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1 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Endocrinologia INTRODUÇÃO À ENDOCRINOLOGIA A Endocrinologia é a especialidade médica que estuda a ação dos hormônios no organismo. Os hormônios são substâncias secretadas na circulação sanguínea que desempenham atividades à distância, regulando processos fisiológicos em órgãos- alvo e mantendo a homeostasia. As principais funções do sistema endócrino são: - Regulação do equilíbrio do sódio e da água, além do controle do volume sanguíneo e da pressão arterial. - Regulação do equilíbrio do cálcio e do fosfato para preservar as concentrações desses íons no líquido extracelular necessárias à integridade da membrana celular e à sinalização intracelular. - Regulação do balanço energético e controle do armazenamento, da mobilização e da utilização da energia para assegurar o suprimento das demandas metabólicas celulares. - Coordenação das respostas contrarreguladoras hemodinâmicas e metabólicas do organismo ao estresse. - Regulação da reprodução, do desenvolvimento, do crescimento e do processo de envelhecimento. O sistema endócrino é formado por um conjunto de múltiplos órgãos, de diferentes origens embriológicas, que liberam hormônios, incluindo desde pequenos peptídeos até glicoproteínas, que exercem seus efeitos em células-alvo próximas ou distantes. O sistema endócrino está intimamente relacionado com o sistema nervoso central e periférico, além do sistema imune. Por isso, inúmeras condições neurológicas e psicológicas podem influenciar na secreção (ou não secreção) de hormônios. Por exemplo, o estresse pode inibir a secreção de GnRH pelo hipotálamo (SNC), resultando em inibição da secreção de FSH e LH pela hipófise e, consequentemente, em ausência de ovulação e menstruação. Os hormônios podem ser produzidos e liberados por glândulas endócrinas, mas também por outros órgãos, cuja principal função não é a endócrina, como cérebro (hipotálamo), coração (peptídeo natriurético atrial), fígado (fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1) e tecido adiposo (leptina). O órgão-alvo contém células que expressam receptores hormonais específicos e que respondem à ligação de determinado hormônio com uma ação fisiológica. As principais funções fisiológicas dos hormônios são: - Crescimento, desenvolvimento e diferenciação. - Manutenção da homeostase. - Reprodução. OBS.: Os hormônios sem os quais não vivemos são ADH, TSH, ACTH (cortisol) e insulina. Os hormônios podem ser classificados quanto à sua estrutura química em: - Proteínas ou peptídeos: ligam-se a receptores expressos na membrana plasmática da célula-alvo. → Exemplos: insulina, glucagon, ACTH, FSH, LH, TSH e hCG. - Aminoácidos: ligam-se a receptores expressos na membrana plasmática da célula-alvo; as exceções são os hormônios tireoidianos (T3 e T4), que se ligam a receptores nucleares das células-alvo. 2 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 → Exemplos: catecolaminas (adrenalina e noradrenalina), dopamina e T4. - Esteroides: ligam-se a receptores expressos no meio intracelular (citoplasma ou núcleo), pois são lipossolúveis e, portanto, capazes de atravessar a membrana plasmática das células. → Exemplos: citosol, aldosterona, estrogênio, progesterona, testosterona e vitamina D. Os hormônios podem apresentar 3 tipos de efeitos diferentes: - Endócrino: quando o hormônio é liberado na circulação sanguínea e, em seguida, transportado pelo sangue para exercer efeito biológico em células-alvo distantes. - Parácrino: quando o hormônio liberado de uma célula exerce efeito biológico sobre a célula vizinha, frequentemente localizada no mesmo órgão ou tecido. - Autócrino: quando o hormônio produz efeito biológico sobre a mesma célula que o libera. Os hormônios podem circular no sangue de forma livre ou ligados a proteínas carreadoras, também conhecidas como proteínas de ligação. As proteínas de ligação aumentam o tempo de meia-vida do hormônio, visto que ele somente exerce sua ação quando está na forma livre e se liga ao seu receptor específico na célula-alvo. Portanto, a ligação de um hormônio a sua proteína carreadora regula a atividade hormonal, uma vez que ela controla a quantidade de hormônio livre para exercer sua função fisiológica. A maioria das proteínas carreadoras são globulinas sintetizadas no fígado. Assim, a ocorrência de alterações na função hepática pode resultar em anormalidades nos níveis de proteínas de ligação, podendo influenciar indiretamente nos níveis totais dos hormônios. Os hormônios proteicos ou peptídicos e aminoácidos (hidrofílicos) circulam em sua forma livre. Os hormônios esteroides e tireoidianos (lipofílicos) circulam ligados a proteínas carreadoras específicas. A interação entre determinado hormônio e sua proteína carreadora encontra-se em equilíbrio dinâmico, possibilitando adaptações que impedem as manifestações clínicas de deficiência ou de excesso hormonal. A secreção do hormônio é rapidamente regulada após alterações nos níveis das proteínas transportadoras. Por exemplo, os níveis plasmáticos de proteína de ligação ao cortisol aumentam durante a gravidez, resultando em aumento da capacidade de ligação do cortisol e consequente redução dos níveis de cortisol livre. A diminuição dos níveis de cortisol livre leva ao aumento da liberação hipotalâmica de CRH, que estimula a liberação de ACTH pela adeno-hipófise e, consequentemente, a produção e a liberação de cortisol pelas glândulas suprarrenais, restaurando os níveis plasmáticos de cortisol livre e impedindo as manifestações clínicas resultantes de sua deficiência. A ligação do hormônio ao receptor para o qual ele é específico resulta na ativação do receptor e na transdução de sinal intracelular com consequente ativação das funções biológicas da célula-alvo. Regulação da secreção hormonal: Os níveis plasmáticos hormonais oscilam durante o dia, exibindo aumentos e diminuições específicas de cada hormônio. Este padrão variável de liberação hormonal envolve múltiplos mecanismos de controle, que regulam a secreção basal e estimulada (níveis máximos) dos hormônios. A liberação hormonal pode ocorrer de forma constante ou pulsátil ao longo do dia. Os principais fatores ambientais que influenciam os ritmos de liberação hormonal são presença de luz ou escuridão, sono, alimentação, exercícios, estresse, etc. Os ciclos hormonais podem ter duração de 24 horas (ciclo circadiano), 28 dias (ciclo menstrual), etc. Gráfico: Secreção de hormônio do crescimento (GH) ao longo do dia. 3 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Gráfico: Secreção de cortisol ao longo do dia. Os principais mecanismos de regulação da secreção hormonal são: - Controle neural: glândula endócrina estimulada por neurônios do SNA simpático ou parassimpático via liberação de neurotransmissores (acetilcolina ou noradrenalina); assim, fármacos que influenciam na produção ou na liberação de neurotransmissores também influenciam na função endócrina. - Controle hormonal: produção e liberação de determinado hormônio pela glândula endócrina estimulada por outro hormônio; mecanismo de retroalimentação ou feedback positivo ou negativo exercido pelo hormônio recém-produzido sobre a liberação do hormônio que anteriormente estimulou sua produção. → Exemplo de feedback negativo: A adeno- hipófise libera TSH, que estimula a glândula tireoide a produzir e liberar T3 e T4 (principalmente T4). O T4 recém-liberado atua por meio de mecanismo de retroalimentação ou feedback negativo inibindo a liberação de TSH pela adeno- hipófise, sinalizando que há quantidade suficiente de hormônio tireoidiano e prevenindo a hipersecreção de TSH e a hiperestimulação da tireoide a produzir quantidades exageradas de T4. → Exemplo de feedback positivo: A adeno- hipófise libera LH, que estimula os ovários a produzirem estrogênio. O estrogênio é liberado ao longo do ciclomenstrual e, por volta do 14º dia, atua por meio de mecanismo de retroalimentação ou feedback positivo estimulando a liberação de mais LH pela adeno-hipófise, que atinge um pico e resulta na ovulação. - Controle por íons ou nutrientes: produção e liberação de determinado hormônio pela glândula endócrina estimulada pelos níveis plasmáticos de seu substrato. → Exemplos: produção e liberação de insulina e glucagon pelo pâncreas regulada pelos níveis plasmáticos de glicose; produção e liberação de calcitonina pela tireoide e de paratormônio pelas paratireoides regulada pelos níveis plasmáticos de cálcio e fosfato. Avaliação da Função Endócrina: Os distúrbios do sistema endócrino resultam de alterações na secreção hormonal ou na responsividade da célula-alvo à ação hormonal. Para avaliar a função endócrina em busca de possíveis doenças, devemos realizar a medição dos níveis plasmáticos 4 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 hormonais. Entretanto, a concentração de determinado hormônio no plasma sanguíneo não deve ser considerada como única forma de avaliar o paciente, uma vez que os níveis plasmáticos hormonais são influenciados por inúmeros fatores, como secreção pulsátil ao longo do dia, ritmo circadiano, ciclo sono- vigília e estado nutricional do paciente. Assim, a interpretação dos resultados laboratoriais sempre deve ocorrer aliada à clínica do paciente. Os níveis de hormônios devem ser avaliados com seus fatores reguladores adequados. Por exemplo, insulina com glicose, paratormônio com cálcio, T4 com TSH, etc. O excesso de hormônio-alvo deve ser avaliado com o hormônio hipofisário adequado para excluir a possibilidade de produção hormonal ectópica, que em geral é causada por um tumor secretor de hormônio. Quando os níveis do hormônio hipofisário estão altos e os níveis do hormônio-alvo estão baixos, há insuficiência primária do órgão endócrino-alvo. Quando os níveis do hormônio hipofisário estão altos e os níveis do hormônio-alvo também estão altos, há secreção autônoma do hormônio hipofisário ou resistência à ação do hormônio-alvo (falha do mecanismo de feedback negativo). Quando os níveis do hormônio hipofisário estão baixos e os níveis do hormônio-alvo também estão baixos, há insuficiência hipofisária. Quando os níveis do hormônio hipofisário estão baixos e os níveis do hormônio-alvo estão altos, há secreção autônoma pelo órgão endócrino-alvo.
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