele em direção à ilusão e ao erro. Por isso, estar no erro ou na verdade depende de cada um. Entretanto, como sabemos que estamos conhecendo a verdade? Segundo o cristianismo, tendo fé. Para entendermos melhor, temos também de compreender como as explicações da filosofia patrística funcionam para comprovar a existência da fé. É importante notar que elas se basearam na razão para explicar a realidade de maneira cristã. Vamos examinar algumas delas, começando pela explicação de Santo Agostinho (2007) do que é o tempo: O que é o tempo? Tentemos fornecer uma explicação fácil e breve. O que há de mais familiar e mais conhecido do que o tempo? Mas, o que é o tempo? Quando quero explicá-lo, não encontro explicação. Se eu disser que o tempo é a passagem do passado para o presente e do presente para o futuro, terei que perguntar: como pode o tempo passar? Como sei que 117 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA ele passa? O que é um tempo passado? Onde ele está? O que é um tempo futuro? Onde ele está? Se o passado é o que eu, do presente, recordo, e o futuro é o que eu, do presente, espero, então não seria mais correto dizer que o tempo é apenas o presente? Mas, quanto dura um presente? Quando acabo de colocar o “r” no verbo “colocar”, esse “r” é ainda presente ou já é passado? A palavra que estou pensando em escrever a seguir é presente ou é futuro? O que é o tempo, afinal? E a eternidade? (AGOSTINHO, 2007a, p. 120). Santo Agostinho chegou à conclusão de que tempo era a intuição do movimento. Essa ideia também contém o conceito de consciência. Isso porque, para a filosofia neoplatônica, o tempo não existiria fora da alma. Se o tempo não existe fora da alma e tudo o que existe tem alma, o mundo tem alma e o Universo está no tempo na medida em que também está na alma do mundo. Para Santo Agostinho, o tempo é a própria vida da alma que se estende para o passado ou para o futuro: De que modo diminui e consuma-se o futuro que ainda não existe? E, de que modo cresce o passado que já não é mais, senão porque na alma existem as três coisas, presente, passado e futuro? A alma de fato espera, presta atenção e recorda, de tal modo que aquilo que ela espera passa através daquilo a que ela presta atenção, para aquilo que ela recorda. Ninguém nega que o futuro ainda não exista, mas na alma já existe a espera do futuro: ninguém nega que o passado já não exista, mas na alma ainda existe a memória do passado. E ninguém nega que o presente careça de duração porque logo incide no passado, mas dura a atenção por meio da qual aquilo que será passa, afasta-se em direção ao passado (AGOSTINHO, 2007a, p. 127). Ainda segundo Santo Agostinho: “Talvez fosse mais correto dizer: há três tempos: o presentedo passado, o presente do presente e o presente do futuro” (AGOSTINHO, 2007a, p. 122). Uma ideia derivada dessa consciência de diferenças no tempo é a memória. Ela seria a forma de percepção interna do tempo, chamada de introspecção: Chego aos campos e vastos palácios da memória, onde estão tesouros de inumeráveis imagens trazidas por percepções de toda espécie […] Ali repousa tudo o que a ela foi entregue, que o esquecimento ainda não absorveu nem sepultou [...] Aí estão presentes o céu, a terra e o mar, com todos os pormenores que neles pude perceber pelos sentidos, exceto os que esqueci. É lá que me encontro a mim mesmo e recordo das ações que fiz, o seu tempo, lugar e até os sentimentos que me dominavam ao praticá-las. É lá que estão também todos os conhecimentos que recordo, aprendidos pela experiência própria ou pela crença no testemunho de outrem (AGOSTINHO, 2007a, p. 95). 118 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 Unidade III Santo Agostinho diz também: “Lembro que tenho memória, inteligência e vontade; entendo que entendo, quero e lembro e quero querer, lembrar e entender” (AGOSTINHO, 2007b, p. 82). Isso significa, de acordo com as reflexões do autor, que cada aspecto ou faculdade tem a capacidade de olhar para si mesma e entender sua relação intrínseca consigo mesma. “A mente não conhece nada tão bem quanto aquilo que lhe é mais acessível e nada está tão próximo da mente quanto ela de si mesma (AGOSTINHO, 2007b, p. 74). Em outras palavras, a memória é o que nos permitiria saber que temos uma consciência. Se sabemos o que é o tempo e isso acontece na nossa alma, e ela se lembra de tempos que já passaram, eu me recordo dos momentos quando pude decididr entre fazer o certo e fazer a coisa errada. Se sei disso, minha consciência existe porque tenho memória. Tendo certeza de que a alma existe, Santo Agostinho afirmou que o homem pode conhecer Deus porque ele mesmo é a imagem de Deus. Memória, inteligência e vontade, em sua unidade e distinção recíproca, reproduzem no homem a trindade divina de Ser, Verdade e Amor (AGOSTINHO, 2007b). Isso também significa que através da consciência temos certeza da existência da alma, pois ela também tem origem divina. Assim os poderes humanos são derivados dos poderes divinos, e isso torna a consciência um poder importante da pessoa. Para Santo Agostinho, todo conhecimento deriva, ao mesmo tempo, da cognição e do conhecido (AGOSTINHO, 2007a), trazendo para o mesmo plano na realidade o objeto conhecido e o sujeito que conhece por meio de sua consciência. Segundo ele, se isso não pudesse acontecer, não haveria condição básica para se conhecer nada. Ele prossegue com seu raciocínio: As coisas são mesmo tais como me aparecem? Estão no espaço? Mas o que é o espaço? Se eu disser que o espaço é feito de comprimento, altura e largura, onde poderei colocar a profundidade, sem a qual não podemos ver, não podemos enxergar nada? Mas a profundidade, que me permite ver as coisas espaciais, é justamente aquilo que não vejo e que não posso ver, se eu quiser olhar as coisas. A profundidade é ou não espacial? Se for espacial, por que não a vejo no espaço? Se não for espacial, como pode ser a condição para que eu veja as coisas no espaço? (AGOSTINHO, 2007a, p. 137). Santo Agostinho demonstra que a certeza que o sujeito pensante tem da sua existência não permite que se duvide dela por causa da consciência. Quem duvida da verdade tem certeza de que duvida, logo tem certeza de que vive e pensa, portanto é a própria dúvida que fornece a certeza que a leva à verdade (AGOSTINHO, 2007b). Esse pensamento se torna uma das pedras fundamentais da filosofia escolástica: 119 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA eu creio que existo, portanto sei que existo. Santo Agostinho utilizou essa ideia para demonstrar a transcendência da verdade que, para ele, era a presença de Deus na alma humana. Desse modo, Santo Agostinho considerou que o tempo permite entender que a memória existe e que ela demonstra como o indivíduo pode escolher entre o bem e o mal. A conclusão disso é que o indivíduo possui livre-arbítrio. Contudo, a memória também permite ao ser pensante perceber que tem consciência, que, por sua vez, constata que a alma existe. Como a alma é uma coisa boa, pois sustenta a vida, ela só pode ter sido feita como cópia ou parte de outra coisa boa: como parte de Deus. Por isso, o indivíduo pode até tentar negar sua consciência fazendo alguma coisa má, mas ela estará sempre sendo regida pelas qualidades positivas dadas por Deus. Mas isso não era tudo. Santo Agostinho recorreu à ideia grega de amor, que é uma relação, união ou vínculo de um ser com outro, quase uma vida que une ou tende a unir dois seres: o amante e o que é amado. Esse sentimento existe na própria essência divina e se torna um conceito teológico, moral e religioso. O amor a Deus e ao próximo é, assim, praticamente a mesma coisa. Amar a Deus significa amar o amor, por isso não se pode amar o amor se não se ama quem ama. O ser humano não pode amar a Deus, que é o amor em si, se não tiver esse sentimento por outro homem. O amor fraterno entre os seres humanos não só deriva de Deus, mas também é Ele mesmo, e isso é uma revelação divina à consciência dos homens (AGOSTINHO, 2007b). Essas reflexões levaram Santo Agostinho à conclusão de que o amor ao bem supremo, Deus, é o fundamento da virtude. A cidade celestial é constituída pelo amor a Ele e tem como objetivo afastar-se do mal. A outra cidade está na terra e é corrompida porque seus habitantes buscam somente o amor próprio e os prazeres oferecidos pela vida terrena (AGOSTINHO, 2012a). A cidade celestial é a cidade de Deus. Ela seria representada na terra pela Igreja. A cidade terrena é a cidade dos homens, que persegue apenas a própria glória. Na cidade de Deus, há liberdade e felicidade. Na cidade dos homens, o ser humano está preso ao egoísmo, o que promove um distanciamento de Deus e conduz ao mal (AGOSTINHO, 2012a). A ideia política proposta pelo santo não dizia que a teocracia deveria governar a cidade dos homens, mas deixava implícito que um governo cristão, embora sujeito à corrupção, seria mais propício a que se conseguisse alcançar a felicidade. A injustiça estaria diretamente relacionada ao problema do mal. A justiça seria o bem supremo (Deus), e a injustiça, o distanciamento do bem. Com base nessa dimensão teológica em que o sagrado é considerado a fonte de todos os bens, a ideia de justiça se estrutura a partir da fé. Como Deus é a própria justiça, a punição pela prática do mal seria justa porque se afastar do bem é uma decisão do livre-arbítrio da vontade humana. Santo Agostinho concluiu que: “O direito natural não foi gerado por uma opinião, mas inserido em nós por uma força inata, do mesmo modo como, na religião, estão a piedade, a graça, a observância, a verdade” (AGOSTINHO, 2012a, p. 4). Nesse sentido, a patrística continuou a tradição dos juristas romanos, entendendo que a lei natural estava escrita no coração dos homens como uma força inata ou um instinto. 120 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 Unidade III Para o santo, o ideal estoico da apatia parecia desumano e impossível de ser realizado: “Não experimentar a menor perturbação enquanto se vive neste lugar de miséria só pode ser fruto de grande dureza de alma e de grande entorpecimento do corpo” (AGOSTINHO, 2012a, p. 9). Por outro lado, acreditava no caráter ativo e responsável das emoções:A vontade está em todos os movimentos da alma, ou melhor, todos os movimentos da alma não são mais que vontade. O que é, de fato, a cupidez ou o contentamento senão vontade consciente com as coisas desejadas? E o que são o medo e a tristeza senão vontade que repudia coisas não desejadas? Segundo a diversidade das coisas desejadas ou evitadas, a vontade humana, ao permanecer atraída por elas, ou ao rejeitá-las, transforma-se nesta ou naquela emoção (AGOSTINHO, 2012a, p. 6). Os padres acreditavam que a graça seria a salvação que Deus oferece ao ser humano. Foi dessa forma que Paulo a descreveu na Epístola aos Romanos quando se perguntou se existe um limite para a graça de Deus (EPÍSTOLA..., 1980). Essa questão levantava o problema do livre-arbítrio, pois a quem caberia determinar a salvação, ao próprio ser humano ou a Deus? Uma vez que Deus é quem determina os hábitos e as disposições que tornam uma pessoa justa, seria o responsável pela salvação. Entretanto, a graça pode não ser o único determinante, no sentido de que sua concessão divina, mesmo sendo condição necessária para a salvação, não a determinaria, porque exigiria também o bom comportamento do ser humano. A primeira solução para essa questão foi apresentada por Santo Agostinho. Ela levava em consideração que toda a humanidade pecou com Adão e em Adão. Portanto, o gênero humano seria uma só “massa condenada”, e nenhum membro da humanidade poderia escapar dela, a não ser pela misericórdia e pela graça não obrigatória de Deus (AGOSTINHO, 2012a). O fundamento dessa solução é que a verdadeira liberdade do homem coincide com a ação agraciadora de Deus. Segundo Santo Agostinho, a vontade só é livre quando não dominada pelo vício e pelo pecado, e é essa a liberdade que só pode ser devolvida ao homem pela graça de Deus (AGOSTINHO, 2012a). Desse ponto de vista, o homem não possui méritos próprios, válidos perante a divindade: seus méritos são dons divinos que devem ser atribuídos a Deus, e não a si mesmo (AQUINO, 2009). Lembrete Para Santo Agostinho, a filosofia servia como veículo auxiliar que tinha como finalidade ser misturada à fé divina. Ele tentou elucidar a verdade e sistematizar as concepções do mundo, do homem e de Deus. Suas concepções foram por séculos a base teológica da Igreja Católica. Ele entendia que Deus era um ser transcendente absoluto e indivisível, que não havia nada comparado a sua essência perfeita e eterna. 121 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA A concepção agostiniana de Deus ultrapassa a racionalidade humana. Santo Agostinho entendia Deus como ser único, que subsiste em três pessoas distintas (trindade): o Pai, que seria a essência divina; o Filho, que permitiria o verbo (as palavras da salvação); e o Espírito Santo, que é o amor divino que cria tudo o que existe. Como o homem seria feito à imagem e semelhança de Deus, estaria provido da mesma essência divina, e tudo o que existe no Universo também conteria, de alguma forma, a manifestação da trindade. Para Santo Agostinho, a política era uma atividade voltada para o bem e a paz. A função política deveria ser pautada pelo interesse dos governantes em servir a Deus: Se, por conseguinte, se rende culto ao Deus verdadeiro, servindo com sacrifícios sinceros e bons costumes, é útil que os bons reinem por muito tempo e onde quer que seja. E não o é tanto para os governados como para os governantes. Quanto a eles, a piedade e a bondade, grandes dons de Deus, lhes bastam para felicidade verdadeira, que, se merecida, permite à gente viver bem nesta vida e conseguir depois a vida eterna (AGOSTINHO, 2012a, p. 12). Sem os sacrifícios sinceros e os bons costumes, os objetivos particulares dos dirigentes políticos prevaleceriam sempre sobre os interesses da coletividade, promovendo a injustiça social e a violência: Desterrada a justiça, que é todo reino, senão grande pirataria? E a pirataria que é, senão pequeno reino? Também é punhado de homens, rege-se pelo poderio de príncipe, liga-se por meio de pacto de sociedade... Se esse mal cresce, porque se lhe acrescentam homens perdidos, que se assenhoreiam de lugares, estabelecem esconderijos, ocupam cidades, subjugam povos, toma o nome mais autêntico de reino. Esse nome dá-lhe abertamente, não a perdida cobiça, mas a impunidade acrescentada (AGOSTINHO, 2012a, p. 13). Santo Agostinho tentou organizar o pensamento cristão em favor de uma vida justa através da religião num momento em que existia a tentativa de buscar o melhor das tradições da lei judaica e do direito romano, adaptadas pelo entendimento dos ensinamentos de Jesus Cristo. Esse pensamento guiou a formação da Igreja Católica no início do período feudal, quando os chefes militares tentavam se manter como autoridades supremas na forma de príncipes de seus reinos. Está claro que a militarização da sociedade era antagônica à fé cristã, por isso, via-se que o melhor que poderia ser alcançado era a justiça proveniente do Deus. O que veremos a seguir é que, depois que o feudalismo já estava instaurado por toda a Europa, a filosofia escolástica tentou reorganizar o pensamento católico repensando a questão da justiça e também a questão da mobilidade social . 122 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 Unidade III Observação Agostinho nasceu na cidade de Tagaste, província romana que ficava no norte da África. Seu pai era um berbere, cidadão romano e pagão. Sua mãe, Mônica, era berbere cristã. Com onze anos, aprendeu literatura latina e leu o diálogo Hortensius, de Cícero, passando, então, a se interessar pela filosofia. Com dezessete anos, seu pai mandou-o estudar em Cartago. Depois dessa nova mudança, assumiu uma união estável com uma mulher de uma classe social inferior. Com ela, Agostinho teve um filho, chamado Adeodato, mas pela lei romana não podia se casar com ela. Sua vida mudou quando foi contratado pelo prefeito de Roma como professor de Retórica Imperial para o tribunal de Milão. Mônica, sua mãe, conseguiu convertê-lo ao cristianismo e insistiu que ele estudasse o neoplatonismo. Mas foi Ambrósio, o bispo de Milão, quem finalmente o convenceu. Depois de muita insistência de sua mãe se separou da mulher e abandonou a carreira de professor para dedicar-se a servir a Deus. Um ano depois de ser convertido, Agostinho retornou à África. Sua mãe e seu filho faleceram, e ele ficou sozinho. Vendeu seu patrimônio e converteu a casa da família num mosteiro. Então foi ordenado sacerdote e cinco anos depois foi declarado bispo de Hipona. Escreveu as regras para seu mosteiro, que ainda são seguidas pela ordem dos agostinianos. 5.8 Santo Tomás de Aquino A filosofia cristã da Alta Idade Média foi a Escolástica. Nos primeiros séculos da Idade Média, a palavra scholasticus indicava um professor de Artes Liberais, depois de Filosofia ou Teologia, que lecionava na escola do convento ou da catedral e finalmente na universidade. Portanto, escolástica significa literalmente a filosofia da escola. Na escolástica a filosofia assumiu a forma de comentários ou de coletâneas de questões, e seu problema fundamental foi fazer o homem compreender a verdade revelada por Deus. A escolástica era um exercício de atividade racional que seguia, na prática, os conceitos estabelecidos pela filosofia neoplatônica ou aristotélica para alcançar a verdade religiosa contra a incredulidade e as heresias. Ela se tornou a nova forma de ensinamento religioso para a revisão dos dogmas da Igreja, que tinham sido firmados pela filosofia patrística nos primeiros trezentos anos do catolicismo. A escolástica medieval é divididaem três períodos: • séculos IX a XII: alta escolástica. Sua principal característica era a confiança na harmonia entre a fé e a razão, na forma idealista neoplatônica; 123 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA • séculos XIII a XV: fez os teólogos pensarem que não há exata harmonia entre fé e razão, mas as duas coisas não seriam opostas; • depois do século XV: final da escolástica, que acontece quando surge o movimento intelectual do Renascimento, redescobrindo os textos gregos e romanos que a própria Igreja tinha escondido ou destruído. Os textos revisitados pelos renascentistas provieram principalmente de traduções árabes dos textos originais. Naquele momento, já se percebia claramente que entre a fé e a razão havia uma grande distância, que por um grande período foi tratada como oposição entre as duas coisas. O período em que Santo Tomás de Aquino atuou foi justamente o de reflexão da Igreja Católica sobre seus preceitos elaborados principalmente por Santo Agostinho. Os princípios neoplatônicos que permitiram a Agostinho conciliar a fé com a razão, formulada na ideia de “eu creio, eu existo”, ajudaram a explicar e confirmar os dogmas dos padres da Igreja. Mil anos depois, era necessária uma revisão conceitual. Até porque a sociedade feudal já tinha se consolidado e não mais espelhava claramente a herança sociopolítica e cultural do Império Romano. Santo Tomás foi um padre dominicano que atuou como teólogo e filósofo. Ele percebeu que naquele momento em que a religião católica dominava a Europa, não havia necessidade do idealismo contido em toda filosofia de inspiração platônica. O importante era se apoiar na filosofia aristotélica, mais prática e voltada para a realidade do mundo, a fim de transformar a Teologia em ciência. A doutrina filosófica cristã de Santo Tomás de Aquino tentou esclarecer a relação que existiria entre a verdade revelada, a fé e a razão. Para ele, a Teologia era uma ciência suprema, fundada na revelação divina, tendo a Filosofia como sua auxiliar na demonstração da existência de Deus de acordo com a razão e por meio da experiência dos sentidos. Sua doutrina racional foi a base filosófica que permitiu que o cristianismo conseguisse sobreviver como religião dominante e praticamente única na Europa por mais três séculos, até que a degeneração do comportamento do papa e de seus cardeais revoltou Martinho Lutero, que iniciou o movimento da Reforma da Igreja, criando a Igreja Protestante. Uma das grandes reflexões do pensamento de Santo Tomás foi repensar a ética como fundamento da política. Sua filosofia social e política é uma extensão da ética. Para ele, o homem buscava, livre e voluntariamente, sua perfeição e sua felicidade. Adotando os princípios da ética aristotélica, Santo Tomás tentou demonstrar a possibilidade de alcançar a felicidade perfeita a partir da elevação da natureza humana à ordem do sobrenatural, ou seja, ao encontro de Deus. Assim, a ideia de felicidade devia corresponder a um bem infinitamente perfeito, que é Deus, e a maneira correta de alcançá-lo seria o caminho da razão. Deus seria o princípio exterior que conduziria o ser humano ao bem por meio da lei que deveria ser regulada pela razão humana. 124 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 Unidade III A ideia geral era a de que uma lei é uma prescrição da razão para o bem comum promulgada por quem conduzia a comunidade e por ela aceita. Dessa forma a lei, por meio da ordem e da justiça, teria como finalidade induzir os homens à virtude e à beatitude, conduzindo-os às observância dos preceitos religiosos para a preservação de sua virtude. Por isso, a lei natural teria sido inserida por Deus na consciência humana para ser reconhecida. Essa lei natural assumiria a qualidade de lei eterna, se constituiria na “razão ou plano da divina sabedoria, enquanto dirig[iria] todos os atos e movimentos das criaturas” (AQUINO apud GAUTÉRIO, [s.d.]). Isso porque Deus governaria suas criaturas como consequência da divina providência. Tudo na natureza seguiria uma lei conforme seu lugar designado por Deus no momento da criação. Ninguém poderia conhecer a lei eterna em sua totalidade, mas todo ser racional conheceria a verdade conforme sua capacidade. Os animais, seres irracionais, conhecê-la-iam a partir de um princípio motor interior, e os seres racionais teriam a percepção natural daquilo que está de acordo com a lei eterna. Toda a natureza estaria sujeita à lei eterna, pois nela estariam impressos todos os princípios dos atos divinos. Todas as leis derivariam da lei eterna, pois participariam da mesma razão. Se uma lei não fosse justa ou legítima, não seguiria essa razão e não derivaria da lei eterna. Assim vemos que a ética de Santo Tomás de Aquino é fundamentada pelo direito natural. A lei natural prescreve os atos de todas as virtudes. O ser humano prefere o bem e a conservação da vida, o que acontece por causa da percepção humana da moral, que Santo Tomás acreditava ser um costume por poder ser encontrada habitualmente na razão e também porque teria sido aquilo que a natureza teria ensinado a todos os animais. Lembrete A lei natural se manifesta por meio da inteligência, fazendo o ser humano distinguir o bem do mal utilizando a razão. Os princípios da lei natural poderiam ser distorcidos pela razão em função da ignorância, dos maus hábitos ou de fatores externos ao ser humano, como grandes catástrofes. Contudo, a lei natural não podia ter seus princípios mudados, nem mesmo ser apagada totalmente do coração dos homens. Portanto, a lei humana seria a aplicação concreta da lei natural às necessidades da convivência humana na busca do bem comum. Para ser razoável, a lei humana tinha de derivar da lei da natureza. Ela precisava ser honesta, justa e adequada ao tempo e ao lugar. Seria justa quando ordenasse em favor do bem comum e não permitisse o abuso do poder por quem a promulgasse. Ela seria indispensável para alcançar a felicidade, pois garantiria uma convivência pacífica. Santo Tomás percebia que como algumas pessoas são mais inclinadas aos vícios, seria preciso que fossem ameaçadas pelo medo da lei. Isso permitiria que fizessem voluntariamente aquilo que fariam apenas obrigadas pela força e pela coerção. A lei seria um preceito geral, igual para todos, mas 125 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA sua aplicação levaria em consideração as diferenças sociais. Algumas leis não atingiriam as pessoas superiores, mas um príncipe deveria cumpri-las voluntariamente, por estar submetido a Deus. A razão desse pensamento é que, assim como Aristóteles, Santo Tomás de Aquino considerava o homem um animal social e político. Essa vida em sociedade seria regida pela razão, e os seres humanos precisariam de alguém que os guiasse ao bem comum, à paz social e à bem-aventurança. A vida virtuosa, que para Aristóteles era a verdadeira finalidade da comunidade política, seria transformada por Santo Tomás de Aquino num meio de alcançar a presença divina, que seria, portanto, a verdadeira finalidade da comunidade política. Assim, ele partia do pressuposto de que havia uma causa final das coisas e de que isso explicaria a necessidade de o dirigente perseguir o bem comum. Aquele que buscasse apenas o seu bem particular seria um tirano. Quanto mais um governo se afastasse do bem comum, mais injusto ele se tornaria. Para Santo Tomás de Aquino, seria na unidade das coisas que se encontraria a perfeição.Logo, a monarquia seria o melhor regime, pois conservaria melhor a unidade de governo. Entretanto, quando a virtude fosse eficaz para operar o mal, a monarquia se tornaria uma tirania. Segundo Aristóteles, se fôssemos escolher entre os governos injustos, seria melhor escolher a democracia à tirania. Os regimes injustos se distinguem pelo pequeno número de pessoas que são beneficiadas por ele e são ruins porque visam ao bem particular ou de só uma pessoa, classe ou governante. Mesmo sabendo que a tirania era um péssimo regime, Santo Tomás de Aquino preferia um governo ruim a nenhum governo. A desordem nega a autoridade e todo o tipo de associação humana. Assim, não seria possível que o ser humano pudesse se organizar como animal social e político. Santo Tomás seguiu Aristóteles quando afirmou que o governo de um só seria melhor porque é o que mais se aproxima do governo natural e o comparou também com o corpo humano. Ele justificou sua escolha numa suposta fundamentação da história da humanidade que, segundo ele, demonstrava que o regime unificado numa só pessoa seria o melhor, pois teria sido o tipo de governo que mais teria dado certo. Mesmo defendendo a monarquia, Santo Tomás também defendia um governo no qual o príncipe, a aristocracia e o governo popular teriam participação. Segundo ele, apesar de o melhor governo ser aquele em que um só lideraria, também seria bom que o príncipe fosse auxiliado pelos melhores, que deveriam ser eleitos pelo povo (AQUINO, 2009). O Velho Testamento já previa a instituição de um governo misto como a melhor forma de governar uma cidade: E isto foi o que instituiu a lei divina. Pois Moisés e os seus sucessores governavam o povo, sendo, como singularmente, os chefes de todos; e isso é uma espécie de monarquia. Mas eram escolhidos setenta e dois anciãos, conforme a virtude (AQUINO, 2009, p. 215). 126 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 Unidade III 6 A RACIONALIZAÇÃO DA POLÍTICA COM MAQUIAVEL A Idade Média terminou com a transição para a Idade Moderna, por um movimento intelectual que ficou conhecido como o Renascimento. Esse movimento artístico, filosófico e literário começou no fim do século XIV e se prolongou até o fim do século XVI. O movimento surgiu na Itália e se espalhou por outros países da Europa. A palavra e o conceito de Renascimento têm origem religiosa: o segundo nascimento ou o nascimento do homem novo (ou espiritual) de que falam o Evangelho de Santo João e as Epístolas de São Paulo. Durante a Idade Média, esse conceito de Renascimento designava o retorno do homem a Deus, à redenção do pecado capital por causa de Adão. No século XV essa palavra claramente passou a ser empregada para designar a renovação moral, intelectual e política que pretendia recuperar os valores da civilização greco-romana quando supostamente o ser humano teria alcançado suas melhores realizações. Por mais que o Renascimento tivesse pretendido ressaltar as diferenças que o distinguiam do período medieval, os elementos de continuidade entre ele e a Idade Média são evidentes. Os problemas discutidos pelos humanistas e filósofos renascentistas eram os mesmos discutidos durante a Idade Média e geralmente continham as mesmas propostas para alcançar as soluções. Houve uma continuidade entre os dois períodos históricos, mesmo que em alguns momentos tenha parecido estar havendo uma revolução. A característica principal do Renascimento foi o humanismo, que foi entendido como o reconhecimento do valor do homem e a crença de que a humanidade teria sido mais perfeita na antiguidade clássica. Havia também a vontade de renovação religiosa, com a tentativa de recuperar a revelação originária. Essa vontade de revelação inspirou a filosofia que, por causa dela, redescobriu Platão. Contudo, esse foi o momento em que aconteceu a Reforma Protestante da Igreja, que foi a tentativa de restabelecer o contato com as fontes originárias do cristianismo de Jesus Cristo, ignorando a tradição medieval. A reflexão sobre as concepções políticas foi outro movimento importante durante o Renascimento. Maquiavel reassumiu para o conhecimento a origem humana da sociedade e do Estado, se afastando da tradição da Igreja Católica. Também houve a tentativa de recuperar as formas históricas originárias e a natureza das instituições sociais, como no direito, quando houve a volta do jusnaturalismo. A investigação da natureza por meio do aristotelismo, as manifestações de magia e da metafísica da natureza e também as primeiras conquistas da ciência moderna aconteceram durante o Renascimento. Maquiavel introduziu de forma definitiva a palavra Estado no vocabulário político e filosófico. Durante muito tempo havia imperado a concepção organicista, que comparava a constituição do Estado ao corpo de um homem e pensava seu funcionamento como um organismo vivo. Essa ideia teve origem com Platão, que afirmou na República que no Estado as partes e os caracteres que constituem o indivíduo estão escritos em tamanho maior e, portanto, são mais visíveis (PLATÃO, 2000). 127 SO CI - R ev isã o: L uc as /G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 9/ 01 /2 01 5 FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA Para Aristóteles: O Estado existe por natureza e é anterior ao indivíduo porque, se o indivíduo de per se não é autossuficiente, estará, em relação ao todo, na mesma relação em que estão as outras partes. Por isso, quem não pode fazer parte de uma comunidade ou quem não tem necessidade de nada porquanto se basta a si mesmo não é membro de um Estado, mas fera ou Deus (ARISTÓTELES, 2008). Essa era também a concepção de Santo Tomás de Aquino, expressa na obra De regimine principium. Para Cícero, que era um filósofo estoico, a concepção de Estado era contratualista, ou seja, tinha a visão de que o Estado nasce de um contrato entre as pessoas e de que é uma obra humana que não reproduz nenhum caráter humano, mas espelha as qualidades do comportamento das pessoas que o compõem (CÍCERO, 2011). As concepções de Estado de Cícero e Santo Tomás têm em comum a ideia de um grupo social que reside num território, portanto partilham a noção de realidade social e são, nesse sentido, visões sociológicas. As propostas das formas políticas anteriores a Maquiavel tentavam sugerir como os homens deviam viver, o que criava sistemas utópicos. A grande novidade proposta pelo pensador foi procurar entender como os homens vivem de fato. O método proposto por ele trouxe uma prática que se tornou a grande novidade científica do Renascimento: observar os fatos. A experiência deveria ajudar a superar as elucubrações baseadas exclusivamente na dedução, típicas da Idade Média. Isso porque com a dedução é possível provar a lógica da fé e da crença, mas com a experiência os seres humanos só confirmam aquilo que pode ser tratado e medido com a técnica. Maquiavel foi o primeiro a escrever que os homens sempre agiram com corrupção e violência (ARANHA; MARTINS, 1986). Como já comentamos, a visão de política de Santo Tomás de Aquino era uma dedução baseada numa visão religiosa para justificar a submissão do poder do Estado ao poder espiritual da Igreja Católica. Maquiavel utilizou a razão para redefinir a função da política e sugeriu o uso da observação e da experimentação para o exercício da atividade política. Nesse sentido, foi o primeiro a sugerir que existe a possibilidade de uma ciência política (MAQUIAVEL, 1996). Suas obras não previam nenhum tipo de doutrina que devesse ser seguida, como encontramos nas ideias de Platão, Aristóteles, Santo Agostinho e Santo Tomás. Num movimento que relembra a obra de Cícero, seus escritos foram fruto da sua vivência política e da necessidade
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