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A síndrome antifosfolipídica (SAF) é uma doença multissistêmica autoimune caracterizada por eventos tromboembólicos arteriais, venosos ou de pequenos vasos e/ou morbidade na gravidez na presença de anticorpos antifosfolípides PERSISTENTES. A SAF ocorre como uma condição primária ou no contexto de uma doença autoimune sistêmica subjacente, particularmente lúpus eritematoso sistêmico (LES). A síndrome antifosfolípide (SAF) é uma diátese trombótica autoimune caracterizada por obstruções arteriais e venosas, morbidade obstétrica e presença de anticorpos antifosfolípides (AAF). Anticorpos anticardiolipina (aCL), antibeta2-glicoproteína I (antibeta2-GPI) e anticoagulante lúpico (LA) perfazem o grupo de AAF incluídos nos critérios de classificação. Vasos de todos os tipos e calibres podem ser afetados. EPIDEMILOGIA • Estudo retrospectivo: Quase 9% das pacientes com perda gestacional, 14% acidente vascular cerebral, 11% infarto do miocárdio (MI) e 10% trombose venosa profunda (TVP). • Estados Unidos: 50.000 perdas gestacionais, 110.000 acidentes vasculares cerebrais, 30.000 TVP anualmente. • EUA/Itália: Prevalência de 17 a 50 pacientes por 100.000. TERMINOLOGIA • SAF trombótica: Pacientes com diagnóstico baseado em trombose venosa ou arterial e critérios laboratoriais persistentes. • SAF obstétrico: Pacientes com diagnóstico baseados em uma morbidade de gravidez definidora de SAF (incluindo morte fetal após 10 semanas de gestação, nascimento prematuro devido à pré-eclâmpsia grave ou insuficiência placentária, ou múltiplas perdas embrionárias antes de 10 semanas de gestação) e critérios laboratoriais persistentes. o A SAF obstétrica, definida por abortamentos de repetição, perdas fetais e pré-eclâmpsia, apresenta nuances patogênicas próprias decorrentes de inflamação no trofoblasto e trombose placentária. SAF PRIMÁRIA X SAF E LES • 50% tem doença autoimune sistêmica concomitante. • O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é a doença mais comumente associada à SAF, que está presente em aproximadamente 35% dos casos. • Pacientes com SAF associada ao LES são mais propensos a ter artrite, livedo reticular, doença valvar cardíaca, trombocitopenia e leucopenia do que pacientes com SAF primária, além do que as frequências de trombose arterial, trombose venosa e perda fetal são maiores em pacientes com SAF e LES. • Frequência da evolução da SAF para LES ou doença semelhante ao lúpus: 0% em 5 anos, 4% em 6,5 anos, 13 a 23% em 9 anos. FISIOPATOLOGIA Anticorpos antifosfolipídeos (aFL) são autoanticorpos que reconhecem uma variedade de proteínas plasmáticas de ligação a fosfolipídeos, como a beta 2-glicoproteína I, protrombina, anexina A5 e fosfolipídeos expressos nas plaquetas, monócitos e células do trofoblasto. A beta 2-glicoproteína I, uma proteína de controle do complemento construída de 5 domínios, é reconhecida como o principal antígeno-alvo dos anticorpos da síndrome antifosfolipídica (SAF). Foi observado que anticorpos que reconhecem um epítopo específico no domínio I da beta 2-glicoproteína I estão associados a um aumento do risco de trombose. Outros mecanismos propostos para o papel dos anticorpos anti-SAF na trombose incluem ligação endotelial, resistência à proteína C e ativação do complemento. Vários mecanismos trombóticos e mediados por inflamação induzidos pela ligação de aFL podem estar relacionados à patogênese dos anticorpos antifosfolipídeos nas complicações relacionadas à gestação. Em particular, o sistema complemento foi implicado na patogênese da trombose e perda fetal na SAF em camundongos, e a resistência à anexina A5 também pode ser um mecanismo significativo. CLASSIFICAÇÃO • SÍNDROME ANTI-FOSFOLÍPIDE PRIMÁRIA o É utilizado quando as manifestações da síndrome ocorrem de forma independente, sem a concomitância de outras doenças auto-imunes. o Menos frequentemente pacientes com “SAAF” primária podem vir a desenvolver o Lúpus Eritematoso Sistêmico • SÍNDROME ANTI-FOSFOLÍPIDE SECUNDÁRIA o É utilizado quando as manifestações da síndrome ocorrem concomitantemente com outras doenças auto-imunes como o Lúpus Eritematoso Sistêmico. o É mais frequente no sexo feminino • SÍNDROME ANTI-FOSFOLÍPIDE CATASTRÓFICA o É uma forma muito rara e grave da “SAAF”. o Ocorrem múltiplas tromboses difusas em vasos pequenos, podendo evoluir para a disfunção de múltiplos órgãos. o Doença tromboembólica de progressão rápida potencialmente fatal em que há envolvimento simultâneo de 3 ou mais órgãos. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS • Características marcantes: Trombose venosa, arterial e/ou de pequenos vasos, bem como complicações específicas da gravidez. • Eventos trombóticos: Trombose venosa profunda (TVP), Trombocitopenia, livedo reticularis, AVC, tromboflebite superficial, embolia pulmonar, perda fetal, Ataque isquêmico transitório. • Outras: Doença valvar cardíaca, hipertensão pulmonar, úlceras cutâneas e insuficiência adrenal devido a infarto hemorrágico e déficits cognitivos. • "Síndrome antifosfolipídica catastrófica": Falha de múltiplos órgãos devido a tromboses de pequenos vasos. EVENTOS TROMBÓTICOS • Venosos > arteriais. • O risco é aumentado em indivíduos com testes positivos para atividade anticoagulante lúpico ou com níveis médios ou altos de anticorpos anticardiolipina. • O risco de trombose recorrente ou tromboembolismo mais aumentado naqueles com positividade para três ("positividade tripla" - anti-fosfolipídio, anticardiolipina e anti-beta-2-glicoproteína-I) após testes repetidos. • Trombose venosa: Veias profundas das extremidades inferiores, menos comuns incluem os seios pélvico, renal, pulmonar, hepático, portal, axilar, subclávio, ocular e cerebral, bem como a veia cava inferior. • Trombose arterial: Vasculatura cerebral, geralmente na forma de AVC ou AIT. Oclusões nas artérias retinianas, coronárias, renais e mesentéricas também podem ocorrer. ENVOLVIMENTO NEUROLÓGICO • Trombose vascular e lesão direta do tecido neuronal pelo antifosfolipideo. • AVC e AIT são as manifestações neurológicas mais comuns da SAF. • O AVC isquêmico pode ser uma manifestação de trombose in situ ou devido à embolia decorrente de doença cardíaca valvular. • Síndrome de Sneddon: É caracterizada por livedo reticularis disseminado em associação com um acidente vascular cerebral; 50% dos casos tem antifosfolilideo detectável. • Déficits cognitivos. • Outros distúrbios menos comuns: epilepsia, psicose, coreia e hemibalismo, mielopatia transversa, perda auditiva neurossensorial e enxaqueca. ALTERAÇÕES HEMATOLÓGICAS • Trombocitopenia. • Anemia hemolítica autoimune, especialmente se houver trombose generalizada. • Síndromes microangiopáticas trombóticas: púrpura trombocitopênica trombótica (PTT) e síndrome urêmica hemolítica (SHU). ALTERAÇÕES PULMONARES • Doença tromboembólica pulmonar. • Hipertensão pulmonar tromboembólica e não tromboembólica (hipertensão arterial pulmonar). • Trombose arterial pulmonar. • Microtrombose pulmonar. • Síndrome do desconforto respiratório agudo. • Hemorragia alveolar difusa. ALTERAÇÕES CARDÍACAS • Alterações valvares: Espessamento valvar e nódulos valvares (também chamados de vegetações não bacterianas ou endocardite de Libman-Sacks). • Valva mitral > valva aórtica. • Lesões valvares, especialmente nódulos aórticos, estão altamente associadas ao risco de acidente vascular cerebral. • Risco aumentado de desenvolver doença arterial coronariana - por tromboembolismo coronário, aterosclerose acelerada levando a uma ruptura da placa ou trombose microvascular com um leito vascular coronário normal. ALTERAÇÕES CUTÂNEAS • Hemorragias estilhaçadas, livedo reticularis e racemosa, necrose cutânea e infarto, gangrena digital, ulcerações cutâneas, lesões semelhantes à vasculite (nódulos "pseudovasculíticos", máculas). • Uma perda detecido elástico normal conhecida como anetoderma, que se apresenta como áreas localizadas de pele enrugada ou flácida. • Livedo racemosa é caracterizado por um padrão semelhante a uma rede violácea na pele com círculos irregulares e/ou quebrados. • Livedo reticularis é caracterizado por círculos contínuos. ALTERAÇÕES RENAIS • Minoria de pacientes com SAF primária. • Os capilares glomerulares e outros vasos renais, tanto artérias quanto veias de todos os tamanhos, podem ser afetados. • A doença pode ser silenciosa ou produzir insuficiência renal aguda ou crônica com proteinúria e hipertensão. ALTERAÇÕES GASTROINTESTINAIS • Isquemia envolvendo esôfago, estômago, duodeno, jejuno, íleo ou cólon, resultando em sangramento gastrointestinal, dor abdominal, abdome agudo, necrose esofágica com perfuração ou ulceração gástrica ou duodenal. • Infarto esplênico ou pancreático também pode ocorrer. • Trombose venosa hepática ou portal pode resultar na síndrome de Budd-Chiari, doença hepática veno-oclusiva, infarto hepático, hipertensão portal e cirrose. OUTRAS ALTERAÇÕES • Envolvimento ocular: Amaurose fugaz, oclusão venosa da retina e arterial e neuropatia óptica isquêmica anterior. • Doença adrenal: Trombose da veia adrenal bilateral, resultando em infarto hemorrágico que pode se manifestar como dor abdominal, lombar, pélvica ou torácica. COMPLICAÇÕES NA GRAVIDEZ • Morte fetal após 10 semanas de gestação. • Nascimento prematuro devido à pré-eclâmpsia grave ou insuficiência placentária. • Perdas embrionárias (˂10 semanas de gestação). • Evolução catastrófica por SAF deve ser considerada, particularmente em pacientes com história de trombose ou abortos espontâneos. EXAMES LABORATORIAIS • Anticorpos antifosfolipideos: Anticorpos anticardiolipina, Anticorpos antibeta2-glicoproteína-I, Teste de anticoagulante lúpico. • Outros achados: Trombocitopenia, anemia hemolítica, tempo de tromboplastina parcial ativada prolongado (TTPa), VDRL falso-positivo e consumo de complemento. • Outros antifosfolipideos: Anticorpos dirigidos contra a protrombina, fosfatidilserina ou fosfatidilinositola ainda sem significado clínico. • Repetir após pelo menos 12 semanas para confirmar a persistência dos anticorpos • Perda fetal recorrente, geralmente a partir do final do 1° trimestre da gestação. o é uma das manifestações mais importantes e se deve à oclusão de vasos uteroplacentários. O sofrimento fetal (com retardo no crescimento intrauterino), as perdas fetais, os partos prematuros, a pré-eclâmpsia e a síndrome HELLP podem ser observados. o A morte fetal inexplicada com mais de 10 semanas em feto morfologicamente normal é o critério obstétrico mais específico para SAF, enquanto o critério mais sensível é a história de abortamentos recorrentes • Levar em consideração o tipo, isotipo, título, persistência e o número de testes positivos. • Presentes em pacientes saudáveis que têm outra doença autoimune, reumática, expostos a certos medicamentos ou agentes infecciosos. o Infecções bacterianas: Septicemia bacteriana, leptospirose, sífilis, doença de Lyme (borreliose), tuberculose, hanseníase, endocardite infecciosa, febre reumática pós-estreptocócica e infecções por Klebsiella. o Infecções parasitárias: Malária, Pneumocystis jirovecii e leishmaniose visceral (calazar). o Malignidade: Tumores sólidos do pulmão, cólon, colo do útero, próstata, rim, ovário, mama e osso; Doença de Hodgkin e linfoma nãoHodgkin; e leucemias mieloides e linfocíticas. o Medicamentos: fenotiazinas (clorpromazina), fenitoína, hidralazina, procainamida, quinidina, quinina, etossuximida, interferon alfa, amoxicilina, clorotiazida, contraceptivos orais e propranolol. DIAGNÓSTICO Para ser SAF deve haver pelo menos um critério clínico e um critério laboratorial: • CRITÉRIOS CLÍNICOS 1. Trombose vascular: Pelo menos um episódio de trombose venosa, arterial ou de pequenos vasos em qualquer tecido ou órgão. A trombose precisa ser confirmada por estudo histopatológico (exceto trombose venosa superficial - sem evidência significativa de inflamação da parede vascular) ou exame de imagem Doppler. 2. Morbidades da gravidez a) Pelo menos uma morte inexplicável de feto morfologicamente normal a partir da 10ª semana gestacional (com comprovação da normalidade morfológica através de USG ou necropsia fetal). b) Pelo menos um parto prematuro de neonato morfologicamente normal antes da 34ª semana gestacional devido à eclâmpsia, pré-eclâmpsia severa ou insuficiência placentária. c) Pelo menos três abortos espontâneos consecutivos inexplicados antes da 10ª semana de gestação com exclusão de alterações anatômicas e hormonais maternas e/ou cromossômicas de ambos os genitores. Em estudos de populações que tiveram mais de uma morbidade na gestação, os investigadores são fortemente encorajados a estratificar grupos de assuntos de acordo com a, b ou c acima. • CRITÉRIOS LABORATORIAIS 1- Anticoagulante lúpico (LA) presente no plasma em pelo menos duas ocasiões com pelo menos 12 semanas de intervalo, detectados de acordo com os guidelines da Sociedade internacional de trombose e homeostase (subcomitê cientifico de LAs/anticorpos dependentes de fosfolipídio). 2- Anticardiolipina (aCL) IgG e/ou IgM no soro ou plasma presente em titulação moderada a alta (˃40 GPL ou MPL, ou mais de 99%) em pelo menos duas ocasiões com pelo menos 12 semanas de intervalo e medido através do método ELISA. 3- Anticorpo Anti-beta-2 glicoproteína-I de IgM ou IgG presente no soro ou plasma (titulação maior que 99%) em pelo menos duas ocasiões com pelo menos 12 semanas de intervalo e medido através do método ELISA e de acordo com recomendações no procedimento. Saf Catastrófica • CRITÉRIOS 1. Evidência de envolvimento de pelo menos três orgãos, sistemas/aparelhos ou tecidos. 2. Desenvolvimento das manifestações simultaneamente ou em menos de uma semana 3. Confirmação histopatológica de trombose de pequenos vasos em pelo menos um órgão ou tecido 4. Presença de anticorpos antifosfolipídios (Anticoagulante lúpico, Anticorpo Anticardiolipina e/ou Anticorpo Anti-beta-2 glicoproteína-I) • CLASSIFICAÇÃO 1. SAF catastrófica definida: Presença dos quatro critérios 2. SAF catastrófica provável: Presença dos quatro critérios envolvendo apenas dois órgão, sistemas ou tecidos OU presença dos quatro critérios sem a confirmação laboratorial com pelo menos seis semanas de intervalo ou morte prematura de um paciente nunca testado para FAS catastrófica anteriormente OU presença dos critérios 1, 2 e 4 OU presença dos critérios 1, 3, 4 e o desenvolvimento de um terceiro após uma semana, porém em menos de um mês, apesar da coagulação. MORTALIDADE • As principais causas de morte: Trombose (31%), sepse (27%), malignidade (14%), hemorragia (11%), lúpus eritematoso sistêmico (LES) (8%) e SAF catastrófico (5%). • A média de idade ao óbito foi de 59 anos, com desvio padrão de 14 anos. TRATAMENTO • Profilaxia primária (anticorpos positivos sem eventos trombóticos): Baixas doses de AAS. • Profilaxia primária para pacientes com LES e SAF: Hidroxicloroquina e AAS. • Profilaxia secundária para evento arterial: Anticoagulação e AAS. • Profilaxia secundária para evento venoso: Anticoagulação. Anticoagulação: Heparina sobreposta à varfarina seguida por terapia indefinida com varfarina na maioria dos pacientes. NOACs (Apixabana, Dabigatrana, Edoxabana, Rivaroxabana) são menos eficazes do que a varfarina em pacientes com SAF, especialmente para eventos arteriais. Gestantes: Heparina de baixo peso molecular (HBPM).
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